"A LUTA DE UM POVO, UM POVO EM LUTA!"

Agência de Notícias Nova Colômbia (em espanhol)

Este material pode ser reproduzido livremente, desde que citada a fonte.

A violência do Governo Colombiano não soluciona os problemas do Povo, especialmente os problemas dos camponeses.

Pelo contrário, os agrava.


domingo, 31 de outubro de 2010

O Brasil de Dilma: mãos à obra

A vitória de Dilma Roussef é um recado da sociedade às forças conservadoras que tentaram, por vários meios, impedir que isso acontecesse. Entre eles destaque-se os meios de comunicação, transformados em partido político, sem base social mas ainda com grande poder persuasivo.

Foram eles os responsáveis pela realização do segundo turno em 2006
e 2010. Sem mandato, julgam-se no direito absoluto de impor à sociedade suas visões de mundo, defendendo interesses restritos à classe social da qual são parte e porta-vozes. Trata-se de uma distorção incompatível com o
jogo democrático. O presidente Lula disse, em excelente entrevista à
Carta Maior (com Página 12, da Argentina e La Jornada, do México),
estar decidido a se empenhar, fora do governo, no trabalho de "primeiro convencer o meu partido de que a reforma política é importante, (...) e depois, convencer os partidos aliados de que a reforma política é importante. Se tivermos maioria, poderemos votar a reforma política, eu diria, nos próximos dois anos".

Tarefa imprescindível, sem dúvida. O Brasil vive sob o descompasso existente entre os avanços econômicos e culturais alcançados nos últimos oito anos e um sistema político arcaico, perpetuador de privilégios. Executivos comandados por presidentes populares, afinados com as aspirações maiores da sociedade, tiveram sempre a fustigá-los interesses mesquinhos articulados por máquinas políticas instaladas no legislativo, mais suscetível ao voto não-ideológico. Situações geradoras de crises históricas que levaram, por exemplo, Getúlio à morte e Jango ao exílio.

Lula não foi exceção e só sobreviveu graças a sua incontestável habilidade política. Daí o seu empenho em, além de eleger a sucessora, dar a ela a possibilidade de governar com um Congresso menos hostil. Talvez essa tenha sido a maior exasperação da mídia ao perceber que muitos dos seus aliados e representantes tradicionais não voltariam, como não voltarão, à Câmara e ao Senado no ano que vem.

No entanto, o país não pode mais ficar à mercê das circunstâncias de ter, como hoje, um presidente disposto a enfrentar nas urnas esses adversários. Para isso são necessárias novas formas, modernas e democráticas, de se fazer política no Brasil. Financiamento público de campanha, equilíbrio nas representações parlamentares estaduais na Câmara e voto em lista, distrital ou misto, são pontos de partida para a discussão proposta pelo presidente Lula.

Mas a reforma não terá efeitos práticos se os meios de comunicação seguirem tendo o absurdo papel político-eleitoral de hoje. Não há democracia que resista por muito tempo ao poder que tem quatro famílias de estabelecer a agenda política nacional. Derrotadas, graças à força de um governo que as superou nas ruas e nas praças, nada garante que não voltem ainda mais dispostas a apoiar - como já fizerem em outras oportunidades - aventuras golpistas.

Não é tarefa fácil. Exige alta dose de competência e muito sangue frio. Qualquer ação corretiva nessa área é chamada de censura por aqueles que defendem seus privilégios com unhas e dentes. Se arvoram senhores da liberdade de expressão, de falarem o que querem, obrigando todos os demais ao mutismo.

Com a força das urnas, o novo governo pode acelerar algumas das iniciativas esboçadas na gestão que se encerra. A mais urgente é dar
ordenação legal ao setor da radiodifusão, verdadeira terra de ninguém,
sem lei e sem ordem. O governo Lula deixará para a presidente Dilma o
embrião desse projeto calcado nas experiências mais avançadas existentes hoje em todo o mundo e, claro, sintonizadas com a realidade brasileira. Não é possível seguirmos, na era da digitalização e da crescente convergência dos meios, com leis que tratam separadamente as telecomunicações e a radiodifusão. E, esta, além disso datada de 1962, época da chegada do vídeo-tape e da TV em preto e branco.

Quando o mundo convergia suas legislações para adaptar os marcos
legais a realidade tecnológica, o Brasil no governo tucano as separava
para permitir a privatização das telefônicas e preservar os privilégios dos radiodifusores. Está mais do que na hora de acabar com isso.

Cabe lembrar que já em 2007, o documento final do 3º Congresso
Nacional dos Partidos dos Trabalhadores propunha "a imediata revisão
dos mecanismos de outorga de canais de rádio e TV, concessões públicas
que vêm sendo historicamente tratadas como propriedade absoluta por
parte das emissoras de radiodifusão. Esta atualização passa pelo
cumprimento da Lei, haja vista a flagrante ilegalidade em diversas
emissoras, por maior transparência e agilidade nos processos e pela
criação de critérios e mecanismos para que a população possa avaliar e
debater não somente a concessão, mas também a renovação de outorgas".

O PT deve se juntar à luta da sociedade organizada para concretizar os preceitos da Constituição Federal de 1988 que estabelecem a proibição do monopólio na mídia e definem como finalidade do conteúdo veicular a educação, a cultura e a arte nacionais.

Que tal começar já, discutindo e aprofundando essas questões no período de transição do governo Lula para o governo Dilma? Passo fundamental nesse sentido é dotar o Ministério das Comunicações de transparência absoluta, aberto à sociedade e aos seus reclamos quanto, por exemplo, a qualidade dos serviços prestados pelas empresas de rádio, televisão e telefonia. Tornando-o partícipe da elaboração e encaminhamento de projetos de lei voltados para a democratização das comunicações, hoje restritos a outras àreas de governo, como as Secretarias Especiais de Direitos Humanos e de Comunicação da Presidência da República.

Mas um novo Ministério das Comunicações é apenas parte do enfrentamento do problema. Por se tratar de questão-chave para a democracia a empreitada deve ser vista como prioridade absoluta do governo como um todo. Só assim haverá massa crítica e força suficientes para avançarmos no projeto nacional de banda larga oferecido por sistema público, acabarmos com a propriedade cruzada dos meios de comunicação, ampliarmos a abrangência de cobertura da TV Brasil e das emissoras de rádio da EBC, garantirmos a aplicação do dispositivo constitucional referente a obrigatoriedade de um percentual de programas regionais na televisão, criarmos uma agência reguladora para os serviços de radiodifusão capaz de, por exemplo, coibir a violação constante dos direitos humanos cometidos no rádio e na TV, entre tantas outras tarefas urgentes.

Sem esquecer a necessidade, prioritária, de impulsionarmos a existência de um grande jornal diário nacional, capaz de oferecer ao brasileiro uma outra visão de mundo, comprometida com a solidariedade e a justiça social, como fazia a Última Hora na metade do século passado.

Vamos buscar aquilo que de melhor o século 20 nos legou para, com a distribuição mais justa e acessível das novas tecnologias, passarmos a oferecer melhor não só as nossas riquezas materiais, mas também nossos preciosos bens simbólicos, fundamentais para a elevação do grau de civilidade do nosso país.

Vencemos: Dilma é eleita a primeira mulher presidente do Brasil

Dilma Rousseff (PT) é a primeira mulher presidente do Brasil, segundo o Datafolha.

Ex-ministra de Minas e Energia e da Casa Civil, Dilma foi alçada já em 2008 à condição de candidata pelo presidente Luiz Inácio Lula da Silva, que começou então a dar as primeiras indicações de que gostaria de ver uma mulher ocupando o posto mais importante da República.

Em 31 de março deste ano, Dilma deixou a Casa Civil para entrar na pré-campanha.

Cresceu nas pesquisas e chegou a ter mais de 50% dos votos válidos em todas elas, mas começou a oscilar negativamente dias antes do primeiro turno, após a revelação dos escândalos de corrupção na Casa Civil e da entrada do tema do aborto na campanha.

Logo no primeiro debate do segundo turno, reagiu aos ataques que vinha sofrendo e contra-atacou Serra. A partir daquele momento, a diferença entre os dois candidatos nas pesquisas parou de cair.

Dilma se torna neste domingo o 40º presidente da República brasileira.

NOME FORTE

Dilma tornou-se um nome forte para disputar o cargo ao assumir o posto de ministra-chefe da Casa Civil, em junho de 2005, após a queda de José Dirceu no escândalo do mensalão.

No comando da Casa Civil, Dilma travou uma intensa disputa com o então ministro da Fazenda, Antonio Palocci, por causa da política econômica do governo. Enquanto ele defendia aperto fiscal, ela pregava aceleração nos gastos e queda nos juros.

Dilma acabou assistindo à queda de Palocci, em março de 2006, devido à quebra do sigilo bancário do caseiro Francenildo Costa.

Com a reeleição de Lula e sem grandes rivais à altura no PT, Dilma tornou-se, depois do presidente, o grande nome do governo.

Apesar do poder acumulado e do protagonismo que passou a exercer ao lado de Lula, até outubro de 2007 Dilma negava que seria candidata.

MINAS E ENERGIA

Sua atuação à frente do Ministério de Minas e Energia rendera-lhe a simpatia do presidente Luiz Inácio Lula da Silva, que enxergou na subordinada, de perfil discreto e trabalhador, a substituta ideal para o posto de Dirceu.

Ela foi indicada para o ministério logo após Lula se tornar presidente, em 2002. No comando da pasta, anunciou novas regras para o setor elétrico além de lançar o programa Luz para Todos --uma das bandeiras de sua candidatura.

O novo marco regulatório para o setor elétrico --lançado em 2004-- foi considerado a primeira iniciativa do governo Lula, na área de infra-estrutura, de romper com os padrões do governo FHC, marcado pelo "apagão" de 2001.

A principal característica do novo marco foi o aumento do poder do Estado em detrimento da Aneel (Agência Nacional de Energia Elétrica).

ORIGEM

O pai de Dilma, Pedro Rousseff, veio para a América Latina na década de 30 do século passado. Viúvo, deixara um filho, Luben, na Bulgária. Passou por Salvador, Buenos Aires e acabou se instalando em São Paulo. Fez negócios na construção civil e com empreitadas para grandes empresas, como a Mannesmann.

