"A LUTA DE UM POVO, UM POVO EM LUTA!"

Agência de Notícias Nova Colômbia (em espanhol)

Este material pode ser reproduzido livremente, desde que citada a fonte.

A violência do Governo Colombiano não soluciona os problemas do Povo, especialmente os problemas dos camponeses.

Pelo contrário, os agrava.


quarta-feira, 22 de dezembro de 2010

Herenças Atávicas

Por Emiliano Jose

A contingência da passagem de ano sempre nos leva a algum tipo de balanço, e o ano de 2010 não será fácil de esquecer. Pelo fato simbólico da eleição de uma mulher para a presidência da República. E pela circunstância de que a assunção dessa mulher à condição de principal protagonista da cena política fez emergir preconceitos atávicos que muitos de nós, quem sabe ingenuamente, imaginávamos sepultados definitivamente.

As mudanças não são fáceis de serem aceitas. E uma mulher na presidência da República no Brasil se, num primeiro momento, poderia parecer um acontecimento quase banal, era um fato novo, muito novo, inédito, e representava quase um novo marco civilizatório. Tão forte que provocou reações que muitos de nós não imaginávamos possível. A eleição do presidente operário em 2002 provocou uma avalanche de preconceitos da elite brasileira, que foram solenemente ignorados pelo nosso povo. Lula termina seu mandato com um recorde de aprovação: 83%.

Dilma foi um tsunami tão forte quanto Lula. E um tsunami que provocou a recuperação, parcial que seja, dos valores de uma sociedade patriarcal, misógina, homofóbica, autoritária e elitista. A parte da sociedade que assumiu esses valores de modo militante recusa conquistas já consagradas pelas sociedades democráticas avançadas. E o fez abraçando-se a religiões, pretendendo que o Estado brasileiro deixasse de ser laico, e se rendesse a princípios que contrariam os avanços da ciência e dos direitos à saúde, e atacando principalmente o direito das mulheres.

Tudo por causa de uma mulher. Tudo contra uma mulher. Tudo tendo um significado político, evidentemente. Mas um significado político que se entrelaça com revelações culturais profundas, a evidenciar que o ovo da serpente do pensamento conservador ultradireitista não desapareceu da cena brasileira. E seria ilusório, creio, imaginar que tivesse desaparecido. Não foi ocasional que a campanha adversária tenha ressuscitado e valorizado até a famosa Tradição, Família e Propriedade (TFP) para afirmar suas posições. Ou que igrejas tenham retornado a posições de 1964.

A raiva contra a mulher ficou manifesta na discussão desonesta sobre o aborto. Como se a questão fosse ser apenas contra ou a favor do aborto, e não a discussão sobre o direito à saúde das mulheres, a assistência às mulheres vítimas de abortos clandestinos, normalmente mulheres pobres. Estima-se que morrem mais de 500 mulheres por ano no Brasil devido aos abortos clandestinos.

E as que não morrem, seriam o caso de colocá-las todas na cadeia?

Impossível. Ora, ora, tudo próprio de uma sociedade hipócrita, farisaica, que não olha para sua própria face. O próprio Serra, como ministro da Saúde, tinha posição mais humana. Mas, na campanha, preferiu abraçar as teses do medievo trevoso, só abrandadas quando foi revelado o aborto feito por sua própria mulher, revelação feita por algumas alunas de Mônica Serra.

As teses contra os homossexuais só perderam força quando perceberam o impacto eleitoral negativo. Mas, como conseqüência disso, temos assistido cenas freqüentes e deploráveis de ataques a homossexuais. A raiva contra os nordestinos, que revisitava o arianismo, surgiu com vigor logo que se revelou a vitória de Dilma. Para que não nos enganemos, o pensamento foi expresso especialmente por uma parcela da nossa juventude.

Não creio que devamos tratar esses acontecimentos como secundários. Nem com raiva. Com indignação, sim, sem dúvida. Mas, também, com a compreensão de que há ainda uma longa marcha para a mudança de mentalidade de nossa sociedade. Quem viveu bem mais de três séculos sob a escravidão não pode esperar que o espectro da Casa Grande tenha desaparecido. Esse espectro, aqui e ali, ressurge, e muitas vezes, com força.

E especialmente quando uma mulher resolve confrontar toda essa cultura, ao se pôr como principal mandatária do País. É verdade que a maioria da sociedade brasileira optou pela continuidade de um projeto transformador. No entanto, a luta por uma nova sociedade, livre de preconceitos, de discriminações, de racismos, continua mais que atual. Feliz 2011.


Carta do coletivo do Programa de Alfabetização Cubano "Sim, eu posso" para a cidade espanhola de Sevilha



Rebelião


Caros educadores cubanos:

Chegamos ao 49º aniversário da conclusão da vossa gloriosa Campanha Nacional de Alfabetização sitiados em um mundo conturbado e convulso, onde a hegemonia das grandes potências ocidentais advoga, a todo instante, por sua arrogante e egoísta política de imposição dos seus interesses a qualquer custo.

Em 2009, os gastos militares subiram para 1,531 bilhões de dólares, quando as Nações Unidas pede aos países desenvolvidos um financiamento de 11 bilhões de dólares para cobrir os gastos dos Objetivos de Desenvolvimento do Milênio (ODM ) e o valor não ultrapassou 50%.

O abismo das desigualdades está cada vez mais profundo, o número de pessoas com passam fome no mundo subiu para o recorde de 1,020 bilhões e o número de analfabetos se elevou para 796 milhões.

Essa radiografia global tem permitido ao povo cubano o engrandecimento diante de situações adversas, pois enquanto as grandes potências procuram restaurar uma suposta "paz" no mundo, gerando guerras, mortes, fome e miséria, Cuba continua a dar lições de combate à pobreza, fome, doenças e analfabetismo em escala mundial.

O desenvolvimento educacional cubano, após a conclusão da Campanha Nacional de Alfabetização, em 22 de dezembro de 1961, permitiu tal proeza. Somente com a implementação do novo programa cubano de alfabetização "Sim, eu posso", em 30 países, Cuba contribuiu para tirar da escuridão da ignorância a cinco milhões de pessoas, vários milhares pertencentes ao chamado Primeiro Mundo, como a Nova Zelândia, Canadá e Espanha.

Também fruto do altruísta e solidário trabalho dos educadores cubanos é a graduação, neste ano letivo, de 30 mil 478 técnicos e profissionais de 125 países que estudaram nas instituições de ensino cubanas.

Para todo o trabalho realizado, ao coletivo do Programa de Alfabetização Cubano "Sim, eu posso" da cidade de Sevilha, Espanha, podemos dizer: Obrigado educadores cubanos, obrigado por essa grandeza humana, obrigado pela solidariedade desmedida e mil vezes obrigado por demonstrar que um mundo melhor é possível.

Onde quer que estejam, recebam nossos mais calorosos parabéns por este grandioso "Dia do Educador" e o total apoio pela firmeza e lealdade às suas idéias, seus princípios e convicções.

Até a vitória sempre!

Equipe do Programa Cubano de
Alfabetização para Sevilha
"Sim, eu posso"
Sevilha, 22 de dezembro de 2010.

COLÔMBIA: COM A ÁGUA PELO PESCOÇO



ANNCOL

Um verdadeiro dilúvio inundou extensas áreas da Colômbia, causando uma enorme catástrofe ambiental. A natureza está entregando a conta para a oligarquia colombiana vende pátria, pelos 1,6 milhões de hectares de floresta destruídas entre 2002 e 2010, ou seja, durante todo o governo dos uribistas, que foram convertidos em "deserto verde" de 400.000 hectares de palmeiras para extração de óleo e o restante 1,2 milhões em plantações de cana de açúcar e fazendas de gado como a "El Uriberrimo”, que terminaram fortalecendo o latifúndio narcoparamilitar do uribosantismo governante na Colômbia.

Mas não é só isso. Também 4 milhões de trabalhadores agrícolas e camponeses pobres foram despojados de cerca de 4 milhões de hectares já cultivados, e foram deslocados pelos paramilitares narcotraficantes para a selva, onde passaram a derrubar a floresta para formar pastos e roças para sobreviver, ou migrar para as grandes cidades e engrossar os cinturões de miséria e construir favelas na borda de córregos que são os mais afetados pelas chuvas. O caso de Medellín-Itagui é um exemplo claro do que afirma ANNCOL.

A tudo isto devem ser acrescentados os milhões de hectares de floresta e de cerrado cultivados ou semi-cultivados, aos quais o U.S.Army-colombiano declarou a guerra química, sob o pretexto da guerra contra as drogas, depois de todos esses anos do Plano Colômbia, as tem pulverizando extensamente com glifosato, transformando-as em outro deserto sem vida que não pode reter a água.

O dilúvio sobre a Colômbia também fez flutuar nas águas mais um escândalo de corrupção do uribosantismo que, durante estes 8 longos anos de governo, transformou as conhecidas ‘Corporações Regiões’ em outro ninho de ratos e corruptos da máfia uribista. Hoje, a oligarquia vende pátria colombiana tem literalmente a água no pescoço e já não pode esfregar as mãos, como sempre fazem quando uma catástrofe ambiental atinge a ilha de Cuba, e exclamar extasiados: Agora, sim chegou o fim do comunismo de Castro!

Pelo contrário, parece que a natureza, na sua justa vingança, desta vez deixou os oligarcas e seus aliados gringos nus. Por isso ANNCOL pergunta: De onde eles vão arrumar o dinheiro para financiar os 5% do PIB que o exército EUA-colombiano consome na sua infrutífera guerra contrainsurgente?

terça-feira, 21 de dezembro de 2010

Lula defende diálogo com Irã e critica "tutela da paz" dos EUA

O presidente da República, Luiz Inácio Lula da Silva, afirmou nesta segunda-feira (20) que não haverá paz no Oriente Médio enquanto os Estados Unidos atuarem como “tutor” na região. Ele defendeu a política externa brasileira e a maior participação de outros países na negociação. Lula participou nesta tarde em Brasília de uma cerimônia de apresentação de generais recém promovidos nas Forças Armadas. "Não haverá paz no Oriente Médio enquanto os Estados Unidos forem tutor da paz. É preciso envolver outros países para negociar. Não é questão dos Estados Unidos, mas é de saber quem pode conversar", afirmou o presidente. Atualmente, os EUA tentam mediar um acordo entre Israel e palestinos que até agora não surtiu nenhum efeito. “É preciso distensionar a mesa de negociação”, comentou o presidente.

Lula defendeu a política externa brasileira e a relação com o Irã. Ele destacou que dez dias antes de viajar para o Irã recebeu uma carta do presidente norte-americano Barack Obama com “condições” sobre o programa nuclear iraniano.

Segundo Lula, todas as condições foram aceitas pelo presidente Mahmoud Ahamadinejad. Mesmo assim, o Conselho de Segurança da Organização das Nações Unidas (ONU) aplicou sanções àquele país. “As condições aceitas pelo Armadinejad eram exatamente as mesmas propostas pelo Obama. Mesmo assim, os países do Conselho de Segurança da ONU resolveram punir o Irã”, disse Lula.

Na visão de Lula, as sanções ocorreram porque a negociação foi conduzida por Brasil e Turquia e não pelos países do Conselho de Segurança. “A única explicação é de que era preciso punir o Irã porque o Brasil e a Turquia tinham se metido em seara de país desenvolvido”, comentou.

Para ele, o Conselho de Segurança da ONU não pode ser “um clube de amigos”, mas sim uma “instituição ativa”, da qual façam parte outros países. Lula tem defendido um papel mais atuante do Brasil no processo de pacificação do Oriente Médio. Em maio, visitou o Irã para tentar mediar um acordo em relação ao programa nuclear da República Islâmica.

Sem pedir licença

O presidente rebateu ainda as críticas que recebeu pela relação com o Irã. Segundo Lula, as pessoas que recomendaram que o Brasil não se “metesse” no tema preferiam ser tratadas de forma “subalterna” e “inferior”. “O Brasil não tem de pedir licença para fazer o que acredita que tem de ser feito”, disse.

Lula contou ainda que, uma vez, no primeiro ano de mandato, em um evento na França com vários líderes internacionais, quando o então presidente norte-americano, George W. Bush, chegou, todos se levantaram, uma deferência que não tinha sido feita a nenhum outro líder. "Eu segurei no Celso Amorim (ministro das Relações Exteriores) e disse: ninguém levantou quando a gente chegou, por que vamos levantar agora? Então o Bush veio e sentou conosco".

Para Lula, a história mostra que a "subserviência não leva a lugar nenhum". "O ser humano não gosta de lambe-botas, gosta de quem quer ser tratado com igualdade".

Lula também disse que, há poucos dias de deixar o governo, encontra o povo brasileiro com uma autoestima nunca antes vista. E falou sobre as grandes obras que deixará, como a das hidrelétricas de Santo Antônio, Jirau e Belo Monte. “As três maiores do mundo”, disse Lula. E citou também as obras em ferrovias.

Outro projeto destacado por Lula foi a transposição do Rio São Francisco. “Levaremos água para o maior semiárido habitado do planeta Terra”. E brincou com as críticas que recebeu no início do mandato quando resolveu adquirir um avião novo para as viagens presidenciais. “Quando compramos o avião, vocês sabem o que passamos. Comprei o avião para não passar vergonha. Disseram que o avião era meu. Chamaram de aerolula. Agora, vai ser o aerodilma”, comentou.

O presidente destacou as ações do governo na área do ministério da Defesa, como o auxílio das tropas nas operações em morros do Rio de Janeiro e a atuação dos militares no Haiti. Lula terminou a fala agradecendo o tratamento “respeitoso” e “leal” que teve das Forças Armadas.
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Com apoio de Portal Vermelho

segunda-feira, 20 de dezembro de 2010

COLÔMBIA 1928: O MASSACRE DAS BANANEIRAS



Por: Hernando Calvo Ospina
Fonte: diplomatique.fr-monde: http://www.monde-diplomatique.fr / ca ...


