"A LUTA DE UM POVO, UM POVO EM LUTA!"

Agência de Notícias Nova Colômbia (em espanhol)

Este material pode ser reproduzido livremente, desde que citada a fonte.

A violência do Governo Colombiano não soluciona os problemas do Povo, especialmente os problemas dos camponeses.

Pelo contrário, os agrava.


terça-feira, 30 de outubro de 2012

Colômbia: Uma sentença semeia para mudar a política de terras






Escrito por Héctor Mondragón e Paula Álvarez Roa
Fonte: http://anncol.eu/

Respondendo a uma demanda dos congressistas Jorge Robledo e Wilson
Arias, em 23 de agosto a sentença C-644 de 2012 da Corte
Constitucional declarou inconstitucionais os artigos 60, 61 e 62 da
Lei do Plano Nacional de Desenvolvimento, que permitiam que terras
adquiridas por campesinos com subsídios do Incoder e baldios entregues
a colonos passassem a mãos de empresários para adiantar projetos
agropecuários e florestais e que se entregassem baldios em extensões
ilimitadas a empresas mediante contratos diversos. A Corte disse que
são artigos regressivos e estão contra o dever do Estado de promover o
acesso progressivo à propriedade da terra por parte dos trabalhadores
agrários.

Os artigos inconstitucionais partiam da visão do campo que no século
passado foi defendida na Colômbia pelo economista Lauchlin Currie(1) e
que marcou a política agrária dos últimos governos. Esta visão é a que
agora se conhece como Modelo Carimagua, que se quer estender nos
campos para pastagem orientais.

O governo anterior quis arrendar a fazenda Carimagua por somas
irrisórias a investidores, para estabelecer plantações de palma
azeiteira e logo entregá-la em propriedade à empresa beneficiária. A
ideologia oficial determinava que os campesinos não poderiam
aproveitá-la eficientemente e, por outro lado, “em mãos dos privados
Carimagua gerará vultosos dividendos... é um bom negócio para os
investidores privados, enquanto que para os deslocados é um mau
negócio... em mãos privadas gera mais rentabilidade que entregá-los
aos deslocados”.(2)

No entanto, estudos científicos demonstraram que Carimagua e outros
terrenos similares do campo podem ser aproveitados por pequenos
produtores em arranjos florestais e agropastoris e encontraram
variedades adequadas a seus solos, de arroz, mandioca, soja, sorgo,
milho e pastos [e tecnologia para semear pasto associado com arroz,
para que este financie a implantação da campina].(3)

Destinar terras como as de Carimagua a grandes plantações de palma
azeiteira não tem justificação científica ou técnica. Tem, sim, uma
justificação econômica: o rio Meta é o cenário de um mega projeto
dentro do marco da Infraestrutura Regional da América do Sul [IIRSA] e
do estabelecimento de Puerto López como porto de comércio para Bogotá.
O negócio é a especulação com o incremento dos preços da terra pelo
desenvolvimento de um mega projeto fluvial e comercial.


Para que a economia campesina e a empresa agrícola possam crescer, há
que substituir esse modelo do latifúndio especulativo e a importação
de alimentos, não remover o limite da Unidade Agrícola Familiar [UAF]
para entregar baldios.

Ademais, a Lei 160 de 1991 prevê entregar baldios a empresas
comunitárias e a cooperativas campesinas [artigo 65], quando os
campesinos assim o solicitem, o que lhes permite associar-se, quando
as características do cultivo e as condições determinem a necessidade
de unidades de produção maiores. Os campesinos, ademais, podiam e
podem constituir ou formar parte de sociedades com não campesinos,
sempre e quando não lhes vendam sua propriedade nem a cedam.

A importância dos campesinos na Colômbia.
Há que ter em conta que, apesar de todo tipo de circunstâncias
adversas, a contribuição do campesinato é decisiva na alimentação dos
colombianos.

Em 2002, mantinha 67.3% da área semeada do país em cultivos legais e
62.9 do valor da produção agrícola.(4)

Entre 2004 e 2007 a agricultura familiar respondia por 62.1% da área
semeada e 60.4% do valor da produção agrícola, excluídos café e
flores.(5) 78% da área em café é campesina e também 74% da produção
nacional de milho.(6)

A Pesquisa Nacional Agropecuária destaca a participação campesina,
tanto em área como em produção, em cultivos como cebola comprida
(98%), fava (96%), cebola cabeçuda (89%), batata (82%, feijão (81%),
cacau (81%), ervilha (79%), cenoura (79%), banana (75%), café (74%),
cana-de-açúcar (70%) e plátano (70%). Ainda que minoritária, sua
participação é importante: porcos (35%), espécies menores (38%), vacas
leiteiras (25%), aves (17%) e gado de corte (12%).(7) Na Colômbia, são
os pequenos produtores os que dedicam maior porcentagem de sua
propriedade à agricultura. Segundo a Pesquisa Nacional Agropecuária de
2005, 51% da área colhida era de unidades campesinas.(8) Os pequenos
produtores dedicam maior proporção da área de sua propriedade à
agricultura e sua participação na área agrícola é muito superior ao
percentual de terra que possuem:

Unidades       % área total     % área agrícola
Pequenas            14.1                   38.9
Média                 26.1                   32.5
Grandes              59.8                    28.6
Fonte: Pesquisa Nacional Agropecuária 2004

Os campesinos conquistaram uma “silenciosa transformação” tecnológica,
incorporando em suas parcelas inovações, tecnologias limpas e
desenvolvimento de sementes locais(9) e inclusive há alguns cultivos e
comarcas em que a rentabilidade das unidades campesinas chega a ser
igual ou superior à de unidades médias ou grandes.(10)