Já estava havia cerca de dez anos no Brasil quando, numa viagem a Uberaba, conheceu a professora primária Dilma Jane Silva, nascida em Friburgo (RJ), mas radicada em solo mineiro. Casaram-se e tiveram três filhos. Igor nasceu em janeiro de 1947, Dilma, em dezembro do mesmo ano, e Zana, em 1951. A família escolheu Belo Horizonte para morar.

Levavam uma vida confortável. Passavam férias no Espírito Santo ou no Rio. Às vezes, viajavam de avião. Não era uma clássica família tradicional mineira. Os filhos não precisavam ter uma religião. Escolhiam uma fé se assim desejassem. O pai frequentava cassinos, gostava de fumar e beber socialmente.

Quando morreu, em 1962, Pedro deixou a família numa situação tranquila. Cerca de 15 bons imóveis garantem renda para a viúva Dilma Jane até hoje. Um dos apartamentos fica no centro de Belo Horizonte.

sábado, 30 de outubro de 2010

Organizações protestam contra prêmio a Uribe por combate ao terrorismo



Natasha Pitts

Fonte: Adital


Na tarde desta quarta-feira (27), o ex-presidente colombiano Álvaro Uribe será um dos homenageados em Madrid, na Espanha, pelo prêmio "La Puerta del Recuerdo", concedido pelo Observatório Internacional de Vítimas do Terrorismo da Fundação Universitária San Pablo CEU. A notícia gerou total descontentamento em membros de organizações e movimentos sociais de dentro e fora da Colômbia, que passaram a lutar para que o prêmio não seja entregue e Uribe não recebido na Espanha.

O objetivo do "La Puerta del Recuerdo" é reconhecer publicamente a atuação persistente de personalidades e instituições públicas ou privadas que lutam em defesa das vítimas do terrorismo, de sua memória, dignidade, justiça e liberdade.
A contradição mora no fato de que Uribe é acusado de ser responsável por diversos crimes de lesa humanidade e ainda, por está sendo investigado por escutas ilegais do serviço secreto colombiano e por realizar operações ofensivas ilegais em seu mandato contra membros da Corte Suprema de Justiça, jornalistas, membros da oposição política e ONGs defensoras dos direitos humanos.

Conhecedoras do histórico do ex-mandatário, organizações e movimentos sociais de dentro e fora da Colômbia, entre elas Plataforma Bolivariana de Madrid, Ecologistas em Ação, Casapueblos, Rede Capicua, Rede de Irmandade e Solidariedade com a Colômbia, Comitê Oscar Romero Madrid e ACSUR-Las Segovias, entre várias outras, decidiram se articular para que Uribe não seja recebido pelo governo da Espanha.

"Ante sua anunciada presença na Espanha para receber o prêmio ‘La Puerta del Recuerdo’ concedido pela Fundação Universitária San Pablo CEU lhe declaramos persona non grata", expressaram as organizações em carta de repúdio assinada por importantes atores sociais como Adolfo Pérez Esquivel (Prêmio Nobel da Paz) e Beverly Keene (Coordenadora do Jubileu Sul).

"Baseamo-nos nos comprovados vínculos de Uribe Vélez com grupos paramilitares e de narcotraficantes, com seu histórico que lhe compromete ao longo de sua carreira política com a realização de numerosas estratégias e campanhas de guerra suja contra organizações sociais, máximo responsável político e operativo de assassinatos políticos, detenções-desaparições, genocídios, massacres, torturas e deslocamentos forçados, cometidos pelas forças armadas (...)", denuncia a carta.

As manifestações não ficarão apenas no papel. Na tarde de hoje, organizações e movimentos estarão promovendo uma concentração em frente ao Cassino de Madrid, local de entrega da premiação, para lembrar e se solidarizar com as milhares de vítimas da violência política na Colômbia, assim como "para expressar indignação pela entrega do prêmio a Uribe e declará-lo persona non grata".

A manifestação pública também pedirá que Álvaro Uribe responda, ante a Corte Penal Internacional e outros tribunais, por todos os crimes contra a humanidade, cometidos ou consentidos por ele.

Além do ex-mandatário colombiano, a homenagem ao ex-presidente espanhol José María Aznar por sua luta contra o terrorismo enquanto governava, também gerou polêmica. Aznar, que hoje é presidente da Fundação para a Análise e os Estudos Sociais (Faes), chegou a ser considerado pela revista 'Foreign Policy' um dos piores presidentes do mundo.

A II edição do "La Puerta del Recuerdo" também homenageará o Coletivo de Vítimas do Terrorismo no País Vasco (Covite) e o diretor geral da Associação Francesa de Vítimas do Terrorismo, Guillaume Denoix de Saint Marc.

Só um fato de grande repercussão muda tendência pró-Dilma

por Jose Roberto de Toledo,jornalista do Estadão

A ampliação da vantagem de Dilma Rousseff (PT) na reta final do segundo turno dificulta muito a tentativa de José Serra (PSDB) de virar a eleição na última hora. O tucano briga contra a inércia do eleitorado. A esta altura, só um fato novo de grande repercussão lhe daria chance de mudar a tendência do voto.

A petista se distancia do tucano em praticamente todos os segmentos importantes de renda, escolaridade e faixa etária. Nas maiores regiões, ela consolidou a proporção de 2 votos para 1 no Nordeste, e aumentou para dez pontos sua diferença no maior colégio eleitoral, o Sudeste.

O fator religioso, principal responsável por levar a eleição para o segundo turno, foi neutralizado. Dilma tirou a vantagem de Serra entre os evangélicos, ampliou sua diferença entre os católicos e recuperou parte dos eleitores agnósticos, ateus e de religiões não-cristãs.

A recomendação do papa aos bispos para que atuem politicamente no Brasil contra quem defenda o aborto poderia ser o fato novo esperado pelos partidários do tucano?
Para surtir efeito eleitoral, a manifestação de Bento 16 precisaria chegar rapidamente aos seguidores da Igreja e com força suficiente para reverter a preferência de 55% dos católicos pela petista. No primeiro turno, Dilma perdeu quatro pontos entre os católicos nos últimos dias de campanha.

Uma queda nessas proporções entre os católicos agora implicaria diminuir de 14 para 9 pontos a vantagem de Dilma no total. Sem contar o eventual efeito inverso que isso poderia resultar entre os evangélicos e eleitores anti-clericais.

Com a questão moral de lado, o bolso voltou a ser soberano na eleição. No começo do segundo turno, os programas sociais do governo federal brecaram a queda de Dilma e impediram que o tucano empatasse.

Mas foi no eleitorado não-bolsista que ela cresceu nas últimas duas semanas. Ele tem sido o responsável por aumentar sua diferença sobre Serra. Hoje, segundo o ibope, 2 em cada 3 eleitores da petista não participam de nenhum programa federal.
E por que esse eleitor declara voto nela? Muito provavelmente pelo bom momento da economia, que expande o emprego, a renda e, principalmente, o crédito para o consumo. Um indicador indireto disso é a avaliação do governo Lula.

Entre o terço de eleitores que dá nota 10 à atual gestão, Dilma tem 78% do total de votos. Entre os 15% que dão nota 9, ela tem 2 em cada 3 votos. O divisor de águas é a nota 8, que compreende 23% do eleitorado.

Nela, Serra chegou a empatar com Dilma no começo do segundo turno: 47% a 47%. Agora, a petista voltou a abrir uma pequena diferença, e lidera por 48% a 43%. De 7 para baixo, o tucano vence por larga margem, mas esses eleitores são apenas um quarto do eleitorado.

quinta-feira, 28 de outubro de 2010

Néstor Kirchner, o líder que deu sentido à luta de uma geração

“Um dirigente nacional e internacional que acreditava no multilateralismo”, lembrou o secretário-geral da ONU, Ban Ki-moon. “Que grande perda sofre a Argentina e nossa América! Viva Kirchner para sempre!”, postou o presidente venezuelano, Hugo Chávez, no Twitter. “Foram notáveis seu papel na reconstrução econômica, social e política de seu país e seu empenho na luta comum na integração sul-americana”, destacou o presidente Lula.

Por André Cintra e Priscila Lobregatte

De várias maneiras, a notícia da morte de Néstor Kirchner comoveu tanto o povo argentino quanto a comunidade internacional. Vítima de uma parada cardiorrespiratória, o ex-presidente argentino (2003-2007) faleceu subitamente, na manhã desta quarta-feira (27), aos 60 anos.

Às inúmeras reações de pesar, somaram-se as primeiras análises sobre o legado histórico de Kirchner, espalhadas mundo afora pelas agências de notícias. Ele foi retratado como “homem que mudou o rosto da Argentina”, “líder latino-americano e figura-chave do movimento peronista”, “grande defensor da democracia”, “homem forte da Argentina do início do século 21”, “líder-chave da América Latina” e “símbolo da luta por um mundo melhor”.

Num continente historicamente oprimido — da colonização europeia ao imperialismo norte-americano, dos regimes militares aos governos neoliberais —, Kirchner foi o líder político que mais alçou os direitos humanos ao primeiro plano. Motivos não lhe faltavam. Em sete anos (1976-1983) sob a ditadura de Videla, Galtieri e cia., a Argentina contabilizou 30 mil mortos e desaparecidos políticos — as vítimas do terrorismo de Estado.

Logo depois da redemocratização — com a ascensão de um civil, Raúl Alfonsín, à Presidência —, o decreto 158 pôs os líderes das juntas militares no banco dos réus. A Conadep (Comissão Nacional sobre o Desaparecimento de Pessoas) iniciou uma investigação profunda sobre os crimes de lesa-humanidade da ditadura argentina, e todos os ex-presidentes do regime foram condenados à prisão.

Até que a promulgação, em 1986, das infames leis da “Obediência Devida” e do “Ponto Final” — também conhecidas como “leis de anistia” — legitimou a impunidade. A forte reação das Forças Armadas, ainda no governo Alfonsín, conseguiu paralisar os julgamentos e criar um clima de guerra civil. Sob o pretexto da governabilidade — e o temor do confronto —, os sucessivos governos desprezaram a luta pelo direito à justiça e à verdade. Em 1990, o presidente Carlos Menem, sucessor de Alfonsin, pôs em liberdade os líderes da ditadura.