Colômbia, dezembro 1928


Não foi só a imaginação do colombiano Gabriel García Márquez, Prêmio Nobel de Literatura. Não. O que narrou sobre isso em sua obra-prima "Cem Anos de Solidão" é a absoluta e triste verdade. A matança e a repressão dos trabalhadores começou na madrugada de 06 de dezembro de 1928, e só parou cerca de três semanas depois. Foi nas plantações de banana da United Fruit Company, na região do Caribe colombiano. Estes foram os primeiros passos do terrorismo de Estado na Colômbia...

Na Colômbia, com as primeiras luzes do século XX, os campos de petróleo, ouro, platina e outros metais preciosos são praticamente dados a empresas norteamericanas e inglesas. Para as sociedades dessas nações são entregues vastos territórios para a exploração, sem restrição, de bananas, cacau e borracha. Com o beneplácito do governo, os empregados destas empresas eram tratados como nos tempos coloniais.

A industrialização iniciada naqueles primeiros vinte anos deu à luz a uma burguesia urbana, e também a um setor operário que começou a reivindicar benefícios sociais. Seguindo o seu exemplo, camponeses, indígenas e artesãos, também procuraram se organizar. Estes incipientes movimentos reivindicativos deram lugar às primeiras organizações sindicais e políticas.

Esse processo organizativo embrionário recebeu um incentivo externo determinante. Em outubro de 1917, veio a Revolução de Outubro na Rússia, liderada por Vladimir Lênin, e a criação da União Soviética, que se constitui na primeira experiência de construção do socialismo. Este evento passaria a exercer uma influência decisiva sobre o pensamento político e social mundial, como tinha sido a Revolução Francesa em 1789. A Colômbia não poderia ser a exceção, menos ainda quando a palavra "socialismo" não era desconhecida em círculos da intelectualidade liberal.

Agora, a igualdade social era visto como uma possibilidade. Com base em manifestações e greves, a conquista dos direitos e concessões inimaginável alguns anos antes foram sendo alcançados, sendo que os trabalhadores petroleiros da Tropical Oil Company eram a vanguarda da luta.

Aos olhos do governo conservador, da oligarquia e da hierarquia da Igreja – o maior latifundiário do país – toda a organização e o descontentamento social eram prova da existência de uma conspiração comunista internacional para destruir suas propriedade e vidas. Sua paranóia aumenta quando, em 1926, é fundado o Partido Socialista Revolucionário, como alternativa aos partidos tradicionais, Liberal e Conservador. Apesar de um setor importante da intelectualidade liberal ser a favor de mudanças sociais, não para estabelecer o socialismo, mas para modernizar um Estado que controlava o país como um mordomo. (1)

Desde o governo, o parlamento, os púlpitos e jornais, as predicas não davam trégua contra a "subversão bolchevique". Apavorados, as lideranças conservadoras e os chefes do clero decidiram agir estrategicamente.

Em meados de 1927, o ministro da Guerra, Ignacio Rengifo, um intelectual que já havia se declarado "revolucionário", afirmou: "Protegidos no ambiente de ampla liberdade que se respira em território colombiano, não poucos cidadãos nacionais e estrangeiros, por conta própria, ou como agentes pagos do governo soviético, por todas partes fazem propaganda comunista ativa e constante". (2)

Rengifo foi o principal inspirador da Lei de Defesa Social, mais conhecida como "Lei Heróica". Promulgada em outubro de 1928, estabeleceu o tom na concretização de um contexto teórico altamente repressivo. Com ela, a Colômbia adiantou-se aos teóricos das guerras colonialistas européias e norteamericana, formulando uma doutrina destinada a combater o que é conhecido no início da década de sessenta como "inimigo interno". A Lei definia como “subversiva” as ações reivindicativas, política e social dos sindicatos e organizações populares embrionárias.

No final do século XIX, a empresa americana United Fruit Company se estabelece em Santa Marta, no Caribe colombiano. O governo não só lhe dá vastos territórios, mas também privilégios que outras empresas estrangeiras não tinham. A United começou a funcionar e a atuar na imensa região como uma república independente.

Por volta de 1927, mais de 25 000 pessoas trabalhavam nas plantações da United, com jornada de trabalho de no mínimo 12 horas. Os trabalhadores não recebiam salários em dinheiro: recebiam bônus, que somente podiam ser utilizados nas lojas da empresa, em troca de mercadorias importadas dos EUA nos navios que transportavam as bananas. Além de não ter assistência médica, os trabalhadores dormiam amontoados em barracos insalubres. Havia um sistema de empreiteiros intermediários como único vinculo trabalhista, e assim, a empresa se desonerava das obrigações básicas para com os trabalhadores. Buscando resolver esta situação, o sindicato apresentou uma pauta de reivindicações.

As negociações, que não avançavam, foram congeladas quando a Lei Heróica foi aprovada. A United rejeitou a pauta por considerá-la subversiva. Para os trabalhadores não sobrou alternativa do que a paralisação, em 12 de novembro de 1928. O slogan era: "Pelo operário e pela Colômbia". Logicamente, o movimento foi rotulado de "subversivo" pelo governo, pela igreja e imprensa. Afirmava-se que "agentes de Moscou" tinha desembarcado clandestinamente para preparar a insurreição.

A Diretoria da United exigiu ao governo a presença do exército. Imediatamente, o presidente Miguel Abadia Méndez, declarou estado de sitio na região, ordenando ao general Carlos Cortes Vargas para acabar com a "quadrilha de malfeitores". O quartel general do exército foi instalado nas dependências da empresa, onde os oficias tinham à disposição bebidas alcoólicas, cigarros, um salário, e a possibilidade de grandes orgias com prostitutas "escolhidas" na região. (3)

A prioridade era proteger a vida da direção da United, todos norteamericanos, pois corria o boato de que os trabalhadores os degolariam, assim como às suas famílias.

A situação trabalhista deteriorou-se e os trabalhadores realizaram comícios permanentes e bloquearam a linha férrea, utilizada para transportar a produção de bananas até o porto. Em 05 de dezembro, os grevistas foram convocados ao povoado de Ciénaga com o pretexto de receber o governador que, supostamente, participaria das negociações. Mas ele nunca chegou. Em seu lugar estava o general Cortés Vargas que, às 23h30, emitiu o decreto que ordenava dissolver "qualquer reunião de mais de três pessoas" e ameaçava atirar "sobre a multidão, se necessário". Mas, na madrugada do dia seis, o general Cortés já estava completamente bêbado.

Duas horas depois, o general completamente bêbado, leu o decreto sobre perturbação da ordem pública diante da multidão que estava dormindo na praça. Ao finalizar a leitura, enquanto alguns grevistas gritavam "Viva a Colômbia!", "Viva o exército!", e se recusaram a deixar a praça, ordenou que as tropas atirassem com as metralhadoras colocadas nos telhados (4). Posteriormente, o militar disse que "era imperativo fazer cumprir a lei, e foi cumprida".

Estima-se que havia cerca de cinco mil camponeses, muitos acompanhados de suas esposas e filhos, rodeados por 300 soldados.

Aqueles que não foram mortos instantaneamente foram arrematados com baionetas ou enterrados vivos em valas comuns. Nos trens da United, centenas de corpos foram enviados e levados até o mar, onde foram jogados como bananas de má qualidade. Tal como diz García Márquez em "Cem Anos de Solidão".

Foi decretada a perseguição para todos aqueles que sobreviveram, sem diferenciar se trabalhavam ou não para a United. Outras centenas de camponeses foram brutalmente espancados e encarcerados, enquanto os líderes foram rapidamente julgados em tribunais militares.

A matança durou vários dias, até que a notícia se espalhou por todo o país, apesar da censura instaurada à imprensa, e começaram as manifestações de protesto. Para a United e o governo as coisas continuavam como se nada tivesse acontecido, a ponto de o general Cortés assinar, em nome dos operários, um "acordo de trabalho".

Alguns trabalhadores se organizaram numa espécie de guerrilha e queimaram plantações, sabotaram os serviços telegráficos, elétricos e cortaram as estradas de ferro da empresa. A região ficou militarizada quase por um ano.

O general Carlos Cortés Vargas reconheceu nove mortos. O governo treze e 19 feridos. Em 16 de janeiro de 1929, o diplomata dos EUA, Jefferson Caffery, informou ao Departamento de Estado: "Tenho a honra de informar que o representante da United Fruit Company em Bogotá, ontem me disse que o número de grevistas mortos pelas forças militares colombianas passa de mil". Mas a comissão de inquérito do Congresso, liderada por Jorge Eliécer Gaitán, descobriu cemitérios clandestinos, portanto, o número de vitimas, certamente, ultrapassa as 1.500.

O militar explicou sua decisão argumentando que existia uma situação insurrecional, que poderia provocar um desembarque de tropas dos EUA para proteger os interesses da United. E ele queria evitar uma invasão da Colômbia.

O Presidente da República parabenizou o general Cortés Vargas por ter salvo o país da anarquia. Enquanto o editorial do jornal liberal El Tiempo, de 17 de dezembro, dizia: "falta investigar se não existem medidas preferíveis e mais eficazes do que as de destinar a metade do exército da República para a matança de trabalhadores”.

Durante a apresentação do inquérito parlamentar, em Setembro de 1929, Jorge Eliécer Gaitán, num inflamado discurso, apontou à oligarquia como responsável pelo massacre. Do clero, ele disse, "aqueles missionários de Cristo são fariseus que traem a sua doutrina, negligenciam seus deveres para entrar na arena das miseras lutas políticas, terrenas e interessadas”.

Gaitán constataria que se havia aplicado contra os grevistas, em prol dos interesses dos EUA, a política do "inimigo interno": "Não que eu negue que uma grande agitação de justiça social percorre, de uma ponta à outra do país, para todos os espíritos. Ela existe, mas não como fruto do comunismo, mas como uma razão vital de um povo que deseja defender-se contra a casta de políticos sem escrúpulos (...). Assim procedem as autoridades colombianas quando se trata da luta entre a ambição desmedida dos estrangeiros e da equidade das necessidades dos colombianos (...). Naturalmente, não devemos pensar que o governo exerceu qualquer pressão para reconhecer a justiça dos operários. Estes eram colombianos e a empresa era americana e, dolorosamente, sabemos que neste país o governo tem a metralha homicida e um joelho tremulo no chão diante do ouro norteamericano”. (5)

O massacre das bananeiras não resultou em qualquer responsabilidade penal ou política. O general Carlos Cortés Vargas foi promovido a diretor da Polícia Nacional. Ostentava esse cargo até quando foi destituído. Não pelo massacre das bananeiras, mas pelo assassinato de um jovem, em 8 de junho de 1929, durante um protesto de rua em Bogotá. Era um estudante da elite bogotana e filho de um amigo do presidente Abadía Méndez. A oligarquia e do alto clero ficaram indignados. Pelo mesmo motivo, também foi destituído o ministro Rengifo, o mesmo que anteriormente havia sido elogiado como o homem providencial do regime.

Desde então, demonstrou-se a assimetria moral e política do sistema que se construiria na Colômbia.



*Hernando Calvo Ospina é jornalista e escritor.

Notas:
1) Calvo Ospina, Hernando. Colômbia, a história do terrorismo de Estado . Editorial Akal. Madrid, 2008.
2) Rengifo, Ignacio. Memórias do Ministério da Guerra. Bogotá, 1927.
3) O desenvolvimento da greve e posterior repressão sofridas pelos trabalhadores, está na pesquisa realizada pelo representante liberal Jorge Eliécer Gaitán, e apresentada ao Congresso da Colômbia, em setembro de 1929.
4) Sanchez, Ricardo, História Política da Classe Operária na Colômbia , Ed. La Rosa Roja, Bogotá, 1982.
5) Gaitán, sendo um candidato presidencial, e convertido no grande inimigo da oligarquia, foi assassinado em 9 de abril de 1948, em Bogotá. Isto provocou o que é conhecido na Colômbia como "A Época da violência", que em seis anos deixou cerca de 300 mortos, quase todos os camponeses.

A senadora, o inquisidor e os guerreiristas

Por Olga L. González | Bogotá

A senadora liberal Piedad Córdoba foi recentemente destituída de seu cargo e severamente sancionada. Mesmo que as acusações não se baseiem em um processo judicial, ela não poderá exercer por 18 anos funções na política. Esta condenação ocorre em um país em que as elites optaram por soluções guerreiristas.

Relembremos os fatos: há vários anos Piedad se comprometeu com o tema da paz, em particular na libertação dos sequestrados e retidos pelas Farc. No final de 2007, foi nomeada “mediadora” pelo governo. Graças a sua intervenção, nos dois anos seguintes ocorreram as libertações dos últimos sequestrados civis e de vários prisioneiros militares, que estavam já há 10 anos na selva. Neste marco, Piedad criou o grupo Colombianos para a paz.

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No último mês de setembro, sobreveio a decisão arbitrária do Procurador Geral da República. Sob o pretexto de que colaborava com as Farc, Piedad foi proibida de participar da política por 18 anos. Mesmo que pareça mentira, nenhum processo judicial apóia essa decisão. Então, como explicá-la? Mais além das faculdades constitucionais do Procurador, seus ditames não ocorreriam se não houvesse um contexto favorável. Sociologicamente, o “erro” traduz o peso crescente das forças reacionárias nas instituições e o rechaço por parte das elites à qualquer ideia de negociação política.

O primeiro tema é o inquietante rumo que tomaram as instituições. Já faz vários anos desde que os colombianos se acostumaram a ter congressistas, prefeitos e governadores proximamente ligados aos paramilitares de extrema direita e às máfias. Apenas no campo da “parapolítica” são mais de 80 os congressistas investigados e julgados pela justiça por sua colaboração com os paramilitares.

