"A LUTA DE UM POVO, UM POVO EM LUTA!"

Agência de Notícias Nova Colômbia (em espanhol)

Este material pode ser reproduzido livremente, desde que citada a fonte.

A violência do Governo Colombiano não soluciona os problemas do Povo, especialmente os problemas dos camponeses.

Pelo contrário, os agrava.


domingo, 28 de fevereiro de 2010

Os silenciados e a comunicação na América Latina

María Cristina Mata esteve em Porto Alegre, no último final de semana, participando do Mutirão da Comunicação América Latina e Caribe, onde falou sobre o tema Comunicação dos silenciados e processos de resistência. A IHU On-Line aproveitou sua estada na região e realizou a entrevista a seguir pessoalmente. A professora argentina relatou quem são os silenciados latino-americanos e analisou suas formas potencializarem suas vozes e, assim, serem finalmente ouvidos, rompendo com os meios massivos de comunicação. “É preciso lembrar que antes de buscar um meio de comunicação, esses grupos se juntaram, se reuniram e compartilharam suas necessidades, seus interesses, sua vontade de transformação e logo puderam se pronunciar publicamente”, refletiu.

Em 1968, María Cristina Mata graduou-se em Literaturas Modernas pela Universidad Nacional de Córdoba, onde hoje é coordenadora do Centro de Estudios Avanzados en Comunicación.

Confira a entrevista.

Quem são os silenciados na América Latina?

María Cristina Mata – Entendo silêncio como a impossibilidade que muitos setores têm de expressar-se publicamente, que estão numa situação de exclusão e marginalidade social muito forte. Há os que não têm acesso à educação básica, os que não são reconhecidos como pessoas com capacidade para falar publicamente, e, ainda, aqueles que são privados do direito ao trabalho e a uma qualidade de vida mínima. Obviamente, esses setores dificilmente conseguem expressar-se publicamente. E, muitas vezes, são silenciados por confrontarem o sistema hegemônico, pensarem de maneira distinta ou adotarem modos de vida que não são reconhecidos como legítimos pelo sistema dominante. Em alguns países, quem opta por identidades sexuais distintas, não pode expressar-se publicamente; em outros, há comunidades de pensamento que, por suas ideias, são excluídas do sistema público também. Ou seja, os tipos de exclusões (e, portanto, de silenciamentos) são muito variados. Desta forma, não podemos dizer que só os mais pobres são os excluídos.

Que tipo de meios de comunicação os silenciados encontraram para resistir?

María Cristina Mata – Creio que, historicamente, e falei sobre isso durante o debate no Mutirão da Comunicação, esses setores foram encontrando modos de expressão. Os trabalhadores, por exemplo, encontraram, em seus sindicatos, um modo de expressarem-se. As mulheres encontraram isto no movimento feminista. Os camponeses e as pessoas que não têm terra encontraram um modo de expressão nos movimentos sem-terra e campesino. Eu penso que não podemos pensar só quais meios de comunicação os silenciados encontraram para se exprimirem. É preciso lembrar que antes de buscar um meio de comunicação, esses grupos se juntaram, se reuniram e compartilharam suas necessidades, seus interesses, sua vontade de transformação e logo puderam se pronunciar publicamente. Essa palavra, às vezes, é pronunciada somente na ação direta, numa manifestação, mas, muitas outras vezes, e para ser mais forte, essa palavra é dita nos meios ou ainda através de pichações em muros e até em transmissões via satélite. Os meios que se tem utilizado para romper esse silêncio são variados, às vezes, tradicionais, mas, hoje em dia, também através de tecnologias avançadas que permitem potencializar suas vozes e, portanto, suas lutas.

De que maneira a Internet contribui para essas formas alternativas de comunicação?

María Cristina Mata – A Internet tem uma capacidade grande de difundir ideias e opiniões que, às vezes, não têm espaço nos meios massivos. Porque, como todos sabemos, a Internet não tem um sistema de controle como têm os meios massivos. Então, ela é uma rede que permite que se difundam opiniões e ideias alternativas, que se debatam temas que são vistos com maus olhos pelos meios massivos, nos permite conhecer outros problemas. No entanto, também temos que pensar que a Internet é um meio que chega apenas a uma pequena quantidade de pessoas. São poucas as pessoas que têm acesso e que a utilizam. Então, ela é útil para difundir, para debater, para colocar temas em alguns âmbitos, mas a Internet também tem suas limitações no que diz respeito à luta dos silenciados para se comunicarem, para que possam ser ouvidos.

A senhora, que pesquisa os processos comunicacionais na América Latina, como as teorias da comunicação abrangem essa utilização da comunicação como uma forma de resistência?

María Cristina Mata – Eu prefiro falar nos processos de luta. Os processos de resistência têm uma conotação defensiva e me parece que, na América Latina, essa palavra silenciada teve uma conquista, é uma palavra que outros processos de colonização também evidenciaram. Essa palavra tem resistido enquanto houve luta. Então, pensando assim, como as teorias de comunicação contribuiram para esse pensamento? Às vezes, não ajudaram muito, houve perspectivas teóricas que mostraram que as maiorias privadas pelos meios eram maiorias sem voz ou eram receptores passivos dos meios de comunicação de massa. Essas teorias não ajudaram muito porque levaram a crer que a voz silenciada só se podia fazer ouvir através dos meios marginais, artesanais, alternativos, que não tinham nada a ver com o sistema massivo.

No entanto, há perspectivas teóricas que têm reconhecido que os dominados têm atividades, que não são passivos receptores, que todos os indíviduos podem enfrentar o discurso hegemônico, e que temos capacidade de recebê-lo produzindo um sentido, que, às vezes, é um sentido reprodutor da hegemonia, mas pode ser também um sentido que confronta a hegemonia. Essas teorias que não tratam da cultura popular, por exemplo, têm também elementos capazes de identificar e de contribuir para as transformações da ordem social. As teorias, creio, ajudaram-nos a pensar em caminhos para romper o silêncio existente.

De que forma este mutirão da comunicação contribuiu para o debate acerca da comunicação para o excluídos e marginalziados na sociedade?

María Cristina Mata – Acredito que estes eventos ajudam a pensar melhor, porque há o intercâmbio de ideias com outros comunidadores, com nossos colegas, com outras pessoas que estão na universidade ou com pessoas que estão em instituições de base. Essas trocas são enriquecedoras. Parece-me que uma das várias questões que se debateu nesse Mutirão é a seguinte reflexão: é impossivel falar hoje em cidadania em termos políticos e jurídicos sem pensar que há uma cidadania comunicativa pela qual devemos lutar. Essa é uma ideia que ficou marcada durante o Mutirão da Comunicação. Não se pode pensar na comunicação sem a política e nem na política sem a comunicação.

fonte: www.direitoacomunicacao.org.br

sexta-feira, 26 de fevereiro de 2010

Colômbia: Justiça veta referendo sobre nova reeleição de Álvaro Uribe

A Justiça colombiana vetou um possível terceiro mandato do presidente Álvaro Uribe. Em decisão tomada nesta sexta-feira, os magistrados do Tribunal Constitucional informaram que o governo não poderá convocar um referendo para decidir sobre mais uma reeleição do presidente.

De acordo com o jornal colombiano El Tiempo, o referendo foi vetado por 7 votos, do total de 9 juízes votantes. As irregularidades na campanha para coletar assinaturas do referendo, sobretudo a violação dos limites eleitorais, foram determinantes para a decisão.

Com o veto ao referendo e a impossibilidade de Uribe concorrer a um terceiro mandato, é dada a largada para a campanha presidencial na Colômbia, que estava condicionada à votação desta sexta-feira.

Segundo o El Tiempo, a partir de agora, a Colômbia conta com sete candidatos presidenciais: Juan Manuel Santos, Rafael Pardo, Sergio Fajardo, Gustavo Petro, Germain Vargas e os vencedores das consultas conservador Partido Verde. O primeiro turno das votações deve ocorrer no último domingo de maio.


fonte: www.terra.com.br

quinta-feira, 25 de fevereiro de 2010

NOTAS PARA UMA REFLEXÃO SOBRE A INSERÇÃO INTERNACIONAL DO BRASIL E DA AMÉRICA DO SUL, NA SEGUNDA DÉCADA DO SÉCULO XXI.

A análise é de José Luis Fiori.

Fonte: www.cartamaior.com.br

1. Brasil e América do Sul: história e conjuntura

i. As guerras e disputas políticas e territoriais, durante a formação dos estados sul-americanos, no século XIX, não produziram as mesmas conseqüências sistêmicas - políticas e econômicas - das guerras de centralização do poder e de formação dos estados e das economias nacionais européias. E mesmo no século XX, não se consolidou no continente sul-americano, um sistema integrado e competitivo, de estados e economias nacionais, como ocorreu na Ásia, depois da sua descolonização. Por isto, nunca existiu na América do Sul uma disputa hegemônica, entre os seus próprios estados e economias nacionais, e nenhum dos seus estados jamais disputou a hegemonia continental com as grandes potências.

De fato, desde sua independência, o continente sul-americano viveu sob a tutela anglo-saxônica: primeiro, da Grã Bretanha, até o fim do século XIX, e depois, dos Estados Unidos, até o início do século XXI. Como conseqüência, os estados latino-americanos nunca ocuparam posição importante nas grandes disputas geopolíticas do sistema mundial, e funcionaram durante todo o século XIX, como zona de experimentação do “imperialismo de livre comércio” da Grã Bretanha. No século XX, e em particular depois da 2ª. Guerra Mundial, quase todos estados sul-americanos alinharam sua política externa, com os Estados Unidos, durante a Guerra Fria, e aderiram com graus diferentes de sucesso, às políticas econômicas desenvolvimentistas, apoiada pelos Estados Unidos, até a década de 1970. Depois do fim da Guerra Fria, durante a década de 1990, de novo, a maioria dos governos da região voltaram a se alinhar ao lado da política externa e da política econômica preconizada pelos EUA e seu projeto de “globalização liberal”.

ii. No início do século XXI, entretanto, a situação política do continente mudou, com a vitória - em quase todos os países da América do Sul – de partidos e coalizões políticas nacionalistas, desenvolvimentistas e socialistas, que mudaram o rumo político-ideológico do continente, durante a primeira década do século. No início do período, quase todos os novos governos de esquerda mantiveram a política macroeconômica ortodoxa dos neoliberais da década de 90, e só aos poucos foram mudando, em alguns casos, o rumo mais amplo de sua política econômica, sem conseguir alterar a estrutura e o modelo tradicional de inserção internacional da economia continental.

Assim mesmo, todos estes novos governos se posicionaram ideologicamente contra o neoliberalismo da década anterior, e mudaram sua política externa, apoiando a integração político-econômica da América do Sul, e criticando intervencionismo norte-americano no continente. Este giro político à esquerda ocorreu de forma simultânea, em quase todo o continente, e coincidiu com a mudança do governo e da política externa americana, com a nova administração republicana de George Bush, que engavetou, na prática, o globalismo econômico liberal, da Administração Clinton, e o seu projeto da ALCA, para as Américas.