Praça de Maio

Enquanto isso, setores organizados da sociedade civil — com destaque para as persistentes Mães e Avós da Praça de Maio — mantiveram a batalha contra a impunidade na ordem do dia. A luta dessas ativistas ganhou a adesão de movimentos sociais, políticos, juízes, artistas, esportistas e outras personalidades. Foram quase duas décadas de perseverança, heroísmo e obstinação.

O que mudou para sempre a história foi a surpreendente ascensão de Kirchner à Casa Rosada. De político relativamente desconhecido na Argentina até as eleições presidenciais de 2003, o ex-intendente (prefeito) de Rio Gallegos e ex-governador de da província de Santa Cruz se viu ante o desafio de enfrentar a crise política, econômica e social que deixou 60% dos argentinos vivendo na pobreza. Um colapso inimaginável para uma nação que, um século antes, detinha metade do PIB sul-americano e se considerava “um pedaço da Europa perdido na América por um esquecimento de Deus”.

Kirchner, uma vez empossado, liderou não apenas a superação da crise — mas também a recuperação do orgulho argentino. Num golpe ao receituário neoliberal, lançou políticas desenvolvimentistas centradas no Estado e abriu mão do Fundo Monetário Internacional. A economia cresceu a taxas anuais de 8%, e o desemprego recorde despencou.

Para se livrar da corrupção, Kirchner fez uma “limpeza” audaciosa nas Forças Armadas, no Poder Público e também no Judiciário — símbolos, todos eles, de corrupção. Ao priorizar o diálogo com países vizinhos, fortaleceu o Mercosul a ajudou a impulsionar a integração latino-americana.

Com razoável aprovação popular e diante de uma nova correlação de forças nos meios militares, o governo encarou um de seus mais ousados desafios: o enfrentamento aos fantasmas e aos esqueletos da ditadura. Em poucos dias de gestão, Kirchner autorizou a extradição de torturadores de outros países e afastou militares que serviram aos aparelhos de repressão, sobretudo à Escola de Mecânica da Armada (Esma).

No ano de 2004, a Corte Suprema, sensível aos novos tempos, decidiu que crimes de lesa-humanidade — como genocídio, execução, tortura e desaparecimento — são imprescritíveis. Os militares foram também obrigados a desocuparem a Esma, que foi transformada em museu, sob uma administração conjunta que incluía as Mães da Praça de Maio.

Um ano depois, Kirchner derrubou as leis da Obediência Devida e do Ponto Final — passo decisivo para dar fim às “soluções negociadas”, à conciliação conservadora, à impunidade. Com isso, a Argentina voltou a julgar — e a condenar — dezenas de agentes do criminoso ciclo autoritário e abriu um sem-número de arquivos do regime.

“A vida pelo país”

Com Kirchner, pela primeira vez um governo recebeu o apoio das mães e avós que levaram sua mensagem da Plaza de Mayo para o mundo. “Nosso país necessitava muito desse homem. Foi uma pessoa indispensável", afirmou nesta quarta-feira Estela de Carlotto, presidente da associação Avós da Praça de Maio, ao comentar a morte de “um amigo que deu a vida pelo seu país” — “um homem que entrou nas nossas casas como um só”.

Já as Mães da Praça de Maio expressaram que choram por Kirchner tal como choraram por seus filhos que desapareceram durante a ditadura. “Com o mesmo compromisso da promessa que fizemos a nossos filhos, não abandonaremos a luta”, garantiu, em nota, a presidente da organização, Hebe de Bonafini.

Na noite desta quarta-feira, milhares de argentinos tomam a Praça de Maio, em ato massivo em frente à Casa Rosada. Sobreviventes da ditadura militar, familiares das dezenas de milhares de vítimas, ativistas de direitos humanos e outros tantos argentinos se despedem de um presidente que, mais do que alento, deu sentido à luta de uma geração.

quarta-feira, 27 de outubro de 2010

A recuperação do Estado

Por Emir Sader

Entre o desespero de apelar para temas mais sórdidos ainda – saúde e tortura da Dilma – e resignação, a vertente midiática da direita apela para a desqualificação da campanha eleitoral e da política. Como se não tivesse sido conivente com o nível escandalosamente baixo e obscurantista a que seu candidato baixou sua campanha, trata de dizer que foi a pior campanha de todos os tempos, buscando debilitar o vitorioso nas urnas.

Desde novembro do ano passado, o programa do PT mostrou, ao comparar os governos FHC e Lula, como o quadro político geral seria muito negativo para a oposição. O seu candidato primeiro tentou se mostrar como seu melhor continuador, esquecendo o governo FHC, depois seu crítico, sem alternativas de governo. Refugiou-se na realidade no denuncismo sem provas, contando com o partidarismo declarado da velha mídia e seu sensacionalismo. Esta rasgou todas suas vestes, não deixou um ápice de credibilidade, na tentativa desesperada de não continuar fora do governo, em meio à sua pior crise.

Para os adeptos do mercado como eixo determinante das relações econômicas e sociais, se trata sempre de ter Estados, governos e mandatários fracos. A desmoralização da política é a condição da sua força, de aparecer como personificando as necessidades do país contra os poderes constituídos. Daí o denuncismo permanente contra governantes, Parlamentos, instituições estatais. Nada funciona, tudo está mal, a corrupção sempre aumenta, a política é por essência uma prática degenerada, o Parlamento não representa a sociedade. Tudo como contrapartida essencial para promover, de forma direta ou indireta, a pureza do mercado.

Por isso sofrem muito quando o tema das privatizações aparece denunciado, que foi o carro-chefe do neoliberallismo e dos negócios generalizados do maior escândalo da historia brasileira – a venda, a preço de banana, do patrimônio público. Dilma denuncia isso fortemente, Serra passa de tentar defender a, ele mesmo, renegar o que o governo a que ele pertenceu fez como uma grande realização – no discurso do escondido FHC.

Porque as privatizações seriam a prova última de que o que é estatal não funciona e quando passa a mãos privadas, ganharia dinamismo, eficácia, transparência. Idéia que deixou definitivamente de existir desde os maiores escândalos globais protagonizados por grandes empresas multinacionais, levando de roldão grande quantidade de executivos até ali promovidos como exemplos de competência. E, como contrapartida, o funcionamento da Petrobrás, do Banco do Brasil, da Caixa Econômica – para tomar três casos exemplares – terminou de configurar como, quando bem administradas, no interesse publico, as empresas estatais aparecem como as de melhor desempenho econômico e com orientações de caráter profundamente social.

Daí o desespero de tentar desqualificar os governos, o Estado, Lula, Dilma, como envolvidos em corrupção, na utilização do Estado para fins privados e partidários, etc., etc. É o tema central da velha mídia, incapaz de provar ao povo brasileiro de que o governo Lula – com apenas 3% de rejeição – teve desempenho ruim. E como a maioria dos cidadãos não se deixa influenciar por essas campanhas, tentam passar a idéia de que o povo foi comprado por políticas assistencialistas, ao invés de aceitar que defendem causas antipopulares e perderam capacidade de influencia política.

Vai terminando a campanha eleitoral de forma melancólica para as forças opositoras – tanto suas vertentes partidárias como midiáticas – que, de confirmarem-se as projeções atuais, entrarão em uma gigantesca crise de identidade. Pela primeira vez perdem três eleições presidenciais seguidas, saem com sua debilidade irreversivelmente afetada, derrotadas política e moralmente.

Deixou de ser um trunfo vitorioso desqualificar o Estado e os governos, porque temos um Estado recuperado no seu prestigio e um governo de aceitação popular recorde. Deixou de ser argumento eleitoral de valia, dizer que se vai baixar os impostos – porque se pagaria e o Estado não devolveria serviços à população – porque se estenderam como nunca os direitos sociais com políticas governamentais do tamanho da pobreza que os governos anteriores tinham produzido. Deixou de valer o argumento da incompetência estatal, porque temos o governo mais competente do ponto de vista do crescimento econômico e da gestão de políticas sociais.

O Estado esteve sempre no centro dos debates, como referência diferenciadora dos que lutam contra o reino do dinheiro e da mercantilização e dos que trataram de fazer da sociedade o jogo do vale tudo em que tudo tem preço, em que tudo se compra e tudo se vende, na contramão dos direitos universalizados e de um país para todos.

segunda-feira, 25 de outubro de 2010

MONO JOJOY: O FIM DA GUERRA, SÓ VIRÁ COM O DIÁLOGO



Fonte: JORNADA DO MÉXICO / Jorge Enrique Botero


O povo é invencível e as causas pelas quais surgimos ainda estão vigentes...Por isso, nem os imperialistas nem a oligarquia colombiana podem nos derrotar, disse Briceño no mês de agosto passado.




Serrania de La Macarena, Colômbia. Caminho pelas trilhas da serra de La Macarena com um pelotão de 11 guerrilheiros das Forças Armadas Revolucionárias da Colômbia (FARC), penetrando nas entranhas da última cadeia de montanhas da topografia colombiana antes que a paisagem se transforme numa planície tão verde como infinita, capaz de chegar até a Venezuela e o Brasil, milhares de quilômetros para o leste.

Já se passaram quase três anos desde que enviei ao Mono Jojoy um pedido para entrevistar a Tanja Nijmeijer, uma jovem holandesa que entrou para as fileiras das FARC no final de 2002, e há poucos dias recebi uma resposta positiva. Imediatamente preparei meu equipamento de gravação, umas roupas e parti.

Agora que sigo as pegadas de Tanja e me aproximo lenta e penosamente ao lugar remoto onde a imagino, cresce a minha curiosidade por essa mulher, convertida numa verdadeira lenda dessas florestas desconhecidas, onde ocorre, desde os meiados do século passado, a guerra mais longa Hemisfério Ocidental.