Soma-se a isso a corrosão do poder judicial e das instituições de controle político. Assim, por exemplo, há um ano e meio a nomeação do Fiscal (o chefe da política judicial nacional) está estancada. A Suprema Corte de Justiça votou 25 vezes sem conseguir eleger um porque as opções apresentadas pelo executivo são as mais opacas. E no nível local, é vox populi que vários trabalham para os narcotraficantes. O mais conhecido era o chefe de fiscais de Medellín, que chegou ao seu cargo por ser antigo ministro do Interior.

Outro contrapeso importante do poder era o Procurador (que na Colômbia é equivalente a um Ombdusman). Segundo a Carta, suas funções são “vigiar o cumprimento da Constituição”, “proteger os direitos humanos” e “defender os interesses da sociedade”. É legítimo perguntarmos então como Alejandro Ordóñez, membro de um grupo de extrema direita espanhol, poderia defender os interesses dos colombianos do século XXI ou a Constituição de um estado laico. Ordóñez recorda-se bem da cidade de Bucaramanga porque lá organizou uma queima de livros da biblioteca pública. Desde que é Procurador, destacam-se suas propostas condenando a homossexualidade, a volta da penalização do aborto ou a proibição da educação sexual. No Ministério Público que encabeça, os emblemas da República foram deslocados por sua coleção de crucifixos, virgens e velas.

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Pois bem, foi esse “Inquisidor” (conforme apelidado pela imprensa colombiana) que selou o destino de Piedad Córdoba, o que pode ser considerado um ato de morte política. Por que se empenhou tanto em derrubá-la? Possivelmente tenha razão aqueles que consideram que a franqueza e as posições abertamente progressistas de Piedad ferem a moral do Procurador. Como diz o cineasta Lisandro Duque, uma mulher divorciada, feminista e negra, que além do mais levou esses assuntos à frente de batalha, está nas antípodas dos valores do Procurador.

Agora, é possível que uma decisão dessa profundidade não tivesse acontecido sem o contexto adequado – e é este o segundo elemento inquietante sobre o estado atual da Colômbia.

O linchamento midiático de Piedad Córdoba está diretamente relacionada a sua busca pela paz. Ela foi espionada ilegalmente pelos serviços secretos, e inclusive pelos guardas costas que lhe foram designados (impedindo, de fato, mais libertações). Ela foi estigmatizada pelo poder uribista e pelos meios de comunicação, que liberaram as expressões racistas, sexistas e chauvinistas dos colombianos. Ultimamente, inclusive, foi vítima de um estranho acidente de automóvel (e hoje teme por sua segurança). Assim sendo, a decisão do Procurador se insere numa linha de sabotagem histórica dos esforços realizados para levar as Farc ao terreno da conversação.

As iniciativas de paz (manifestações, voto simbólico, diálogos…) foram numerosos na história da Colômbia. Foram impulsionadas por ONGs, organizações ligadas à igreja, grupos da sociedade civil, homens e mulheres provenientes da esfera política e inclusive governantes, como ocorreu no final dos anos noventa.

Entretanto, todos esses esforços foram em vão. Gabriel García Márquez vislumbro em 1986 que os diferentes atos de sabotagem eram expressões dos “inimigos entocados da paz, dentro e fora do governo”. Na década atual, o historiador Medófilo Medina considera que o nível de resistência é tão grande que nenhum diálogo de paz com a guerrilha será possível se os governos não receberem o aval dos militares, empresários e setores políticos – que não parece interessar-lhes muito.

Essa constante explica porque aqueles que servem de intermediários com a guerrilha ou aqueles que se aventuram em processos de paz correm graves riscos: o grande Jaime Garzón, querido por todos por seu humor maravilhoso, foi assassinado pelos paramilitares em 1999 por intervir em libertações de sequestrados. No mesmo ano, com o contexto do processo de paz já esboçado, foi assassinado Jesús A. Bejarano, antigo decano da Faculdade de Economia da Universidade Nacional. Muitos mandatários locais que estabeleceram acordos de convivência com as Farc foram objetos de pressões, letais ou não. Recentemente, durante o processo de negociação das libertações, inclusive os intermediários estrangeiros (o professor suíço Jean-Pierre Gontard e o ex cônsul francês Noel Saez) foram acusados de ser “auxiliadores” da guerrilha. A maioria da classe política entendeu a lição – de fato, não se metem em essas águas.

Piedad é consciente de tudo isso. Mas é mulher, e temerária. Assim, com sua desenvoltura e um partido liberal que não facilita as coisas, decidiu entrar na busca pela paz. Com tenacidade: multiplicou iniciativas, encontros e esforços. Com resultados: conseguiu reunir sequestrados com suas famílias. E, sobretudo, com um horizonte de esperança: acabar com o conflito armado mais antigo do continente.

Mas a inércia colombiana tem um peso muito grande. A guerra virou rotina. Os camponeses seguem sendo deslocados (são mais de três milhões). Amplas camadas da sociedade têm como referência o obscurantismo criollo e as máfias reacionárias. E o governo Santos? Em seus cem dias iniciais, não deu sinais de que mudaria de rumo.

No último 2 de novembro, o Senado referendou a decisão arbitrária do Procurador. Piedad Córdoba converteu-se em ex-senadora. Paralelamente, a Corte Suprema de Justiça começou a investigar os atos do Procurador. Hoje, é impossível saber se suas decisões serão declaradas ilegais ou se alguma interpretação jurídica o desculpará de seus pecados. O caminho jurídico colombiano tende a ser longo, imprevisível e tortuoso.

Por isso, seria desejável que o destino político de Piedad Córdoba dependesse menos dos acasos da jurisprudência e mais do interesse para a sociedade de que os diálogos da paz avancem. Como uma maneira de passar, o mais dignamente possível, a outra etapa da história.

*Olga L. González é Presidente do Grupo sobre Atualidade Colombiana (GAC) na Fondation Maison des Sciences de l’Homme de Paris. O artigo foi publicado originalmente no site da revista Carta Capital.

Wikiliquidação do Império?

Por Boaventura de Sousa Santos*

A divulgação de centenas de milhares de documentos confidenciais, diplomáticos e militares, pela Wikileaks acrescenta uma nova dimensão ao aprofundamento contraditório da globalização. A revelação, num curto período, não só de documentação que se sabia existir mas a que durante muito tempo foi negado o acesso público por parte de quem a detinha, como também de documentação que ninguém sonhava existir, dramatiza os efeitos da revolução das tecnologias de informação (RTI) e obriga a repensar a natureza dos poderes globais que nos (des)governam e as resistências que os podem desafiar. O questionamento deve ser tão profundo que incluirá a própria Wikileaks: é que nem tudo é transparente na orgia de transparência que a Wikileaks nos oferece.

A revelação é tão impressionante pela tecnologia como pelo conteúdo. A título de exemplo, ouvimos horrorizados este diálogo – Good shooting. Thank you – enquanto caem por terra jornalistas da Reuters e crianças a caminho do colégio, ou seja, enquanto se cometem crimes contra a humanidade. Ficamos a saber que o Irã é consensualmente uma ameaça nuclear para os seus vizinhos e que, portanto, está apenas por decidir quem vai atacar primeiro, se os EUA ou Israel. Que a grande multinacional famacêutica, Pfizer, com a conivência da embaixada dos EUA na Nigéria, procurou fazer chantagem com o Procurador-Geral deste país para evitar pagar indemnizações pelo uso experimental indevido de drogas que mataram crianças. Que os EUA fizeram pressões ilegítimas sobre países pobres para os obrigar a assinar a declaração não oficial da Conferência da Mudança Climática de Dezembro passado em Copenhaga, de modo a poderem continuar a dominar o mundo com base na poluição causada pela economia do petróleo barato. Que Moçambique não é um Estado-narco totalmente corrupto mas pode correr o risco de o vir a ser. Que no “plano de pacificação das favelas” do Rio de Janeiro se está a aplicar a doutrina da contra-insurgência desenhada pelos EUA para o Iraque e Afeganistão, ou seja, que se estão a usar contra um “inimigo interno” as tácticas usadas contra um “inimigo externo”. Que o irmão do “salvador” do Afeganistão, Hamid Karzai, é um importante traficante de ópio. Etc., etc, num quarto de milhão de documentos.

Irá o mundo mudar depois destas revelações? A questão é saber qual das globalizações em confronto—a globalização hegemônica do capitalismo ou a globalização contra-hegemônica dos movimentos sociais em luta por um outro mundo possível—irá beneficiar mais com as fugas de informação. É previsivel que o poder imperial dos EUA aprenda mais rapidamente as lições da Wikileaks que os movimentos e partidos que se lhe opõem em diferentes partes do mundo. Está já em marcha uma nova onda de direito penal imperial, leis “anti-terroristas” para tentar dissuadir os diferentes “piratas” informáticos (hackers), bem como novas técnicas para tornar o poder wikiseguro. Mas, à primeira vista, a Wikileaks tem maior potencial para favorecer as forças democráticas e anti-capitalistas. Para que esse potencial se concretize são necessárias duas condições: processar o novo conhecimento adequadamente e transformá-lo em novas razões para mobilização.

Quanto à primeira condição, já sabíamos que os poderes políticos e econômicos globais mentem quando fazem apelos aos direitos humanos e à democracia, pois que o seu objectivo exclusivo é consolidar o domínio que têm sobre as nossas vidas, não hesitando em usar, para isso, os métodos fascistas mais violentos. Tudo está a ser comprovado, e muito para além do que os mais avisados poderiam admitir. O maior conhecimento cria exigências novas de análise e de divulgação. Em primeiro lugar, é necessário dar a conhecer a distância que existe entre a autenticidade dos documentos e veracidade do que afirmam. Por exemplo, que o Irã seja uma ameaça nuclear só é “verdade” para os maus diplomatas que, ao contrário dos bons, informam os seus governos sobre o que estes gostam de ouvir e não sobre a realidade dos fatos. Do mesmo modo, que a táctica norte-americana da contra-insurgência esteja a ser usada nas favelas é opinião do Consulado Geral dos EUA no Rio. Compete aos cidadãos interpelar o governo nacional, estadual e municipal sobre a veracidade desta opinião. Tal como compete aos tribunais moçambicanos averiguar a alegada corrupção no país. O importante é sabermos divulgar que muitas das decisões de que pode resultar a morte de milhares de pessoas e o sofrimento de milhões são tomadas com base em mentiras e criar a revolta organizada contra tal estado de coisas.

Ainda no domínio do processamento do conhecimento, será cada vez mais crucial fazermos o que chamo uma sociologia das ausências: o que não é divulgado quando aparentemente tudo é divulgado. Por exemplo, resulta muito estranho que Israel, um dos países que mais poderia temer as revelações devido às atrocidades que tem cometido contra o povo palestiniano, esteja tão ausente dos documentos confidenciais. Há a suspeita fundada de que foram eliminados por acordo entre Israel e Julian Assange. Isto significa que vamos precisar de uma Wikileaks alternativa ainda mais transparente. Talvez já esteja em curso a sua criação.

A segunda condição (novas razões e motivações para a mobilização) é ainda mais exigente. Será necessário establecer uma articulação orgânica entre o fenómeno Wikileaks e os movimentos e partidos de esquerda até agora pouco inclinados a explorar as novas possibilidades criadas pela RTI. Essa articulação vai criar a maior disponibilidade para que seja revelada informação que particularmente interessa às forças democráticas anti-capitalistas. Por outro lado, será necessário que essa articulação seja feita com o Foro Social Mundial (FSM) e com os media alternativos que o integram. Curiosamente, o FSM foi a primeira novidade emancipatória da primeira década do século e a Wikileaks, se for aproveitada, pode ser a primeira novidade da segunda década. Para que a articulação se realize é necessária muita reflexão inter-movimentos que permita identificar os desígnios mais insidiosos e agressivos do imperialismo e do fascismo social globalizado, bem como as suas insuspeitadas debilidades a nível nacional, regional e global. É preciso criar uma nova energia mobilizadora a partir da verificação aparentemente contraditória de que o poder capitalista global é simultaneamente mais esmagador do que pensamos e mais frágil do que o que podemos deduzir linearmente da sua força. O FSM, que se reune em Fevereiro próximo em Dakar, está precisar de renovar-se e fortalecer-se, e esta pode ser uma via para que tal ocorra.

* Boaventura de Sousa Santos é sociólogo e professor catedrático da Faculdade de Economia da Universidade de Coimbra (Portugal).

IPEA faz a radiografia do Brasil

Por Emir Sader

Saímos da ditadura sem consciência plena do tamanho da crise, do esgotamento do modelo dominante que trazia no seu bojo o fim da ditadura e a retomada da democracia. Pagamos um preço caro por acreditar que a democracia politica resolveria os problemas acumulados pelo Brasil, quando se tratava do esgotamento do longo ciclo expansivo iniciado 5 décadas antes e que tinha transformado radicalmente o país.

Desde então o Brasil viveu novos ciclos de transformações – regressivas e progressivas -, de forma concentrada, como nunca tínhamos vivido na nossa história. Em uma década se desmontou o papel regulador do Estado, se privatizou grande parte do patrimônio público, se fragmentaram as relações sociais, se promoveu o mercado como eixo da economia e da sociabilidade.

Terminamos agora uma década de recuperação desses retrocessos, em que o Estado recuperou sua capacidade de regulação, de indução do crescimento econômico e de garantia dos direitos sociais. O mercado interno de consumo popular passou a ter um papel essencial no desenvolvimento do país. O principal problema acumulado pelo Brasil – a desigualdade social – foi atacado e, pela primeira vez, a injustiça diminuiu e se passou a governar para todos.