Este giro à esquerda coincidiu também com um novo ciclo de expansão da economia mundial, que se prolongou até 2008, e permitiu a retomada do crescimento, alto e generalizado, de todas as economias nacionais da região. A grande novidade foi a participação da China, que se transformou na grande compradora das exportações sul-americanas de minérios, energia e grãos. Neste período também, os altos preços das commodities fortaleceram a capacidade fiscal dos estados e ajudaram a financiar várias iniciativas do projeto de integração da infra-estrutura energética e de transportes do continente. Além disto, permitiram a acumulação de reservas e a diminuição da fragilidade externa do continente, aumentando o poder de resistência e negociação da região.

iii. Durante esta primeira década do século, destacou-se dentro do continente, a rápida mudança da posição política e econômica do Brasil, que retomou – aos poucos e de forma ainda irregular - a trilha do crescimento e aumentou sua participação no produto e no comércio dentro e fora da América do Sul. Ao mesmo tempo, o Brasil assumiu a liderança do processo de integração do continente e expandiu suas relações comerciais e financeiras com outras regiões do mundo, projetando sua presença diplomática em várias instâncias e fóruns multinacionais de negociação, dentro e fora das Nações Unidas. E hoje o Brasil já tem praticamente assegurada, até o fim da próxima década, uma posição entre as cinco maiores economias do mundo, quando deverá ser provavelmente, o maior produtor mundial de alimentos, e um dos maiores produtores e exportadores mundiais de petróleo, além de seguir controlando a maior parte dos recursos hídricos e da biodiversidade da Amazônia.

Neste movimento duplo, em direção à América do Sul e aos demais continentes, e zonas de expansão e conflito internacional, o Brasil tem se apoiado, aliado e competido, a um só tempo, com outros estados e economias nacionais que também estão se expandindo rapidamente e reivindicando uma maior participação nas decisões do núcleo central de poder do sistema mundial, entre as quais se destacam ,sobretudo, a China e a Índia.

iv. Agora bem, depois de quase uma década convergente, a crise financeira de 2008 provocou uma queda abrupta do crescimento regional e uma desaceleração do projeto integração econômica do continente sul-americano. E quase ao mesmo tempo, ainda na Administração George Bush, os Estados Unidos abandonaram sua passividade no continente, e decidiram reativar sua IVº Frota Naval responsável pelo controle marítimo do Atlântico Sul. E logo em seguida, já na administração democrata do presidente Barak Obama, os Estados Unidos assinaram o acordo militar com a Colômbia que lhe deu acesso a sete bases militares dentro do território colombiano, e com isto fragilizou o processo de integração política, e os planos de defesa conjunta e autônoma do continente.

Logo em seguida, os EUA tiveram uma participação ativa na crise política de Honduras, e unilateral no terremoto que destruiu o Haiti, demonstrando vontade e decisão de retomar ou reafirmar sua presença e sua supremaca dentro do “hemisfério ocidental”. Por outro lado, no início de 2010, o Chile interrompeu a sucessão de vitórias eleitorais da esquerda, e elegeu um presidente de centro-direita, que reforçará a aliança estratégica com os Estados Unidos do “eixo anti-bolivariano”, na Região Andina. E com isto, deverá aumentar as divisões que sempre facilitaram – através da história - a tutela externa do continente. De qualquer maneira, a configuração completa deste novo cenário político ainda dependerá das eleições presidenciais no Brasil e Colômbia, em 2010, e na Argentina e Peru, em 2011.

v. Neste momento de incerteza política, uma discussão sobre a inserção do Brasil e da América do Sul, no cenário internacional, na segunda década do século XXI, tem que partir de uma definição do que seja uma “inserção soberana”. Com relação ao que seja uma política externa soberana, nosso ponto de partida é muito simples: um estado e um governo que se proponham expandir o seu poder internacional, inevitavelmente terão que questionar e lutar contra a distribuição prévia do poder, dentro do próprio sistema. Como condição preliminar, eles terão que ter sua própria teoria e sua própria leitura dos fatos, dos conflitos, e das assimetrias e disputas globais, e de cada um dos “tabuleiros” geopolíticos regionais ao redor do mundo.

Para poder estabelecer de forma sustentada e autônoma, os seus próprios objetivos estratégicos, diferentes das potencias dominantes, e conseqüentes com sua intenção de mudar a distribuição do poder e da hierarquia mundial. Por isto, não é possível conceber uma política externa soberana e inovadora, que não questione e enfrente os consensos éticos e estratégicos das potencias que controlam o núcleo central do poder mundial. Neste campo, não estão excluídas as convergências e as alianças táticas, e temporárias, com uma ou várias das antigas potencias dominantes. Mas toda política externa soberana e inovadora, sabe que está e estará em permanente competição com estas potencias, e que terá que assumir as suas divergências, com a visão de mundo, com os diagnósticos e com as estratégias defendidas por elas, seja no espaço regional, seja a escala global. Isto não é uma veleidade irrelevante, nem é o fruto de uma animosidade ideológica, é uma conseqüência de uma “lei” essencial do sistema inter-estatal, e de uma determinação que é em grande medida geográfica, porque o objetivo do “estado questionador”, é ampliar sempre e cada vez mais, a sua capacidade de decisão e iniciativa estratégica autônoma, no campo político, econômico e militar, para poder difundir melhor e aumentar a eficácia de suas idéias e propostas de mudança do sistema mundial.

vi. Do lado oposto, fica mais fácil de definir e identificar as características essenciais de uma política externa conservadora ou subalterna. Em primeiro lugar, os conservadores não se propõem mudar a distribuição do poder internacional, nem questionam a hierarquia do sistema mundial. Sua reação frente aos desafios colocados pela agenda internacional, é quase sempre empírica, isolada, e moralista. Os conservadores não têm uma teoria nem uma visão histórica própria do sistema internacional e dos seus acontecimentos conjunturais, e são partidários, em geral, de uma política externa de baixo teor, sem grandes iniciativas estratégicas nacionais, e com uma alta taxa de submissão aos valores, juízos, e decisões estratégicas das potencias dominantes. Por isto, consciente ou inconscientemente, os conservadores delegam a terceiros, uma parte da soberania decisória de sua política externa, e acabam assumindo, invariavelmente, uma posição subalterna dentro da política internacional.

2. Um balanço no final da primeira década do século XXI

Ao terminar a primeira década do século XXI, entre crise e guerras, é possível fazer um balanço preliminar da estratégia imperial americana, que nasceu da crise dos 70 e se aprofundou depois do fim da Guerra Fria:

i. O poder militar americano cresceu de forma contínua e se projetou sobre todo o mundo, mas a própria dinâmica contraditória da sua expansão, fortaleceu politicamente e “ressuscitou” militarmente, a Alemanha, a Rússia e o Japão, e contribuiu para o fortalecimento da China, Índia, Irã, Turquia, Brasil, países que disputam zonas de influência com os EUA, e participam da “corrida imperialista” que se explicitou nesta primeira década, e que deve se intensificar nos próximos anos. Os revezes políticos e militares dos EUA, na primeira década do século XXI desaceleraram o projeto imperial americano, mas ele não foi abandonado. Mas apesar disto, estes revezes criaram novas fraturas e divisões dentro dos EUA. E depois da Guerra do Iraque, está em curso um realinhamento interno de forças e posições, como ocorreu também na década de 70, e não é improvável que surja daí uma nova estratégia internacional. Mas estes processos de realinhamento interno do establishment americano costumam ser lentos, e os seus resultados finais dependerão ainda da própria luta interna e da evolução dos conflitos dos EUA com os seus principais concorrentes nas várias regiões do mundo. Porque apesar dos seus revezes recentes, e de suas dificuldades econômicas, os EUA seguem sendo o único player global, que está presente e disputa posições em cada uma, e em todas as regiões do mundo.

De qualquer forma, do nosso ponto de vista, não há possibilidade que os EUA abdiquem do seu poder, ou renunciem à expandi-lo permanentemente. Pelo contrário, deverão seguir aumentando sua capacidade militar em escala geométrica, numa velocidade que aumentará na medida em que se aproxime a sua ultrapassagem econômica pela China. Qualquer mudança mais substantiva, nesta correlação de forças, só ocorrerá com o aumento da capacidade e do poder regional e global das novas potências que estão se projetando neste início do século XXI.

ii. Por outro lado, do ponto de vista econômico, também se pode dizer que a resposta americana à crise de Bretton Woods acabou se transformando numa estratégia, que levou à recuperação e à expansão contínua da economia americana, cada vez mais associada ao crescimento da economia chinesa, sobretudo a partir de 1990. Este novo eixo dinâmico da economia mundial, por sua vez, provocou uma mudança estrutural da economia mundial, com o deslocamento para a Ásia, do seu principal centro de produção e acumulação de capital, e com o surgimento de uma economia nacional – a chinesa - com um poder gravitacional, sobre o conjunto da economia capitalista, equivalente ao dos Estados Unidos. Esta nova configuração estrutural, e sua expansão contínua, explica o aumento da “pressão competitiva”, dentro da economia mundial, na primeira década do século XXI.

iii. Por isto, do nosso ponto de vista, esta pressão econômica, somada à competição geopolítica, e à corrida imperialista que está em curso, são manifestações essenciais, e são ao mesmo tempo o anuncio de que o “sistema inter-estatal capitalista” está atravessando uma grande “explosão expansiva”. Nestes momentos, é impossível prever com precisão o futuro. O o único que se pode dizer, é que são transformações seculares dentro de um mesmo universo, que seguirá se expandindo, enquanto for constituído e liderado por “estados-economias nacionais” capitalistas, complementares e competitivas.

iv. Assim mesmo, no horizonte de curto prazo, entretanto, o “núcleo duro” da competição geopolítica mundial deverá estar composto velos Estados Unidos, China e Rússia. Três “estados continentais”, que detém um quarto da superfície da terra, e mais de um terço da população mundial. Nesta nova “geopolítica das nações”, a União Européia terá um papel secundário, ao lado dos Estados Unidos, enquanto não dispuser de um poder unificado, com capacidade de iniciativa estratégica autônoma. E a Índia, Irã, Brasil, Turquia, África do Sul, e talvez a Indonésia, deverão aumentar o seu poder regional, em escalas diferentes, mas não serão poderes globais, ainda por muito tempo. Na segunda década do século XXI, a nova “corrida imperialista” provocará um aumento dos conflitos localizados, entre os principais estados e economias do sistema, mas ainda não está no horizonte uma nova “guerra hegemônica”.

Por outro lado, do ponto de vista econômico, as novas crises financeiras que seguirão não deverão interromper o processo em curso de deslocamento do centro da acumulação capitalista, para a Ásia, e para algumas outras economias nacionais, dispersas pelo mundo, entre as quais, o Brasil e a Rússia, e em menor escala, a África do Sul, a Turquia, a Indonésia e o próprio Irã. Ou seja, no médio prazo, deverá ocorrer uma convergência assintótica, envolvendo numa mesma competição geopolítica e econômica, quase os mesmos estados e economias que deverão alcançar as primeiras posições na hierarquia internacional do poder e da riqueza mundial, ao lado dos Estados Unidos e da velha Europa.

v. Por último, para avaliar a importância das próximas crises financeiras e políticas que deverão se manifestar e ocorrer na próxima década, é importante compreender que: em primeiro lugar, quase todas as grandes crises do sistema mundial foram provocadas até hoje, pela própria potência hegemônica; em segundo lugar, que estas crises são provocadas quase sempre, pela expansão vitoriosa (e não pelo declínio) das potências capazes de atropelar as regras e instituições que eles mesmos criaram, num momento anterior, e que depois se transformam num obstáculo no caminho da sua própria expansão; e em terceiro lugar, que o sucesso econômico e a expansão da potência líder é sempre uma força e um impulso fundamental para o fortalecimento de todos os demais estados e economias que se proponham concorrer ou “substituir” a potência hegemônica. Mas o que é mais esdrúxulo é que, as crises provocadas pela “exuberância expansiva” da potência líder, quase sempre afetam, de forma mais perversa e destrutiva, aos “concorrentes” mais do que ao próprio líder ou hegemon, que costuma se recuperar de forma mais rápida e poderosa do que os demais.