Há apenas um par de semanas, vi em Bogotá um documentário em que a mãe de Tanja pede às FARC para que permitem que sua filha volte para casa. O audiovisual, dirigida pelo cineasta holandês Leo de Boer, mostra uma mãe perturbada sobrevoando a selva amazônica em um helicóptero do exército colombiano, gritando através de um altofalante para que sua filha fuja. Hannie, a mãe de Tanja, também aparece no documentário pedindo perdão a um grupo de vítimas da guerra pelas eventuais ações violentas que a sua filha possa ter cometido.

Enquanto subimaos e desciamos montanhas em silêncio absoluto, com o eco dos morteiros repercutindo nas encostar rochosas da serra, me invadiram as lembranças do dia em que conheci a holandesa, em Junho de 2003, poucos meses depois do seu ingresso nas fileiras insurgentes. A idéia de uma Tanja virtualmente sequestrada pelas FARC, não se enquadrava em nada na entusiasmada guerrilheira que apareceu na minha frente. Naquela época já tinha adotado o nome de Alexandra e carregava um fuzil AK-47, que parecia feito à sua medida. Esgotantes jornadas de treinos, por várias semanas, tinham esculpido um corpo que era invejado por outras guerrilheiras e seus primeiros amores na montanha já começavam a surgir por entre a folhagem. Também começava a aparecer o seu lado de educadora, pelo que o Mono Jojoy já a percebera.

Alguns meses mais tarde voltei a vê-la. Já estava nos acampamentos do comandante do Bloco Oriental, dando aulas de Inglês para um seleto grupo de guerrilheiros.

“We are FARC, we are the people army”, fazia com que seus alunos repetissem uma e outra vez na muito bem arrumada sala de aulas onde a encontrei de novo.

Os dias e as noites passam, até que Efrém, o comandante da Frente 27 das FARC e chefe do acampamento onde eu esperava, me anunciou, em 19 de agosto, que devia me preparar, porque dentro de algumas horas a veria. “O Camarada Jorge (Briceño) envia saudações, que talvez lhe conceda uma entrevista”, disse Efrém.

Em 20 de agosto, empreendi um curta marcha ao final da qual descubri a Alexandra mimetizada na folhagem, misturada com mais de 300 guerrilheiros que se preparam para um solene desfile militar na graduação de 57 jovens guerrilheiros que recentemente ingressaram nas fileiras das FARC e, de passagem, farão uma homenagem a Jacobo Arenas, um dos fundadores desta enigmática e beligerante força insurgente colombiana.

A câmera já está ligada e enamorada de Tanja quando, de repente, de um denso túnel de árvores, caminhando lentamente e visivelmente afetado pelo diabetes e pelo passar dos anos, faz a sua entrada em cena Jorge Briceño, o comandante do Bloco Oriental das FARC, mais conhecido como Mono Jojoy.

Vem escolatado pela sua guarda pessoal e um pequeno exército de enfermeiras, seu filho, Chepe, seu companheira Shirley, sua sobrinha Diana e o homem responsável pela gravação de seus passos, Julian, que é sobrinho do mais temido guerreiro das FARC e o troféu mais cobiçado do governo de Bogotá.

Após o fim do desfile, dos hinos e discursos, fui comprimentar o comandante guerrilheiro. "Quero parabenizá-lo pela coragem de vir até aqui. A partir de amanhã poderá entrevistar a Alexandra ", me disse, ao mesmo tempo que faz graça dos estragos que a vida e o cáncer fizeram sobre mim.

Agradeço ao Mono Jojoy por ter me permitido chegar até os seus dominios para contar a história de Tanja, mas o adverto que não pretendo sair dai sem gravar uma entrevista com ele.

Argumentei que ele não dava uma entrevista a ninguem há mais de sete anos.

O líder guerrilheiro faz um silêncio que parece eterno antes de responder.

"Eu vou pensar sobre isso, mas enquanto isso dedique-se a ‘Holanda’, respondeu ele.
Em 25 de agosto, 27 dias antes de que uma tempestade de bombas acabe com sua vida, tenho diante da minha câmera o próprio Mono Jojoy. Esta é a sua última entrevista a um meio de comunicação.

Jorge Enrique Botero: Passaram-se oito anos de Uribe, também gastaram mais de dez mil dólares americanos e uns 30 bilhões de dólares de investimento colombiano; dezenas de milhares de soldados, aviões, desembarques, bombardeios, recompensas, informantes e, mesmo assim, as FARC continuam por ai... Como o senhor explica isto, comandante?

Mono Jojoy: Simplesmente porque o povo é invencível e as causas pelas quais nós surgimos ainda estão vivas. Com o uribismo, essas causas têm se multiplicado e isso faz com que as FARC cada vez mais se aperfeiçoem na sua parte política e militares. Essa é a razão pela qual nem os imperialistas, nem a oligarquia colombiana, nem Uribe podem nos derrotar: porque somos o povo em armas.

JEB: No terreno militar, de quê forma esse aperfeiçoamento das FARC que o senhor se refere, tem-se expressado?

MJ: Em muito mais mobilidade, melhor aplicação do comando em todos os niveis da implementação tática, operacional e estratégica da nossa linha, mas também na organização das massas, do contato com o povo. Continuamos a avançar com mais força, porque temos 46 anos de existência e já vamos para 47. Aproximam-se os levantamentos populares. Não só na Colômbia mas em toda a América e no mundo.

JEB: As FARC vinham de um período de quase três anos de diálogos, de uma zona desmilitarizada, de pouca confronto com o exército e, de repente, rompe-se os diálogos; Quão dura foi para vocês essa transição da zona desmilitarizada para o Plano Patriota?

MJ: O planejamento político-militar e estratégico das FARC tem sido sempre para guerrilhas móveis, um exército regular. Durante todo tempo das conversações tivemos isso muito claro, então o que se produziu foi um acoplamento à nova situação. Além disso, no governo de Andrés Pastrana existiam cinco municípios liberados pelas forças públicas, mas no restante habiam confronto político-militar.

JEB: Comandante, no caminho para este lugar onde realizamos esta entrevista, tive a oportunidade de conversar com muitos guerrilheiros, que de alguma forma se sentem gratos pela quantidade de treinamento, de experiência de combate adquirida nesses anos. O que mudanças vê em suas tropas?

MJ: Vejo comandantes e pessoal de base muito mais qualificados, mais políticos, mais trabalhadores pela paz na Colômbia, que acham necessário o confronto militar para chegar às conversações. Nós não estamos fazendo a guerra pela guerra, ou porque gostamos, é que o Estado inventou esta guerra e este mesmo Estado, com seus dirigentes oligarcas, com os gringos, têm que resolvê-la.

JEB: A última vez que pude entrevista-lo já faz uns sete anos. O senhor prognosticava a um grupo de prisioneiros de guerra que com o presidente Álvaro Uribe não haveria nenhum tipo de acordos, e seu prognostico se cumpriu. Na sua opinião, para onde vai a guerra? O que vislumbra para o futuro com a chegada de Juan Manuel Santos como o novo presidente do país?

MJ: Santos, como a continuação de uma política imperialista e oligárquica, buscará, por todos os meios, destruir a luta do povo colombiano. Nós, que fazemos parte dessa luta, partimos do princípio de que o povo é invencível, então a guerra vai terminar em uma mesa de negociação para resolver o que está colocado nos documentos das FARC, de outra forma não há acordos.

Isto não se acaba com tiros, nem bombas, nem mísseis, nem com aviões: se acaba com cabeças pensantes, com políticas, resolvendo as necessidades do povo. Para isso caminha a guerra. Nós, humildemente, com muita modéstia, continuamos o enfrentamento militar porque não há outra saída. É o inimigo que não quer conversar. A guerra vai continuar enquanto a oligarquia decida mantê-la. Não estamos de acordo com a guerra, a fazemos porque fomos obrigados, porque foi imposta. Não há outra decisão e o fazemos com dignidade.

JEB: Ainda há 19 oficiais das forças públicas sob a guarda das FARC. O que você sabe deles, como estão de saúde, quais são as suas condições e o que acha que pode acontecer em relação a sua libertação?

MJ: Em primeiro lugar, a troca de prisioneiros continua vigente, porque são proposta FARC, por isso lutamos e o povo colombiano tem que dedicar muita energia para tirar esses suboficiais e oficiais da polícia e do exército que estão sob a nossa guarda. Essa é uma decisão política. O governo já disse: os resgataremos por qualquer meio e, segundo essa linha, tem havido algumas ações nefastas, desgraçadas, nas quais tiveram a oportunidade de resgatar alguns mas isso não indica que todos possam ter êxito. O objetivo é a troca de prisioneiros, e continuar a lutar por isso.

JEB: O senhor tem noticias dos reféns, o que sabe sobre a saúde deles?

MJ: Eles estão bastante desgastados pela mobilidade, pelas operações militares, pelos bombardeios que põem em perigo essa gente que lutou pelo Estado, pela oligarquia colombiana, para a qual eles não tem a menor importância. São mandados para o combate somente como bucha de canhão, para ser mortos ou mutilados, são gente pobres assim como nós. São gente do povo.

JEB: Houve muita especulação sobre o suposto isolamento total em que se encontram as FARC, inclusive criaram-se mitos que vocês estão comendo raízes. Recentemente houve uma grande operação sobre supostas cavernas onde o senhor estaria se escondendo... Dissem que vocês estão desconectados do mundo. Quão tão conectado ao mundo se sente o Mono Jojoy?

MJ: Nós estamos conectados com o mundo. Somos informados e hoje as FARC são conhecidas onde quer que haja seres humanos. Se comemos raízes? Sim! Comemos mandioca, comemos batatas, cenoura amarela e outras. Estamos muito bem, com a melhor condição física, porque somos atletas, temos mobilidade e não vão nós amedrontar com nada.

JEB: Quanta falta faz o gênio político e militar de Marulanda nas FARC dehoje?

MJ: O temos sentido em nosso ser, todos os guerrilheiros das FARC, tanto o Secretariado, o Estado Maior Central, comandantes de blocos, comandos conjuntos, frentes, etc, porque não existe outro igual a ele.

JEB: Qual é a política de fronteiras das FARC?

MJ: A política de fronteiras é de boas relações com os vizinhos, de organização de massas, de respeito mútuo e, dentro destas políticas, tem havido algumas más condutas por comandantes que não atendem plenamente as orientações e tivemos dificuldades. Mas de fraternidade, porque somos povos bolivarianos unidos pela liberdade, justiça e unidade.