Mas todas essas transformações aceleradas foram implementadas sem a consciência correspondente de onde andava o país, como está sua estrutura social, que país temos ao final de tantas transformações.

O IPEA, sob a direção de Marcio Pochmann, mudou a agenda de debates no Brasil, permitindo que fossemos nos reapropriando das condições reais em que vive o país. Uma pauta que tinha sido hegemonizada pelos parâmetros do Consenso de Washington, do pensamento único, do Estado mínimo, da centralidade do mercado – correspondentes às politicas do governo FHC – que tiveram uma extensa influencia na intelectualidade, multiplicada pelo monopólio privado dos meios de comunicação.

Em pouco tempo o IPEA renovou radicalmente os parâmetros de pensamento sobre o Brasil, os critérios de avaliação das politicas publicas, as projeções economias e sociais, recolocou os termos do debate sobre o país. Nunca tínhamos contado com um acervo tão amplo, competente e atualizado de materiais sobre o Brasil.

Acaba de sair um novo pacote de materiais, que constitui no mais amplo conjunto de analises com que podemos contar para conhecer ao Brasil realmente existente. Para que se possa socializar a informação sobre esses materiais fundamentais, segue uma lista dos títulos que o IPEA acaba de colocar à disposição de todos os querem conhecer o Brasil no final da primeira década do século XXI (que podem ser encontrados em www.ipea.gov.br):

- Desafios ao Desenvolvimento Brasileiro: contribuições do conselho de orientação do IPEA

- Trajetórias Recentes de Desenvolvimento: estudos de experiências internacionais selecionadas

- Inserção Internacional Brasileira Soberana

- Macroeconomia para o Desenvolvimento

- Estrutura produtiva e Tecnológica Avançada e Regionalmente Integrada

-Infraestrutura Econômica e Social

- Sustentabilidade Ambiental

- Proteção Social, Garantia de Direitos e Geração de Oportunidades

- Fortalecimento do Estado, das Instituições e da Democracia

- Perspectivas do Desenvolvimento Brasileiro

domingo, 19 de dezembro de 2010

Quem controla as acusadoras de Assange?


Por Ernesto Carmona

MAPOCHO PRESS
Santiago - Chile



As virgens nórdicas que acussam Julian Assange de “sexo surpresa” e “não adepto da camisinha” não são “flores que se cheirem”. Por exemplo – a acusadora oficial – Anna Ardin, nasceu em Cuba e escreve artigos contra Fidel Castro e seu país de origem em publicações financiadas com dólares do contribuinte norteamericano através de grupos de cubanos-americanos sustentados em Miami pela CIA. Quanto a sua socia, Sofia Wilen, 26 anos, montou contra Assenge uma perseguição tipica de uma “maria-chuteira” até que a levou para a cama e depois foi a primeira a denunciá-lo por estupro, aparentemente em retaliação porque o chefe do Wikileaks não telefonou para ela no dia seguinte.

O histórico político de Ardin foi descrito em detalhes pelo jornalista cubano-canadense do jornal Granma, Jean-Guy Allard (1), enquanto a conspiração para destruir a imagem de Assange para desacreditar os vazamentos do Wikileaks, foi completamente desmiuzado por Israel Shamir e Paul Bennet já em 14 de setembro de 2010, numa documentada nota intitulada "Fazendo desdém do crime real de estupor do acurralado Assange", no Counter Pounch.Org, cuja epigrafo diz "o melhor boletim de noticias norteamericano (exceto Bound Magazine )”(1).

A seguir, a versão espanhola da nota Counter Pounch :

Voltou a engrossar a conspiração contra o nosso herói favorito de Matrix. Nosso próprio "Capitão Neo", Julian Assange, mais uma vez encara o perigo. Quando deixamos o lendário fundador do Wikileaks no capítulo anterior, dava um suspiro de alívio após ter evitado falsas acusações de duplo estupro. As queixas foram derrubadas e nosso herói foi novamente posto em liberdade para vagar pelo globo. Mas as conspirações da novela são repetitivas. A história foi rapidamente reciclada e agora o nosso capitão valente outra vez está sob a ameaça de castração de Stora Torget, de Estocolmo, ou o ansiado castigo por molestar virgens nórdicas sagradas na terra onde os Vikings já governaram.

Ela outras palavras, novemente surgiram as absurdas acusações de estupro contra o inimigo N.º 1 do Pentágono. Assange agora é acusado de: 1) não telefonar para uma jovem mulher no dia seguinte de ter desfrutado de uma noite de amor, 2) ter-lhe pedido para que pagasse sua passagem de ônibus, 3) ter relações sexuais sem proteção, e 4) participar de dois breves affairs em uma semana. Estas quatro acusações menores, dignos de um julgamento simulado de Leopold Bloom no capítulo Nightown de Ulysses, foram remexidas e acondimentadas até que puderam ser cozinhadas como um caso mal concebido de estupro! O Irã esculachou com a Suécia! Enquanto o Irã era famoso por decisões conservadoras contra o adultério, a Suécia apresenta o que parece ser o lado liberal da mesma moeda, com a invenção de acusações criminais por não ser capaz de telefonar e pelo uso descuidado de preservativos em atos íntimos consensuais. Pior ainda: com propositos políticos estão interligando intensionalmente o sexo consensual com o estupro. Neste, a Suécia faz uma paródia do crime real de estupro.

Os suecos têm uma razão prática por trás de seu decepcionante e bufonesco trabalho policial. O fundador do Wikileaks, perseguido por forças do mal em todo o mundo, procurou alívio temporário sob a reputação da Suécia como um bastião da liberdade de expressão. Mas, quando Julian procurou a proteção da lei de imprensa sueca, a CIA, imediatamente ameaçou parar o compartilhamento de inteligência com o SEPO, o serviço secreto sueco. Desde que chegou ao poder, o atual governo de direita está fazendo de tudo para enterrar o legado da cuidadosa neutralidade do primeiro-ministro Olof Palme. A suspeita de que a farsa de estupro é uma campanha orquestrada, foi iluminada por estes fatos: 1) A Suécia enviou tropas ao Afeganistão, 2) Assange publicou no WikiLeaks o Diário de Guerra Afegão, o que tornou visível esta campanha neocolonial, cruel e desnecessária. Além disso, a divulgação de novos materiais secretos por Wikileaks mal influenciou nas eleições gerais [suecas], de 19 de Setembro. Talvez isso explique a súbita invasão da polícia sueca em um servidor de Wikileaks (2).

Em seguida, a página de internet do movimento direitista norteamericano Tea Party (3) (RightwingNews.com ) sugeriu que "na próxima vez que [Assange] apareça em público" um agente da CIA, armado com um rifle de presição, dê um tiro de advertência sobre sua cabeça". Confiem relaxados em que a CIA é mais sábia que o Tea Party. Pelo menos aprenderam a lição do Che Guevara. Hoje acabam com a reputação de um rebelde em vez de desperdiçar uma bala. A história é testemunha de que aumentou a eficiência no uso dessa tática. Não se esforçarão para transformar Assange em mártir. Simplesmente utilizam seus próprios e antigos aliados para reduzí-lo a uma piada. O mancham de opróbrio. É muito mais certeiro e destrutivo que o tiro do francoatirador. Nos anos 70 podia somente dizer que Philip Agee (4) era um mulherengo e beberrão. Hoje, não poupam acusações de pedofilia e, por exemplo, humilharam Scott Ritter (5) por não acompanhar a charada de George W. Bush sobre as armas de destruição em massa no Iraque. Dada a expectativa de vocês, a campanha de estupro contra Assange pode ser apenas uma saraivada inicial. Talvez decidam que também é pederasta. A ameaça tácita é bastante evidente como para que alguns partidários manifestem seu apoio ao WikiLeaks como supostamente ocorreu no parlamento da Iislândia (6).

A bala sempre pode avançar mais, uma vez que a campanha de desprestígio tenha isolado a vítima com êxito. Os Evangelhos dizem que ninguém seguiu Jesus até o Gólgota, mesmo que apenas na semana anterior o povo de Jerusalém tenha lhe mostrado todo seu apoio. Um judeu anti-Evangélios explica que este foi o resultado de uma bem sucedida campanha de desprestígio dirigida por Judas, numa leitura surpreendentemente moderna de uma história do inicio da idade media.

Para que uma mácula realmente pegue, é necessário encontrar um ex-apóstolo. A mera acusação de um Caifás não impressiona. Se deseja-se acusar a um esquerdista, então deve-se contratar um ex-esquerdista. Por exemplo, os trotskistas são acusados de estar dispostos a ser usados contra os comunistas. Atualmente são utilizados pseudoantisionistas de deter um autêntico movimento favorável à Palestina.

Quem é o Judas desta campanha contra o nosso Julian?:

● Um grupo anônimo que alega ter estado "dentro do Wikileaks" lançou um novo site cheio de "revelações" sobre o passado e o presente de Assange, proclamando que vive com luxo na África do Sul com fundos doados, embora na Suecia apareça quase que diariamente nas manchetes.

● Outro ex-apóstolo é a política islandesa Birgitta Jonsdottir, que se declarou "porta-voz do Wikileaks" e convidou Assange para abandonar Wikileaks e deixá-lo à deriva, sem sua direção, como se de alguma forma Wikileaks fosse parte de Assenge.

● A pseudo-progressista organização Repórteres Sem Fronteiras atacou Assange por colocar em perigo a vida de agentes secretos norteamericanos inocentes no Afeganistão. Apesar de sua terminologia de esquerda, a RSF é uma organização privada que recebe fundos do governo dos EUA para financiar a campanha para desestabilizar Cuba. RSF está conectada com as máfias cubano-americana de Miami.

● Anna Ardin (autora da denúncia oficial), frequentemente é descrita pela mídia como "esquerdista", mas ela tem laços com grupos anticastristas e anticomunistas financiados pelos EUA. A mulher [que nasceu em Cuba] publicou suas criticas anticastristas (7), em sueco, na Revista de Assuntos Cubanos, intitulada Miscelâneas de Cuba. De Oslo, o professor Michael Seltzer disse que esse jornal é o produto de uma organização anticastrista bem financiada na Suecia. Além disso, disse que o grupo está ligado à União Liberal Cubana, liderada por Carlos Alberto Montaner, cujos laços com a CIA foram expostas por Froilán Rodríguez no site Machetera (8). Seltzer observou que Ardin foi deportada de Cuba por atividades subversivas, pois interagiu com o grupo feminista anticastrista “As Damas de Branco”, que recebe financiamento do governo dos EUU e um dos seus amigos e financiadores é o terrorista anticomunista convicto Luis Posada Carriles (9). Uma frase de Hebe de Bonafini, presidente das Mães da Praça de Maio, na Argentina, descreveu que "As Damas de Branco, defendem o terrorismo dos EUA".

No entanto, não devemos aceitar a teoria de bala. A vida é mais complicada do que isso.

Além de seu forte anticastrismo pró CIA, aparentemente Anna Ardin tem como esporte favorito espancar os homens. [Jean-Guy Allard: Em 2007, fundou o clube "gay" Queer-klubb Feber de Gotland, uma ilha sueca situada a 60 quilómetros da costa, um refugio para as celebridades]. Um fórum sueco noticiou que Ardin é especialista em assédio sexual e na arte de "supressão anti-masculina”. Certa vez, quando Ardin dava uma palestra, um estudante do sexo masculino na platéia observava suas anotações em vez de observá-la nos olhos enquanto ela falava. Anna Ardin o denunciou por assédio sexual.

Ardin disse que o estudante a discriminou por ser mulher e se queixou sobre suposto uso de "técnicas mestras de supressão", porque o jovem que a ignorou a fez se sentir invisível. Assim que o estudante tomou conhecimento da sua denúncia, ele a procurou para pedir desculpas e se explicar. A resposta de Anna Ardin foi acusá-lo, novamente, de assédio sexual e voltou a se referir às "técnicas mestras de supressão", acrescentando desta vez sensação de desprezo.

Aparentemente, Ardin está envolvida com um grupo social-democrata "cristão". A igreja sueca tem uma escassa e preciosa dotação de clérigos do sexo masculino: Pouquissimos casais suecos feminino-masculino se casam pela Igreja hoje em dia, ou sequer chegam a se casar. No entanto, a maioria dos casais gays são orgulhosos de ser reconhecidos como "marido e mulher" pela igreja. Esta é uma das boas notícias para os suecos ricos: as igrejas abandonadas vendem suas propriedades (que por muitos anos foram utilizadas pela comunidade) que agora são cercadas e aproveitadas pela mais recente onda de privatizações. Obrigado à social democracia sueca!

A segunda acusadora, Sofia Wilen, 26 anos, é amiga de Anna. No vídeo de uma entrevista coletiva de Assange para a imprensa as duas mulheres podem ser vistas juntas (10). Os participantes da coletiva ficaram maravilhados com seu agradável compotamento com os fãs. Apesar de estrelas do rock utilizar garotas que morreriam para conseguir uma noite de sexo, é muito menos comum vê-las no duro campo do jornalismo político. Segundo sua própria confissão, Sofia trabalhou duro para levar Assange para a cama. Foi também a primeira a queixar-se à polícia. Ela é pouco conhecida e sues motivos são vagos. Por que uma jovem mulher – que compartilha sua vida com o artista norteamericano Seth Benson – procurava uma aventura política tão sórdida?

Em seu divertido romance "My One True Love", o brilhante escritor israelense Gilad Atzmon descreve como os serviços de inteligência empregam jovens mulheres como armadilhas de mel. Será este o caso? Talvez seja, senão, outro caso de ganhar dinheiro fácil. A nova legislação sueca, e noutros países da Europa, tornou os homens extremamente vulneráveis a golpes de extorsão deste tipo.
Uma jovem mulher sueca (nome omitido), de 26 anos, conseguiu ganhar mais de um milhão de dólares durante suas férias na Grécia, de acordo com uma reportagem do Daily Telegraph . Ela reclamou de ter sido estuprada. Quatro homens cujos nomes foram divulgados e seus trabalhos foram comprometidos, foram presos, mas a garota voltou para casa milionária e a protecção da sua identidade preservou a sua segurança. Seu êxito é um convite à imitação: de acordo com um relatório da UE, a Suécia tem 20 vezes mais casos de estupro do que os apaixonados italianos. E a maioria omite a denúncia e até logo...

