"A LUTA DE UM POVO, UM POVO EM LUTA!"

Agência de Notícias Nova Colômbia (em espanhol)

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A violência do Governo Colombiano não soluciona os problemas do Povo, especialmente os problemas dos camponeses.

Pelo contrário, os agrava.


terça-feira, 26 de fevereiro de 2013

“Desejo fazer política de maneira aberta e legal”

Por María Jimena Duzán
Iván Márquez, das FARC, fala em exclusiva com María Jimena Duzán, da revista SEMANA.
María Jimena Duzán: Dura a carta que enviou Timochenko ao presidente Santos. Por que lhes incomodou tanto que ele recordasse em El Caguán que vocês também são despojadores?
Iván Márquez: Veja, as coisas vão bem e nessa carta que você menciona o próprio Timochenko afirma que se tem feito avanços. Temos construído pelo menos umas duas ou três folhas de papel de acordo e isso é um avanço que não se havia conseguido em anteriores processos. Em Tlaxcala, por exemplo, a discussão girou em torno à política econômica e daí não avançamos nem um centímetro. Por isso, porque vamos bem, nos incomodou que o presidente Santos houvesse ido ao Caguán a comparar-nos com os verdadeiros despojadores e que, em cima disso, não tenha feito menção aos avanços que temos conseguido em La Habana. Nessa atitude, vemos uma manobra para distrair a atenção do país sobre o verdadeiro problema, que é o latifúndio, o primeiro gerador de desigualdade no campo. Por que não falou dos hectares que o paramilitar Don Berna entregou em El Caguán nem dos que tem Victor Carranza?
M.J.D.: Porém, não pode negar que têm terras em El Caguán. Convido-o a que leia um documento elaborado por Luis Jorge Garay, membro da Comissão de Seguimento à Lei de Restituição, na qual documenta essa concentração de terras em mãos das FARC.
I.M.: Eu não sei como fazem para fazer esses informes, porque a maioria dessas terras nem sequer tem títulos. E sem estes é muito difícil falar de despojo. Por isso, queremos fazer uma comissão com o propósito de estudar o tema. Estava lendo, antes de vir aqui, uma entrevista que se lhes faz a uns campesinos do Recreo – que é uma das terras que, segundo o governo, é expropriada pelas FARC – e ali só havia campesinos. O grande temor que temos é que, com a mentira de que são terras das Farc, se façam novos despojos.
M.J.D.: Por que não lhes agrada o marco jurídico para a paz, que é a janela que o governo abriu para que possam reincorporar-se à política?
I.M.: Porque consideramos que o Congresso não tem a autoridade moral nem ética – e não estou falando de todos os congressistas – para legislar num assunto tão complicado. O que se necessita é uma reforma integral ao sistema eleitoral, que é corrupto e trapaceiro. Aqui votam até os mortos.
M.J.D.: Muitos dirão o contrário. Que os que não têm autoridade moral para falar de ética são vocês. Não se esqueça que há uma opinião pública que é avessa a suas práticas e seus desmandos.
I.M.: Se há desmandos, não são intencionais. Quando nós desdobramos alguma atividade militar, não o fazemos contra a população civil, mas sim contra um objetivo militar e, às vezes, lamentavelmente resulta afetada a população.
M.J.D.: Não lhes dá temor confrontar-se com um país que não os quer?
 
I.M.: O que queremos é falar com esse país. Para nós é muito importante que o povo nos queira. Os campesinos voltam todos os seus afetos a esta guerrilha porque nos protegem e nos ajudam. Nos fornecem informação e se não fosse por este apoio não existiríamos. Há umas camadas médias que estão sendo duramente golpeadas por temas como o da nova reforma tributária. Não creia que nós somos quadrados. Nós temos pontes com esse país que você assinala.
 
M.J.D.: Porém, e a explosão no clube El Nogal?
 
I.M.: Não disponho de informação sobre esse tema. Sei que foi um caso estremecido. Não sei em que estado se encontra a investigação, porém, sim, lhe digo o seguinte: a nível do secretariado esse tema nunca se discutiu.
 