A vigência da luta armada


JEB: O que responde o Mono Jojoy àqueles que afirmam que o tempo das armas já passou?

MJ: Todo mundo tem sua maneira de pensar. Se se está presidindo um Estado, se é senador de uma república, se está no poder, cada um tem uma maneira de pensar. Nós, que estamos na luta popular, pensamos que a luta armada revolucionária tem plena vigência e, por isso, os documentos das FARC não devem ser revistos, porque tem a ver com as oligarquias e com os imperialistas. O dia em que cessar a agressão contra os povos do mundo, que a oligarquia deixe de matar os colombianos, então haverá mudanças nessa ordem.

JEB: Alexandra, a moça holandesa que ingressou nas FARC em 2002, serve numa de suas unidades. Qual é sua opinião sobre ela? Como o senhor interpreta que uma moça como ela esteja nas fileiras da guerrilha colombiana?

MJ: Ela é uma mulher que chegou à Colômbia por necessidades de trabalho, com o desejo de conhecer o mundo e tomou conhecimento das FARC porque houvia falar mal delas, porque lhe diziam qua as FARC não existiam e que eramos o pior, e foi-nós conhecendo e se apaixonou pela luta revolucionária a partir das FARC. Assim, ela na vida guerrilheira é uma aluna extraordinária que faz tudo o que corresponde a um guerrilheiro. Fez os cursos básicos, os médios, os gerais, tem desempenho muito bom e a gente gosta dela. Além disso, já começa a dirigir, porque tem capacidade. É uma mulher sobre a qual tem se especulado muito, mas ela é uma revolucionária europeia, é uma internacionalista e, através dela, muitos mais podem chegar, pois a exploração é mundial.

JEB: Quando ela ingressou nas FARC e o senhor a conheceu, pensou que conseguiria ser uma guerrilheira ou teve duvidas?

MJ: No início, quando nos encontramos pela primeira vez, pela experiência que temos, dizemos “ela não vai aguentar”, pelo comportamento que se deve ter nas montanhas, por sua condição física, mas eu me enganei e agora ela anda mais do que eu.

Mensagem do Comandante-em-Chefe Fidel Castro Ruz contra a Guerra Nuclear

O uso das armas nucleares em uma nova guerra implicaria o fim da humanidade. Assim foi previsto pelo cientista Albert Einstein, que foi capaz de medir sua capacidade destruidora de gerar milhões de graus de calor que tudo o volatiliza em um amplo rádio de ação. O genial investigador foi impulsionador do desenvolvimento desta arma antes que o regime nazi de genocídio dispusesse dela.


Qualquer governo do mundo está obrigado a respeitar o direito à vida de qualquer nação e do conjunto de todos os povos do planeta.


Hoje existe um risco iminente de guerra com o emprego deste tipo de armas e não albergo a menor dúvida de que um ataque dos Estados Unidos e Israel contra a República Islâmica do Irão, tornar-se-ia, inevitavelmente, em um conflito nuclear global.


Os povos estão no dever de exigir aos líderes políticos seu direito a viver. Quando a vida de sua espécie, de seu povo e dos seus seres mais queridos correm semelhante risco, ninguém pode dar-se ao luxo de ser indiferente, nem se pode perder um minuto em exigir o respeito por esse direito; amanhã seria tarde demais.


O próprio Albert Einstein afirmou textualmente: “Sei lá quais serão as armas que se utilizarão na Terceira Guerra Mundial, mas na Quarta Guerra Mundial usarão paus e pedras”. Sabemos o que quis expressar, e tinha toda a razão, só que já não existiriam os que manejem os paus e as pedras.

Haveria prejuízos colaterais, como afirmam sempre os líderes políticos e militares norte-americanos, para justificar a morte de pessoas inocentes.


Em uma guerra nuclear o prejuízo colateral seria a vida da humanidade.


Tenhamos o valor de proclamar que todas as armas nucleares ou convencionais, tudo o que sirva para fazer guerra, devem desaparecer!

Fidel Castro Ruz
15 de outubro de 2010

domingo, 24 de outubro de 2010

Guerra suja na campanha eleitoral

Por Venício Lima

Artigo publicado originalmente no Observatório da Imprensa

As campanhas eleitorais têm servido para revelar, de forma inequívoca, qual a ética empresarial e jornalística que predomina na grande mídia brasileira.

Os episódios recentes relacionados à demissão de conceituada articulista do Estado de S.Paulo, assim como a ação da Folha de S.Paulo, que obteve na Justiça liminar para retirada do ar do blog de humor crítico Falha de S.Paulo, são apenas mais duas evidências recentes de que esses jornalões adotam, empresarialmente e dentro de suas redações, práticas muito diferentes daquelas que alardeiam em público.

Como se sabe, o Estadão é o jornal que afirma diariamente estar sofrendo "censura" judicial, há vários meses.

Tratei do tema neste Observatório quando da demissão do jornalista Felipe Milanez, editor da revista National Geographic Brasil, publicada pela Editora Abril, por ter criticado, via Twitter, a revista Veja (ver "Hipocrisia Geral: Liberdade de expressão para quem?"].

Corre solta também, na internet, uma guerra – e, como toda guerra, sem qualquer ética – de manipulação da informação, agora tendo como aliados partidos de oposição e os setores mais retrógrados das igrejas católica e evangélica, incluindo velhas e conhecidas organizações como o Opus Dei e a TFP.

Ademais, uma série de panfletos anônimos sobre candidatos e partidos, de conteúdo mentiroso e manipulador, tem aparecido e circulado em diferentes pontos do país, aparentemente de forma articulada.

Estamos chegando ao "primeiro mundo". Repetem-se aqui as estratégias políticas obscuras que já vem sendo utilizadas pelos radicais conservadores ligados – direta ou indiretamente – à extrema direita do Partido Republicano – o "Tea Party" – e também pela chamada "Christian Right", nos Estados Unidos.

A bandeira da liberdade de expressão equacionada, sem mais, com a liberdade de imprensa, não passa de hipocrisia.

Começou com o PNDH3

A atual onda, que acabou por deslocar o eixo da agenda pública da campanha eleitoral e da propaganda política no rádio e na televisão para uma questão de foro íntimo e religioso, teve seu início na violenta reação ao Programa Nacional de Direitos Humanos 3 (PNDH-3), capitaneada pela grande mídia. Na época, escrevi:

"O curto período de menos de cinco meses compreendido entre 21 de dezembro de 2009 e 12 de maio de 2010 foi suficiente para que as forças políticas que, de fato, há décadas, exercem influência determinante sobre as decisões do Estado no Brasil, conseguissem que o governo recuasse em todos os pontos de seu interesse contidos na terceira versão do Programa Nacional de Direitos Humanos (Decreto n. 7.037/2009). Refiro-me, por óbvio aos militares, aos ruralistas, à Igreja Católica e, sobretudo, à grande mídia." ["A grande mídia vence mais uma", 15/5/2010].

São essas forças políticas – com seus paradoxos e contradições – que agora se unem novamente para tentar influir no resultado das eleições presidenciais de 2010, valendo-se da "ética" de que "os fins justificam os meios".

Lições
A essa altura, já podem ser observadas algumas lições sobre a mídia e suas responsabilidades no processo político de uma democracia representativa liberal como a nossa:

1. Não é apenas a grande mídia que tem o poder de pautar a agenda do debate público. A experiência atual demonstra que, em períodos eleitorais, essa agenda pode ser pautada "de fora" quando há convergência de interesses entre forças políticas dominantes. Elas se utilizam de seus próprios recursos de comunicação (incluindo redes de rádio e televisão), redes sociais (p. ex. Twitter) e correntes de e-mail na internet. A grande mídia, por óbvio, adere e abraça a nova agenda por ser de seu interesse.

2. Fica cada vez mais clara a necessidade do cumprimento do "princípio da complementaridade" entre os sistemas de radiodifusão (artigo 223 da Constituição). Seria extremamente salutar para a democracia brasileira que o sistema público de mídia se consolidasse e funcionasse, de fato, como uma alternativa complementar ao sistema privado.

3. Independente de qual dos candidatos vença o segundo turno das eleições presidenciais, a regulação do setor de comunicações será inescapável. Não dá mais para fingir que o Brasil é a única democracia do planeta onde os grupos de mídia devem prosseguir sem a existência de um marco regulatório.

4. O artigo 19 da Constituição reza:

É vedado à União, aos Estados, ao Distrito Federal e aos Municípios:

I – estabelecer cultos religiosos ou igrejas, subvencioná-los, embaraçar-lhes o funcionamento ou manter com eles ou seus representantes relações de dependência ou aliança, ressalvada, na formada lei, a colaboração de interesse público.

Apesar de ser, portanto, claro o caráter laico do Estado brasileiro, na vida real estamos longe, muito longe, disso.

5. Estamos também ainda longe, muito longe, do ideal teórico da democracia representativa liberal onde a mídia plural deveria ser a mediadora equilibrada do debate público, representando a diversidade de opiniões existentes no "mercado livre de idéias". Doce ilusão.

Venício A. de Lima é professor titular de Ciência Política e Comunicação da UnB (aposentado) e autor, dentre outros, de Liberdade de Expressão vs. Liberdade de Imprensa – Direito à Comunicação e Democracia, Publisher, 2010.

sexta-feira, 22 de outubro de 2010

Dias que condensam décadas

Emiliano José (*) (foto)

A ilusão na política é uma péssima companhia. De modo geral, esse pecado é cometido não só pela incapacidade de an alisar a correlação de forças como também da ausência de conhecimento histórico. Há muito que comentar sobre essa campanha. Como o Serra conseguiu, de longe, ultrapassar o Collor no jogo baixo, sujo, próximo do gangsterismo, do banditismo, envolvendo não só o que o professor Giuseppe Cocco chamou de leilão das paixões tristes (machismo, sexismo, racismo), como também a montagem de um impressionante aparato clandestino de comunicação, um esquema nacional de telemarketing destinado a caluniar, mentir, difamar, tudo dirigido contra uma mulher, Dilma Rousseff.