O estupro é um crime horrível e não deve ser estendido para cobrir delitos menores de pouca importância e faltas morais (como não dar um telefonema no dia seguinte). Quando perguntaram ao advogado da denunciante porque as jovens mulheres não tinham certeza de ter sido violentadas, este deu uma resposta reveladora: "Elas não são advogadas". O estupro, assim como o assassinato, é um crime que não exige nenhum advogado para compreendê-lo. O estupro é um crime capital: se for provado que as acusações são falsas, o denunciante deve certamente ser processado no mínimo por difamação.

Quanto a Julian Assange, precisamos dele. Seja ele casto ou mulherengo, precisamos do nosso Capitão Neo para descobrir as atividades secretas de nossos governos por trás de Matrix. Pelos nossos próprios motivos, todos nós devemos fazer a nossa parte para protegê-lo igualmente dos serviços secretos e da feminista pró-castração. (Israel Shamir pode ser contatado em adam@israelshamir.net ).

NOTAS:

1) Counter Pounch, Americ'as Best Political Newsletter, edited by Alexander Cockburn y Jeffrey St.Clair, http://www.counterpunch.org/shamir09142010.html
Para mais informação sobre a cubano-sueca Anna Ardin leia Jean-Guy Allard em http://contrainjerencia.com/index.php/?p=2730#more-2730
2) http://news.cnet.com/8301-31001_3-20015878-261.html
3) A “Festa do Chá” representa a ultraderecha do Partido Republicano, que já é super direitista.
4) Philip Burnett Franklin Agee (1935-2008) foi um ex-agente da CIA que em 1975 ficou célebre ao publicar o livro "Inside the Company: CIA Diary", onde relatou suas experiências na agência desde que ingressou em 1957 e prestou seus serviços em Washington, Equador, Uruguai e México. Retirou-se em 1968 e se convirteu nun denunciante dos métodos da CIA. Morreu em Cuba en 2008.
5) William Scott Ritter, Jr., nascido em 1961, na Flórida, foi o principal inspetor de armas das Nações Unidas no Iraque em 1991-1998 e depois criticou a política externa dos EUA no Oriente Médio. Antes da invasão afirmou publicamente que o Iraque não possuia armas atómicas e depois foi uma figura popular como palestrante pacifista. Foi preso em 2001 por duas denuncias de exploração sexual de menores. Uma terceira acusação aguarda julgamento.
6) http://www.google.com/hostednews/afp/article/ALeqM5hw8tO6zK5sQ4tShRWA1TdquuNmLA
7) http://www.miscelaneasdecuba.net/web/article.asp?artID=1315
8) http://machetera.wordpress.com/2009/11/17/oh-what-a-not-so-tangled-web-we-weave/
9) http://machetera.wordpress.com/2010/03/26/luis-posada-carriles-and-ladies-in-white-go-out-on-a-limb-in-miami/
10) http://www.youtube.com/watch?v=qWh1Mk2_GVg#t=03m42s

O império no banco dos réus

Reflexões de Fidel


JULIAN Assange, um homem que há vários meses muito poucas pessoas no mundo conheciam, está demonstrando que o mais poderoso império que jamais existiu na história podia ser desafiado.

O audaz desafio não provinha de uma superpotência rival; de um Estado com mais de cem armas nucleares; de um país com centenas de milhões de habitantes; de um grupo de nações com enormes recursos naturais, dos quais os Estados Unidos não podiam prescindir; ou de uma doutrina revolucionária capaz de estremecer até seus alicerces o império que se baseia no saque e na exploração do mundo.

Era só uma pessoa que apenas se ouvira mencionar nos meios de imprensa. Embora já seja famoso, pouco se conhece dele, exceto a muito divulgada imputação de ter praticado relações amorosas com duas damas, sem a devida precaução nos tempos da Aids. Ainda não se escreveu um livro sobre sua origem, sua educação ou suas ideias filosóficas e políticas.

Não se conhecem, inclusive, as motivações que o levaram ao contundente golpe que assestou ao império. Somente se sabe que moralmente o colocou de joelhos.

A agência de noticias AFP informou hoje que "o criador de WikiLeaks continuará na prisão apesar de obter a liberdade sob fiança (…) mas deverá permanecer na prisão até que se resolva a apelação apresentada pela Suécia, país que reclama sua extradição por supostos delitos sexuais."

"…a advogada que representa o Estado sueco, [...] anunciou sua intenção de apelar da decisão de libertá-lo."

"…o juiz Riddle estabeleceu como condições o pagamento de uma fiança de US$380 mil, o uso de um bracelete eletrônico e o cumprimento de um toque de recolher."

Segundo a informação da própria agência, no caso de ser libertado "…deverá residir em uma propriedade privada de Vaughan Smith, seu amigo e presidente do Frontline Club, o clube de jornalistas de Londres, onde WikiLeaks estabeleceu há três semanas o seu quartel geral…"

Assange declarou: "Minhas convicções não vacilam. Mantenho-me fiel aos ideais que expressei. Se alguma coisa fez este processo, foi aumentar minha determinação de que estes são verdadeiros e corretos’’…"

O valente e brilhante cineasta norte-americano Michael Moore declarou que ofereceu a WikiLeaks seu site na internet, seus servidores, seus nomes de domínio e tudo o que possa proporcionar-lhe para "…’manter WikiLeaks vivo e próspero enquanto continua trabalhando para expor crimes que foram tramados em segredo e cometidos em nosso nome e com nossos dólares destinados aos impostos’…"

Assange, afirmou Moore, "está sofrendo ‘um ataque tão desapiedado’ [...] ‘porque envergonhou os que ocultaram a verdade’."

"…’independentemente de que Assange seja culpado ou inocente [...] tem direito a que se pague sua fiança e a se defender’. [...] por isso, ‘aderi aos cineastas Ken Loach e John Pilger e à escritora Jemima Jan e ofereçi dinheiro para a fiança’."

A contribuição de Moore foi de US$20 mil.

O ataque do governo norte-americano contra WikiLeaks foi tão brutal que, segundo pesquisas do ABC News/Washington Post, dois em cada três estadunidenses querem levar Assange aos tribunais dos Estados Unidos por ter divulgado os documentos. Ninguém se atreveu, contudo, a impugnar as verdades que contêm.

Não se conhecem detalhes do plano elaborado pelos estrategistas de WikiLeaks. Sabe-se que Assange distribuiu um volume importante de comunicações a cinco grandes transnacionais da informação, que neste momento possuem o monopólio de muitas notícias, algumas delas tão extremamente mercenárias, reacionárias e pró-fascistas como a espanhola Prisa e a alemã Der Spiegel, que as estão utilizando para atacar os países mais revolucionários.
A opinião pública mundial acompanhará de perto tudo o que aconteça acerca de WikiLeaks.

Sobre o governo direitista sueco e a máfia belicista da OTAN, que tanto gostam de invocar a liberdade de imprensa e os direitos humanos, cairá a responsabilidade de que se possa conhecer ou não a verdade sobre a cínica política dos Estados Unidos e seus aliados.

As ideias podem ser mais poderosas que as armas nucleares.

Fidel Castro Ruz

quinta-feira, 16 de dezembro de 2010

O “Dossiê” Colombiano: radiografia de uma armação contra o Partido Comunista do Chile



Por: Francisco Herreros*

Diário Red Digital


PRIMEIRA PARTE

O fato de que um Estado mafioso e genocida que pratica por definição o terrorismo de Estado e viola os direitos humanos por sistema, como o da Colômbia, acuse a alguém de terrorista, é tão coerente como que um policial pretenda dar uma multa por excesso de velocidade a um piloto que está numa corrida como as 500 milhas de Indianápolis.

O fato de que o Governo do Chile, os partidos de direita e os meios de comunicação que eles controlam, estejam hoje preocupados em extraditar a um compatriota, para ser julgado por tal Estado, pelo simples fato de manter relações políticas, que nunca negou, com uma organização que está em luta armada, que mantem um conflito secular com tal Estado, revela, de uma parte, o delírio à que pode levar uma mentira sistemática, reciclada uma e outra vez pelo aparato mediático; e por outra, seu grau de subordinação à estratégia maior, impulsada pelos poderes centrais, que aponta para a desestabilização dos processos de emancipação que ocorrem em vários países latinoamericanos, cuja principal desculpa, é precisamente, o combate ao terrorismo e ao narcotráfico.

A debilidade das provas e a deficiência técnica da solicitação de extradição do governo colombiano são tão evidentes que, na medida em que predomine o estado de direito e se imponha o raciocínio jurídico sobre as combinações e pressões políticas, Manuel Olate Céspedes, designer gráfico, 42 anos, casado, duas filhas, tem que ser colocado em liberdade e exonerado das acusações.

De fato, está preso o que trabalhou incansavelmente pela paz, enquanto o acusam aqueles que fizeram da violência o instrumento de sua política e, não somente se aferram à guerra como a uma fecunda fonte de recursos, mas também pretendem espalhá-la a nível regional.

Mas, quando Olate seja libertado, quem reparará o dano que causou à sua família, uma campanha odiosa e mentirosa, próxima já aos dois anos, que lhe imputam levianamente as “ligações” com uma organização terrorista? Qual será o custo pago por isso pelos complacentes e irresponsáveis meios de comunicação, que carentes de zelo profissional, ética jornalística e disposição para investigar, se prestaram para caixa de ressonância dessa campanha?


Terrorismo e terroristas

O significado em disputa é o conceito de terrorismo, a partir do qual se infere uma informação conspirativa da realidade. Assim, a versão do Estado colombiano, projetada acriticamente pelos jornais chilenos El Mercúrio e La Tercera, pressupõem que as FARC são uma organização terrorista, e por extensão, toda pessoa ou grupo que entre em contato com ela.

Esta concepção tem uma origem histórica muito precisa: a luta contra o eixo do mal, criada pelo ex-presidente George Bush, em seu discurso do Estado da União, em 29 de janeiro de 2002, para descrever aos regimes que, em sua opinião, apóiam o terrorismo e assim justificar as invasões do Afeganistão, que naquela época já ocorria, e a que se preparava contra o Iraque. Nesta intervenção, Bush mencionou o Irã, Iraque, Coréia do Norte, Líbia, Síria e Cuba.

Depois do fracasso do golpe de Estado na Venezuela, em 11 de Abril de 2002, os falcões da guerra da Casa Branca também incluíram no eixo do mal o regime venezuelano de Hugo Chávez e, desde 2005, o de Evo Morales, na Bolívia.

A ponta de lança da contra-ofensiva norteamericana na região foi o governo de Álvaro Uribe, na Colômbia, com as FARC e a luta contra o narcotráfico – simbolicamente assemelhados – como elemento justificador.

O Plano Colômbia e o Plano Patriota obedecem a essa estratégia, em virtude dos quais o governo dos EUA já transferiu uns seis bilhões de dólares ao governo colombiano – 660 milhões somente em 2009 – e converteu a sua Forças Armadas na maior máquina de guerra da região, com um efetivo superior a 500 mil homens, o que constitui 6,5% do PIB, proporcionalmente superior à dos EUA (4,6%), com duas guerras simultâneas.

Foi nesse contexto e com tecnologia de última geração que as Forças Armadas colombianas bombardearam o acampamento de Raúl Reyes em território equatoriano, em 28 de fevereiro de 2008, matando ao mesmo tempo pelo menos oito civis de diferentes países, pertencentes a organizações de solidariedade com as lutas do povo colombiano. Essa operação se repetiu em 22 de setembro último, quando acabou com a vida de Victor Julio Suárez Rojas, ou mais conhecido como Jorge Briceño, o Mono Jojoy, o segundo comandante e chefe militar das FARC.

Segundo uma outra perspectiva, a visão das organizações de solidariedade com a luta do povo colombiano, às que pertence Manuel Olate, assume as FARC como força beligerante de um conflito de longa data, com origem histórica determinada, que luta por objetivos também historicamente e eticamente justificados, quer dizer, a construção de uma nova ordem social, sobre a base de um programa orientado à solução política do conflito que sangra o país, que propõe um regime democrático, bolivariano e comprometido com a justiça social.

Do ponto de vista jurídico, especificamente no âmbito do direito internacional humanitário, a condição de força beligerante das FARC, sustenta-se no artigo 1º do II Protocolo Adicional à Convenção de Genebra (1), aprovado em 1977, referido à proteção das vitimas de conflitos não internacionais:

Artigo 1º. “Âmbito de aplicação material”.

1. O presente Protocolo, que desenvolve e completa o artigo 3º, comum à Convenção de Genebra, de 12 de agosto de 1949, sem modificar suas atuais condições de aplicação, se aplicará a todos os conflitos armados que não estejam cobertos pelo artigo 1º do Protocolo adicional à Convenção de Genebra, de 12 de agosto de 1949, relativo à proteção das vitimas dos conflitos armados internacionais (Protocolo I) e que se desenvolvam em território de uma Alta Parte contratante entre suas forças armadas e forças armadas dissidentes ou grupos armados organizados que, sob a direção de um comando responsável, exerçam sobre uma parte de dito território um controle tal que lhes permita realizar operações militares sustentáveis e concertadas e aplicar o presente Protocolo.

2. O presente Protocolo não se aplicará às situações de tensões internas e de distúrbios internos, tais como os motins, os atos esporádicos e isolados de violência e outros atos análogos, que não são conflitos armados.