Um importante recurso escasso e caro para as unidades campesinas é  o
crédito.(11) Os usuários dedicaram até mais de 50% de suas rendas a
pagar juros aos bancos.(12) O crédito mais comum conseguido pelos
campesinos é comprar “fiado”, o qual custa realmente até um altíssimo
juro de 2% mensal.(13)

A falta de terra própria e a qualidade da terra que possuem são um
fator que conspira contra uma maior participação das unidades
campesinas na produção e uma maior retribuição por seus produtos, já
que, se o campesino usa terra alheia, tem que pagar arrendamentos que
podem alcançar 29% de seus custos de produção ou submeter-se a
parcerias nas quais o dono da terra contribui com 35% e 40% dos custos
e recebe 60% a 65% das rendas.(14)

Estudiosos do tema como Albert Berry (15) assinalaram que, no entanto,
os pequenos produtores são mais produtivos que os grandes, que os
argumentos sobre economias de escala raras vezes são aplicáveis às
empresas agrícolas; ademais, as vantagens dos pequenos são muito
grandes: produzem bens que criam maior valor por hectare, empregam
mais trabalhadores [no caso da cana-de-açúcar em Colômbia se requerem
5 hectares para produzir um posto de trabalho e 6 hectares no
monocultivo de palma azeiteira], protegem melhor o meio ambiente e
favorecem a soberania alimentar.

Porém, apesar dessa contribuição fundamental dos campesinos ao país, a
política rural vem golpeando sua economia. Entre os anos 2005 e 2006,
as importações agropecuárias aumentaram em 21.66%, passando de 6
milhões e 330 mil toneladas para 7 milhões e 710 mil toneladas. Para o
ano 2008, as importações chegaram a 8 milhões e 220 mil toneladas, e
em 2010 o país importava já 10 milhões e 500 mil toneladas de produtos
agropecuários e agroindustriais.(16)

As políticas econômicas do país, em consonância com as diretrizes
transnacionais, deram um giro a suas propriedades em benefício do
setor empresarial, porém em desmedro dos componentes favoráveis à
média e pequena produção agrícola. Por exemplo, em 1990 foram semeados
2 milhões e 500 mil hectares de cultivos semestrais e 1 milhão e 200
mil em permanentes, enquanto que em 1997 as semeaduras foram de 1
milhão e 600 mil hectares em semestrais e 1 milhão e 400 mil em
permanentes. Nestes últimos, os incrementos anuais mais importantes
foram os das frutas, palma azeiteira, cana-de-açúcar e banana.

Desta maneira, ao diminuir as terras sob controle da pequena
propriedade, descendem as áreas destinadas a cultivos temporais,
próprios da produção parceleira. A redução da oferta agrícola tem sido
compensada, desde então, com importações crescentes de bens de origem
agrícola e pecuária, porém sem uma adequada redestinação da mão de
obra desalojada da produção agrícola.

É pertinente promover desde o âmbito local disposições orientadas à
garantia do direito, desde uma perspectiva que, ademais, promova o
cultivo, a produção e a comercialização de alimentos próprios da dieta
de cada uma das regiões e a identidade cultural da população
campesina.

Assim, iniciativas como os mercados campesinos resultam muito
importantes, já que têm permitido sensibilizar os cidadãos sobre a
importância da economia campesina e sua relação com a comercialização
alternativa de alimentos e soberania alimentar. Os mercados têm
permitido uma relação direta entre produtores e consumidores, gerando
uma série de benefícios econômicos, sociais, políticos e culturais.
Ademais, e não menos importante, estes mercados visibilizaram o
campesinato e puseram em debate o modelo agroalimentar nacional,
reivindicando a necessidade de apoiar a produção agrícola regional com
o propósito de garantir o direito a uma alimentação adequada.

Os mercados campesinos pretendem garantir a proteção reforçada da
população campesina e o direito à alimentação, reivindicar a autonomia
local em matéria de produção e comercialização de alimentos adequados
culturalmente, obstaculizar a comercialização e o consumo de produtos
importados no marco dos acordos comerciais, proteger a economia
campesina e privilegiar a semeadura, produção e comercialização de
alimentos, em lugar de cultivos de grande escala e de rendimento
tardio. Insistir na soberania alimentar é tarefa urgente hoje, e esta
só se alcança preservando a economia campesina.

Definitivamente, não é certo que o campesinato seja ineficiente.
Assim, no Brasil, exemplo latino-americano destacado da expansão dos
grandes agronegócios, a agricultura familiar tem um papel muito
importante,(17) as pesquisas têm demonstrado sua eficiência e sua
capacidade para aproveitar melhor os recursos de terra e crédito no
estado brasileiro de Minas Gerais(18) e em todo o Brasil.(19) O
Vietnam, [deixou] de ser um importador de arroz [e] se converteu no
segundo exportador mundial e atualmente é também o segundo exportador
de café e de castanha de caju e um grande produtor de inhame. Isto a
partir de um decreto de 1981 que promoveu o predomínio das parcelas
familiares e o respeito e fomento da iniciativa campesina. A partir
daí, a agricultura vietnamita se converteu num êxito de dimensão
mundial.(20) A produção de alimentos passou de 18 milhões e 400 mil
toneladas em 1984 para 33 milhões e 800 mil em 1999.(21)

Germe jurídico

A sentença da Corte reivindicou o papel do campesinato. Ainda que a
demanda apresentada em 16 de dezembro de 2011 aprofundou nas acusações
de violação da segurança alimentar, da soberania nacional e da reserva
legal em matéria de baldios, a Corte se centrou em defender o acesso
progressivo à propriedade da terra e descartou por maioria qualquer
possibilidade de entregar baldios a empresas e, por unanimidade, a
transferência de terras para empresários adquiridas com subsídio.