Cito esses poucos exemplos, para não fazer uma longa lista, que não cabe aqui. Depois da volta das eleições diretas, é a campanha em que a direita joga mais sujo, e talvez nossas ilusões não permitissem antecipar essa possibilidade. Quem sabe confiássemos num jogo democrático, quem sabe de alto nível. Quem sabe imaginássemos um Serra ainda envolto por sua herança pré-64, verde presidente da UNE. Quem sabe o quiséssemos pronto para o debate limpo, ele defendendo o projeto de Brasil que de fato advoga, o Brasil neoliberal, livre das amarras da presença do Estado, que deve ser, nesse projeto, cada vez mais mínimo, que me desculpem a expressão pleonástica. Um Estado voltado a reprimir, o Estado do uso da força, aliás uma de suas propostas mais caras e claras.

Nossas ilusões, talvez, incluíssem, sem que o quiséssemos, a abolição da luta de classes. Esquecemo-nos de lições antigas. Aquelas que aprendemos no passado, e que a vida democrática, tão prezada por nós e que devemos prezar sempre, pode nos levar a esquecer. Vem de Marx, o velho e sempre atual Marx, a lição de que toda a história da humanidade é a história da luta de classes. E nós podemos dizer, com tranqüilidade, que ela está mais viva do que nunca. E o Brasil dessas eleições é uma evidência disso. Os campos se definem claramente, e agora o que antes poderia parecer um jogo civilizado, deixou de sê-lo, e isso desde o primeiro turno, sem que acordássemos devidamente para isso. Descambou para o que sem medo de errar podemos chamar, como o fazíamos antes, de ódio de classe. Um ódio que faz questão de mostrar a cara.

A campanha do Serra mergulhou atrás do ódio. Tentou plantar na sociedade brasileira pelos métodos mais sórdidos a semente do ódio. Até o bordão de que comunista come criancinha voltou quase que literalmente, para sacrificar a mulher no altar hediondo de um moralismo medieval, como disse num texto para o Terra Magazine. Não importa que tantas mulheres, milhares delas, morram por ano no País devido à falta de atendimento por conta de abortos feitos em condições miseráveis, aviltantes, que atentam contra a dignidade humana. Não importa que ele mesmo, Serra, tenha, como ministro da Saúde, determinado o atendimento a essas mulheres. Ele mente, ele nega, e ele não cora ao mentir. É só lembrar o caso de Paulo Preto, que ele nega hoje, e amanhã o acolhe, temeroso da ameaça pública que o seu auxiliar lhe fez. O senso comum o compararia a Pedro, que negou Cristo três vezes, ou a Judas, que traiu Cristo, como diz a tradição bíblica. Talvez mais, muito mais Judas, do que Pedro.

Nós não tínhamos o direito de nos iludir. Não tínhamos o direito de ignorar as leis da luta de classes, que aprendemos com tanto rigor anteriormente. Será que ao nos convertermos à democracia, e digo nos convertermos porque durante algum tempo muitos de nós, da esquerda, a víamos como algo tático, será que então pensamos nela como um solene baile de valsa? Como um teatro onde todos se respeitam? Uma democracia onde as regras são aceitas e cumpridas? Onde os projetos são tratados habermasianamente? Todas essas ilusões se firmaram, talvez, porque nem nós mesmos ainda alcançamos a dimensão, o significado do projeto político que estamos encabeçando no Brasil, a importância que ele tem para o povo brasileiro e para o mundo, especialmente para os povos dos países mais pobres, os povos do Sul da humanidade.

Seria possível imaginar que esse projeto era do agrado de todos? Será que não compreendemos que esse era um governo de esquerda para as condições do Brasil e do mundo? E por isso suscetível de gerar tanto ódio? Será que não tínhamos a dimensão de que forças internacionais torcem, e queiramos que seja só torcida, para que esse projeto seja derrotado? Será que não sabíamos que o projeto político que estamos levando à frente criou uma impressionante rede de solidariedade entre nós e a América do Sul, o Caribe, a África, a Ásia? E que isso não pode agradar aos EUA? Será que um projeto que distribui renda como nós o fizemos, a maior distribuição de renda de toda a nossa história, ia ser tratado com punhos de renda pela direita brasileira?

O ódio deles tem razão de ser. E os métodos deles, é lamentável dizer isso, tinham de ser esperados por nós. Era previsto que eles agissem assim. Esperamos uma direita civilizada, ao contrário de tudo o que nos diz a nossa história. E digo isso não para afirmar qualquer coisa na linha de que deveríamos responder na mesma moeda. Se já tivéssemos compreendido isso desde o primeiro turno, deveríamos ter nos mobilizado, estimulado muito mais a nossa militância, deveríamos ter nos preparado para a hipótese do segundo turno, deveríamos também chamar para nós algumas teses caras à nossa juventude, tratado melhor os sonhos de tanta gente, que ainda quer ir além do que estamos fazendo, e ainda bem que há essa gente.

Temos poucos dias. Eles são decisivos. Estamos vivendo aqueles dias que condensam décadas. Aqueles dias que decidem o destino da Nação. O destino do povo brasileiro. Nossa inserção no mundo. Decide-se se o Brasil irá continuar a ser um protagonista central no mundo, um aliado fundamental dos países mais pobres, ou se voltará a ser vassalo dos grandes centros do capitalismo mundial, tal e qual o foi o governo demo-tucano, sob o professor Fernando Henrique Cardoso. Os militantes do PT, com sua vitalidade, seus sonhos de sempre, têm que ganhar as ruas, como estão fazendo mais e mais nas últimas horas. E têm que chamar a todos os que têm compromissos com esse projeto, da esquerda ao centro, para que não descansem até a vitória. As pesquisas têm indicado uma consolidação da preferência do povo brasileiro, que tem amadurecido muito nos últimos anos. Isso, no entanto, não nos autoriza a descansar um minuto que seja. Afirmar a democracia no Brasil é lutar para que esse País continue a distribuir renda e a crescer, e isso só é possível com a vitória de Dilma. O povo brasileiro vencerá.

(*) Jornalista, escritor.


quinta-feira, 21 de outubro de 2010

Reflexões do companheiro Fidel

O IMPÉRIO POR DENTRO
(QUINTA E ÚLTIMA PARTE)

“CAPÍTULOS 28 e 29

“Obama descia da residência quando se topou com Biden. Este lhe advertia: ‘O que o senhor está a ponto de fazer é uma ordem presidencial; já não se trata da continuação de um debate. Isto não é o que o senhor pensa. Isto é uma ordem. Sem eles, estaríamos prendidos em una situação parecida à do Vietnã.’

“Obama lhe respondeu: ‘Não vou me enrolar num fracasso. Se aquilo que eu propus não funciona, não vou fazer como os outros presidentes que se aferraram a isso, por razões do meu ego ou da minha política, da minha segurança política. Isto é o que vou anunciar’. E distribuiu cópias do seu documento de seis páginas.

“‘Haverá um incremento de 30 000 efetivos. Em dezembro de 2010 será feita uma avaliação para ver o que funciona e o que não. Em julho de 2011 começaremos a retirada das nossas tropas.’

“‘Em 2010 não vamos ter uma conversação sobre como fazer mais. Não se vai repetir o que aconteceu neste ano. Não se trata nem de contra-insurgência nem de construir uma nação. Os custos são proibitivos’, expressou Obama.

“Os militares tinham obtido quase tudo o que pediam.

“Petraeus e Mullen ratificaram seu apoio ao Presidente. Emmanuel se preocupava pelo custo da operação –mais de 30 bilhões de dólares.

“Biden reconheceu que aquilo não era uma negociação, que era uma ordem do Comandante-em-Chefe. Era uma mudança de missão, e se não se percebia como tal não se podiam justificar os meses que tinham sido empregados neste trabalho.

“O Presidente informou sua decisão a Eikenberry e a McChrystal através de uma vídeo-conferência. Ambos concordaram.

“Biden estava convencido que o Presidente tinha cravado uma estaca no coração da ofensiva contra-insurgente expandida.

“Petraeus disse em privado: ‘Você deve saber também que eu não acredito que você possa ganhar esta guerra. Acho que deve continuar lutando, algo assim como no Iraque. O Iraque é quase uma metáfora para esta situação. Sim, no Iraque houve um progresso enorme, mas ainda acontecem ataques horríveis e é preciso que a gente se mantenha vigilante. Este é o tipo de guerra na qual você se enrola pelo resto de sua vida, e provavelmente pelo resto da vida de seus filhos.’

“Obama proferiu seu discurso no Teatro Eisenhower da Academia Militar de West Point.

“No dia seguinte, Clinton e Gates compareceram perante o Comitê de Serviços Armados do Senado para falar sobre o novo plano.

“Muitos republicanos se sentiam contrariados pela data limite de julho de 2011, quando supostamente começaria a retirada das tropas do Afeganistão.

“Petraeus disse depois que o progresso da estratégia podia adotar muitas formas, que tudo quanto ele precisava era demonstrar que tinham existido avanços, e que isso seria suficiente para acrescentar tempo ao relógio e que eles pudessem obter o que necessitavam.

“Lute lhe advertiu que isso era uma grande má interpretação do que tinha dito o Presidente, que Obama se opunha à idéia de um compromisso a longo prazo.

“CAPÍTULOS 30 e 31

“No dia 3 de abril Petraeus se reuniu com Derek Harvey, seu assessor de inteligência de confiança. Harvey lhe mostrava uma das imagens mais pessimistas da guerra. Advertiu que a estratégia política e diplomática não estava ligada à estratégia militar. ‘Não vai funcionar’, disse. ‘Não vamos atingir os objetivos que nos temos proposto.’ Harvey previa um retorno total à situação de antes de 11 de setembro. Petraeus perguntava quais eram as opções e Harvey considerava que apoiar o governo de Karzai era contraproducente.

“Disse que os resultados das eleições tinham fortalecido Karzai, e que ele já estava recebendo tudo o que queria.

“As tropas de McChrystal não tinham conseguido despejar as zonas chaves. ‘O inimigo começou a se adaptar, acrescentou Harvey.