Alem de que, oriunda dos governos do Chile ou da Colômbia, ou dos meios de comunicação que controlam, a categorização das FARC como organização terrorista é ridícula, fundamentalmente implica na ignorância de recorrer à violência como mecanismo secular de solução dos conflitos da sociedade colombiana, presente desde as conspirações de Santander contra Bolívar, no alvorecer de sua história; e grosseira omissão das causas sociológicas e históricas do prolongado conflito armado nesse país.


Violência histórica

Seja por conflitos entre liberais e conservadores, ou anteriormente entre federalistas e unitários, ou por intolerância no âmbito filosófico, religioso ou político; ou por conflitos motivados pela injustiça social e pobreza, ou simplesmente pela luta entre caudilhos. O fato é que, entre 1830 e 1903, registraram-se 13 grandes guerras civis na Colômbia, sem considerar as outras 40 registradas em estados federados, que custaram centenas de milhares de mortos em proporção pavorosa em relação ao tamanho da população.

São as guerras dos coronéis que Gabriel García Márquez escreveu.

Em 9 de abril de 1948, na presidência de Mariano Ospina, o assassinato do líder liberal e candidato presidencial, Jorge Eliécer Gaitán, desencadeou uma sublevação popular espontânea, denominado “bogotaço”, em que um número indeterminado de pessoas morreu. Alguns historiadores citam pelo menos três mil mortos.

No quinquênio imediatamente posterior, período conhecido como “A Violência”, que se estendeu até 1953, a ofensiva militar, policial e paramilitar desatada pelo líder do Partido Conservador, Laureano Gómez, contra militantes e simpatizantes do Partido Liberal, custou 300 mil mortos.

Da mesma forma que a direita chilena em relação à Unidade Popular, Gómez se empenhou em acusar os liberais de um armamentismo ilusório, enquanto eram massacrados com rigor metódico. Nessa perspectiva, o conflito armado na Colômbia, que persiste desde então, não é mais do que o cumprimento da autoprofecia.

O deslocamento forçado e o assassinato de camponeses por conta do paramilitarismo financiado pelos oligarcas, fenômeno que recrudesceu desde o meado dos anos oitenta do século passado, com comprovada cumplicidade e participação de Uribe Vélez, tem sido uma prática habitual e ininterrupta à qual deve-se lhe imputar centenas de milhares de vitimas mais.

De fato, o bombardeio e assalto do povoado de Marquetália, onde vivia Pedro Antonio Marin, mais conhecido como Manuel Marulanda Vélez, em 11 de maio de 1964, sem outra razão do que a imposição do Plano norteamericano LASO (N.T: Latin America Security Operation), que foi o antecedente direto que levou a criação das FARC.


Tentativas de solução política

Sem considerar as centenas de milhares de mortos do conflito que se prolonga desde então, em maiôs de 1984, culminaram os diálogos das FARC-EP com o governo de Belisario Betancourt, nos denominados Acordos de La Uribe que, em essência, estabeleceram uma trégua no conflito, com a perspectiva de assinar um tratado de paz definitivo e da reintrodução da guerrilha à vida política e civil.

Naquela época ninguém duvidava da condição das FARC-EP como força beligerante. Deste processo surgiu a União Patriótica, uma agremiação política que contava com a participação de representantes desmobilizados das FARC, do Partido Comunista e de organizações sociais. Em 1986 a União Patriótica obteve a terceira posição nas eleições gerais e conseguiu eleger vinte parlamentares.

O promissor processo político foi afogado em sangue pelos paramilitares numa aliança com narcotraficantes e agentes do Estado, mediante um frenesi homicida que em dois anos deixou cerca de cinco mil mortos, incluindo Jaime Pardo Leal e Bernardo Jaramillo, candidatos à presidência da República, oito senadores, treze deputados, setenta vereadores, onze prefeitos e milhares de quadros do Partido Comunista e de organizações sindicais.

Às FARC não sobrou outra alternativa do que voltar à clandestinidade e à atividade armada, sem prejuízo de que desde então mantêm vigente a oferta de diálogo com o governo, com a finalidade de retomar a via das negociações políticas para a solução do conflito.

De fato, em 1998, houve novo processo de diálogo com o governo de Andrés Pastrana, que sem grandes progressos, mas ao menos no formal, extingue-se em 2002, com o ataque, sem aviso prévio, das forças militares à zona de distensão, San Vicente del Caguán, e fica sepultado definitivamente com a chegada de Álvaro Uribe ao poder.

Esta personagem, de reconhecidos vínculos com o narcotráfico e com o paramilitarismo, assume o governo com as ordens do império de intensificar a guerra interna, para o qual primeiro se vale do Plano Colômbia e, a seguir, do Plano Patriota.

Não somente a guerra interna, mas aumentar a escalada a nível regional no que fosse possível, como demonstram a autorização para a instalação de sete bases militares norteamericanas em território colombiano; o bombardeio do acampamento de Raúl Reyes no Equador; continuas provocações fronteiriças contra a Venezuela e, ultimamente, a exportação de tecnologias e práticas repressivas para as forças armadas hondurenhas.

No mesmo dia em que José Manuel Santos Ascarza assumiu o poder, Alfonso Cano, atual Secretário Geral das FARC, propôs um diálogo ao novo governo, oferta que reiterou após a morte de Jorge Briceño.

Como resposta, Santos disse que o Estado continuaria combatendo-os até a aniquilação. Obvio. Santos não manda nele próprio.


Apocalipse agora

Em parte pelas razões já citadas, a violação dos direitos humanos na Colômbia chega a dimensões apocalípticas.

O Observatório de Direitos Humanos e do Direito Internacional Humanitário, depende da Vice-presidência da República, assinala que somente “entre janeiro e agosto de 2009 foram registrados 10.737 homicídios; 20 casos de massacres com 120 vitimas; 362 execuções extrajudiciais; 245 homicídios intencionais de pessoas protegidas e 18 desaparecimentos forçados”.(2)

A unidade de Direitos Humanos da Promotoria Geral da Nação da conta que “entre janeiro e setembro de 2009 foram cometidos 10 homicídios contra professores sindicalizados e 13 contra sindicalistas de outros setores”.(3)

O Relatório 2010 da Anistia Internacional Colômbia mostra que no decorrer de 2009 foram registrados 289 mil novos deslocados, 114 assassinatos de indígenas; 184 homicídios de pessoas pertencentes a grupos sociais marginalizados, como trabalhadores(as) do sexo, lésbicas, homossexuais, bissexuais, transformistas e viciados em drogas; e o assassinato de 8 ativistas dos direitos humanos e 39 sindicalistas.(4)

O relatório do Observatório dos Direitos Humanos, da Coordenação Colômbia-Europa-EUA, um grupo de Ong’s dedicados à defesa dos direitos humanos, estabelece que nos primeiros 75 dias do governo de José Manuel Santos, foram registrados 33 assassinatos de lideres camponeses, ativistas dos direitos humanos e dirigentes sindicais.(5)

No mesmo período, a Organização Nacional Indígena reporta o assassinato de cem indígenas, 40 deles no departamento de Cauca.


Os números globais são igualmente pavorosos

O Registro Único de População Deslocada registra um total de 3.226.442 deslocados internos até 30 de setembro de 2009. Por sua vez, a Consultoria para os Direitos Humanos de Deslocamento (CODHES) estima um total de 4.629.190 deslocados internos até o final de 2008, de terras que envolvem uns 6,65 milhões de hectares.(6)

Ou seja, quase um terço da população foi deslocada de um quarto do território colombiano por grupos paramilitares financiados pela oligarquia, para se apossar de suas terras.

Que país se livra de uma guerra civil com semelhante transtorno?

Segundo o presidente do CODHES, Marcos Romero, “já superamos o nível de desaparecimentos da Argentina, que chegou perto de 30 mil pessoas e que pode passar dos 100 mil nas últimas décadas”.

De fato, um relatório do Departamento de Medicina Legal, citado por TeleSur (7), dá conta de 38.255 pessoas desaparecidas nos últimos três anos e 18.236 somente em 2009.

O relatório 2009 da Alta Comissionada da ONU para os Direitos Humanos mostra: “Até dezembro de 2009, o Registro Nacional de Desaparecidos identificou 37.300 casos, dos quais, quase 10.000 correspondiam a casos de desaparecimento forçado. A maioria destes casos permanecem na impunidade, sem resolver nem identificar o culpados”.(8)

Um relatório da Promotoria de Justiça e Paz, de fevereiro de 2010, indica que os paramilitares reconhecem ter cometido 30.470 assassinatos nos últimos quinze anos e ter desaparecido outras 2.520 pessoas. (9)


Corrupção e impunidade

Todos os relatórios de direitos humanos disponíveis coincidem no alarme sobre a impunidade em que permanece o escândalo dos “falsos positivos”, que teve uma dramática expressão na descoberta da vala comum de La Macarena.

“Falsos positivos” é a denominação dada na Colômbia às execuções extrajudiciais no contexto de operativos militares antiinsurgentes, em que as testemunhas declaram que não houve combates; e onde as vitimas são capturadas nas suas residências ou lugar de trabalho para ser conduzidas ao local da execução. As pessoas executadas ou desaparecidas são, geralmente, camponeses, indígenas, trabalhadores, jovens, pessoas marginalizadas ou lideranças comunitárias. As vitimas são informadas pela força pública como membros da insurgência abatidos em combate.

Mais diabólico ainda – como estabelece o relatório 2010 da Corte Interamericana de Direitos Humanos – “os membros da força pública recebem incentivos econômicos, profissionais e prêmios pela apresentação de “positivos”; a competência judicial para a investigação dos fatos se atribui, desde o primeiro momento, a juizados penais militares; os familiares das vitimas, testemunhas e defensores dos direitos humanos dedicados ao esclarecimento dos fatos, são objeto de atos de ameaças e intimidação; a percentagem de condenações dos responsáveis é ínfimo. A Unidade de Direitos Humanos da Promotoria Geral da Nação conta com 1.230 casos que afetam a 2.103 vitimas nos últimos seis anos”. (10)

Responsável direto destes fatos, por ser hierarquicamente superior aos malfeitores, era o
Ministro da Defesa, José Manuel Santos Ascarza, o mesmo que qualificou a detenção de Manuel Olate como “um sinal muito importante, de que perseguiremos os terroristas onde estiverem”.

Nos primeiros dias de dezembro de 2009, uma visita de inspeção de uma delegação de congressistas e sindicalistas britânicos, permitiu a descoberta da vala comum de La Macarena, no departamento de El Meta, onde foram sepultados ilegalmente mais de dois mil cadáveres. Pesquisas posteriores demonstraram que a maioria delas era de pessoas arroladas em listas de “falsos positivos”.

Apesar de ter 3.700 militares processados ou sob investigação, nenhum deles está na cadeia e nenhum foi condenado. Longe disso, numa visita à base militar de La Macarena, Álvaro Uribe assegurou que a vala comum era somente o produto de calunias: “Aqui vieram os inimigos da Segurança Democrática, a alimentar calunias contra o Exército da Pátria”.

O relatório do Comitê de Direitos Humanos da ONU denunciou o alarmante grau de impunidade com relação às violações em massa dos direitos humanos na Colômbia.

Outro ponto enfatizado pelo Comitê, remete à agência de inteligência da Colômbia, o Departamento Administrativo de Segurança, DAS, o mesmo que entregou as “provas” contra Manuel Olate para a Promotoria Geral da República.

“Sistematicamente, já desde alguns anos, o DAS vem realizando uma operação de seguimento ilegal sobre membros da oposição, jornalistas, defensores dos direitos humanos e também da Corte Constitucional e organismos tais como a Comissão Interamericana de Direitos Humanos”.

O Relatório Anual da Alta Comissionada da ONU para os Direitos Humanos, sobre a situação de direitos humanos na Colômbia, 2009, acrescenta sobre o particular:

“Em 2009 tornou-se público que o DAS, entidade de inteligência dependente da Presidência da República, teria desenvolvido, pelo menos desde 2003 e de forma generalizada e sistemática, uma série de atividades ilegais dirigidas contra, entre outros, defensores de direitos humanos, opositores políticos, jornalistas e altos funcionários do governo, como o vice-presidente. Além disso, informação preocupante publicada nos meios de comunicação indicaria que até os magistrados da Corte Suprema foram objeto de vigilância. Estas ações, em muitos casos, tinham como objetivo neutralizar as atividades desenvolvidas pelas vitimas, considerados “alvos legítimos” por ser opositores potenciais das políticas governamentais. As ações ilegais incluíam interceptações telefônicas e de e-mail, seguimentos, fustigamento e ameaças, roubos de informação e invasões ilegais de escritórios e domicílios. Isto provocou um clima de medo e insegurança e, em algumas ocasiões, sabotagem e descrédito do trabalho dos defensores e defensoras dos direitos humanos. As ações contra as mulheres incluíram ameaças diretas contra seus filhos e filhas, em ocasiões com manifesto conteúdo sexual violento” (11).

A esse inferno na Terra, com antecedentes que escassamente ultrapassam a suspeita, Santos, Piñeira, Allamand, Espina, El Mercúrio e La Tercera pretendem que a Justiça chilena extradite a um compatriota?


SEGUNDA PARTE

A “volumosa” prova da Promotoria Geral da Colômbia contra Olate se reduz a uma dezena de mensagens de e-mail entre o Comandante Raúl Reyes e um certo “Roque”, e uma serie de fotografias de um grupo de chilenos no acampamento do mesmo Reyes, entre eles Manuel Olate, encontrados no seu poderoso laptop apreendido logo após sua morte pela Operação Fênix, que como se sabe, consistiu no bombardeio de seu acampamento, com tecnologia de última geração, de origem norteamericana, em território equatoriano, em 01 de março de 2008.