Esta defesa jurídica do artigo 64 da Constituição pode ter
consequências práticas econômicas e sociais. Governos e legisladores
se comportaram como se o artigo fora uma saudação à bandeira e a Corte
lhes recordou que a norma sobre o acesso progressivo à propriedade é
de aplicação imediata. O 64 é integral e se refere também à
assistência técnica, ao crédito e à comercialização.

A realidade nacional faz com que esta decisão da Corte seja a semente
para uma mudança na política agropecuária. Na Colômbia há  uma alta
concentração especulativa da propriedade da terra, que determina que
16 milhões e meio de hectares aptos para a agricultura estejam sendo
desperdiçados, especialmente em grandes propriedades, e se registram
altos preços da terra comparados com os do resto do mundo,(22) os
maiores da região.(23) Esta sentença é um chamado a resolver os graves
problemas de uso do solo que se apresentam dentro da fronteira
agrícola(24) em lugar de avançar sobre os baldios e os bosques e em
vez de despojar os campesinos, indígenas e afros de suas terras.

Para a Corte, os artigos demandados do Plano Nacional de
Desenvolvimento resultavam regressivos, pois propiciavam mais
concentração da propriedade rural num país afetado pelo monopólio de
terras, em desmedro dos trabalhadores agrários que deixam de ser
proprietários e implicavam um retrocesso no dever do Estado de
promover seu acesso progressivo à propriedade, ademais de reverter os
esforços efetuados em matéria de titulação de terras. A importante
sentença marca uma linha jurisprudencial de grande relevância.
Encoraja o trabalho cotidiano de organizações agrárias e campesinas de
todo o país, que veem nesta sentença uma possibilidade para aceder às
terras que por tanto tempo têm trabalhado e encontram também no
respaldo à demanda efetuada por organizações internacionais e
nacionais como FIAN Internacional, GRAIN Internacional, a União
Latino-americana de Técnicos Rurais e Agrários [Argentina], a
Agrosolidaria Viani, a Associação de Desenvolvimento Campesino [ADC],
o Coletivo José Alvear Restrepo, a Corporação Compromisso, a Mesa de
Unidade Agrária-Anuc-ur, os indígenas do Plano da Associação Indígena
Unuma, o Resguardo Indígena Awaliba e o Grupo Sementes, um impulso
unitário para continuar com a discussão acerca das terras e política
agrária no país, que verdadeiramente conte como principais atores os
campesinos e as campesinas, com a certeza de que seus justos clamores
terão eco e acompanhamento em muitos lugares.

Há que reconhecer o importante trabalho realizado pelos congressistas
Wilson Arias e Jorge Robledo e suas equipes de trabalho, os quais, de
maneira ajuizada, radicaram, no passado 16 de dezembro, a Ação Pública
de Inconstitucionalidade, após presenciar a maneira como o governo
apresentou no Plano Nacional de Desenvolvimento uma verdadeira
contrarreforma agrária, como a batizaram os congressistas, no momento
do trâmite no interior do Congresso, com sua posterior aprovação sem
maior discussão do que implicavam esses três artigos. Muito apesar de
que se desenvolveram substanciais debates na Comissão V do Senado, se
advertiram as implicações da aprovação dos referidos artigos.
Basicamente, estes dois congressistas foram os únicos que se opuseram
nas plenárias de ambas corporações a esses artigos, porém, finalmente
se obteve o resultado que conhecemos: a aprovação por unanimidade.
Devemos ressaltar que o governo anterior tentou apresentar essa
reforma à Unidade Agrícola Familiar pelo menos em três oportunidades,
sem êxito algum.

Em lugar de seguir propondo e aprovando normas inconstitucionais como
têm sido as leis florestais, o estatuto rural e os três artigos
reprovados do Plano Nacional de Desenvolvimento, o governo deveria
ajudar para que crescessem as sementes que a Corte semeou: o respeito
à diversidade étnica e cultural e à via campesina do desenvolvimento
rural. Mudar a visão do rural é imperioso. Não se pode desconhecer o
campesinato, não se pode antepor o mercado e a “produção”  a economias
como a campesina. Requeremos uma política que permita que os
campesinos tenham acesso a terra e possam trabalhar e viver nela de
maneira autônoma. É essa a via com a qual o país recuperaria sua
soberania alimentar e se cumpriria o artigo 65 da Constituição que
ordena proteger a produção nacional de alimentos, agora prejudicada
pelas importações, pelos Tratados de Livre Comércio e pelas
locomotivas mineiras e energéticas.

Héctor Mondragón é consultor de ILSA e Paula Álvarez Roa é
politicóloga e pesquisadora