“No dia 16 de abril o Presidente se reuniu com o Conselho de Segurança Nacional para analisar a informação atualizada sobre o Afeganistão e o Paquistão.

“O Presidente começou a perguntar pela situação de zonas específicas; em todas elas as tropas se encontravam resistindo e em nenhuma delas fora transferida a responsabilidade às forças locais.

“O padrão que fora estabelecido estava claro: resistir, resistir durante anos sem avanços nem transferências.

“Ninguém na reunião se atreveu a perguntar quando começaria a transferência.

“Donilon e Lute tinham preparado umas perguntas para que o Presidente se concentrasse na situação em Khandahar.

“O Presidente recomendou a McChrystal que pensasse em como íamos saber se estávamos tendo sucesso e quando o saberíamos.

“O resultado da reunião foi um primeiro strike para o General.

“O general de brigada Lawrence Nicholson visitou Jones e Lute na Casa Branca. A Nicholson foi-lhe lembrado o prazo de 12 meses que tinha para mostrar os avanços alcançados e começar a transferência. Quando os marines iam ficar prontos para fazer mais alguma coisa, entrar, por exemplo, em Khandahar, ou regressar a casa e ser parte dos que regressariam em 2011?

“Nicholson disse que necessitava pelo menos outros 12 meses; isso só para os distritos que tinham as melhores condições. Lute lembrou-lhe que esse não tinha sido o compromisso, que ainda não se tinham adentrado nos subúrbios de Khandahar, o lugar aonde os talibãs iam se estabelecer. O importante era Khandahar.

“Nicholson disse que talvez se pudesse chegar ali em 24 meses, se era eliminado o problema dos cultivos de papoula, que era o que nutria a insurgência.

“Lute se perguntava como ia se conseguir isso. Apesar de que uma praga tinha dado cabo de 33 por cento desses cultivos, as perspectivas de uma redução no financiamento da insurgência eram remotas. Apesar das teorias conspiradoras dos afeganes, a CIA ainda não tinha desenvolvido um inseto que atacasse as papoulas.

“McChrystal informava de certos abanicos, mas quando Lute aprofundava nas cifras, a realidade era bem diferente.

“CAPÍTULOS 32 e 33

“Tinham decorrido 16 meses muito difíceis para Dennis Blair. Tinha fracassado em suas tentativas para nomear um chefe de inteligência em cada uma das capitais no exterior. A CIA ganhara e a controvérsia se tornara pública. Em sua opinião a CIA estava utilizando o relatório diário para o Presidente para que Obama soubesse das suas vitórias.

“Blair se sentia tão frustrado que em uma ocasião disse: ‘Acho que a CIA é essencialmente uma organização que é como um animal perigoso, não muito inteligente, mas realmente bem treinado, que precisa ser controlado bem de perto pelos adultos.’

“Em maio de 2010 Obama lhe perguntara a Jones e a outros se já não era hora de livrar-se de Blair. Houve muitas discussões com a CIA, e Blair tinha pressionado muito para a assinatura de um acordo de não espionagem com os franceses, ao qual se opuseram Obama e o resto do gabinete.

“Obama ligou para ele e lhe comunicou sua decisão de demiti-lo, e lhe pediu que lhe apresentasse qualquer desculpa pessoal.

“Blair se sentiu profundamente ofendido. Não estava doente, sua família estava bem, e tinha dito ao público que se manteria como chefe da Direção Nacional de Inteligência durante quatro anos, porque parte dos problemas com o escritório eram as contínuas substituições ao mais alto nível.

“No dia 21 de junho Gates lhe informa a Jones sobre o artigo publicado na revista Rolling Stones sobre McChrystal. McChrystal dizia que Jones era um ‘palhaço’ que tinha ficado estagnado no ano 1985; que a estratégia de Obama pretendia vender uma posição invendível.

“McChrystal ligou para Biden e reconheceu que tinha comprometido a missão. Desculpou-se com Holbrooke e apresentou sua renúncia a Gates.

“Gates propus a Obama que criticasse McChrystal nos dois primeiros parágrafos de sua declaração, dizendo: ‘acho que o General cometeu um grave erro e que sua percepção é errada.’

“Obama aceitou a renúncia de McChrystal e propus Petraeus para esse cargo.

“Obama se reuniu com Petraeus durante 40 minutos.

“Na quarta-feira 23 de junho o Presidente anunciou as mudanças. Reconheceu a longa folha de serviços de McChrystal e disse que o entristecia perder um soldado a quem chegara a respeitar e admirar. Acrescentou que Petraeus ‘tinha dado um exemplo extraordinário de serviço e patriotismo ao assumir esta difícil tarefa’. E concluiu dizendo: ‘Em minha equipe aceito o debate, mas não tolerarei a divisão.’

“Na entrevista que Obama teve com o autor do livro, o Presidente falou de suas idéias relativamente ao caráter da guerra e seus esforços por limitar e posteriormente finalizar a missão combativa dos Estados Unidos no Afeganistão.

“Perguntaram-lhe com que cena começaria ele um livro ou um filme sobre como ele tinha manejado o problema do Afeganistão, e respondeu que talvez começaria pelo ano 2002 quando se discutia o incremento de tropas no Iraque. Se calhar esse tinha sido o primeiro discurso sobre política externa que atraiu muito a atenção.

“Obama concordou com que o caráter da guerra eram o custo, o tempo e as conseqüências, não definidos, e citou um estadunidense famoso que em uma ocasião disse: ‘A guerra é o inferno.’ Referiu-se a frase expressada pelo general da União, William Tecumseh Sherman, quando disse: ‘…e uma vez que se soltam os cães da guerra, não se sabe aonde vai parar tudo.’

“‘Quando cheguei ao cargo tinha duas guerras em curso’, disse Obama. ‘Tentei esclarecer o caos.’

“‘Seria muito fácil imaginar uma situação em que, perante a ausência de uma estratégia clara, terminássemos por ficar no Afeganistão durante outros cinco, oito, dez anos, e que o fizéssemos só por inércia.’

“No fim da entrevista, o Presidente se apercebia de que quase todo o trabalho jornalístico versaria sobre as relações entre os líderes civis e os militares, e pensou que devia expressar suas próprias opiniões.

“‘Provavelmente eu seja o primeiro Presidente o suficientemente jovem como para que a guerra no Vietnã tivesse sido o centro do meu desenvolvimento. Tinha 13 anos em 1975 quando os Estados Unidos se retiraram do Vietnã.’

“‘De modo que cresci sem a carga que emanava das disputas sobre a guerra no Vietnã. Também confiava em que no nosso sistema os civis tomavam as decisões políticas e os militares as acatavam. Não vejo isto da maneira em que me parece que o vêem muitas pessoas que tiveram a experiência do Vietnã, como uma contradição entre civis e militares. Não o vejo como uma luta entre falcões e pombas. De modo que muitos dos marcos políticos através dos quais são vistos estes debates, não têm nada a ver comigo do ponto de vista geracional. Nem me intimidam os militares nem estou pensando que em certo modo eles estão tentando socavar minha posição como Comandante-em-Chefe’.”

Neste parágrafo final da conversa de Obama com Woodward, o Presidente dos Estados Unidos pronuncia palavras enigmáticas que são reveladoras: “…confiava em que no nosso sistema os civis tomavam as decisões políticas e os militares as acatavam. […] não o vejo como uma luta entre falcões e pombas. […] Nem me intimidam os militares nem estou pensando que em certo modo eles estão tentando socavar minha posição como Comandante-em-Chefe.”

Tem momentos em que a pressão dos militares é forte, persistente e reiterativa. Percebe-se a imagem de um presidente resistido e desafiado, como acontecia na antiga Roma quando o império dependia já quase unicamente do poder das Legiões.

Mas na época da antiga Roma, o planeta era totalmente desconhecido em sua dimensão, características físicas e localização espacial. Careciam então de armas de fogo; não tinha comércio e investimento global, bases militares, forças navais e aéreas a nível planetário, centenas de satélites, comunicações instantâneas; dezenas de milhares de armas nucleares às que se juntam as radioelétricas, eletromagnéticas e cibernéticas; fortes rivalidades entre potências com armas nucleares, cujo emprego, inclusive por parte das que menos possuem, seria suficiente para dar cabo da vida humana; e quase sete bilhões de pessoas que precisam dos recursos naturais do planeta Terra.

É um quadro relativamente dramático. Por um lado Barack Obama, advogado com sucesso, intelectual instruído e de palavra fácil, e por outro, militares altamente profissionalizados, educados durante toda sua vida no uso da força e a arte da guerra, dotados com armas que podem pôr término em questão de horas a vida dos seres humanos que habitam o planeta.

Que esperança para a humanidade pode derivar-se desse quadro?

Lembro o discurso de Bush em West Point, no qual, como instrumento da extrema direita desse país, afirmou que os oficiais deviam estar prontos para atacar imediatamente e sem prévio aviso a sessenta ou mais escuros cantos do mundo.

Em dois desses escuros cantos, o Afeganistão e o Iraque, estão estagnados os soldados dos Estados Unidos, depois de ocasionar milhões de vítimas.

Nas reuniões do Conselho de Segurança Nacional com Obama se expressava o temor a dificuldades ainda mais sérias provenientes de um terceiro país: o Paquistão.

As relações entre a CIA e o chefe do “grupo árabe”, Bin Laden, se mantiveram até o mesmo dia em que aconteceu o ataque às Torres Gêmeas de Nova Iorque, em 11 de setembro de 2001.

O que informou o Serviço de Inteligência do Paquistão, ISI, à cadeia norte-americana de rádio e televisão CBS? Que no dia 10 de setembro Osama Bin Laden foi submetido a diálise do rim no hospital militar de Rawalpindi no Paquistão. “Deve ter-se em conta que o hospital está sob a jurisdição das Forças Armadas do Paquistão, que têm vínculos estreitos com o Pentágono… não se fez tentativa alguma de apreender o fugitivo mais conhecido nos Estados Unidos, portanto, poderia ser que Bin Laden servisse a outro propósito melhor.”

Essa informação foi publicada no programa estelar de Dan Rather no dia 28 de janeiro de 2002, quatro meses e meio depois do atentado terrorista com que Bush justificou sua guerra anti-terrorista.