M.J.D.: À luz das novas disposições do direito internacional, para ser beneficiários dos mecanismos que brinda a Justiça transicional, o primeiro requisito é ressarcir as vítimas. No entanto, vocês insistem em que não são vitimários e sim vítimas. Vão ou não ressarcir as suas vítimas?
 
I.M.: O governo nos convocou a que lhes demos a cara às vítimas e o vamos fazer. Timochenko o disse em sua carta com nitidez. Porém, isso sim: queremos que se aborde o tema em toda sua dimensão. Queremos que se fale sobre os responsáveis da época da Violência, dos autores materiais e intelectuais do massacre da União Patriótica, de como vai a investigação em torno dos falsos positivos.
 
M.J.D.: E no caso das vítimas das Farc?
 
I.M.: Temos dito que o Estado é o último ponto de imputação e que as vítimas são vítimas do conflito. Porém, lhe quero dizer uma coisa mais: creio que o Estado colombiano está enredado com o Estatuto de Roma. Dizem que têm temor de que se venham demandas se não se cumpre com uns requisitos mínimos de Justiça, porém cremos que isso não é assim e que, pelo contrário, esses temores infundados estão sendo usados para impor a nós uns ritmos com o propósito de que saiamos disto ligeiro.
 
M.J.D.: Você, que diria a essas mães de soldados e policiais que pedem que lhes deem notícias de seus filhos? Não sabem se estão sequestrados ou com vida.
 
I.M.: Maria Jimena, nós já o dissemos: não temos retidas pessoas com fins econômicos. Dissemos que íamos abandonar essa prática e temos cumprido. Tampouco temos soldados e policiais em nosso poder. Agora, bem, há que ter em conta que num combate se produzem muitos momentos que escapam de nosso controle. Porém, para tratar de resolver esse problema, estamos dispostos a integrar comissões com o Exército de Colômbia, as Farc e a Cruz Vermelha internacional para ir aonde se produziram esses combates para ver se conseguimos uma resposta a esta situação dramática dos desaparecidos.
 
M.J.D.: O ex-presidente Uribe também é uma vítima das Farc que vocês vão ter que ressarcir. Sequestraram seu pai, quem morreu em meio do fogo cruzado no dia em que o libertaram.
 
I.M.: As Farc não sequestraram o pai de Uribe. Isso lhe asseguro.
 
M.J.D.: Não lhes agrada o marco para a paz, porém sim uma assembleia constituinte. Por que insistem nessa proposta?
 
I.M.: Acreditamos que o povo tem mais força e legitimidade que o poder constituído.
 
M.J.D.: Coincidem vocês com o uribismo, que também busca uma constituinte...
 
I.M.: Porém, é que nós queremos a constituinte para referendar o acordo de paz e Uribe a quer para uns fins egoístas que não somente têm que ver com sua volta ao poder, mas sim com o fato de que busque blindar-se para não ter que responder por todos os seus desmandos.
 
M.J.D.: Falando do governo do presidente Uribe, vocês foram contatados para iniciar diálogos secretos de paz? Lhe pergunto porque Uribe negou estas aproximações.
 
I.M.: Sim, como não. Nós recebemos uma carta do governo de Uribe na época em que se nomeou a Frank Pearl negociador de paz. Nessa carta, se nos convidava a conversações secretas. Alfonso [Cano] a pôs em consideração do secretariado das Farc e acordamos dar uma resposta ao senhor Uribe, porém tivemos um mal-entendido e uma carta que deveria circular de maneira confidencial resultou tornando-se pública por conta de nós outros. Isso foi no final do mandato de Uribe.
 
M.J.D.: E me pode refrescar a memória sobre o que diziam nessa carta?
 
I.M.: Nessa carta dizíamos que, de todas as maneiras, estávamos dispostos a conversar, ainda que fizéssemos restrições à conduta assumida por Uribe durante seu mandato. Não sei porque agora Uribe nega essas aproximações. Acaso é um delito buscar a paz em Colômbia?
 
M.J.D.: No outro dia após a morte de Alfonso Cano, as Farc fazem saber ao governo que seguem adiante. Deve ter sido difícil essa decisão.
 