Seja como for, é dentro deste contexto geopolítico e econômico, que se pode e deve pensar as alternativas de mais longo prazo, de inserção internacional soberana da América do Sul e do Brasil, na segunda década do Século XXI.

3. Brasil: possibilidades e escolhas

i. Brasil é - hoje - o segundo player mais importante, dentro do tabuleiro geopolítico da América do Sul ,e já tem tido uma importância maior nos desdobramentos político-ideológicos da América Central e do Caribe. Depois de assumir a liderança militar da missão de paz das Nações Unidas no Haiti, o Brasil tomou uma posição decidida a favor da reintegração de Cuba na comunidade americana e tem defendido, em todos os foros internacionais, o fim do bloqueio econômico norte-americano à Cuba. Ao mesmo tempo, tem assumido sua influência políitico-ideológica sobre alguns novos governos de esquerda da América Central, e tomou uma posição rápida e dura frente ao golpe de estado militar de Honduras, em junho de 2009, e frente à crise provocada pelo terremoto do Haiti, no início de 2010.

Mas apesar do seu maior ativismo diplomático, o Brasil ainda não tem capacidade de projetar seu poder afirmativo ou de veto, à região centro-americana, nem tem nenhuma disposição de competir ou questionar o poder americano no seu “mar interior caribenho”. Mais ao sul, entretanto, o Brasil tem exercido uma política cada vez mais ativa, mesmo quando conviva com uma desaceleração temporário do processo de integração econômica do continente. Com a criação da UNASUAL, e do Conselho Sulamericano de Defesa, o Brasil se distanciou e esvaziou o Tratado Interamericano de Assistência Recíproca e a Junta Interamericana de Defesa que sempre contaram com o aval norte-americano. Além disto, nesta últimos dois anos, o Brasil teve uma participação ativa e pacificadora, nos conflitos entre Equador e Colômbia e entre Colômbia e Venezuela, na conflito interno da Bolívia, quando se transformou numa ameaça de guerra civil e de secessão territorial.

ii. De qualquer forma, uma coisa é certa: o futuro do projeto sul-americano dependerá cada vez mais das escolhas brasileiras, e da forma que o Brasil desenvolva suas relações com os Estados Unidos. Do ponto de vista econômico, a pressão dos mercados internacionais e as novas descobertas do petróleo da camada do pré-sal, também estão oferecendo para o Brasil a possibilidade de se transformar numa economia exportadora de alta intensidade, uma espécie de “periferia de luxo” dos grandes potências compradoras do mundo, como foram no seu devido tempo, a Austrália e a Argentina, entre outros. Mas existe a possibilidade do Brasil escolher um outro caminho que combine seu potencial exportador, como uma estrutura produtiva industrial associada e liderada por uma economia mais dinâmica, como é o caso contemporâneo do Canadá, por exemplo.

Além disto, neste momento, o Brasil também dispõe de uma terceira alternativa, absolutamente nova para o país, e que aponta de certa maneira, para a reprodução da estrutura produtiva da economia norte-americana: com uma indústria de alto valor agregado, e uma enorme capacidade de produção e exportação de alimentos e outras commodities de alta produtividade, incluindo o petróleo, no caso brasileiro. Por outro lado, no campo político, depois da hegemonia das idéias neoliberais e privatistas, e de uma coalizão de poder partidária do “cosmopolitismo subserviente”, no campo internacional, está se consolidando no Brasil um novo consenso desenvolvimentista, democrático e popular que transcende cada vez mais as siglas partidárias. As perspectivas futuras desta nova coalizão, entretanto, dependerão da estratégia internacional dos próximos governos brasileiros.

O Brasil pode se transformar num “aliado estratégico” dos Estados Unidos, da Grã Bretanha e da França, com direito de acesso à uma parte de sua tecnologia de ponta, como no caso do Japão ou mesmo de Israel, que construiu seu arsenal atômico com a ajuda da França. Mas o Brasil também pode escolher um caminho próprio de afirmação internacional. Mas, se o Brasil quiser mudar de posição e de estratégia, dentro das “regras” do sistema mundial, terá que desenvolver um trabalho extremamente complexo de administração contínua das relações de complementaridade e competição com os Estados Unidos, e com as outras grandes potências, a partir dos seus próprios interesses econômicos e geopolíticos. Numa disputa prolongada pela hegemonia da América do Sul, como se fosse uma “luta oriental” com os Estados Unidos. Caminhando através de uma trilha muito estreita e durante um tempo que pode se prolongar por várias décadas. Além isto, para liderar a integração sul-americana no mundo, o Brasil terá que inventar uma nova forma de expansão econômica e política continental e mundial, sem “destino manifesto” nem missão missionária, e sem o imperialismo bélico das duas grandes potências anglo-saxônicas.

terça-feira, 23 de fevereiro de 2010

A parte oculta das relações entre os EUA e a Colômbia

Forrest Hylton*


A sincronia entre os programas dos EUA e do governo colombiano é, frequentemente, surpreendente, especialmente quando se trata de contrainteligência. O dia seguinte à pose do presidente colombiano Álvaro Uribe, que assumiu o cargo em 7 de agosto de 2002, junto com um Congresso em que o bloco narco-paramilitar de direita controlava cerca de um terço das cadeiras, estabeleceu amplas redes de denunciantes nas cidades e no campo – redes que levaram a um recorde nos níveis de deslocamentos forçados de supostos simpatizantes da guerrilha. Durante o mesmo verão, apesar de todos os esforços de Joe Lieberman, a Operação TIPS (Sistemas de informação e prevenção do terrorismo) - criado para fazer que os cidadãos norteamericanos informassem uns dos outros – fracassou no Senado dos EUA, uma vez que se soube que o programa proporcionaria ao FBI mais informantes per capita do que a Stasi (serviço secreto) da antiga Alemanha Oriental.

Agora, quase oito anos depois, os governos de ambos os países estão aumentando as apostas. Em 27 de janeiro, Uribe, buscando um terceiro mandato apesar das objeções de Washington, anunciou sua meta de colocar um mil espiões nas salas de aula das universidades: "Necessitamos que sejam os cidadãos se comprometam informar à Força Pública, e se jovens maiores de idade podem nos ajudar nesta tarefa de informação e de participação em redes de informação, pois isso nos ajuda tremendamente". Uribe ofereceu pagar 50 dólares por mês aos universitários para informem sobre quaisquer idéias ou comportamentos suspeitos para a polícia e as forças armadas colombianas.

A polícia e as forças armadas são, certamente, instituições cujos crimes têm sido numerosos e variados durante o regime de Uribe, como se evidencia no escândalo dos "falsos positivos" em 2008, onde veio à tona que, desde 2002, o exército colombiano tem dado incentivos e recompensas a oficiais e soldados pelo desaparecimento e assassinato de até 1.700 jovens desempregados em todo o país para apresentá-los como se fossem guerrilheiros. Em janeiro, 46 oficiais e soldados acusados de tais crimes foram libertados graças a um tecnicismo e confinados a uma base ao sul de Bogotá, onde permanecerão à espera do processo. O Exército deu-lhes uma festa de boas-vindas que incluiu oficinas terapêuticas e aromaterapia, massagens e tratamentos de beleza para suas esposas, e palhaços para as crianças. É o mesmo Exército que recebeu a maior parte dos sete bilhões de dólares do governo dos EUA gastos por meio do Plano Colômbia e seus sucessores nos governos dos presidentes Clinton, Bush e Obama.

Como o antropólogo e historiador David Price relata em Counter Punch, o empenho de Uribe para recrutar informantes entre os estudantes universitários é semelhante ao que acontece nos os EUA, onde Washington serviu como um projeto piloto. Com operações em 22 campus estabelecidas desde 2006, os chamados Centros Comunitários de Inteligência de Excelência Acadêmica representam o maior esforço de recrutamento em universidades dos EUA desde o início da Guerra Fria. O recrutamento atual, porém, é aberto e de conhecimento público, embora não seja motivo de manifestações públicas, já que o corpo docente tem, até agora, mantido silêncio sobre o assunto.

Em Medellín, a reação pública de professores, do sindicato dos professores, estudantes e grupos de jovens foi imediata e concertada o suficiente para fazer que Uribe revertesse a medida em 24 horas.

Quando seu secretário de imprensa mencionou o assunto no Quartel de Polícia, em 28 de janeiro, não mencionou os estudantes em particular, mas sim os cidadãos em geral: "A cooperação no combate ao crime é dever de todos os cidadãos. Nós não podemos ficar indiferentes diante do assassinato”. É a mesma retórica que Uribe tem usado desde a sua primeira campanha, em 2002, derivada da contrainsurgência da Guerra Fria: O público se vê como uma extensão das FARC, do crime organizado, ou as forças armadas colombianas. Destacados políticos, intelectuais e meios de informação rapidamente se manifestaram contra a medida, apontando o óbvio, ou seja, que os informantes universitários corriam o risco de sofrer represálias, assim como suas famílias. O destino dos informantes na Colômbia é, freqüentemente, atroz, e ao envolver os estudantes universitários na compilação de dados de inteligência, a política proposta por Uribe poderia ajudar a estourar e trazer a guerra, que atualmente está no alto das colinas próximas de Medellín, para o centro da cidade, onde se encontram as universidades.

O colunista Alfredo Molano acha que Uribe vai tentar estender o programa-piloto a todo o país, especialmente se "ganhar" um terceiro mandato em maio, mas se o fizer, provavelmente enfrentará mais resistência de estudantes e professores, especialmente nas universidades públicas. No entanto, Uribe pode aproveitar a situação como uma oportunidade para introduzir mais medidas neoliberais, de contrainsurgência, no Ensino Superior. Certamente é muito cedo para dizer até onde levará o programa-piloto ou o que se fará se surgir mais resistência, mas o ministro da Defesa, Gabriel Silva, disse à BBC que a medida "não tem volta".

Nos EUA, como o relatório de Price deixa claro, a Trinity Washington University foi um alvo fácil porque a escola pobre que depende das matriculas; estima-se que o novo clima de austeridade no Ensino Superior dos EUA deixará muitas universidades vulneráveis, particularmente as estatais. Em Medellín, a situação é muito pior do que nos EUA porque mais de 65% dos habitantes são pobres e muitos estudantes de universidades públicas provêm de classes menos privilegiadas, o que significa que a necessidade direta é muito mais intensa em Medellín do que nos EUA. A iniciativa de Uribe tem como objetivo ajudar a polícia e o exército a combater o crime organizado e as gangues juvenis na cidade natal do presidente, onde já aconteceram, somente em janeiro, mais de 180 homicídios, e após vários anos de relativa paz, caminha rumo a recuperar seu lugar como a capital mundial do homicídio e do crime juvenil.

Oficialmente, em 2009, houve mais de 1.800 homicídios (embora a BBC fale de 2.178), mais do dobro do que em 2008. Cerca de 60% dos mortos tinham menos de 30 anos. O prefeito Alonso Salazar estabeleceu escritórios móveis em alguns dos bairros mais perigosos nos morros, como Santo Domingo Nº1 e Manrique, mas sua equipe de segurança foi acusada de cometer abusos contra jovens do bairro, e aqueles que ousaram falar do crime são ameaçados, deslocados e, ou assassinados por bandidos locais. Entre janeiro e outubro de 2009, mais de 2.000 pessoas foram deslocadas à força em Medellín, e juntamente com o homicídio e deslocamento forçado, aumentaram todas as formas de crime organizado, depois da extradição aos EUA, em 2008, de Diego Fernando Murillo, vulgo Don Berna.