Notas:
1 Currie, Lauchlin, “Desarrollo Económico Acelerado”. FCE, México, 1968.
2 Unidad Investigativa de El Tiempo, “A empresarios darán tierra que
era para desplazados”;El Tiempo, 9 de febrero de 2008.
3 Vergara, Francisco, “¿Para qué era Carimagua?” El Tiempo, 24 de
febrero de 2008.
4 Forero, Jaime, “Campesinado, mercado y cambio técnico, a propósito
de prejuicios”.Cuadernos Tierra y Justicia 2, Bogotá: ILSA., 2002.
5 Forero, Jaime, “Economía Campesina, Pobreza y Desplazamiento en
Colombia”; J. Forero A. (ed.) El campesinado colombiano: 64. Bogotá:
Universidad Javeriana, 2010.
6 Forero (2002) Op.cit.
7 Garay, L.J.; Barberi, F.; Castro Y.; Perry, S. y Cardona, I.,
Elementos para la negociación agrícola en el TLC. En Garay, Luis Jorge
(director), La agricultura colombiana frente al tratado de libre
comercio con los Estados Unidos. Bogotá: Ministerio de Agricultura y
Desarrollo Rural, 2005, p. 41.
8 Garay et.al. Ibidem, p. 42.
9 Forero 2010, pp.81-86
10 Ibidem, p.p. 91-96.
11 Ibidem, p. 78.
12 Ibidem, p. 100.
13 Ibidem, p. 77.
14 Ibidem, p. 110.
15 Berry, Albert y Lüsa North, “Los beneficios de la pequeña propiedad
en el campo”. La Línea de Fuego, 24 de octubre de 2011.
16 Restrepo, Juan Camilio, “Informe de Rendición de Cuentas (Gestión
2010-2011)” Bogotá. Ministerio de Agricultura y Desarrollo Rural,
2011, p. 8.
17 Júnia, Raquel “Agronegócio não garante segurança alimentar”;
Adital, 29 de março de 2011.
18 CPT “Agronegócio no MS perde em eficácia para a agricultura
familiar camponesa”;Ecdebate, 13 de janeiro de 2011.
19 Caume, David José “Segurança Alimentar, Reforma Agrária e
Agricultura Familiar”; Revista da UFG 5 (1) PROEC, abril de 2003.
20 Merlet, Michel (2002) “La serie de reformas agrarias y el éxito de
la agricultura familiar”; Fondo Documental Dinámico sobre la
gobernanza de los recursos naturales en el mundo. AGTER. Fuente: Dao
The Tuan (2001) “Communications écrites et orales à l’atelier
Agriculture paysanne et réformes agraires du Forum Social Mondial”,
IRAM - APM - CONTAG, Porto Alegre.
21 Bui Ngoc Hung et Duc Tinh Nguyen (2002) “Le développement de
l’agriculture vietnamienne au cours des 15 dernières années”; Vertigo
3:2.
22 “Amargo debate por precio de la caña”, El País, Cali, 23 de febrero de 2007.
23 “Colombia tendría la tierra más cara de la región, según estudio de
la SAC”; Portafolio, 30 de octubre de 2009.
24 Perfetti del Corral, Juan José (2012) “La Corte y el Desarrollo
Agropecuario”; El Colombiano, 31 de agosto de 2012.

segunda-feira, 29 de outubro de 2012

O Monopólio Midiático na América Latina


Por Fernando Arellano Ortíz.
Fonte: www.patrialatina.com.br

"Não há erro: os meios de comunicação simplesmente são grandes
conglomerados empresariais que têm interesses econômicos e políticos.
Na América Latina, os monopólios midiáticos têm um poder fenomenal que
vêm cumprindo na função de substituir os partidos políticos de direita
que caíram em descrédito e que não têm capacidade de chamar a atenção
nem a vontade dos setores conservadores da sociedade”. Assim o
politólogo e cientista social argentino Atilio Boron caracteriza a
denominada canalha midiática.

Nesse sentido, explica, "cumpre-se o que muito bem profetizou Gramsci
há quase um século, quando disse que diante da ausência de
organizações da direita política, os meios de comunicação, os grandes
diários, assumem a representação de seus interesses; e isso está
acontecendo na América Latina”. Em praticamente todos os países da
região, os conglomerados midiáticos converteram-se em "operadores
políticos”.

A crise do capitalismo e o triunfo de Chávez

Boron, que dispensa apresentação por ser um importante referente da
teoria política e das ciências sociais em Iberoamérica, foi um dos
expositores principais do VI Encontro Internacional de Economia
Política e Direitos Humanos, organizado pela Universidad Popular
Madres de la Plaza de Mayo, que aconteceu em Buenos Aires, entre os
dias 4 e 6 de outubro.

Tópicos como a crise estrutural do capitalismo, o fenômeno da
manipulação dos monopólios midiáticos e o que significa para a América
Latina o triunfo de Hugo Chávez foram tratados com profundidade por
esse destacado politólogo, sociólogo e investigador social, doutorado
em Ciências políticas pela Universidade de Harvard e, atualmente,
diretor do Programa Latino-americano de Educação a Distância em
Ciências Sociais do Centro Cultural da Cooperação Floreal Gorini, na
capital argentina.

Para aprofundar sobre alguns desses temas, o Observatorio
Sociopolítico Latinoamericano (www.cronico.net) teve a oportunidade de
entrevistá-lo no final de sua participação em dito fórum acadêmico
internacional.

Rumo ao projeto pós-capitalista

No desenvolvimento de sua exposição no encontro da Universidad Popular
de Madres de la Plaza de Mayo, Boron analisou o contexto da crise
capitalista.

"Hoje em dia é impossível referir-se à crise e à saída da mesma sem
falar do petróleo, da água e das questões meio ambientais. Essa é uma
crise estrutural e não produto de uma má administração dos bancos das
hipotecas subprime”.

Recordou que, recentemente, foram apresentadas propostas por parte dos
Prêmios Nobel de Economia para tornar mais suave a débâcle
capitalista. Uma, a esboçada por Paul Krugman, que propõe revitalizar
o gasto público. O problema é que os Estados Unidos estão quebrados e
o nível de endividamento das famílias nos Estados Unidos equivale a
150% dos ingressos anuais. "Krugman propõe dar crédito ao Estado para
que estimule a economia. Porém, os Estados Unidos não têm dinheiro
porque decidiram salvar os bancos”.

