"A LUTA DE UM POVO, UM POVO EM LUTA!"

Agência de Notícias Nova Colômbia (em espanhol)

Este material pode ser reproduzido livremente, desde que citada a fonte.

A violência do Governo Colombiano não soluciona os problemas do Povo, especialmente os problemas dos camponeses.

Pelo contrário, os agrava.


domingo, 29 de setembro de 2013

Capitalismo contemporâneo, imperialismo e agressividade


Por Edmilson Costa *

O imperialismo está tão dependente da indústria armamentista que, sem a produção de armas, não só o complexo militar industrial iria à falência, mas o próprio sistema imperialista entraria em colapso, uma vez que parcela expressiva de sua indústria está ligada à cadeia de produção das armas. Isso demonstra também o nível de degeneração a que chegou o imperialismo contemporâneo: só consegue continuar respirando se mantiver e desenvolver a indústria da morte.

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O imperialismo é um fenómeno identificado pelos clássicos desde a segunda metade do século XIX e significou a passagem do capitalismo concorrencial para o capitalismo monopolista e a emergência de uma nova classe social, a oligarquia financeira [1] . Nessa nova fase do capitalismo, onde os trustes e cartéis passaram a dominar as economias de cada País e, posteriormente, a economia mundial, um conjunto de fenómenos novos vêem marcar esta fase do desenvolvimento deste modo de produção, especialmente a partilha económica e territorial do mundo entre os principais centros imperialistas, quando as potências capitalistas ocuparam e passaram a colonizar parte considerável da África, Ásia e América Latina.
Esse movimento do capital monopolista tinha como objectivo transformar essas regiões em retaguarda especial do imperialismo, fonte de matérias-primas, mercados para a venda de mercadorias, esferas de aplicação do capital, fonte de rendimentos monetários, espaços militares estratégicos e reserva de mão-de-obra para as metrópoles. Com essa estratégia, as regiões colonizadas se transformaram em pilares fundamentais para o desenvolvimento da produção capitalista.
Com o domínio económico e político do mundo, tornou-se mais fácil ao grande capital monopolista hegemonizar o aparelho de Estado, que passou a realizar sua política levando em conta fundamentalmente os interesses dessa nova classe social. Em outras palavras, o Estado relevou a um segundo plano os interesses gerais do capital para se transformar em instrumento da oligarquia financeira e de seus monopólios.
Mas o desenvolvimento do capitalismo e a consolidação dos monopólios não eliminou a concorrência, apenas a colocou em novo patamar. Os monopólios continuaram a travar uma dura luta pela partilha das esferas de influência. Essa luta por mercados e controle das fontes de matérias-primas se tornou a causa principal causa das guerras, pois os monopólios pressionavam seus respectivos governos para aventuras militares visando uma nova correlação de força na partilha económica do mundo. A primeira e a segunda guerra mundial foram em grande parte fruto da ganância do capital monopolista.
Após a segunda guerra mundial e, especialmente a partir dos anos 60, com a descolonização, o capital monopolista passou por transformações extraordinárias, pois a própria necessidade de expansão o impulsionou a uma nova relação entre centro e periferia. A partir de então, as corporações transnacionais, mediante a implantação de filiais produtivas na periferia, começaram a extrair generalizadamente o valor fora de suas fronteiras nacionais, ou seja, passaram a produzir fisicamente nas regiões até então produtoras de matérias-primas, enquanto o sistema bancário também se internacionalizava.
Esse fenómeno da mundialização da economia, conhecido como globalização, transformou o capitalismo num sistema mundial completo, constituindo-se assim uma nova fase do imperialismo, pois agora o capital monopolista tornaria o planeta numa esfera única de produção, financiamento e realização das mercadorias, e a própria oligarquia financeira passaria a explorar directamente os trabalhadores do centro e da periferia. Com a apropriação do valor fora das fronteiras nacionais a burguesia imperialista tornou-se uma classe exploradora directa do proletariado mundial.
“Até o período anterior à globalização, o capitalismo era completo apenas em relação a duas variáveis da órbita da circulação – o comércio mundial e a exportação de capitais. Mas, ao expandir a globalização para as esferas produtiva e financeira, bem como para outros sectores da vida social, o sistema unificou globalmente o ciclo do capital, fechando assim um processo iniciado com a revolução inglesa de 1640″ (Costa, 2002).
Esta nova fase do imperialismo viria a ganhar contornos mais definitivos com a ascensão dos governos Reagan e Thatcher, respectivamente nos Estados Unidos e Inglaterra. Aproveitando-se da crise do keynesianismo, desenvolveram uma ofensiva mundial no sentido de impor ao mundo a agenda neoliberal, que rapidamente se transformou em política oficial nos países centrais e, posteriormente, se espalhou para os outros países capitalistas.