Já que Uribe vê as universidades, pelo menos as públicas, como antros de criminalidade, anarquia, desordem e subversão terrorista, é lógico que tente recrutar informantes para fortalecer o Estado repressor e a presença paraestatal nelas. Como de costume, o ex-ministro da Defesa e atual candidato à presidência, Juan Manuel Santos, disse que: "A política dos informantes tem sido muito bem sucedida. O fato de envolver jovens universitários onde existe muita delinquência me parece que pode ajudar a acalmar e a melhorar a situação da ordem pública que vive uma cidade como Medellín”. Ironicamente, a prisão Bela Vista seria o lugar óbvio para recrutar informantes já que o crime organizado do lado de fora é em grande parte coordenado do seu interior. Mas as prisões continuarão a ser os centros nervosos para crimes juvenis, enquanto as universidades (públicas) podem ser criminalizadas, militarizadas e sofrer mais cortes de orçamento.

Embora as semelhanças entre a Colômbia e os EUA sejam alarmantes, podem existir tanto conexões como paralelos. Segundo o relatório anual apresentado ao Congresso colombiano pelo ministro da Defesa daquela época, Santos, em 2008, Washington e Bogotá coordenaram estreitamente os seus esforços de inteligência. Santos disse que "entre 16 e 27 de abril de 2007 foi realizado, pela equipe de assessores da Embaixada dos Estados Unidos, um seminário sobre o manejo dos informantes, evento que foi assistido por 2 Oficiais, 6 Suboficiais e 2 civis, pessoal pertencente ao Chefatura da Inteligência Naval, permitindo com esse tipo de atividade o treinamento permanente do pessoal de inteligência, atualizando, fortalecendo e complementando as táticas empregadas contra a ameaça interna". De fato, a Colômbia é apresentada como um modelo de como uma contrainsurgência bem sucedida poderia ser no Afeganistão e no Iraque e, em março de 2009, o almirante Jim Stavridis, do Comando Sul dos EUA, participou de uma conferência de dois dias em Bogotá, para estudar as lições da Colômbia que poderiam ser aplicados em outros lugares.

Junto com os expoentes da contrainsurgência como David Kilcullen – ex-chefe dos assessores dos generais David Petraeus e Stanley McChrystal – Santos foi um dos oradores oficiais na conferência. Refletindo sobre os progressos realizados desde a implementação do Plano Colômbia, Stavridis escreveu: "Neste ano, Bogotá está entre os destinos turísticos ‘que devem ser visitados’ do New York Times e navios de cruzeiro invadem o maravilhoso porto caribenho de Cartagena. A Colômbia chegou muito longe em matéria de controle de uma insurgência profundamente arraigada e que está a apenas duas horas de vôo de Miami – e podemos aprender muito com o seu sucesso”. Só podemos esperar que, no futuro, os estudantes universitários espiões não se transformem em parte da receita para o êxito na contrainsurgência global.


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Forrest Hylton leciona história e política na Universidad de los Andes (Bogotá) e é autor de “Evil Hour in Colombia” (Verso, 2006).
Fonte: https://nacla.org/node/6398

Independência: Líderes planejam novo organismo regional, sem EUA

A 2ª Cúpula da Unidade da América Latina e do Caribe, que reúne 33 países em Cancun (Caribe mexicano), começou nesta segunda-feira (22) com uma participação histórica de líderes e com o objetivo principal de consolidar a integração regional e avançar na construção de uma nova organização multilateral do continente sem a presença dos Estados Unidos e do Canadá.

Diante de 25 chefes de Estado da região, o presidente do México, Felipe Calderón, defendeu em seu discurso de abertura avanços no "sonho" dos libertadores da América Latina de ter um continente unido, orgulhoso de suas raízes comuns.

"Não podemos permanecer desunidos e avançar no futuro com base em nossas diferenças", afirmou o presidente. Para ele, o necessário nesses momentos é se unir sem pensar no que divide os países, mas levando em conta as "amplas convergências", que são "muito maiores" que as diferenças.

Calderón lembrou que, quando todos estiveram unidos "frente a outras nações e a muitas adversidades", puderam sair adiante, enquanto quando ocorreu o contrário "perdemos todos". Segundo ele, "devemos fortalecer o diálogo político mais que nunca, para alcançar a compreensão, acertar os esquemas de cooperação. Creio que temos a história, os valores, a capacidade e a vontade política para conquistar isso"

"Acho que nosso desafio não é um assunto de esquerda ou de direita, nem de ideologia ou de doutrinas", disse Calderón, mas uma "distinção entre passado e futuro", com valores comuns de democracia, justiça e liberdade.

O presidente mexicano também falou do Haiti, a cujo presidente, René Préval, lembrou que a causa haitiana "é a causa de todos os países da região".


Nova entidade regional

A cúpula começa com o objetivo claro de criar uma nova entidade, paralela à Organização dos Estados Americanos (OEA), que inclua todos od países da região, exceto Estados Unidos e canadá. Ainda que não estejam definidos ainda detalhes desse novo organismo, sua função será gerar o diálogo em mais alto nível entre presidentes de toda a América Latina e Caribe.

Neste sentido, os chanceleres do Grupo do Rio se reuniram neste fim de semana e elaboraram uma proposta, prevendo que o mecanismo regional abordaria inclusive temas de defesa e que começaria a ser implementado a partir de 2011.

"Necessitamos de uma organização específica, um espaço nosso, americano. Por isso vim apoiar esta ideia", disse o presidente da Venezuela Hugo Chávez. Diversos líderes ressaltaram que a América Latina está "madura" o suficiente para dar este passo.

A criação do organismo, que serviria para unificar a voz da América Latina frente a outros grupos regionais, se iniciaria em junho do ano que vem em caracas, uma vez que sejam definidas a estrutura e os objetivos do mesmo. os chanceleres apresentarão nesta segunda esta ideia aos presidentes.

"Esta discussão já está avançada e falta apenas os presidentes tomarem uma decisão sobre o texto", disse o chanceler do Equador, Ricardo Patiño. para ele, os mecanismos regionais até então existentes são "experiências relativamente parciais".

Com a ausência de Honduras, que não foi convidada à cúpula por continuar fora da Organização dos Estados Americanos (OEA), os 32 países participantes também estudarão hoje e amanhã a ajuda ao Haiti, o protesto da Argentina perante o Reino Unido pela exploração de petróleo nas Malvinas, o bloquei a Cuba, entre outros assuntos.

Fonte: www.vermelho.org.br

segunda-feira, 22 de fevereiro de 2010

Chávez adverte que o governo colombiano busca motivos para agredir a Venezuela




O governo venezuelano advertiu que a Colômbia tenta atacar com acusações que não têm qualquer fundamento. O presidente venezuelano, Hugo Chávez, respondeu as declarações do governador do departamento colombiano de Arauca, que afirmou que um líder guerrilheiro se encontra escondido na Venezuela.

TeleSUR


Na sexta-feira passada o presidente da Venezuela, Hugo Chávez advertiu a Colômbia tenta encontrar uma desculpa para, sem fundamentos, atacar o seu país. Caracas respondeu as declarações de uma autoridade municipal colombiana sobre a alegada presença de um líder da guerrilha das Forças Armadas Revolucionárias da Colômbia (FARC) em território venezuelano.

O mandatário venezuelano advertiu que desde a Colômbia continuam culpando a Venezuela sem nenhuma prova e sugeriu ao seu homólogo, Álvaro Uribe, que não cometa erros.

Assim, Chávez aconselhou os militares colombianos a respeitar a soberania de seu país,durante o seu discurso no Conselho do Estado Maior Elétrico, celebrado no Palácio Miraflores, sede do Executivo.

Também desacreditou as declarações do governador colombiano do departamento de Arauca, Luis Ataya, sobre a presença em território venezuelano de um chefe das Forças Armadas Revolucionárias da Colômbia (FARC), Germán Briceño Suárez, conhecido como Grannobles.

"A guerrilha está lá. Ela tem territórios sobre seu controle, amplos e vastos territórios", lembrou o presidente. Ressaltou também que o narcotráfico “sai da Colômbia”, e não da Venezuela..

Observou que o Plano Colômbia fracassou, pois os Estados Unidos "deram bilhões de dólares à Colômbia, sob o pretexto combater o narcotráfico que, pelo contrário, só faz é aumentar”.

Chávez também rechaçou as afirmações do ministro da Segurança de Honduras, Oscar Alvarez, sobre os alegados voos de narcotraficantes que partiriam da Venezuela para a América Central.

O presidente venezuelano lembrou que Álvarez é um ministro do governo de fato de Honduras, que surgiu de um golpe de Estado, de tal forma que a Venezuela não o reconhece.

A Venezuela não reconhecerá o governo de Honduras, disse Chávez, "mesmo se fôssemos o único governo do mundo, nós não vamos reconhecê-lo".

Pouca horas antes, o chanceler venezuelano Nicolas Maduro, denunciou uma nova provocação do governo da Colômbia, em relação à questão do líder das FARC que estaria escondendo no país e a conexão de Honduras com o tráfico de drogas.

"Para justificar permanentemente o que é a guerra interna na Colômbia, e tentar justificar qualquer cenário futuro de provocação, de agressão contra nosso país, de vez em quando eles (o governo colombiano) tentam disseminar a história de que lideres da guerra colombiana (...) se encontram em outros países", disse Maduro em entrevista coletiva.

Da mesma forma, o representante da política externa venezuelana respondeu que as declarações do governador do departamento de Arauca e do ministro de hondurenho, que afirmou que na Colômbia foram detectados entre 250 e 300 vestígios de voos do narcotráfico que, na maioria, saem da Venezuela.

Trata-se de "manchar o prestígio da Venezuela no combate ao narcotráfico", porque "todo mundo sabe que as drogas são produzidas na Colômbia e é traficada da Colômbia”, nação que se transformou em narcoestado.

Maduro explicou que se trata de redes do narcotráfico que influenciam “no poder político colombiano", neste sentido devemos entender que "as declarações de hoje (sexta-feira) do governador de Arauca", que "fazem parte de toda esta campanha permanente da oligarquia colombiana" contra o presidente Chávez.

Assim, em relação ao tráfico de drogas, o chefe de Estado venezuelano afirmou que o governo inconstitucional de Honduras começou a cumprir o seu papel de peão dos EUA e da burguesia do continente.

Por sua vez, Maduro lembrou que Chávez se ofereceu, em várias ocasiões, como mediador para tentar por um fim à guerra civil colombiana. No entanto, acrescentou que "a oligarquia colombiana fechou as possibilidades de uma posição humanitária e civilizada para buscar a paz através das negociações para desativar a guerra".


Devolvam as Malvinas à Argentina!

O chefe de Estado venezuelano, Hugo Chávez, na última sexta-feira, fez um apelo à Grã Bretanha para que as Ilhas Malvinas sejam devolvidas à Argentina, pois considera que o país europeu viola os princípios da história e da geografia.

"Devolvam as Malvinas à Argentina", exclamou o presidente durante a reunião do Estado-Maior Elétrico.

"O Reino Unido está a violar o direito internacional, estão violando os princípios básicos de geografia, da história, do tempo e espaço", disse Chávez

"Vão embora de lá, devolvam as Malvinas ao povo argentino", insistiu Chávez.

Atualmente, a tensão entre o Governo da Argentina e da Grã-Bretanha aumentou devido à exploração de petróleo que o Reino Unido faz de maneira "unilateral e ilegal" na zona de litígio, conforme qualificou Buenos Aires no início das atividades.

Por este caso, a Argentina pedirá à cúpula do Grupo do Rio um pronunciamento contrário às atividades britânicas. Além disso, o chanceler argentino Jorge Taiana, fará protestos diante da Organização das Nações Unidas (ONU) na quarta-feira 24 de fevereiro.