A outra proposta é de Amartya Sem, que analisa a situação do
capitalismo como uma crise de confiança e é muito difícil
restabelecê-la entre os poupadores e os banqueiros devido aos
antecedentes desses últimos. Por isso, essas não deixam de ser "pseudo
explicações que não levam à questão de fundo. Não explicam porque caem
os índices do PIB e sobem as bolsas. Ambos índices estariam
desvinculados e as bolsas crescem porque os governos injetaram moeda
ao sistema financeiro”.

A crise capitalista serviu para acumular riqueza em poucas mãos, uma
vez que "o que os democratas capitalistas fizeram no mundo
desenvolvido foi salvar os banqueiros, não os endividados, ou seja, as
vítimas”.

Exemplificou com as seguintes cifras: enquanto o ingresso médio de uma
família nos Estados Unidos é de 50.000 dólares ao ano, o daqueles de
origem latina é de 37.000 e o de uma família negra é de 32.000, o
diretor executivo do Bank of America, resgatado, cobrou um salário de
29 milhões de dólares.

Então, é evidente que cada vez mais há uma tendência mais regressiva
de acumular riqueza em poucas mãos. Em trinta anos, o ingresso dos
assalariados foi incrementado em 18% e o dos mais ricos cresceu 238%.

"No capitalismo desenvolvido houve uma mutação e os governos
democráticos transformaram-se em plutocracias, governos ricos”. Porém,
além disso, "o capitalismo se baseia na apropriação seletiva dos
recursos”.

Por isso, citando o economista egípcio Samir Amin, Boron afirma sem
medo que "não há saída dentro do capitalismo”.

Como alternativa, Boron sustenta que "hoje, pode-se pensar em um salto
para o modelo pós-capitalista. Há algo que pode ser feito até que
apareçam os sujeitos sociais que darão o ‘tiro de misericórdia’ no
capitalismo. O que se pode fazer é desmercantilizar tudo o que o
capitalismo mercantilizou: a saúde, a economia, a educação. Assim,
estaremos em condições de ver o amanhecer de um mundo mais justo e
mais humano”.

A reeleição na Venezuela

Sobre a matriz de opinião que os monopólios midiáticos da direita têm
tentado impor no sentido de que a reeleição do presidente Chávez é um
sintoma de que ele quer se perpetuar no poder, a análise de Boron foi
contundente:

"Há um grau de hipocrisia enorme nesse tema, porque os mesmos que se
preocupam com o fato de Chávez estar por 20 anos no governo, aplaudiam
fervorosamente a Helmut Kohl, que permaneceu no poder por 18 anos, na
Alemanha; ou Felipe González, por 14 anos, na Espanha; ou Margaret
Thatcher, por 12 anos, na Inglaterra”.

"Há um argumento racista que diz que somos uma raça de corruptos e
imbecis; que não podemos deixar que as pessoas mantenham-se muito
tempo no poder; ou há uma conveniência política, que é o que acontece
ao tentarem limar as perspectivas de poder de líderes políticos que
não são de seu agrado. Agora, se Chávez instaurasse uma dinastia onde
seu filho e seu neto herdassem o poder, eu estaria em desacordo.
Porém, o que Chávez faz é dizer ao povo que eleja; e, em âmbito
nacional, por um período de 13 anos, convocou o povo venezuelano para
15 eleições, das quais ganhou 14 e perdeu uma por menos de um ponto;
e, rapidamente, reconheceu sua derrota. Então, não está dito em nenhum
lugar serio da teoria democrática que tem que haver alternância de
lideranças, na medida que essa liderança seja ratificada em eleições
limpas e pela soberania popular”.

Confira a entrevista:

A canalha midiática assume a representação dos interesses da direita

Hoje, no debate da teoria política, fala-se de "pósdemocracia”, para
significar o esgotamento dos partidos políticos, a irrupção dos
movimentos sociais e a incidência dos meios de comunicação na opinião
pública. Que alcance você dá a esse novo conceito?

Eu analiso como uma expressão da capitulação do pensamento burguês
que, em uma determinada fase do desenvolvimento histórico do
capitalismo, fundamentalmente a partir do final da I Guerra Mundial,
apropriou-se de uma bandeira -que era a da democracia- e a assumiu. De
alguma maneira, alguns setores da esquerda consentiram nisso. Por quê?
Bom, porque estávamos um pouco na defensiva e, além disso, o
capitalismo havia feito uma série de mudanças muito importantes. Por
isso, a ideia de democracia ficou como se fosse uma ideia própria da
tradição liberal burguesa, apesar de que nunca houve um pensador dessa
corrente política que fizesse uma apologia do regime democrático.
Estudavam sobre isso, possivelmente, a partir de Thorbecke ou de John
Stuart Mill; porém, nunca propunham um regime democrático; isso vem da
tradição socialista e marxista. No entanto, apropriaram-se dessa
ideia; passaram todo o século XX atualizando-a.

Agora, dadas as novas contradições do capitalismo e ao fato de que as
grandes empresas assumiram a concepção democrática, a corromperam e a
desvirtuaram até o ponto de torná-la irreconhecível, perceberam que
não tem sentido continuar falando de democracia. Então, utilizam o
discurso resignado que diz que o melhor da vida democrática já passou;
um pouco a análise de Colin Crouch: o que resta agora é o
aborrecimento, a resignação, o domínio a cargo das grandes
transnacionais; os mercados sequestraram a democracia e, portanto,
temos que nos acostumar a viver em um mundo pós-democrático. Nós, como
socialistas, e, mais, como marxistas jamais podemos aceitar essa
ideia. Creio que a democracia é a culminação de um projeto socialista,
da socialização da riqueza, da cultura e do poder. Porém, para o
pensamento burguês, a democracia é uma conveniência ocasional que
durou uns 80 ou 90 anos; depois, decidiram livrar-se dela.