Conhecer isto facilita compreender por que nos diálogos com Obama na Casa Branca se afirmasse que o problema mais difícil podia proceder do Paquistão.

A pessoa que com mais respeito intercambiou com Obama foi o general Colin Powell, que pertence ao Partido Republicano que se opôs a sua eleição como Presidente dos Estados Unidos. Como se sabe, Powell pôde ser o primeiro Presidente negro dos Estados Unidos. Preferiu não aspirar. Mais tarde Bush o nomeou Secretário de Estado. Sei que houve pessoas próximas que se opuseram firmemente a sua aspiração. Mas não possuo suficientes elementos de juízo para opinar sobre as motivações de Colin Powell.

Espero que a síntese do livro “As guerras de Obama” tenha sido útil para os leitores das Reflexões.

Fidel Castro Ruz

14 de outubro de 2010

Semear ódio não ajuda

Por Ladislau Dowbor (foto)

Há momentos de posições declaradas. E há limites para tudo. Segundo o video de Arnaldo Jabor, está sendo preparada uma ditadura, e os culpados seremos nós, se votarmos na Dilma. Isto com dramático acompanhamento musical, o Jabor parecendo aqueles antigos personagens do Tradição, Família e Propriedade dos anos 1960 anunciando a apocalipse política.
Caso mais sério, segundo a CBN, o futuro governo Dilma seria dirigido pelo José Dirceu, isto dito em tom pausado de reportagem séria. Nos e-mails religiosos aprendo que o futuro governo vai matar criancinhas. Quanto à Veja, não preciso ser informado, pois já a capa mostra um monstruoso polvo que vai nos engolir. E naturalmente, temos o aborto, último reduto da direita, instrumento político de profunda covardia, para quem sabe o que é a indústria do aborto clandestino. Aborto aliás já utilizado na campanha do Collor contra o Lula, anos atrás.

Argumentos patéticos desta mídia podem ser rejeitados como fruto de uma fase histérica de quem quer recuperar o poder a qualquer custo. Mas há uma dimensão que assusta. Muitos dos textos e vídeos exalam e estimulam um ódio doentio. E são produzidos e reproduzidos aos milhões, coisa que as tecnologias modernas permitem. Os grandes grupos da mídia, e em particular as quatro grandes familias que os controlam, não só aderiram de maneira irresponsável à fogueira ideológica, como jogam com gosto lenha e gasolina, ainda que sabendo que se trata de comportamentos vergonhosos em termos éticos, e perigosos em termos sociais. O poder a qualquer custo, vale a pena?

Semear e estimular o ódio é perigoso. Porque com o atual domínio de tecnologias de comunicação, o ódio pode ser espalhado aos grandes ventos, e os órgãos que controlam a mídia não se privam. Espalhar o ódio pode ser mais fácil do que controlá-lo. O tom da grande mídia se assemelha de forma impressionante aos discursos às vésperas da ditadura. Que aliás foi instalada em nome da proteção da democracia. Fernando Henrique Cardoso, que não teve grandes realizações a apresentar, entregou o governo dizendo que tinha consolidado a democracia. Herança importante. Vale a pena colocá-la em risco?

O governo Lula tem méritos indiscutíveis. Abriu espaço não só para os pobres, mas para todos. À dimensão política da democracia acrescentou a dimensão econômica e social. Tornou evidente para o país que a massa de pobres deste país desigual, é pobre não por falta de iniciativa, mas por falta de oportunidade. E que ao melhorar o seu nível, pelo aumento do salário mínimo, pelo maior acesso à universidade, pelo maior financiamento da agricultura familiar, pelo suporte aos municípios mais pobres, e até por iniciativas tão elementares como o Bolsa Família ou o Luz para Todos, mostrou que esta gente passa a consumir, a estudar, a produzir mais. E com isto gera mercado não só no andar de baixo, mas para todos.

Esta imprensa que tantas manchetes publicou sobre o “aerolula”, hoje sabe que a diversificação do nosso comércio internacional, a redução da dependência relativamente aos Estados Unidos, e a prudente acumulação de reservas internacionais, que passaram de ridículos 30 bilhões em 2002 para 260 bilhões atualmente, nos protegeram da crise financeira internacional. Adquirimos uma soberania de verdade.

E no plano ambiental, só em termos da Amazônia o desmatamento foi reduzido de 28 para 7 mil quilómetros quadrados ao ano. Continua a ser uma tragédia, mas foi um imenso avanço. Realização onde o trabalho de Marina Silva foi importante, sem dúvida, como foi o de Carlos Minc. Mas foi trabalho deste governo, que nomeou na área ambiental realizadores e não ministros decorativos. E a sustentabilidade ambiental não é apenas verde.

Os investimentos do PAC nas ferrovias e nos estaleiros são vitais para mudar a nossa matriz de transporte, hoje dependente de caminhões. A construção de casas dignas é política ambiental, que não pode ser dissociada do social. Os investimentos em saneamento do programa Territórios da Cidadania, em cerca de 2 mil municípios, articulam igualmente soluções ambientais e sociais, como o faz o programa Luz para Todos. Tentar dissociar o meio ambiente e o progresso social é um feito real que a direita conseguiu, divide pessoas que batalhavam juntas por um futuro mais decente. Mas é ruim para todos.

O bom senso indica claramente o caminho da continuidade, equilíbrando as dimensões econômica, social e ambiental. Absorver a dimensão crescente dos desafios ambientais, e expandir as dinâmicas do governo atual articulando os três eixos. Mas discutir isto envolveria uma campanha política em torno de argumentos e programas, onde a direita só tem a oferecer o argumento de que seria mais “competente”. O importante, é saber a serviço de quem seria esta competência.

A continuidade das políticas é vital para o Brasil. O que tem a direita a oferecer? Mais privatizações? Mais concentração de renda? Mais pedágios de diversos tipos? Leiloar o Pre-Sal? A última iniciativa do Serra foi tentar privatizar a Nossa Caixa, felizmente salva pelo governo federal. Como teria sido o Brasil frente à crise sem os bancos públicos? Os jornalistas sabem, mas quando falam, como Maria Rita Kehl, e escrevem o que sabem, são sumariamente demitidos. Que recado isto manda para o jornalismo?

A opção adotada foi bagunçar os argumentos políticos, buscar a desestabilização, assustar as pessoas, semear ódio. Qualquer coisa que tire da eleição a dimensão da racionalidade, da opção cidadã. Porque pela racionalidade, o próprio povo já sabe onde estão os seus interesses, e os resultados são evidentes. O caminho adotado é baixar o nível, sair da cabeça, ir para as tripas. Não o próprio candidato, porque este precisa parecer digno. Mas os esperançosos herdeiros de poder em torno dele, ou a própria família. O ódio que esta gente espalha está aí, palpável. E funciona. A maior vítima desta campanha eleitoral ainda pode ser o resto de credibilidade deste tipo de mídia, e os restos de ilusão sobre este tipo de política.

Eu voto na Dilma com a consciência tranquila. Fiz inúmeras avaliações de governos, profissionalmente, no quadro das Nações Unidas. E fiz a avaliação de políticas sociais do governo de FHC, a pedido de Ruth Cardoso, nas reuniões que tínhamos com pessoas de peso como Gilberto Gil e Zilda Arns. Sem remuneração, e com isenção, como o faço hoje. Eram políticas que nunca se tornaram políticas de governo, porque a base política não permitia que ultrapassassem a dimensão da boa vontade real da primeira dama. A base política do candidato Serra, desde a bancada ruralista até os negociantes das privatizações, é a mesma. E se assumir o vice, como tantas vezes já aconteceu, não será apenas um atraso generalizado para o país, será uma vergonha mundial.

quarta-feira, 20 de outubro de 2010

Tratado dá à Bolívia acesso ao litoral peruano

O fato reforça o movimento de integração da América Latina, favorecendo o encamihamento e solução de velhos e novos conflitos através do diálogo entre as nações da região sem a ingerência hostil dos EUA. "Este encontro é para relançar uma nova amizade, uma nova estratégia de integração da Bolívia com o Peru", disse Morales em discurso após a assinatura do acordo, num palanque à beira-mar.

A iniciativa foi qualificada como histórica, depois de anos de rusgas políticas e diplomáticas. "Nós invocamos o diálogo bilateral que leve à recuperação da justiça que é para a Bolívia ter uma saída. É injusto que a Bolívia não tem saída para o oceano", disse García.

A iniciativa peruana de oferecer o uso do Porto de Ilo não é nova. Em 1992, o ex-presidente da Bolívia, Jaime Paz Zamora, e o do Peru, Alberto Fujimori, assinaram um documento estabelecendo a parceria. Mas o acordo nunca foi executado.

"As circunstâncias atuais exigem essa atualização. É um novo protocolo para alcançar as metas [definidas pelos presidentes dos dois países]”, disse García.

Segundo o protocolo, serão construídas instalações para o trânsito de embarcações da Bolívia, um resort de praia e áreas destinadas a esportes e uma zona de livre por um período inicial de 99 anos. Com isso, a Bolívia poderá exportar seus produtos sem encargos tarifários.

O presidente peruano disse ainda que o “Peru jamais será um obstáculo” para a Bolívia. "Estamos juntos no desejo de fortalecer e revitalizar a nossa amizade e solidariedade fraterna, encerrando todos os tipos de discussões envolvendo palavras. As palavras se vão com o vento, mas a irmandade dos povos permanece para sempre" , disse García.

Morales

"A Bolívia vai retornar cedo ou tarde com sua soberania nas costas do Pacífico, porque isso é algo irrenunciável", declarou Evo Morales. Segundo ele, o acordo assinado "aproxima a Bolívia da recuperação de uma saída ao mar com soberania, graças à vontade do governo e do povo peruano".

"Só nos falta a soberania marítima, ainda que saibamos que esta solução não é responsabilidade do peru, estes acordos abrem para a Bolívia as portas intercontinentais para o comércio mundial", afirmou.

Segundo ele, os acordos assinados com o Peru "são históricos, inéditos e singulares para os países vizinhos e irmãos, que sempre estiveram unidos por suas história e cultura".