Mono Jojoy: "No temos alma de traidores"


As FARC respondem ao Exército: "Acordos de paz sim, mas rendição é uma fantasia da oligarquia"


Senhor:

Freddy Padilla de León.

Compatriota:

Escutei atentamente sua alocução radial do dia 21 de janeiro de 2010 que me pareceu inspirada mais nos fins de propaganda, de perdoa vidas e de guerra psicológica, mais que no sincero espírito reconciliatório e de grandeza, convidando-me à entrega e à rendição.

Você não é pioneiro nesse tipo de "convites". Nosso insigne Comandante Manuel Marulanda Vélez nos relatava como nos primórdios da nossa luta pela liberação de nosso povo, o general Álvaro Valencia Tovar também costumava dirigir mensagens desse mesmo teor ao Comandante Ciro Trujillo, oferecendo-lhe incluso, dinheiro a modo de suborno, enquanto ao mesmo tempo eram alistadas tropas e se aperfeiçoavam os mecanismos para o início da agressão contra a população das regiões de Marquetalia e Riochiquito, seguindo a aplicação do Plano LASO e a meio de uma situação política na qual as Forças Militares iniciavam sua carreira como instrumento classista de repressão ao serviço dos latifundiários para despojar da sua terra os camponeses.

Muito pouco nos conhece você, senhor Padilla de León: com toda sinceridade, sem ódio nem ressentimento e com o respeito que todo revolucionário professa por seus adversários, lhe respondo: Não, muito obrigado, general.

Nas FARC não temos alma de traidores, mas de patriotas e de revolucionários.

Temos lutado e continuaremos nisso, com valor, entrega e sacrifício por derrubar esse regime podre das oligarquias e construir outra ordem social, ou por alcançar acordos que ajudem a construir uma pátria na qual caibamos todos.

Jamais temos proclamado o principio da guerra pela guerra, nem assumido nossa luta como algo pessoal, já que nossos objetivos são os de lograr mudanças profundas na estrutura social da Colômbia para que por fim sejam levados em conta os interesses das maiorias nacionais, dos setores populares e que conduzam ao desmonte do atual regime político criminal, oligárquico, corrupto, excludente e injusto, como está consignado em nossa Plataforma Bolivariana pela Nova Colômbia.
Com a honestidade que corresponde ao nosso compromisso com a transformação social e a lealdade que lhe devemos ao nosso povo, lhe afirmamos que não vamos a desistir depois de mais de 40 anos de luta, nem aceitar uma falsa paz. Não trairemos os sonhos de justiça da Colômbia que clama pela paz com justiça social, nem a memória dos milhares de mortos, nem às vítimas das inumeráveis tragédias que tem ocasionado esta cruenta guerra, declarada pela oligarquia contra o povo desde há mais de 50 anos.

Colômbia necessita encontrar os caminhos que conduzam a pôr fim a esta guerra entre irmãos, sendeiros de reconciliação que nos levem a Acordos de Paz. Mas não será através de uma paz falsa que siga permitindo a uma minoria oligárquica continuar se apropriando de todas as riquezas, enquanto as grandes maiorias nacionais ficam esmagadas pelo peso da pobreza, o terror militarista, a miséria e a degradação moral de uma classe dirigente corrupta até a medula, o caminho mais seguro para alcançar a reconstrução da pátria e a reconciliação dos colombianos.

Uma paz entendida como rendição ou entrega é uma fantasia da oligarquia e de nossa parte seria um crime de lesa traição ao povo e a seus históricos anseios por alcançar, por fim a justiça social para todos.

Acordos de paz sim, mas, o ponto cardinal é: ¿com ou sem mudanças estruturais no político e social?

¿Mais Democracia ou mais autoritarismo e mais repressão e ajoelhamento diante do império?

Convidamos o senhor a refletir sobre estas serenas palavras plenas de sensatez e atualidade, contidas na mensagem que dirigiu o Comandante Manuel Marulanda Vélez aos membros das Forças Militares:

"O futuro da Colômbia não pode ser o da guerra indefinida, nem o de exploração por uns poucos das riquezas da pátria, nem pode continuar a vergonhosa entrega de nossa soberania à voracidade das políticas imperiais do governo dos Estados Unidos; nós estamos em mora de sentarmos a conversar em sério para dirimir nossas diferencias, mediante o intercâmbio civilizado de opiniões rumo à solução definitiva das causas políticas, econômicas e sociais geradoras do conflito interno, para bem das futuras generacões de compatriotas ".

Hoje, queremos compartilhar esse raciocínio com você, e também, como sempre, com os sargentos, os cabos, os tenentes, capitães e coronéis, e com todos os homens de experiência que põem o peito nos combates, mas que apesar disso, lhes está ascender à oficialidade por sua origem racial, cor ou sua raça.

Lembro-lhe general, que o passo pela milícia em defesa de interesses estrangeiros ou oligárquicos que fazem alguns de vocês, assim seja prolongado no tempo, é efémero, e que pronto será você chamado qualificar serviços, e com certeza o povo ou a justiça internacional lhe reclamará sua responsabilidade como comandante das Forças Militares nos crimes de lesa humanidade contra nosso povo, hipocritamente chamados "falsos positivos" ou, em seu papel como chefe em um tempo da nefasta XX Brigada de "inteligência e contra-inteligência" (B I N C I), de tão ingrata recordação para os colombianos, assim como o surgimento e aumento do paramilitarismo depois de seu passo pelo Comando da Segunda Divisão do Exército, ao lado do hoje presidiário general Iván Ramírez.
Temos feito reiterados chamamentos a todos os patriotas e democratas da Colômbia, a trocar idéias sobre esses temas para impedir a perpetuação em nossa pátria de uma ditadura ou um governo totalitário e déspota.

Hoje as FARC queremos convidar todos os militares e integrantes da Força Pública a retomar o caminho da defesa da soberania pátria, a trabalhar pela formação de um exército bolivariano patriótico, que não aponte suas armas contra seus concidadãos, integrado às lutas populares, e que trabalhe em beneficio de alcançar a paz, assim como pelo intercâmbio humanitário e para continuar a obra que deixou sem concluir o Libertador Simón Bolívar, para que Colômbia não volte sofrer jamais a afronta de ver os soldados que você comanda, submetidos e despojados de suas armas para serem revistadas por representantes do exército da potência estrangeira que nos avassala, como ocorreu na passada visita do presidente Bush.

Compatriota,
Jorge Suárez Briceño.
Integrante do Secretariado do Estado Maior Central das FARC EP.
Montanhas da Colômbia, janeiro de 2010

domingo, 21 de fevereiro de 2010

Colômbia: mais de 50% não votaria em referendo sobre reeleição

Uma pesquisa divulgada hoje na Colômbia diz que 50,3% dos eleitores do país não estão dispostos a votar em um referendo sobre a possibilidade de que o presidente Álvaro Uribe concorra ao terceiro mandato consecutivo. As informações são da Ansa

De acordo com o levantamento, feito pela empresa Datexco, caso Uribe fosse candidato, receberia 46,8% dos votos, o que levaria a disputa para o segundo turno contra o ex-prefeito de Medellín Sergio Fajardo, que concorre de forma independente e teria com 8,08% das preferências.

Para que o presidente da Colômbia, no poder desde 2002, possa tentar uma nova reeleição, será necessário levar o tema a uma consulta popular. Hoje, a convocação deste referendo, aprovada pelo Congresso em 2009, está sob a análise da Corte Constitucional, órgão que permitirá ou não a sua realização.

No entanto, de acordo com os cálculos de César Valderrama, consultor da Datexco, ainda que a consulta seja realizada, o alto número de pessoas que não estão dispostas a votar pode invalidar seu resultado.

Para que o referendo tenha valor, pelo menos 7,5 milhões de colombianos precisam participar. "Estamos falando de um universo de 14 milhões de eleitores, ao todo, o que indica que votariam no referendo cerca de 6,5 milhões", disse ele.

Uribe jamais assumiu publicamente que pretende tentar um novo mandato, mas costuma afirmar que seria necessário prosseguir com sua política de "segurança democrática", levada a cabo contra o narcotráfico e as guerrilhas.

Em um cenário sem o chefe de Estado, os mais cotados para assumir seu lugar são Sergio Fajardo e o ex-ministro da Defesa Juan Manuel Santos, que neste caso seria o nome governista na disputa.

Fonte: www.vermelho.org.br

quinta-feira, 18 de fevereiro de 2010

Paramilitares colombianos reconhecem ter cometido mais de 30 mil assassinatos!



Fonte: ABN

Bogotá, 17 de fevereiro.

A unidade de Justiça e Paz da Promotoria colombiana tornou público nesta terça-feira, um relatório onde se revela que o grupo paramilitar Autodefesas Unidas da Colômbia (AUC), cometeu cerca de 30.500 assassinatos e 2.520 desaparecimentos em 20 anos.

Segundo o relatório, uns 4.112 ex-combatentes das AUC asseguram ter perpetuado 30.470assassinatos entre a década de oitenta até sua desmobilização a partir de 2003, anunciou EFE.

Estes reveladores dados da crua violência que tem açoitado os colombianos ocorrem nos marcos do Plano Justiça e Paz em que o governo desse país oferece benefícios judiciais aos paramilitares das AUC que se desmobilizaram num processo iniciado pelo governo de Álvaro Uribe, entre 2003 e 2006, em troca do seu desarmamento e confissão dos crimes.

Esta lei fixa uma pena máxima de oito anos de prisão para os paramilitares que se submetam à justiça, confessem seus crimes e reparem as vítimas.

Fontes do órgão asseguram que neste processo de verificação da informação já foram validadas denuncias sobre 11.797 homicídios.

De acordo com o relatório, a Promotoria recebeu declarações dos ex-combatentes que dão conta de 1.085 massacres; 1.437 recrutamentos de menores; 2.520 desaparecimentos forçados; 2.326 deslocamentos forçados e 1.642 extorsões, além de 1.033 sequestros.

Até dezembro de 2009 a Promotoria verificou que ocorreram 485 massacres; 1.093 recrutamentos de menores; 1.412 desaparecimentos forçados; 747 deslocamentos maciços; 623 extorsões e 392 sequestros, segundo a fonte.

O relatório conclui seus números mencionando que uns 32 mil paramilitares abandonaram as armas nesse processo, mesmo que órgãos de Direitos Humanos tenham denunciado que uma quantidade indeterminada de comandantes intermediários, que ficaram à margem desse plano, ainda atua em grupos criminosos ao serviço do narcotráfico.

De acordo com outro relatório elaborado pela Universidade de Berkeley – EUA, intitulado “A verdade por trás das grades” (Truth behind bars), o processo de Justiça e Paz começou a rachar pela falta de um acordo por escrito que determinasse a ‘cooperação judicial’ entre a Colômbia e os EUA, uma vez que os chefes paramilitares, protagonistas da violência das, pelo menos, duas últimas décadas, foram aprisionados nesse país por delitos relacionados exclusivamente com o narcotráfico.

Tudo isso se soma às dificuldades logísticas para manter contato com os prisioneiros e à própria vontade destes, pois em maio de 2008 somente cinco dos 15 extraditados continuaram com suas versões livres.
O relatório ainda destaca um sério obstáculo, pois os promotores norteamericanos colocaram de lado os esforços das vitimas para intervir nos processos e obrigar os ex-chefes paramilitares a revelar informação, apesar de que nesse país existe a lei de direitos das vitimas de crimes (Crime Victims Rights Act).

O documento assinala que a própria Corte Suprema colombiana tem visto atrapalhado o seu trabalho.

Está instituição tem feito diversas solicitações para obter declarações de ex-comandantes das AUC, como Carlos Mario Jiménez Naranjo (Macaco), Rodrigo Tovar Pupo (Jorge 40) e Diego Fernando Murillo Bejarano (Dom Berna), que até o passado 28 de outubro, não tinham sido respondidas.