Mesmo em uma situação anômala mundial e levando-se em conta que a
propriedade dos grandes meios de comunicação está concentrada em uns
poucos monopólios do grande capital, como você analisa o fenômeno da
canalha midiática na América Latina? Parece que, paulatinamente, vão
perdendo a credibilidade...?

O que bem qualificas como canalha midiática tem um poder fenomenal,
que vem substituindo os partidos políticos da direita que caíram no
descrédito e que não têm capacidade de prender a atenção nem a vontade
dos setores conservadores da sociedade. Nesse sentido, cumpre-se o
que, Gramsci muito bem profetizou há quase um século, quando disse que
diante da ausência de organizações da direita política, os meios de
comunicação, os grandes diários, assumem a representação de seus
interesses e isso está acontecendo na América Latina.

Em alguns países, a direita conserva certa capacidade de expressão
orgânica, creio que é o caso da Colômbia; porém, na Argentina, não,
porque nesse país não existem dois partidos, como o Liberal e o
Conservador colombianos; e o mesmo acontece no Uruguai e no Brasil. O
caso colombiano revela a sobrevivência de organizações clássicas do
século XIX da direita que se mantiveram incólumes ao longo de 150
anos. É parte do anacronismo da vida política colombiana que se
expressa através de duas formações políticas decimonônicas [do século
XIX], quando a sociedade colombiana está muito mais evoluída. É uma
sociedade que tem uma capacidade de expressão através de diferentes
organizações, mobilizações e iniciativas populares que não encontram
eco no caráter absolutamente arcaico do sistema de partidos legais na
Colômbia.

Com essa descrição que encaixa perfeitamente na realidade política
colombiana, o que poderíamos falar, então de seus meios de
comunicação...

Os meios de comunicação naqueles países em que os partidos
desapareceram ou debilitaram-se são o substituto funcional dos setores
de direita.

O que significa para a América Latina o triunfo do presidente
venezuelano Hugo Chávez?

Significa continuar em uma senda que se iniciou há 13 anos, um caminho
que, progressivamente, ocasionado algumas derrotas muito
significativas ao imperialismo norte-americano na região, entre elas,
a mais importante, a derrota do projeto da Alca (Área de Livre
Comércio das Américas), que era a atualização da Doutrina Monroe para
o século XXI e isso foi varrido basicamente pela enorme capacidade de
Chávez de formar uma coalizão com presidentes que, não sendo
propriamente de esquerda, eram sensíveis a um projeto progressista,
como poderia ser o caso de Lula, no Brasil e de Néstor Kirchner, na
Argentina. Ou seja, de alguma maneira, Chávez foi o marechal de campo
na batalha contra o imperialismo; é um homem que tem a visão
geopolítica estratégica continental que ninguém mais tem na América do
Sul.

O outro que tem essa mesma visão é Fidel Castro; porém, ele já não é
chefe de Estado, apesar de que eu sempre digo que o líder cubano é o
grande estrategista da luta pela segunda e definitiva independência,
enquanto que Hugo Chávez é o que leva as grandes ideias aos campos de
batalha, e, com isso, avançamos muito. Inclusive, agora, com a entrada
da Venezuela ao Mercosul, conseguiu-se criar uma espécie de blindagem
contra tentativas de golpe de Estado. Caso a Venezuela permanecesse
isolada, considerado um Estado paria, teria sido presa muito mais
fácil da direita desse país e do império norte-americano. Agora, não
será tão fácil.

Você vê algumas nuvens cinzentas no horizonte do processo
revolucionário da Venezuela?

Creio que sim, porque a direita é muito poderosa na América Latina e
tem capacidade de enganar as pessoas. E os grandes meios de
comunicação têm a capacidade de manipular, enganar, deformar a opinião
pública; vemos isso muito claramente na Colômbia. Boa parte dos
colombianos compraram o bilhete da Segurança Democrática com uma
ingenuidade, como aqui na Argentina compramos o bilhete de ganhar a
Guerra das Malvinas. Portanto, temos que levar em consideração que,
sim, existem nuvens no horizonte porque o imperialismo não ficará de
braços cruzados e tentará fazer algo como, por exemplo, impulsionar
uma tentativa de sublevação popular, tentar desestabilizar o governo
de Chávez e derrubá-lo.

domingo, 28 de outubro de 2012

REFLEXÕES SOBRE A AGENDA DA HAVANA - II

A Havana, República de Cuba. Outubro 27 de 2012.
Sede dos diálogos pela paz com justiça social para Colômbia.

Se inicia o processo de diálogos pela paz, (não de negociação nem de
capitulação alguma), que tem como eixo uma Agenda prática, fácil de
ser entendida, cujo análise deixa claro que para as partes o ponto
inicial do Acordo Geral contem implícita a referência à concepção que
temos sobre o que é a TERRA.

Nossa visão não se limita aquilo que se conhece e define como "solo",
nem nossa luta se reduz à conquista de um documento que formalize sua
propriedade. Para as FARC-EP o elemento TERRA é componente essencial
do TERRITÓRIO; de modo que esse conceito norteia todas nossas
considerações fundamentais, tomando por base dessa territorialidade,
aspectos como soberania em geral, a relação amigável com a natureza, o
problema da soberania alimentaria,  como algo mais específico e, o
melhor-estar social, entre outros aspectos. A definição de território,
por exemplo, leva em conta as relações socio-históricas e
socio-ambientais.

O território é fator fundamental da existência, abrigo de vida e de
estância harmônica com a natureza, cuja apropriação concebemos-la
dentro da perspectiva social e não mercantilista.