A nova agenda invertia os fundamentos típicos da regulação keynesiana e em seu lugar colocava na ordem do dia o mercado como instrumento regulador das novas relações económicas e sociais, a desregulamentação da economia, as privatizações das empresas estatais, liberalização dos mercados e dos fluxos de capitais, cortes nos gastos públicos e nos fundos previdenciários, além de uma ofensiva contra direitos e garantias dos trabalhadores.
Essas novas directrizes produziram enorme impacto na dinâmica do capitalismo: o sector mais parasitário do imperialismo passou a hegemonizar as relações económicas e políticas no interior dos governos neoliberais e impor ao mundo o primado das finanças globalizadas, estimuladas pela liberalização financeira e irrestrita mobilidade dos capitais. A partir daí este sector da oligarquia financeira subordinou todas as outras fracções do capital e impôs a lógica das finanças não só para os negócios financeiros, mas também para as empresas produtivas e para o Estado, cujas receitas orçamentárias foram capturadas em grande parte por essa fracção do capital.
Ancorados pelas tecnologias da informação cada vez mais desenvolvidas, pela generalização dos computadores e da internet, o pólo financeiro do capital imperialista transformou o mundo num imenso casino especulativo, no qual os novos produtos financeiros foram sendo criados numa velocidade proporcional à criatividade do sistema liberalizado, num frenesi especulativo que se retroalimentava como numa dança de doidivanas.
Nessa nova lógica, a captura da renda mundial deveria encilhar todos os sectores da economia, que agora passariam a operar a partir da lógica das finanças. Assim, as empresas consolidaram a reestruturação produtiva, com produção sem gordura, círculos de controlo de qualidade, qualidade total, restrição à actividade sindical, tudo isso para ampliar as taxas de lucro e aumentar a distribuição de dividendos para os accionistas, ávidos por lucros semelhantes aos da órbita financeira.
Os Estados também caíram na malha da apropriação financeira, em função do endividamento realizado a taxas de juros elevadas. Dessa forma, foram obrigados a comprometer parcelas cada vez maiores dos orçamentos para pagar os serviços da dívida. Como esses serviços exigiam cada vez mais recursos, os Estados cortaram os gastos públicos, salários de funcionários e verbas sociais para atender o apetite voz do pólo financeiro do imperialismo.
Imperialismo, crise e guerra
Essa conjuntura em que as finanças hegemonizaram a dinâmica da nova fase do imperialismo criou uma enorme desproporção entre o sector real da economia, aquele que produz e gera valor, e a órbita financeira, que não cria riqueza nova. Para se ter uma ideia, antes da crise sistémica global que emergiu com a queda do Lehmann Brothers, o volume de recursos que circulava na órbita financeira era mais de 10 vezes maior que a produção mundial, fato que por si só já prenunciava uma crise de grandes proporções, uma vez que uma situação dessa ordem não poderia se sustentar por muito tempo, afinal a produção do mais-valor era deveras insuficiente para remunerar os lucros do sector financeiro.
Ao mesmo tempo em que avançava sobre os arcabouços do Estado do Bem Estar Social, o património público e os direitos e garantias dos trabalhadores, o imperialismo incrementava sua política agressiva, buscando combinar aceleradamente uma recuperação das taxas de lucro na área produtiva, a apropriação da renda mundial pelas finanças e o fortalecimento do complexo industrial militar, conjuntura que foi facilitada pelo colapso da União Soviética.
Assim, Reagan invadiu Granada, o Panamá, onde depôs e prendeu o presidente local e insuflou guerras regionais como na Nicarágua. A política guerreira continuou nas outras administrações, independentemente se democratas ou republicanas, uma vez que o desenvolvimento do complexo industrial militar é condição imprescindível para a manutenção do imperialismo. A escalada guerreira continuou com a invasão ao Iraque, sob o pretexto de que Saddam Hussein possuía armas de destruição em massa, o que depois se verificou que era uma falsidade. Na verdade, o que os Estados Unidos objectivavam era se apossar das imensas jazidas de petróleo daquele país.
Vale ressaltar que o imperialismo está tão dependente da indústria armamentista que, sem a produção de armas, não só o complexo industrial militar iria à falência, mas o próprio sistema imperialista entraria em colapso, uma vez que parcela expressiva de sua indústria está ligada à cadeia de produção das armas. Isso demonstra também o nível de degeneração a que chegou o imperialismo contemporâneo: só consegue continuar respirando se mantiver e desenvolver a indústria da morte.