Naquele mês, relembra o documento, após uma viagem a Washington, o ex-presidente do Alto Tribunal, magistrado Augusto Ibañez, qualificou de preliminares os esforços para conseguir a desejada cooperação judicial.

Os impedimentos logísticos também têm obstruído a possibilidade, estipulada pela Lei de Justiça e Paz, de que as vitimas questionem diretamente os seus algozes ou seu direito à reparação.

O Laboratório Internacional de Direitos Humanos de Berkeley (IHRLC), encontrou nos EUA a trinta homens extraditados da Colômbia, relacionados com o paramilitarismo, dos quais em dezoito casos a informação dos seus julgamentos não é pública.

O Centro Jurídico relembrou a importância que estes homens têm nos delicados processos da parapolítica e outros graves crimes, cujos testemunhos não foram totalmente explorados. A extradição limitou sua disponibilidade como testemunhas em potenciais.

O assunto, logicamente, não se limita à parapolítica. Os ex-chefes paramilitares ainda estão envolvidos em centenas de investigações penais por massacres, deslocamentos, roubo de terras, assassinatos e desaparecimentos forçados, entre outros.

Segundo o relatório, na Promotoria colombiana há 276 processos abertos contra funcionários públicos, que possivelmente conspiraram com os paramilitares e, mesmo que num período de cinco meses em que as autoridades colombianas pediram 39 audiências com os ex-chefes paramilitares, somente uma dezena delas foram realizadas.

Após 21 meses da “saída” dos ex-chefes paramilitares da Colômbia, nenhum ex-integrante das AUC foi condenado.

Sobre a “saída”, o Relatório não revela para qual país fugiram os assassinos que não foram extraditados aos EUA.

“As extradições podem ter acabado com as ligações dos processados com o comércio de entorpecentes, mas pouco fizeram para desmantelar as estruturas paramilitares responsáveis pelo narcotráfico e pela violência generalizada”, afirma o documento do IHRLC.


Ainda, segundo o Relatório, “as investigações atuais contra processados colombianos oferecem aos EUA uma oportunidade única para romper com o ciclo da impunidade. Os ex-comandantes paramilitares têm capacidade de prover informação critica nos casos de violações dos Direitos Humanos, corrupção e crimes contra sindicalistas”.

quarta-feira, 17 de fevereiro de 2010

FARC reafirmam que não atacarão forças vizinhas


ANNCOL

Chegou à redação de ANNCOL o seguinte comunicado das FARC-EP para divulgação à comunidade nacional e internacional

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Ao povo irmão do Panamá:

Compatriotas:

A luta que travamos na Colômbia por uma pátria nova, livre e soberana, é a mesma luta de vocês e é o mesmo desejo que impulsiona a luta dos povos de nossa América.

Não podemos esquecer que fomos, e continuamos sendo, irmãos desde a Colômbia de Bolívar, e que, dessa perspectiva, o nosso inexorável destino é a união em uma Grande Nação de Repúblicas. Chegou a hora de retomar esse sonho de Bolívar e de reassumir a tarefa do Congresso Anfictiônico do Panamá.

Em relação ao assassinato a sangue frio e a queima roupa de três guerrilheiros das FARC por membros da Guarda Panamenha em Darién, acontecimento em que também foram capturados outros dois insurgentes feridos, o Ministro do Interior do Panamá disse que seu país não se envolverá no conflito interno da Colômbia, o que saudamos como uma decisão de governo, que se aplicada, sem dúvida contribuirá para a estabilidade da região.

É possível que o governo ignore que a Guarda desenvolve patrulhas conjuntas com o exército da Colômbia na fronteira. Que essa força é dirigida, na prática, pelo comando do exército colombiano, cujos oficiais visitam periodicamente as tropas na região e lhes designam tarefas contrainsurgentes. Que este trabalho é desenvolvido em estreita coordenação com os fuzileiros navais dos EUA cuja base se encontra na região. Esta atitude contrasta com a passividade absoluta da Guarda Nacional do Panamá e a cumplicidade do exército e do governo colombiano, quando os grupos paramilitares assolaram a região durante mais de uma década, assassinaram, desalojaram e deslocaram de suas terras a milhares de camponeses e indígenas dessa região da fronteira.

Como resultado desta política, inexplicavelmente agressiva contra as FARC, denunciamos os seguintes casos:

1. Através de uma estação de radio chamada "Voz Sem Fronteiras”, convida-se aos guerrilheiros a desertar e apresentar-se à guarnição militar próxima.

2. Copiando as práticas do exército colombiano, helicópteros da Guarda jogam panfletos com as fotografias dos comandantes do 57º Frente das FARC, oferecendo 150 mil dólares como recompensa para quem os entreguem ou assassinem.

3. Em 22 de fevereiro de 2008, depois de passar dois dias à deriva, cinco guerrilheiros e um civil que haviam naufragado em águas colombianas, a nove milhas da costa, foram resgatados pela Guarda e levados para Jaque. Quando se aproximavam do porto simularam uma ação bélica com tiros para mostrar-los à mídia como capturados em combate. No momento do naufrágio os guerrilheiros portavam seus respectivos equipamentos como fuzis, uniformes e alguns explosivos. As autoridades disseram à imprensa que tinham impedido uma ação armada das FARC no Panamá, e inventaram que a lancha que utilizavam transportava drogas.

4. Em dezembro de 2008, a Guarda emboscou um comando da 57º Frente das FARC que resultou em três guerrilheiros feridos e um capturado. Este último ainda está detido em uma prisão panamenha.

5. Em julho de 2009, as autoridades do Panamá extraditaram os guerrilheiros Abel, Ronald e Diana para os EUA, sob a falsa acusação de narcotráfico, para responder às intrigas do presidente dos falsos positivos, o mafioso Álvaro Uribe Vélez.

Para os panamenhos e panamenhas dizemos que, por cima dessa hostilidade injustificada, que aspiramos seja corrigida, está nossa política de fronteiras, que ordena ao guerrilheiro das FARC não atacar as forças armadas de países vizinhos.

Nosso coração sempre abrigou sentimentos de admiração pelo general Omar Torrijos, a quem lembramos pelo seu amor inabalável à pátria soberana e ao homem e mulher panamenhas e pelo seu exemplo de dignidade, que nos ensinou que, na enseada da Nossa América, não deve nunca tremular a bandeira da opressão dos EUA e que este solo não pode ser manchado pela presença de tropas ianques.

Para o povo do panamenho, o nosso grande abraço bolivariano.

Estado Maior do Bloco Ivan Rios das FARC-EP
Montanhas da Colômbia, 9 de fevereiro de 2010
Bicentenário da Proclamação da Independência

terça-feira, 16 de fevereiro de 2010

COLÔMBIA: A tragédia mora ao lado



Num país governado pela extrema-direita, os paramilitares continuam agindo impunemente. Em conluio com o exército e inúmeros políticos, eles já desalojaram mais de três milhões de pessoas e seguem assassinando as lideranças dos movimentos sociais.

Paola Ramírez Orozco-Souel

Fonte: Le Monde Diplomatique Brasil



No centro de Bogotá, na entrada de um arranha-céu vigiado por câmeras, um segurança pergunta mecanicamente o andar, a razão da visita, o número da carteira de identidade e o telefone. Em troca, fornece um crachá que autoriza a travessia do hall e dá direito a uma revista minuciosa, que culmina no acesso aos elevadores. No 25° andar, outro segurança faz o mesmo interrogatório. Cruzando duas portas blindadas e uma antessala de vigilância, está a entrada dos escritórios de várias organizações de defesa dos direitos humanos, sindicatos, partidos políticos e organismos independentes.

Por que tanta precaução? Será que a “segurança democrática”, vigorosa política do presidente colombiano Álvaro Uribe Vélez, no poder desde 2002, é apenas um mito? Inúmeros magistrados, membros de organizações não-governamentais (ONGs), sindicalistas, jornalistas e políticos parecem pensar que sim.

Segundo Alirio Uribe, defensor dos direitos humanos, somente alguns privilegiados – a elite e as empresas multinacionais – são beneficiados pelo governo. Por outro lado, “todos aqueles que criticam a política do presidente ou se opõem a seu regime são satanizados”, quando não assassinados.

Em 28 de novembro de 2008, milhares de manifestantes, vestindo camisetas brancas com os dizeres “Colombia soy yo” (“A Colômbia sou eu”), desfilaram nas principais cidades do país e em capitais do mundo afora (Paris, Madri etc.). Como é de costume, o protesto, que contou com apoio implícito do poder colombiano e explícito dos meios de comunicação nacionais e estrangeiros, criticou somente um dos protagonistas do conflito: a guerrilha [1].

Curiosamente, em 6 de março do mesmo ano, uma manifestação contra a violência de estado não havia se beneficiado da presença dos holofotes nem das câmeras.

“Nós marchamos para protestar contra as valas comuns, os massacres, os assassinatos, os desaparecimentos e os deslocamentos de populações, pois já estava se propagando a ideia de que era preciso mostrar-se mais solidário com os reféns, e com uma em particular, do que com as vítimas do estado e dos paramilitares”, explica Jorge Rojas, diretor do Conselho para os Direitos Humanos e o Deslocamento forçado (Codhes), uma organização não-governamental.

Mais de 300 mil pessoas se mobilizaram na Colômbia neste 06 de março, convencidas de que a sociedade civil não deve fraquejar “cada vez que os paramilitares ou o presidente a ameaçam”, como se expressou um dos manifestantes.

Hostilidade ao diálogo

Enquanto José Obdulio Gaviria, primo-irmão do falecido barão da droga Pablo Escobar e conselheiro do presidente Uribe, qualificava essa manifestação de “marcha promovida pelas Farc”, os Águilas Negras (Águias Negras), nova denominação dos grupos paramilitares, proferiam ameaças de morte contra seus organizadores e participantes.

Uma semana depois, seis organizadores da marcha foram assassinados. Dez sindicalistas tiveram o mesmo destino ao longo do mês. O único consolo é que, apesar de não ter “o mesmo apoio institucional, econômico e midiático que os protestos contra as Farc, a marcha rompeu com a unanimidade que pretendia se impor e com a ideia de que a violência vem unicamente das guerrilhas”, diz um de seus mentores.

Hostil a qualquer diálogo com a oposição armada, desde sua chegada ao poder, o chefe de estado privilegiou a via militar. Entre 2002 e 2007, 13.634 pessoas foram mortas, vítimas da violência política [2]. Segundo o Codhes, do total de 4 milhões de pessoas desalojadas pela força desde 1985, 3 milhões o foram sob o governo de Uribe
[3].

Para o advogado Sergio Roldán: “os camponeses que se recusam a cultivar a folha da coca são desalojados para dar lugar aos narcotraficantes”. A população é igualmente varrida de suas lavouras por grupos armados porque a terra é fonte de exploração comercial. Presidente do Codhes, Marco Romero estima em 6,8 milhões o número de hectares expropriados ou “vendidos ilegalmente por funcionários corruptos”.

O caso de Choco, região da costa do Pacífico onde vivem as comunidades afro-colombianas, é emblemático. Milhares de camponeses foram obrigados a fugir da violência, abandonaram suas terras para ceder espaço aos interesses de grupos industriais nacionais e internacionais, “para os megaprojetos previstos para o cultivo da palmeira-africana utilizada na fabricação de biocombustíveis [4]”.

“O período uribista é o mais repressivo que nossas comunidades já conheceram. É muito difícil fazer valer nossos direitos e territórios reconhecidos pela Constituição de 1991 e pelas cartas internacionais”, narra Daniel Maestre, desalojado da comunidade Kankouano.