De tal concepção se desprende uma visão não utilitarista nem de
domínio antropocentrista, de relacionamento com o solo, o subsolo e o
sobre-solo, como conjunto no qual se desenvolvem relações
socio-históricas, incluindo o aspecto de definição da soberania, que
freiem a apropriação desaforada de seus componentes orgânicos. Em tal
sentido, nossa visão leva em conta a mútua e estreita relação entre a
humanidade e a natureza, que entranha o respeito à terra, às águas, à
flora, à fauna, os elementos todos da espacialidade, distantes da
coisificação e mercantilização de seus componentes nas formas de
objetivação destrutiva da vida em que o impõe o capitalismo de livre
mercado.

Nossa concepção terra-território se opõe à ambição nefasta do
capitalismo por dominar e manipular a natureza sem se importar nem
medir as terríveis conseqüências que têm gerado já irreparáveis danos,
extermínio de espécies, destruição de tecidos sociais, desarticulação
da economia camponesa, desequilíbrios ambientais e sociais, ao ponto
de estar empurrando o planeta à destruição.

O direito à terra vai além do direito ao solo e sua titularidade;
trata-se de um direito à re-apropriação coletiva, social, do
território, como parte essencial do direito à vida, ao desfrute da
natureza em harmonia com ela, à re-afirmação e desenvolvimento das
relações sociais e da cultura no marco de um desenvolvimento
socio-econômico sustentável.

Consideramos o território desde a natureza e desde a cultura, no plano
da sustentabilidade, assumindo que o poder não pode ser domínio sobre
a natureza, mas existência harmônica com e dentro dela. Com essa
perspectiva compartilhamos a visão de VIA CAMPESINA enquanto a que os
povos livres devem possuir a faculdade de definir suas próprias
políticas agrárias e alimentarias de acordo com objetivos de
desenvolvimento sustentável, entendido como o desenvolvimento que
busca satisfazer as necessidades das gerações presentes, sem
comprometer as possibilidades das gerações futuras.

Denunciando que todos os projetos que visam a entrega do patrimônio
nacional surgem das elites governantes, sem consulta prévia alguma,
queremos lembrar a Orlando Fals Borda quando em sua preocupação por
que se reformule a idéia do território a partir de um ordenamento, que
promova a paz, a vida e a soberania alimentaria, nos diz ao respeito:
"uma indiscutível prioridade para esses fins ....é o retorno à terra e
entender o mundo rural com todo seu entorno e suas histórias. É o
cosmos verde que nos tem alimentado como nação desde que o mundo é
mundo. Ignorar o trópico é um suicídio. Entregar-lo em mãos de
interesses de outros contornos é traição".

Delegação de paz. HABANA CUBA. Outubro 27. 2012.

Que não se repita a história de negociação seguida de repressão contra o povo colombiano’



Sergio Ferrari
Colaborador de Adital na Suiça. Colaboração E-CHANGER


Tradução: ADITAL

- "O movimento social não pode ficar de fora do processo de paz”
- "É imprescindível que cessem as hostilidades imediatamente”
- "Confiamos na Rota Social Comum para a Paz”


O movimento social colombiano "vem dando passos importantes para uma
maior unidade”, o que lhe permite perceber o processo de paz com
relativa segurança. No entanto, é fundamental continuar limando as
diferenças e começar a esclarecer "quem assumirá como porta voz de
dito movimento na hora da negociação”. Diagnóstico e perspectivas
colocados durante uma visita recente a Europa por Marylén Serna
Salinas, dirigente camponesa de Cajibío (Cauca, sudoeste colombiano),
uma das responsáveis em âmbito nacional pelo Congresso dos Povos,
espaço que reúne a inúmeras iniciativas, organizações e plataformas
sociais e que aposta, juntamente com outros atores sociais, em
participar ativamente na construção "de uma paz com justiça na
Colômbia”.

Entrevista.

P: Como você percebe o movimento social na atual cojuntura de diálogo
para a paz?

R: No princípio, com surpresa; agora, com uma grande expectativa.
Estamos gerando as condições para uma participação efetiva no processo
de paz. Queremos afiançar um movimento real pela paz que seja
inclusivo, no qual participem todos aqueles que vieram contribuindo
desde anos e desde distintos cenários e regiões a esse objetivo.
Propomos também chegar a um consenso e construir entre todos o que
denominamos "agenda social”, ou seja, as propostas e temáticas
concretas que expressam as reivindicações dos diferentes setores
sociais. Somos conscientes que é essencial definir a forma
organizativa da participação do movimento social no processo de
negociação. Porque milhares não poderão sentar-se a negociar. Nosso
dilema é como ser participativos, diversos, inclusivos e, ao mesmo
tempo, garantir contribuições reais, concretas, sistematizadas,
consensuais, ao processo em marcha.

P: Quem e como pode convocar ao conjunto para que, desde a sociedade
civil, desde a base se participe no processo de paz, dada a
multiplicidades de atores sociais na Colômbia atual?

R: É uma pergunta chave. É inimaginável que somente o Congresso dos
Povos consiga isso. Nem tampouco somente o movimento social articulado
pode chamar para si a representação da sociedade colombiana em seu
conjunto. Há que ir além. Conscientes dessa realidade, há seis meses,
convocamos a promoção da Rota Social Comum para a Paz, onde têm
influído diferentes setores e plataformas que coincidem na necessidade
de uma saída política ao conflito armado. A Rota foi lançada
publicamente no dia 8 de outubro de 2012, no marco de uma mobilização
nacional convocada na semana da indignação. Sou otimista quando vejo
que nos últimos dois anos ampliou-se o espaço de unidade popular, que,
agora, reconhece a essa Rota Social Comum para a Paz como uma proposta
importante. Participam ou a apoiam, dentre outros, movimentos de
vítimas, as organizações estudantis, alguns setores dos trabalhadores,
Colombianos e Colombianas pela Paz, a Marcha Patriótica, a Rede de
Iniciativas de Paz desde a Base, o Congresso dos Povos, a Coalizão de
Movimentos Sociais da Colômbia, e inúmeras outras iniciativas...