Além disso, existe o reconhecimento de Roque por uma testemunha, uma guerrilheira desmobilizada, cuja descrição não coincide com o aspecto físico de Olate.

A debilidade da prova é tão evidente que o jornal chileno La Tercera, que tomou a frente da campanha, na sua edição de cinco de novembro reconheceu que a chanceler colombiana, Maria Ângela Holguín, “expressou algumas duvidas e realizou consultas” ao seu homologo chileno, Alfredo Moreno, sobre os passos a seguir no processo de extradição.

No dia seguinte, o jornal El Mercúrio, outro jornal chileno que tomou parte da campanha, publicou que o Promotor Nacional, Sabas Chauán, “pediu celeridade ao Ministério Público colombiano para enviar os antecedentes para solicitar a extradição de Manuel Olate”; após o qual a crônica acrescenta: “o ponto é que os profissionais chilenos poderão sugerir aos requerentes que melhorem a apresentação da evidência” na idéia de que “o dossiê final e o pedido de extradição, que chegam através de vias diplomáticas, sejam o mais completo possível, com vistas ao julgamento que decidirá o futuro do suspeito”.

Desta verdadeira confissão de parte, desprende-se que, tanto o Estado chileno, representado pelo Chanceler e pelo Ministério Público, e a imprensa “séria”, em aberto flagrante do presépio de presunção de inocência e da obrigação de outorgar proteção diplomática a um compatriota, aparecem vinculados numa relação de estreita colaboração com um Estado estrangeiro, com o fim de extraditar a um compatriota, por razões estritamente ideológicas.

Este é um fato inédito na história do país, do qual terão que prestar conta no devido momento.

Em qualquer tribunal independente do mundo, as provas extraídas do laptop de Raúl Reyes devem ser rechaçadas, por motivos de natureza diversa.


Vicio de origem

Em primeiro lugar, as provas têm vícios de origem, pelo fato de serem provenientes de uma agressão armada em território estrangeiro, abertamente uma violação do direito internacional e que, adicionalmente, impediu a liberação unilateral de reféns em poder das FARC, que Raul Reyes negociava pessoalmente desde o seu acampamento.

Logo, apesar dos seus esforços, o Estado colombiano não conseguiu validar o conteúdo do computador de Reyes como prova confiável.

Entre eles, a solicitação de uma perícia forense para a INTERPOL sobre a validade da prova contida nos computadores apreendidos no acampamento.

A conclusão 2b desse relatório, desabilita o conteúdo desses computadores como prova válida diante qualquer tribunal do mundo, em termos irrevogáveis:

“Conclusão N. º 2b: Entre o dia 01 de março de 2008, data em que as autoridades colombianas aprenderam das FARC as oito provas instrumentais de caráter informático, e o dia 03 de março de 2008, às 11h45, momento em que tais provas foram entregues ao Grupo Investigativo de Delitos Informáticos da Direção de Investigação Criminal da Colômbia (DIJIN), o acesso dos dados contidos nas citadas provas não se ajustou aos princípios reconhecidos internacionalmente para o tratamento de provas eletrônicas por parte dos órgãos encarregados da aplicação da lei”.

A maior informação, o parágrafo 91 desse informe, assinala de modo textual:

“Utilizando suas ferramentas forenses, os especialistas encontraram um total de 48.055 arquivos cujas marcas de tempo indicavam que haviam sido criados, abertos, modificados ou suprimidos como consequência do acesso direto oito provas instrumentais por parte das autoridades colombianas entre o momento da apreensão destas, em 01 de março de 2008 e 03 de março de 200, às 11h45”.

Mas isso não é tudo. No processo contra Liliana Obando, socióloga, acadêmica, dos direitos humanos e ex-funcionária da Federação Nacional Sindical Unitária Agropecuária, acusada, assim como Olate, de supostas conexões com as FARC, baseado em antecedentes obtidos nos computadores de Reyes, o investigador do grupo antiterrorista da Direção de Investigação da Policia Judicial, DIJIN, Ronald Hayden Coy Ortiza, admitiu que manipulou a informação dos computadores de Raul Reyes, antes de entregá-los à Promotoria.

Segundo reportagem de Telesur, Coy admitiu que “abriu a informação e a manipulou antes de ser submetida ao controle de legalidades, sem que existisse autorização legal para isso”.

Coy ainda assegurou que não encontrou correios eletrônicos, mas sim documentos Microsoft Word.

“Não se encontrou, até o momento, correios eletrônicos. Encontrou-se grande quantidade de endereços que pertencem a correios eletrônicos, mas Reyes armazenava a informação em Word e de programas Microsoft”.

O advogado Eduardo Matias informou que, com a confissão de Coy, o mérito para julgar a sua cliente ficou sem base jurídica:

“Evidencia-se um manejo desmesurado por parte do funcionário judicial e um abuso de autoridade que viola o devido processo e, portanto, a prova não pode ser levada em conta como tal dentro de um processo penal”.

Com maior razão esse argumento é aplicável a um processo de extradição, onde a culpabilidade de um imputado deve ser provada com maior rigor do que a de um processo comum.


Solidariedade internacional

Quanto à sua presença e a de outros três chilenos no acampamento de Raul Reyes, do qual saíram dois dias antes do bombardeio, Olate nunca a negou. Afirma que foi no contexto da realização do Segundo Congresso da Coordenadora Continental Bolivariana, um movimento político social amplo, internacional, público, legal e aberto, cujo objetivo é a solidariedade internacional com as lutas do povo colombiano.

Pretender que as retrogradas direitas do Chile e Colômbia entendam o que significa solidariedade internacional, é tão difícil como esperar que nasça cabelo em rãs. Mas, desde a cadeia Santiago I, onde está internado sob regime de segurança que somente lhe permite duas horas fora da sua cela por dia, Olate declarou:
“Não entendo que façam tanto alarde da nossa presença no acampamento do comandante Raul Reyes, pois já o declaramos em inúmeras ocasiões. Fomos lá para levar uma saudação do Congresso Continental. No meu caso, levava também a tarefa de fazer uma entrevista ao comandante Raul Reyes, por conta da radio Bio-Bio. Para mim, a solidariedade internacional com as lutas do povo colombiano, faz parte da política do Partido Comunista, ao qual pertenço. Nós somos a favor de uma solução política ao prolongado conflito armado na Colômbia. Acreditamos que, neste momento, já não é mais possível uma solução militar. E dentro desse contexto, entendemos que a melhor colaboração é apoiar o intercambio humanitário de prisioneiros, em nossa opinião, o primeiro passo para criar um clima de confiança que permita às partes sentar para conversar”.

Lembrou também, que a visita ao acampamento de Raul Reyes não violou nenhuma legalidade, pois tinham permissão para se mover para qualquer lugar do território equatoriano.

Em entrevista para o semanário El Siglo, em março de 2008, Olate explicou sobre as fotos no computador de Reyes:

“Essas fotos nos mesmos tiramos. Aqueles que trabalham com fotografia digital sabem que em determinado momento acaba-se o espaço da memória e, para liberar espaço, deve-se descarregar as fotos em um computador. Nós as salvamos em um computador que nós emprestaram e que não podíamos suspeitar que depois seria capturado depois de um bombardeio”.

Explicou também sobre o uso do uniforme camuflado, próprio das FARC:

“A razão é bastante simples. Ocorre que para chegar a essas áreas, deve-se caminhar muito. Já lhe contei que caminhamos sob um dilúvio tropical. Chegamos ao acampamento encharcados e sujos. Portanto, ao chegar ao acampamento emprestaram-nos essas roupas, que era a única disponível. Não estávamos em nenhum shopping”.


Os e-mails da farsa

Manuel Olate nega enfaticamente ser Roque.

Mas mesmo que a polícia chilena identificasse Roque, qualquer que seja, e o colocasse a disposição da Promotoria Geral da Colômbia, esta dificilmente conseguiria a extradição baseado nas copias em formato Word de quinze mensagens de e-mail que, além de tudo, sugerem relações políticas, mas nenhum fato punível, muito menos extraditável.

A seguir, descrevemos alguns desses arquivos em formato Word, supostamente originados em mensagens de e-mails.

Raul para Roque, dois de agosto de 2004:
“Roque, tenha em conta que sua comunicação comigo é independente das comunicações com César e os camaradas do Brasil”.

Roque para Raul, 2 de fevereiro de 2007:
“Um agradecimento especial à camarada Gloria pelas panquecas, pela paciência e por colocar a voz de Rafaela na página web do movimento. Obrigado pela sua consideração”.

Raul para Roque, 22 de outubro de 2007:
“Lamentamos os problemas de saúde de nossa camarada Rafaela, ao mesmo tempo em que fazemos votos pela sua rápida e satisfatória recuperação. Os desejos são de voltar a tê-la aqui conosco na próxima viagem do coletivo”.
Roque para Raul, 28 de dezembro de 2007:
“Um abraço para toda a companhia, para Chana, para a camarada Gloria (Rafa quase chora com o presente que você lhe enviou) e para você, camarada Raul, um abraço e desejos de êxito nesta campanha”.

Roque para Raúl, 28 de maio de 2007:
“Como anedota comento-lhe que iniciamos a venda das bonequinhas guerrilheiras, as que Rafa faz, conseguimos colocar 5 em exposição e todas foram vendidas, a um dólar e meio”.

Raul para Roque, 31 de maio de 2007:
“Felicitações para o coletivo pelo bom trabalho. Bem, com as bonequinhas de Rafaella haverá dinheiro, propaganda e mais relações com as juventudes comunistas”.
Fenomenal. Desde que as FARC fazem parte do eixo do mal, o Estado colombiano as acusa de obter financiamento mediante o narcotráfico. Mas ocorre que, segundo a solicitação de extradição de Manuel Olate, na realidade o fazem...com a venda de bonequinhas.
E não é brincadeira, como se comprova pelo fato de que dois dos três delitos pelos quais se solicita a extradição são “financiamento do terrorismo e administração de recursos relacionados com atividades terroristas”, com somente o mérito de tão contundente “prova”. Posteriormente voltaremos a este assunto.


A conexão mapuche

Na ordem de investigar o RUC 0900212075-2 (N.T: espécie de CNPF), da Promotoria de Pudahuel, de 12 de julho de 2010, oficia-se à Promotoria Geral da Colômbia, a fim de solicitar informação para atribuir delitos de “associação ilícita terrorista, conduta terrorista e financiamento do terrorismo”, e determinar o grau de participação de cidadãos chilenos”, segundo se entende “da informação extraída dos comutadores do líder das FARC, Raul Reyes”.

O texto acrescenta que o oficio de referência “deve ser confeccionado em conjunto com os antecedentes que se investigam no processo RUC Nº 0900697670-8, de 28 de julho de 2009, do Juizado de Garantias de Temuco, pelos crimes e delitos simples contra a Soberania Nacional e Segurança do Estado, da Promotoria Local de Temuco”; que dizer, o processo que neste mesmo instante tramita contra 27 lideranças mapuches, em Cañete.

Em nenhum dos quinze e-mails supostamente trocados entre Raúl Reyes e Roque aparece uma relação direta entre os mapuche e as FARC através de Roque. Isso é o deduz a Promotoria Geral da Colômbia por inferência indireta com base em informações de contexto.

A seguir, o conteúdo desses e-mails:

Roque para Raul, 02 de fevereiro de 2004:
“Outro ponto é o regresso da Presidente do PC, Gladys Marin, ao país; isso seria perto de 14 de março, no dia 27 desse mês haverá um grande ato em homenagem à companheira, mas relacionado com as lutas que estão sendo desenvolvidas no país, os mapuches, a saúde, os desempregados, a defesa do cobre. A palavra de ordem do ato é ‘Todas as Lutas’”.

Outra das conexões descobertas pela Promotoria Geral da Colômbia é uma declaração do Comitê Regional da Nona Região do Partido Comunista, de 17 de fevereiro de 2007, em apoio à comunidade Temucuicui, que teria sofrido uma violenta incursão da polícia no dia anterior.

Todo o peso da ‘prova’ com a que se pretende extraditar um cidadão chileno para a Colômbia, cuja identidade não foi estabelecida de modo fidedigno, descansa na seguinte troca de supostas mensagens via e-mail:

Roque para Raul, 27 de março de 2006:
“Existem alguns companheiros do povo mapuche que há muito tempo estão em luta com o Estado pela devolução de suas terras, têm planos ambiciosos para libertar uma região do sul do Chile, onde atualmente vivem. Através de contatos que se aproximaram de nós para pedir apoio na forma de instrução e é o que estou fazendo”.

A resposta de Raul Reyes, segundo o dossiê colombiano, é de 30 de março, três dias depois:

“Deve-se lhes mostrar as características daqueles que participarão da experiência, partindo da dureza do regime militar e dos riscos a que são expostos pelo confronto diário com as tropas inimigas (...), ter em conta quanto tempo terão e a quantidade de companheiros. É preferível que sejam entre seis e dez e que tenham resolvido pendências trabalhistas ou estudantis durante o tempo de permanência aqui”.

E não há mais nada. É verdade que no dossiê colombiano existem reconhecimentos fotográficos de testemunhas sobre a presença de alguns mapuches no acampamento de Raul Reyes e a prova de sua entrada no território equatoriano, mas nada que os vincule a Roque ou ao Partido Comunista.

A debilidade da prova é tão manifesta que os promotores da província de Bio-Bio e da Araucania, encarregados das oitivas contra os comunheiros mapuches, desistiram de interrogar Olate e de utilizar as provas enviadas pela Promotoria Geral da Colômbia.


A conexão comunista

Vem ao caso lembrar que esta campanha teve inicio em agosto de 2008, logo após uma visita dos senadores Alberto Espina e Andrés Allamand e do então grande empresário e candidato presidencial, Sebastián Piñera, à Colômbia, onde mantiveram encontro com Álvaro Uribe Vélez e José Manuel Santos.