Vítimas dos paramilitares, da guerrilha e do exército – implicado em mais de 60% dos casos, segundo a organização Nacional de Indígenas da Colômbia (Onic) –, mais de 1.200 indígenas foram assassinados ao longo dos últimos seis anos. “A ‘segurança democrática’ matou mais gente do que ajudou”, diz Jairo Chicama, indígena da etnia Embera-Katio [5].

Mais de 170 funcionários do Estado já estão envolvidos no escândalo dito da “parapolítica”, sejam parlamentares eleitos ou pertencentes ao círculo do presidente

Uribe se recusa admitir a existência de um conflito político em um país que assiste a uma guerra interna desde os anos 1950. A “ameaça terrorista” para ele é suficiente como explicação. Para “pacificar” a Colômbia, há muito tempo o exército pactuou com os paramilitares que enfrentam indiscriminadamente camponeses, estudantes, sindicalistas, defensores de direitos humanos, jornalistas e militantes políticos.

As famílias das vítimas desse conflito, que tinham depositado todas as suas esperanças nas audiências judiciais previstas pela lei dita de “Justiça e Paz”, adotada em 2005 para “desmobilizar” os paramilitares e lançar luz sobre seus crimes, rapidamente mudaram de tom [6]. Reunidos em torno do Movimento Nacional de Vítimas dos Crimes de Estado (Movice), elas lutam hoje contra o esquecimento e a impunidade “premeditada” do presidente, que extraditou aos estados Unidos 14 dos mais poderosos chefes paramilitares para serem processados por narcotráfico. Na Colômbia, acusados de crimes contra a humanidade, eles poderiam fazer revelações intoleráveis sobre suas pretéritas alianças com a classe política.

De qualquer forma, mais de 170 funcionários do estado já estão envolvidos no escândalo dito da “parapolítica” – termo que designa o conluio entre paramilitares e políticos, sejam eles eleitos ou pertencentes ao círculo do presidente. Entre eles, Jorge Noguera, ex-braço direito do chefe de estado e diretor do Departamento Administrativo de Segurança (DAS) [7], preso (depois libertado) por ter colocado essa instituição a serviço dos paramilitares e por lhes ter enviado uma lista de dirigentes sindicais, professores de universidade e opositores a serem assassinados [8].

Além disso, 36 deputados eleitos pelo campo majoritário e dois ex-presidentes do Senado estão presos, enquanto outros 65 da mesma maioria seguem sob investigação.
Paradoxalmente, afirma Ivan Cepeda, presidente do Movice, “esses acontecimentos tornam nosso trabalho ainda mais difícil, já que o presidente defende as pessoas ligadas aos paramilitares e à máfia. Nós somos alvo para eles: 20 de nossos dirigentes foram assassinados desde 2005”.

Com a benção das elites locais

Notadamente nos estados de Sucre, Antioquia e de Córdoba, “pela imposição de um regime de terror, os ‘paras’ decidem quem serão os representantes políticos, os catedráticos das universidades, etc. Em uma dessas zonas há uma propriedade do presidente, situada nas proximidades de outra, do chefe paramilitar Salvatore Mancuso. Podemos afirmar com certeza que todos os que vivem na região ou que a conhecem sabem o que se passa por lá”.

Segundo ele, estruturas paramilitares agiriam em 22 dos 32 estados do país, contando com a bênção das elites locais [9]. Mesmo no exterior, alerta Cepeda, as vítimas exiladas ou refugiadas do estado não estão em segurança. “Acusadas de pertencer às Farc, elas são perseguidas pelas instâncias diplomáticas da Colômbia.”

A exemplo do jornal El Tiempo, fonte de informação da imprensa estrangeira e de propriedade do vice-presidente Francisco Santos e do ministro da Defesa Juan Manuel Santos, as redes de televisão tais como RCN e Caracol servem de caixa de ressonância para a propaganda do poder. Desnecessário dizer que, nas zonas paramilitares, a liberdade de expressão e o pluralismo político desapareceram.

No entanto, o senador Gustavo Petro, do Pólo Democrático Alternativo (PDA), observa que, “ainda que todos nós estejamos sob ameaça de morte e que suportemos esse ímpeto destrutivo do presidente, os partidos de esquerda ou de oposição estão vivos nas cidades. Afinal, é difícil matar todo mundo na rua ou ‘acompanhar’ com uma arma cada pessoa que vai votar”. Isso explicaria, em parte, a eleição dos prefeitos da oposição nas três grandes metrópoles do país – Bogotá, Medellín e Cali.

Se as manifestações de resistência pacífica da sociedade civil se multiplicam, o medo de represálias sangrentas persiste. “Com um governo tão autoritário e intolerante como o de Uribe, a oposição política não-armada corre sérios riscos. Ele nos vê como um empecilho à democracia”, afirma Carlos Gaviria, presidente do PDA. Enfrentando os ataques do presidente e os inúmeros assassinatos de seus dirigentes, esse novo partido reúne parte da esquerda do país.

Ansioso por um terceiro mandato, o presidente visivelmente sonha com o desmantelamento da Constituição de 1991. Ele já conseguiu fazer com que a revisassem, não sem denúncias de compra de votos de parlamentares, para que fosse reeleito em 2006 [10].

De acordo com Fernando Cifuentes, procurador da república, “os métodos do presidente, as violações ao texto constitucional e a ‘parapolítica’ desrespeitam os princípios fundamentais da democracia. A continuar assim, nós vamos chegar a uma ditadura totalitária”.

A Corte Suprema de Justiça tem provas e testemunhas para julgar os deputados acusados, mas em vez de deixá-la fazer seu trabalho, Uribe a ataca sempre que pode

Segundo Esperanza Delgado, presidente da Asonal Valle Del Cauca, sindicato de magistrados, “o Executivo exerce uma verdadeira pressão pela via econômica e política. Nós trabalhamos contra a parede, e a independência da justiça não é respeitada”.

A Corte Suprema de Justiça tem provas e testemunhas para julgar e condenar os deputados da ‘parapolítica’. Mas, em vez de deixá-la fazer seu trabalho, o presidente a ataca sempre que pode”. De fato, Uribe classifica os juízes colombianos de “prevaricadores putschistas, que fazem o jogo da guerrilha e do terrorismo”.

“Tais manobras”, afirma Delgado, “põem em perigo nossa vida e toda a credibilidade de nossa instituição e de nossa ação. Se o chefe do estado zomba da justiça, imagine os delinquentes!”.

No ano passado, por todo o país foram convocadas greves motivadas pela indignação dos servidores do Poder Judiciário. Em setembro de 2008, durante 44 dias, um movimento nacional pela independência da Justiça e pela revalorização salarial mobilizou mais de 80% dos efetivos do setor. Fechado a qualquer diálogo, o chefe do estado replicou decretando estado de emergência.

Quando não é o exército, é o terror anônimo que neutraliza o descontentamento. Na noite de 31 de agosto, uma bomba explodiu no Palácio de Justiça da cidade de Cali. Além de matar quatro pessoas, o atentado destruiu vários processos já encaminhados para a condenação de criminosos. “Nós não nos sentimos seguros”, testemunha uma procuradora. “O presidente se apressou em dizer que se tratava de um atentado das Farc. Ninguém sabe de nada ao certo. Eu tinha processos sobre narcotraficantes, paramilitares e políticos. As audiências estavam previstas para a semana seguinte. Agora eu não tenho mais nada, meu escritório foi completamente destruído”.

Para os sindicatos, a guerra contra “o terrorismo” tem por objetivo camuflar os fiascos do poder: desemprego em alta, uma economia em baixa, 70% de pobres e um aumento de 27% das plantações de folha de coca [11].

Em tal contexto, por que Uribe daria início a uma série de discussões ou de negociações com a oposição armada? “Sem as Farc, sua política não faria nenhum sentido. Ele precisa manter a ameaça terrorista para justificar suas medidas de ‘segurança democrática’, as despesas militares (6% do PIB) e a ausência de investimento social”, afirma o sindicalista Luciano Sanin.

Acusados pelo presidente de “desestabilizar o estado”, os sindicalistas se sentem mais do que nunca ameaçados. “A cultura política da Colômbia sempre recusou o sindicalismo, mas é a primeira vez que temos um regime tão neoliberal e repressivo”, completa Sanin. Segundo a Escola Nacional de Sindicalistas (ENS), 2.684 sindicalistas foram assassinados em 22 anos, dos quais 463 durante os dois mandatos de Uribe.

Expondo a própria vida e a de sua família, os sindicalistas colombianos exercem de fato uma atividade suicida. “Eu preciso me esconder, proteger minha vida e a vida de meus filhos, me mudar cada vez que minha casa é saqueada e recebo ameaças de morte”, narra um dirigente. “Para minha família, ser sindicalista é a pior coisa que pode acontecer a alguém neste país”.

Quanto às mulheres, a selvageria que elas suportam “vai muito além dos esquemas que caracterizam a violência política”, analisa Pilar Rueda, professora da Universidade de Salle. “Elas são apunhaladas para que pareça um crime passional, são vítimas de sevícias sexuais, de trabalho forçado e representam 70% da população desalojada.” Ou seja, conclui Rueda, sob o pretexto de combater a guerrilha, “os paramilitares combateram uma sociedade civil não-armada”.

Sem garantias para defender seus direitos, a luta pacífica da sociedade colombiana, que quer construir uma verdadeira democracia em um país em guerra, se assemelha a uma aposta. Contudo, o país transborda de iniciativas individuais e coletivas alimentadas pela esperança de obter, um dia, o apoio da comunidade internacional.

“Nós não podemos fazer concorrência à mídia, às armas, ao dinheiro nem ao poder”, afirma Lilia Solano, defensora dos direitos da pessoa, “mas nós podemos perseverar em nossa luta. Eu não sei se nós fomos atingidos por uma loucura coletiva, mas nós seguiremos na resistência”.


NOTAS
[1] a mobilização, porém, foi muito mais fraca do que a manifestação ocorrida em apoio aos reféns, em 20 de julho, que contou com 4 milhões de pessoas.
[2] As ONGs acusam o Estado na colômbia “[pela] maior parte das violações de direitos humanos”, Le Monde, 27 de setembro de 2008.
[3] Algo em torno de 305 mil pessoas foram vítimas de desalojamentos forçados em 2007, e cerca de 270 mil ao longo do primeiro semestre de 2008. Amnesty International, “les civils pris pour cibles dans le conflit armé interne”, Paris, 28 de outubro de 2008.
[4] El Nuevo Herald, Miami, 15 de outubro de 2008.
[5] Segundo a Onic, de 1,3 milhão de indígenas – 102 povos com 64 línguas, representando 4% da população –, 45% não possuem território, 80% vivem em situação de extrema pobreza e 54 mil foram desalojados pela violência.
[6] Segundo o coletivo de advogados José alvear Restrepo, dos 31.611 paramilitares “desmobilizados”, somente 116 são objeto de alguma ação judicial e nenhum deles foi condenado.
[7] Ao mesmo tempo uma polícia política e um serviço de informação.
[8] Além disso, Noguera orquestrou, em 2004, com a ajuda do dirigente paramilitar Rodrigo Tovar, vulgo “Jorge 40”, um plano de desestabilização da Venezuela. Nas eleições de 2002 ele também comandou uma vasta fraude eleitoral sem a qual o presidente Uribe não teria sido eleito no primeiro turno.
[9] Leia Ivan Cepeda Castro e Claudia Girón Ortiz, “comment des milliers de militants ont été liquidés em Colom- bie”, Le Monde Diplomatique, maio de 2005.
[10] a constituição não permitia a um chefe de Estado assumir dois mandatos sucessivos. Por isso, uribe teria corrompido a congressista Yidis Medina para que ela votasse a favor da reforma. O novo texto foi validado graças a esse voto.
[11] O Sistema de Medida do Cultivo de Folha de Coca das Nações Unidas (Simci) relata, em junho de 2008, um aumento de 27% da zona cultivada em 2007, sublinhando um retorno aos níveis de cultivo atingidos em 2002.

domingo, 14 de fevereiro de 2010

Camilo Torres: O Cristianismo rebelde na América Latina


Inácio Strieder *
Fonte:www.adital.com.br

Donde cayo Camilo nació una cruz
pero no de madera sino de luz.