A representação do movimento social

P: Qual é o debate mais complicado no interior de um grupo tão diverso?

R: Penso que será aquele em torno ao conceito da paz e da
participação. Em relação à agenda, todas as nossas organizações e
cenários estão trabalhando os conteúdos. E, hoje, já temos uma série
de insumos. Não queremos inventar nada novo; mas, sistematizar melhor
o consensual. Me parece que a maior dificuldade no interno do
movimento social será sobre a questão de sua representatividade no
diálogo e na negociação, porque somos muitos: há organizações locais,
plataformas, regiões inteiras, povos indígenas, os afrodescendentes...
E, da mesma maneira que não queremos entregar nossa voz de movimentos
sociais às insurgências e nem ao Estado, será denso definir a quem
entregaremos nossa representação no processo de negociação da paz... E
aí, colocaremos à prova os avanços reais que fizemos até agora quanto
à unidade.

P: Trata-se de um movimento social amplo. Porém, no momento, os que
estão montados no trem da negociação são um setor da insurgência e o
Governo. Qual será a reação de um e de outro quando o movimento social
unificado exigir participar também nesse processo?

R: Penso que haverá mais dificuldade com o Estado. De fato, o Governo
já propôs que o método de participação da sociedade civil será através
do Conselho Nacional de Paz, que é uma figura institucional, não
autônoma e subordinada ao poder. Nesse Conselho, o movimento social
teria uma participação reduzida, já que há outros setores, como os
empresários, que também estarão presentes. Essa proposta oficial não é
suficiente. Inclusive, na Rota Social Comum para a Paz, está em
discussão se participaríamos ou não nesse espaço. Portanto, já vemos
que essa será uma disputa que, com certeza, vamos poder dirimir
somente com a mobilização, tal como fizemos na primeira quinzena de
outubro. Para exigir a ampla participação, para ambientar a paz, para
posicionar a necessidade de uma agenda social. Com respeito à posição
da insurgência: o Exército de Libertação Nacional (ELN) sempre foi
explícito quanto à necessidade de que a sociedade civil participe no
processo de paz. As Farc, especialmente em suas últimas intervenções,
também falaram sobre essa necessidade.

O trem da paz

P: O processo de diálogo Farc-Gobierno já está lançado. Há riscos de
que os tempos políticos dessa negociação não coincidam com os do
movimento social que, todavia, não participa em dito processo?
Podendo, portanto, ficar fora desse trem em marcha…

R: Pensamos que a agenda definida para esta fase de negociação entre a
insurgência e o Estado não pode ser muito carregada porque seria
arrebentá-la. Para o atual momento de negociação, é suficiente; apesar
de que é insuficiente para um processo de paz mais estratégico.
Estamos acompanhando esta fase com alegria e sem movimentações; em
todo caso, pelo menos como Congresso dos Povos gostaríamos de garantir
a nossa participação. Queremos acelerar nossa preparação enquanto
movimento social para subirmos no trem em uma próxima fase, na qual se
debata uma agenda social que integre temas estruturais, como
terra-território, as políticas econômicas, a presença das
multinacionais no país, os direitos do povo (educação, saúde), a
justiça e a reparação ligadas ao debate sobre a impunidade...

P: Algumas organizações na Colômbia insistem em que é necessário que
se iniciem, em curto prazo, os diálogos humanitários regionais entre
os atores armados, o Estado e as organizações sociais, para discutir
temas muito concretos, como a não incorporação de crianças e jovens à
guerra, o direito humanitário etc. Ditos diálogos são todavia
penalizados pelas leis. Qual é sua visão?

R: Seria importante garantir um cessar fogo enquanto a negociação
avança. É essencial que o conjunto do povo entenda a dinâmica e a
necessidade da paz, o que não se conseguirá caso continue o conflito
nas comunidades, no território.

P: Como sintetizaria sua mensagem à comunidade civil internacional?

R: Que há um ressurgimento do movimento social e do desejo da unidade.
Hoje, esse movimento aposta a um processo de paz com justiça social. E
que é imperativo o acompanhamento, a solidariedade e o apoio da
comunidade internacional.

P: E o cessar imediato de hostilidades nos territórios?

R. Sim, também. Ressalto três conceitos importantes: que as duas
insurgências participem da negociação para evitar que o processo atual
fique coxo; que haja um cessar de hostilidades nos territórios; e que
nos deem garantias para a inclusão efetiva do movimento social, porque
não podemos imaginar que nós participemos; mas, ao mesmo tempo,
sejamos ameaçados e perseguidos. E esse é um chamado bem concreto ao
Governo. Que não se repitam outras experiências que vivemos, onde a
sociedade civil lutou para participar na negociação e foi ameaçada,
estigmatizada, perseguida e assassinada.

P: O que, atualmente, é diferente e confere ao movimento social
confiança em que essa construção atual da paz possa prosperar?

R: Que o movimento social está, realmente, se apropriando da
construção da paz e a exige. Ganhamos em unidade apesar de que ainda
temos que avançar muito. E isso sem esquecer que, na Colômbia, as
pessoas estão muito cansadas da guerra. Por isso, impera um marco
favorável para construir a paz com justiça social.

[Sergio Ferrari, em colaboração com E-CHANGER, ONG de cooperação
solidária presente na Colômbia].