I.M.: Tivemos que fazer das tripas coração e seguir no processo porque Alfonso assim o havia exigido. Ele dizia que isto havia que prosseguir até que culminasse a paz para a Colômbia. Foi uma decisão difícil. Se tratava do assassinato do comandante que mais estava impulsionando a possibilidade de um diálogo de paz com o governo de Santos. Alguém diz que uma pessoa não pode matar a quem está falando de paz. Eu digo que se não houvesse ocorrido o que ocorreu com Alfonso, estaríamos numa etapa mais avançada.
 
M.J.D.: Você se senta todos os dias com o general Mora, quem o teve na mira mais de uma vez. Que sente quando o vê?
 
I.M.: Primeiro, um profundo respeito. Em Oslo, relembro, me dirigi ao general Mora dizendo-lhe que Manuel Marulanda Vélez nos havia ensinado o respeito ao adversário. E o general me disse que quase todas as guerras haviam terminado num acordo. E creio que ele tem razão.
 
M.J.D.: Como explicar a um país que, se se firma a paz, os guerrilheiros poderão fazer política e percorrer as ruas, porém os militares que os combateram terminem pagando penas nas prisões?
 
I.M.: Eu prefiro deixar esses assuntos ao Estado. Não queremos nos meter nisso.
 
M.J.D.: Você aspira a fazer política neste país?
 
I.M.: Porém, claro...! Esse é meu propósito. Eu fui representante pelo Caquetá e voltei ao monte porque iam me matar. Desejo fazer política de maneira aberta e legal.
 
M.J.D.: É a Marcha Patriótica o partido que vocês estão impulsionando para poder fazer política se deixam as armas e se reincorporam à sociedade?
 
I.M.: Estamos impulsionando partidos e movimentos. Um é o Partido Comunista Clandestino e outro o Movimento Bolivariano pela Nova Colômbia, que também é clandestino. Quanto à Marcha Patriótica, saudamos que, por iniciativa popular, se esteja construindo um movimento dessas características. Oxalá consigam aliar-se com outros setores sociais e políticos afins para apresentar uma alternativa política que mude o rumo deste país.
 
M.J.D.: Essa foto sua em cima de uma Harley-Davidson não deve ter agradado à guerrilha.
 
I.M.: Essa foto foi uma mamadeira de galo, porque lhe conto que não sei pilotar moto. No entanto, já dizem que percorro as rodovias de Venezuela e Cuba numa Harley-Davidson. Essa foto foi feita quando estive falando em Caracas com Chávez. Me armaram um escândalo, crendo que iam gerar descontentamento no interior das fileiras guerrilheiras, porém lá sabem que Márquez está sempre com sua tropa.
 
M.J.D.: Finalmente, vocês tampouco aceitam que estão metidos no narcotráfico. Todas essas histórias que os vinculam em alianças com Los Rastrojos e Los Urabeños é também propaganda mentirosa?
 
I.M.: Nós não temos laboratórios de cocaína nem somos a Polícia anti narcóticos de ninguém. Obviamente, muitos não entendem que não reprimamos ao campesino cultivador. Atualmente, em Colômbia se lavam uns 12 bilhões de dólares. Grande parte desse montante provém do narcotráfico que os move através de circuitos financeiros e isso não gera maior questionamento moral. Com dinheiros do narcotráfico se elegeram presidentes desde Turbay Ayala.
 
M.J.D.: Dizem que você é o mais duro na delegação das Farc e que sua dureza se deriva do fato de que há tempos não está na frente de batalha, mas sim que vive comodamente em Venezuela.
 
I.M.: Isso não é certo. Nenhum comandante das Farc está distante de sua tropa. A mim me nomeou Timo como chefe da delegação em La Habana e aqui estou. E nosso desejo é poder chegar a Bogotá numa mobilização política com Pablo Catatumbo, Pastor Alape, Joaquín Gómez, Mauricio Jaramillo e Timochenko. Maria Jimena, esta possibilidade de paz é muito especial e não podemos deixá-la escapar.