Lo mataron cuando iba por su fusil.
Camilo Torres muere para vivir.

Cuentan que tras la bala se hoyo una voz
era dios que gritaba revolución.

Va a revisar la sotana, mi General,
que en la guerrilla cabe un sacristán.

Lo clavaron con balas en una cruz,
lo llamaron bandido como a Jesús (Bis)

Y cuando ellos bajaron con su fusil
se encontraron que el pueblo tiene cien mil

Cien mil Camilos pronto a combatir
Camilo Torres muere para vivir.

(Victor Jara)


"Não deporei as armas enquanto o poder não estiver totalmente nas mãos do povo". (Camilo Torres)

Jorge Camilo Torres Restrepo nasceu em Bogotá, Colômbia, em 03 de fevereiro de 1929. Sua família pertencia à alta burguesia liberal da Colômbia. Seu pai, Calixto Torres Umaña era um prestigioso professor de medicina na Universidade Nacional da Colômbia, e de 1931 a 1934 representou seu país como Cônsul, em Berlim. Com a separação dos pais, em 1937, Camilo foi morar com sua mãe, Isabel Restrepo Gaviria Torres, e com seu irmão Fernando, em Bogotá.


Depois do curso secundário, freqüentou, em 1947, durante um semestre, o Curso de Direito na Universidade Nacional da Colômbia. Em inícios de 1948 resolve entrar no Seminário Conciliar de Bogotá e preparar-se para o sacerdócio. Ali permaneceu durante sete anos, sendo ordenado padre em 1954. Logo em seguida é enviado à Bélgica para estudar sociologia na Universidade Católica de Lovaina. Em 1958 se graduou como sociólogo, apresentando um trabalho que analisava a proletarização de Bogotá.

Voltando a Bogotá em 1959, foi nomeado capelão da Universidade Nacional. Ali, juntamente com outros participantes, fundou a Faculdade de Sociologia, onde, durante algum tempo foi professor. Em 1961, Camilo Torres começou a ter problemas com o Cardeal Luís Concha Córdoba, que não via com bons olhos os seus trabalhos. Foi, então destituído do cargo de capelão, das atividades acadêmicas e das funções administrativas na Universidade Nacional.

Na tentativa de afastá-lo do mundo acadêmico, o cardeal o nomeou administrador paroquial de uma paróquia na periferia de Bogotá. Mas, Camilo não renunciou ao seu engajamento social. Em 1965 foi pressionado, pelo alto clero, a renunciar ao ministério sacerdotal. E em 27 de julho de 1965 celebra a sua última missa. Em sua "Mensagem aos cristãos", pouco tempo depois, já integrado no ELN, declara: "Deixei os privilégios e deveres do clero, porém não deixei de ser sacerdote. Creio que me entreguei à revolução por amor ao próximo. Deixei de rezar missa para realizar este amor ao próximo, no terreno temporal, econômico e social. Quando meu próximo não tiver mais nada contra mim, quando tenha realizado a revolução, voltarei a oferecer missa, se Deus me permitir. Creio que assim sigo o mandamento de Cristo: ‘quando levares tua oferenda ao altar, e ali te lembrares que teu irmão tem algo contra ti, deixa a tua oferenda sobre o altar, e vai reconciliar-te com teu irmão, e então volte e apresente tua oferenda’(Mt 5, 23-24).

Depois da revolução, os cristãos teremos a consciência de que estabelecemos um sistema que estará orientado para o amor ao próximo".

Livre das imposições canônicas, Camilo intensificou a sua participação política, criando a "Frente Unida do Povo", como contraponto ao duvidoso "Pacto Nacional", celebrado entre liberais e conservadores. Já em 1964, quando o Governo bombardeou a região de Tolima com napalm, Camilo havia tentado um contato com o grupo de guerrilheiros, que dariam origem, em 1966, às Forças Armadas Revolucionárias da Colômbia, (as FARC). Mas o diálogo com este grupo revolucionário comunista não progrediu. Menos complicado foi o contato com o ELN (Exército de Libertação Nacional, criado em 1964). Entretanto, Camilo fortalece a "Frente Unida do Povo" e cria o jornal semanário da "Frente Unida"; convoca o povo para as praças públicas, e prega a abstenção nas próximas eleições, como posicionamento revolucionário.

O sucesso político de Camilo cresce vertiginosamente, e as pressões governamentais aumentam. Acusam-no de subversivo. Assim pressionado, resolve colocar-se a serviço dos comandantes do Exército de Libertação Nacional.

Nos últimos meses de 1965, o padre guerrilheiro Camilo Torres envia mensagens aos cristãos, aos militares, aos camponeses e à Frente Unida do Povo. E em 15 de fevereiro de 1966 Camilo Torres morre em combate. Era a primeira ação guerrilheira armada de que participava. Até hoje não se sabe onde o exército colombiano enterrou seu corpo.

Os ideais de Camilo Torres

Camilo Torres considerava que quem definia o caráter pacífico ou violento da sociedade não era a classe popular, mas, sim, a classe dos governantes. Assim, propôs um "projeto de libertação" no qual podiam participar todos os homens e mulheres da Colômbia, guiados por uma opção chamada, por Torres, de "o amor eficaz para todos". Sua ação e pensamento se converteram num convite permanente para a luta, para que "a próxima geração não fosse mais de escravos, mas de homens livres".

Como Camilo Torres chegou a estas suas conclusões?

Desde cedo, Torres manifestava sua compaixão para com os oprimidos. Ainda criança, e vivendo com seu pai médico, distribuía as amostras grátis dos remédios que o pai recebia entre os trabalhadores de uma cerâmica, não muito distante de sua casa. O dinheiro que recebia para ir ao cinema o dava a crianças pobres das favelas. Quando abandona o curso de Direito, para entrar no seminário, declara que havia compreendido que "a vida, assim como a vivia e entendia, não tinha sentido". Por isto desejava ser padre para se tornar um "servo da humanidade", pois descobrira que "o cristianismo era um caminho totalmente concentrado no amor ao próximo".

Mais tarde, quando lhe perguntaram por que deixara o ministério sacerdotal, respondeu: "Abandonei o ministério sacerdotal (não o sacerdócio, pois este é eterno!) pelas mesmas razões pelas quais me comprometi com ele. Descobri o cristianismo como uma vida centrada totalmente no amor ao próximo; dei-me conta de que valia a pena comprometer-me com este amor nesta vida. Escolhi o sacerdócio para converter-me em um servidor da humanidade. Foi depois disto que compreendi que, na Colômbia, não se pode realizar este amor simplesmente por beneficência, mas que era urgente uma mudança de estruturas políticas, econômicas e sociais, que exigiam uma revolução, à qual este amor estava intimamente ligado. Mas, desgraçadamente, enquanto minha ação revolucionária encontrava uma resposta bastante ampla no povo, a hierarquia eclesiástica, em um determinado momento, tentou calar-me, contra a minha consciência que, por amor à humanidade, me levava a defender tal revolução. Então, para evitar qualquer conflito com a disciplina eclesiástica, solicitei a dispensa da minha sujeição a estas leis.


Não obstante, me considero sacerdote até a eternidade, e entendo que meu sacerdócio e seu exercício se cumprem na realização da revolução colombiana, no amor ao próximo e na luta pelo bem-estar das maiorias". Para ele, a pura beneficência, a caridade, as esmolas nada mais são do que "a bebida que se dá ao tuberculoso para que pare de tossir".

Naturalmente, com este apelo revolucionário, surge a pergunta: o que Camilo Torres entende por revolução?

Em diversos momentos ele se explica, e diz: "(Entendo por revolução) uma mudança fundamental (e rápida) das estruturas econômicas, sociais e políticas. Considero essencial a tomada do poder pela classe popular, pois a partir dela surgem as realizações revolucionárias, que devem priorizar a propriedade da terra, a reforma urbana, a planificação integral da economia, o estabelecimento de relações internacionais com todos os países do mundo, a nacionalização de todas as fontes de produção, dos bancos, dos transportes, dos hospitais, dos serviços de saúde, assim como outras reformas que sejam indicadas pela técnica, para favorecer as maiorias, e não as minorias, como acontece hoje em dia".

Camilo Torres considera que, nesta revolução, o fundamental a se conquistar é a mudança da estrutura de poder, retirando o poder das mãos da oligarquia e colocando-o nas mãos do povo. E quem dirá se esta tomada de poder será pacífica ou violenta são as oligarquias. Se as oligarquias quiserem entregar o poder pacificamente, o povo o tomará pacificamente; mas, se apelarem para a violência, terão violência. Mas, antes de apelar para a violência, diz Camilo, devem se esgotar todos os caminhos pacíficos. No entanto, ele não confia muito em que as oligarquias entreguem o poder sem luta. Contudo previne que, antes de se apelar para ações revolucionárias violentas, a doutrina social da Igreja ensina que é necessário verificar quais as conseqüências de tais ações.


Evidentemente, os resultados não poderão piorar a situação que se pretende corrigir. Para ele, a mudança das estruturas de poder na Colômbia devem mudar de qualquer forma, pois o perigo de piorar é muito pequeno, observando-se o número de crianças que morrem de fome, as meninas menores na prostituição, os constantes massacres, a violência e a miséria generalizadas em todo país, ao lado de minorias opressoras, coniventes com o imperialismo americano e sempre mais ricas.

Frente aos jornalistas, Camilo Torres, muitas vezes, teve que justificar sua atitude revolucionária, já que era cristão e padre. Dando suas explicações, ele diz: "Sou revolucionário como colombiano, como sociólogo, como cristão e como padre. Como colombiano, porque não quero ficar distante da luta de meu povo. Como sociólogo, porque minhas intuições científicas, em relação à realidade, me convenceram que é impossível chegar a soluções efetivas e adequadas sem uma revolução. Como cristão, porque o amor ao próximo é a essência do ser-cristão, e o bem-estar da maioria não se consegue sem a revolução. Como sacerdote, porque a entrega ao próximo, que exige a revolução, é um requisito da caridade fraterna, indispensável para celebrar a missa, que não é uma oferenda individual, mas de todo o povo de Deus por intermédio de Cristo"

O amor que Camilo pregava devia ser um amor eficaz, pois "a fé sem obras é morta" (Tg 2,17).
O texto que ele, muitas vezes, citava era o do Evangelho segundo Mateus 25,31-46, onde Cristo coloca os critérios de julgamento no juízo final: "Tive fome e me destes de comer...". Para Camilo, este texto somente cria valor se nos perguntarmos, nas circunstâncias concretas de nossa realidade, de que maneira somos capazes de dar de comer à maioria dos famintos, vestir a maioria dos desnudos, a abrigar a maioria dos sem-teto. E isto, segundo sua convicção, na Colômbia não se conseguiria sem reformas estruturais profundas em favor das maiorias. E se a revolução for necessária para realizar o amor ao próximo, o cristão deve ser um revolucionário.

*Inácio Strieder é professor de filosofia da Universidade Federal de Pernambuco, Brasil.