Mais ainda, gabaram-se de ter recebido essa informação sobre “chilenos-FARC” em um avião, estando presentes Uribe (agora processado judicialmente pela justiça dos EUA, acusado por crimes contra sindicalistas de uma empresa norteamericana na Colômbia), José Manuel Santos e o Comandante-em-chefe do Exército, general Mario Montoya, que posteriormente teve que renunciar pela sua responsabilidade nos assassinatos descobertos na vala comum de La Macarena.

Assim que o trio dinâmico Piñera, Allamand e Espina chegou da Colômbia, iniciou-se uma campanha brutal através do jornal La Tercera e, em menor grau, El Mercúrio, que já leva quase dois anos, em virtude da qual filtravam informação supostamente reservada, entregue à Promotoria chilena, a mesma que perde o sono no presente trabalho. Nunca Piñera, Espina, Allamand, nem muito menos La Tercera, revelaram as fontes da informação.

O Partido Comunista solicitou formalmente que as fontes fossem reveladas e jamais teve resposta, nem do governo, nem do trio dinâmico, nem de nenhum promotor. Ainda que a ANI, e em seu momento o Promotor Nacional, não encontraram mérito para investigar, as publicações arbitrárias na mídia prosseguiram e que a esta altura já causaram um dano irreparável a Manuel Olate e sua família.

Apesar da gravidade das acusações, não têm se esforçado em comprová-las, assim como o frouxo procedimento de extradição ensaiado pelo Estado colombiano.

Desde já devem saber que, uma vez esclarecidos os fatos, as responsabilidades legais correspondentes serão perseguidas, e que, para ser esclarecidas, Piñera, Hinspeter, Allamand e Espina, serão convocados a depor.

A única conexão do Partido Comunista nesta armação é uma declaração de um suboficial da Policia Judiciária, Jaime Humberto Lizarazo Pediache, que sem o apoio de qualquer antecedente como garantia, redigiu-se diante do Promotor Murcia Berneo, na presença do promotor chileno Emiliano Arias Madariaga, o seguinte parágrafo:

“A analise da informação mostra a participação e apoio nas atividades das FARC de sete integrantes do Partido Comunista do Chile, além de ralações com a Coordenadoria Continental Bolivariana, são eles: Carlos Casanueva, Guillerno Teiller, Lautaro Carmona, Sergio Sepúlveda, Daniel Núñez, Jorge Insunza e Andrés Lagos”. E nada mais.

Se esta é uma das oito testemunhas anunciadas pela Promotoria colombiana, estará em sérios problemas para sustentar sua posição.

Consultado a respeito, Andrés Lagos, Encarregado das Relações Internacionais do Partido Comunista do Chile e integrante da sua Comissão Política, assinalou:

“Estamos diante da tentativa de exteriorização uma política de guerra, de terrorismo de Estado, desde a Colômbia para o Chile, parte de uma operação mais global do império norteamericano, que explica as tensões bélicas com a Venezuela, o bombardeio e assassinato do comandante Raul Reyes e de pessoas que se solidarizavam com a luta do povo colombiano e com as FARC-EP, em território equatoriano.

Evidentemente, o que se procura com isso é gerar uma guerra e, portanto, exteriorizar o conflito. O império norteamericano está disposto inclusive a isso, para evitar que se consolide na nossa região uma tendência à emancipação dos povos, que continua sendo um fator de desenvolvimento para frente, onde se abrem relações de intercâmbio com a China, Índia, Rússia e Irã. Quer dizer, com outros eixos mundiais.

A ação belicosa e criminosa do império se expressa através do Estado colombiano, que entre outras coisas, viola flagrantemente os direitos humanos através de uma política de terrorismo de Estado.

Preocupa-nos que a exteriorização do conflito tenha, no caso do Chile, uma expressão a partir da qual vai ficando cada vez mais claro que o governo de Piñera deixa que o governo de Santos faça seu trabalho sujo, contra o povo mapuche, os movimentos sociais e o Partido Comunista.

Procura-se criminalizar e estigmatizar processos políticos que, inclusive, tem a ver com convergências que o Partido Comunista levou adiante, desde o ponto de vista de uma concepção democratizadora da sociedade, ampliando espaços de alianças.

Procura-se incidir na irrupção de movimentos sociais e suas lutas, e se busca amarrar as mãos da vocação solidária que exercem diferentes setores em nosso país, incluída a expressão concreta que Manuel Olate realizou, e muitos outros chilenos nesta perspectiva. Portanto, não somente deve-se denunciar a armadilha, mas também a operação que há por trás dela.

Vamos responder em forma transparente, com a verdade e com as armas da justiça. Parece-nós preocupante que uma ministra já tenha dado sinais de acolher as denuncias e as pressões de um Estado terrorista, diante do qual vamos a convocar a solidariedade nacional e internacional mais ampla, que já se manifestou de forma importante. Não vamos ceder em nosso empenho de empurrar na direção de uma solução política e negociada, de intercambio humanitário e de diálogo na Colômbia. Preocupa-nos que o governo de Piñera oculte seu verdadeiro objetivo, e que tenha se alinhado com a solução guerreirista, dentro e fora da Colômbia.

Somos pela paz e, portanto, por uma solução política, negociada e de intercambio humanitário, que é o esforço que governos da nossa região e europeus estão fazendo, ou se é pela guerra, que é a solução dos EUA, que sempre tenta desestabilizar governos que não pode controlar, através de crimes, terrorismo de Estado e, inclusive, tencionar as fronteiras, como nos casos da Venezuela e Equador”.


Tiro pela culatra

Segundo o jornal chileno El Mercúrio, de 03 de novembro de 2010, a Promotoria Geral da Colômbia fornecerá 27 provas e oito testemunhas contra Olate.

Uma reviravolta no mínimo estranha, por quanto o oficio 005617, de oito de junho de 2010, assinado pelo Promotor Pablo Murcia Bermeo, da Unidade Nacional contra o Terrorismo, da Colômbia, informa sobre o numeral 1, quer dizer sobre a solicitação de localizar membros desmobilizados do Frente 48 das FARC, que tivessem conhecimento das operações na região fronteiriça entre a Colômbia e o Equador, e/ou acesso aos integrantes da Comissão Internacional das FARC:

“Através do Programa de Atenção Humanitária ao Desmobilizado, do Ministério da Defesa Nacional, tem-se realizado as coordenações pertinentes para efeitos de localizar desmobilizados do Frente 48 das FARC. Nesse sentido, apesar de se ter localizado diversos ex-integrantes do referido grupo terrorista, estes não forneceram maiores elementos de informação, portanto, a tarefa de localizar mais desmobilizados continua”.

No item 7, denominado “Resultado da Atividade Investigativa”, lê-se:
“No tocante ao numeral 1: até o momento não se obteve nenhum resultado; continuar-se-á com a localização de desmobilizados do Frente 48, com a finalidade de esvaziar a atividade investigativa solicitada”.

O investigador da DIJIN, Wilmar Parra Quinceno, aparece enviando um relatório ao Promotor Murcia Bermeo, em 17 de julho de 2010, onde reproduz o interrogatório de uma desmobilizada das FARC, conhecida apenas pelas inicias de seu nome, G.S.R., que assegura ter visto Roque no acampamento de Raul Reyes: “Manifestou lembrar de um sujeito chileno de nome Roque, que era alto, jovem, de textura normal, branco, olhos claros, cabelos castanhos ondulados. Argumentou que se lembra dele, porque certa vez o recolheu em Barranca, acompanhado de uma moça branca, do mesmo tamanho que Roque”. A testemunha afirma que ficou uns seis dias, em meados de 2007, e que voltou a vê-lo no final do mesmo ano, no aniversário de Raul Reyes:

“Roque se encontrava uniformizado e portava uma pistola na cintura, e que nesse dia o cumprimentou e mais nada”.

Pois bem, se essa personagem é Roque, então não pode ser Manuel Olate. Primeiro, porque a descrição da testemunha não corresponde em absoluto com o seu tipo físico. Mas, no principal, porque o investigador mostrou à testemunha um conjunto de oito fotografias, entre as quais estava a de Olate, e não o reconheceu.


Deficiência técnica

Baseado em semelhante mérito, nenhum tribunal independente no mundo poderia extraditar a Manuel Olate. Menos ainda pelas decisivas e incuráveis deficiências técnicas que apresenta a solicitação de extradição.

Em primeiro lugar, a solicitação de extradição acusa Olate dos seguintes delitos: a) financiamento do terrorismo; b) administração de recursos relacionados com atividades terroristas e c) conspiração.

O único antecedente que configura os dois primeiros é a menção, em um e-mail de Roque para Raul Reyes, da venda de cinco bonequinhas, a um dólar e cinquenta cada, quer dizer um financiamento ao terrorismo por um total de 7,50 dólares. Seria piada se o caso não fosse tão grave.

Pior ainda para as pretensões de extraditar a Olate, nenhum desses crimes está contemplado no Tratado de Extradição entre ambos países, assinado em 1928, sem prejuízo de que o tratado exclui expressamente crimes de natureza política. E, ainda quando um tribunal de algum dos dois países estimasse que há mérito para o substanciamento de um processo criminal, não está obrigado a extraditar o acusado. Pode optar por julgá-lo no próprio país, conforme o principio de territorialidade.

As possibilidades de extraditar a Olate reduziram-se a zero, na ausência de um forte empenho do Governo do Chile para o caso, expresso através de consultas entre os Chanceleres de ambos os países, declarações do Presidente da República e do Ministro do Interior, e a insólita assessoria prestada pelo Ministério Publico.

Em outras palavras, o governo chileno aparece como parceiro de um governo estrangeiro para extraditar a um compatriota, com o que, ao mesmo tempo, viola o principio de presunção de inocência e descumpre a sua obrigação de outorgar proteção diplomática a todo cidadão de nacionalidade chilena.

A assessoria imprópria dada pelo Ministério Publico ao processo de extradição, é completamente fora de tempo e lugar. Se a Promotoria Geral da Colômbia requer qualquer tipo de gestão no processo, deve encarregá-la a um advogado particular, como ocorreu com a extradição de Alberto Fujimori,


Radical injustiça

O conluio do governo chileno com o governo colombiano pode representar um matiz de preocupação para a defesa jurídica de Olate, na medida em que já aconteceu, em processos onde está comprometido o interesse do Executivo, da Corte Suprema aproveitar a oportunidade para passar de contrabando alguma lista de exigências, geralmente de natureza econômica, em troca da sua aquiescência neste assunto em particular.

Se Manuel Olate permanece detido, isso se deve exclusivamente a que a juíza-adjunta e a câmara criminal da Corte Suprema, acolheram a presunção de fuga, colocada pelo Ministério Público na representação do Estado colombiano.

Acontece que, depois de quase dois anos de odiosa campanha da mídia que o acusava de ser a conexão com uma organização terrorista, Manuel Olate perdeu seu emprego e não pode encontrar outro, razão pela qual teve que procurá-lo no estrangeiro, com o custo humano e familiar que isto implica. Retornou ao país por vontade própria em meados de novembro, de forma totalmente normal e legal.

Pois disso se valeu a juíza Herreros para negar-lhe a liberdade condicional:
“Ele entrou e saiu com tanta facilidade de um país a outro, não tem maiores apegos no Chile, ainda que diga que tem duas filhas e companheira, mas a verdade é que não tem vivido no Chile. Nestes dez meses permaneceu no país apenas dois. Então, é de pensar que se possa evadir”.

A juíza omite cinicamente que Olate regressou ao país com a expressa intenção de colocar-se à disposição dos tribunais de justiça, para acabar de uma vez com a absurda campanha de acusações gratuitas. Isso é justamente o que ia fazer na segunda-feira 01 de novembro, segundo o acordado com o seu então advogado, Rodrigo Román.

Por meio de uma interceptação ilegal de suas comunicações telefônicas, funcionários da Policia Internacional da PDI obtiveram essa informação e o detiveram, com desnecessário e mediático desdobramento, quando saiu de uma reunião em família, na noite de 29 de outubro.

Assim parece que no Chile as coisas não mudaram muito depois de que Violeta Parra escrevesse:

“Eu não me encontro tão longe,
esperando uma noticia,
a carta vem me dizer,
que na minha pátria não tem justiça...”

(La Carta)


Notas

(1) http://www.cicr.org/web/spa/sitespa0.nsf/html/protocolo-II
(2) Relatório Anual da Comissão Interamericana de Direitos Humanos 2009, Colômbia, pág 14.
(3) Ibidem; pág 17.
(4) O Estado dos Direitos Humanos no Mundo 2010; Anistia Internacional; Colômbia, págs. 148 e seguintes.
(5) O Estado dos Direitos Humanos no Mundo 2010; Anistia Internacional; Colômbia, págs. 148 e seguintes.
(6) Relatório Anual da Comissão Interamericana de Direitos Humanos 2009, Colômbia, pág 18.
(7) http://www.telesurtv.net/secciones/noticias/71765-NN/colombia-registramas-
de-38-mil-personas-desaparecidas-en-tres-anos.
(8) Relatório anual do Alto Comissariado das Nações Unidas para os Direitos Humanos sobre a situação dos direitos humanos na Colômbia; pág 12.
(9) http://www.telesurtv.net/secciones/noticias/66984-NN/ex-paramilitarescolombianos-
reconocen-haber-cometido-cerca-de-30-mil-500-asesinatos/
(10) Relatório Anual da Comissão Interamericana de Direitos Humanos 2009, Colômbia, pág 15.
(11) Relatório Anual da Comissão Interamericana de Direitos Humanos 2009, Colômbia, sobre a situação dos direitos humanos na Colômbia; pág. 6.


* Francisco Herreros é Diretor do jornal Diário REDigital www.diarioreddigital.cl