Mas o acontecimento que proporcionou as condições objectivas para um salto de qualidade na agressividade imperialista dos Estados Unidos foi o ataque às torres gémeas. Este atentado foi o mote que o governo Bush encontrou para institucionalizar e desenvolver novas facetas de sua política guerreira, agora sob o pretexto de combate ao terrorismo. Na verdade, com a chamada política antiterrorista o imperialismo militarizou a política e impôs ao mundo uma agenda de luta antiterrorista que se desdobrou não apenas na invasão ao Afeganistão, mas também na violação ao direito internacional, à soberania dos países, a construção de exércitos privados para realizar o trabalho sujo nas guerras contra povos e organizações contrárias à política norte-americana no mundo.
O mundo tomou conhecimento estarrecido das torturas nas prisões de Abu Ghriab e de Guantánamo, dos sequestros e assassinatos de líderes contrários à política norte-americana e das prisões clandestinas ao redor do mundo. Ao contrário do que se poderia imaginar, o governo norte-americano justificava essas acções como parte da luta antiterrorista, necessário para a protecção de seus cidadãos. O então vice-presidente dos Estados Unidos, Dick Cheney, afirmou sem cerimónia em entrevista aos meios de comunicação que os métodos utilizados para obter informações (as mais bárbaras torturas) livraram o povo norte-americano de vários atentados.
O ensandecimento chegou a tal ponto que o secretário de Justiça dos Estados Unidos não só justificou abertamente a tortura como buscou fórmulas para legalizá-la. Todas essas acções eram de conhecimento do ex-presidente Bush, que inclusive assinava resoluções secretas para que os agentes pegos em flagrante não fossem punidos judicialmente. Por essas medidas se pode avaliar o nível de degeneração moral a que chegou o imperialismo: não se tratava de acções isoladas de funcionários estressados no teatro de operações, mas de ordens da própria cúpula imperialista que nesta fase do capitalismo perdeu qualquer referência em relação à humanidade.
Quem imaginava que o imperialismo iria reduzir sua máquina militar com a queda da União Soviética se enganou. O imperialismo está muito mais agressivo actualmente que no passado e possui hoje a mais poderosa e sofisticada máquina militar que o planeta já teve conhecimento. Porta-aviões gigantescos, submarinos atómicos, aviões invisíveis, bombas guiadas a laser, superbombardeiros, frota de aviões não tripulados (drones), helicópteros sofisticados, tanques de última geração, além de mais de 500 bases militares espalhadas pelo mundo e um aparato de espionagem maior do que as pessoas que vivem hoje em Washington. Tudo isso para sustentar a política do grande capital.
No entanto, a crise sistémica mundial veio adicionar mais um ingrediente fundamental para a política agressiva do imperialismo. Desesperado diante da dramática situação económica, da recessão, do desemprego crónico e dos protestos que estão ocorrendo pelo mundo contra a os ajustes determinados pelo capital, o governo norte-americano vem realizando provocações contínuas contra o Irã, a Coreia do Norte e, recentemente, conseguiu envolver vários países da União Europeia em sua aventura militar na Líbia, onde destruíram fisicamente o País, mataram seus principais dirigentes e agora começam a se apossar das imensas jazidas de petróleo locais, sob o olhar complacente dos títeres que colocaram no poder.
Agora os Estados Unidos se voltam para Síria. O cenário foi montado para que a história se repetisse, mas a resistência do exército sírio, que desalojou os mercenários de várias regiões do País, derrotou essa primeira ofensiva imperialista. Derrotado o campo de batalha, os Estados Unidos tentaram legalizar a invasão, mas a Rússia e a China vetaram uma resolução do Conselho de Segurança da ONU que abria espaço para a intervenção no País. Agora, estamos na iminência de uma invasão da Síria, sob o pretexto bizarro de que o governo teria lançado armas químicas contra a população, quanto se sabe que este episódio foi montado pela CIA para justificar a agressão. Desesperado, sem apoio internacional que esperava, o imperialismo pode realizar a intervenção a qualquer momento, mas as consequências podem ser dramáticas, tanto para o povo sírio, quanto para o Oriente Médio e para o próprio imperialismo, inclusive com o aprofundamento da crise sistémica global no interior dos Estados Unidos.
Como a política guerreira já é uma necessidade do imperialismo para desenvolver suas forças produtivas, nas épocas de crises profundas como a que estamos presenciando agora, a fúria belicista do imperialismo se torna ainda maior. Por isso, pode-se esperar tudo nesta conjuntura, pois o imperialismo está ferido e vai querer sair da crise de qualquer forma, nem que para isso coloque em xeque a existência da própria espécie humana. Para a humanidade, resta uma saída que vai significar sua própria sobrevivência: derrotar o imperialismo, superar o capitalismo e construir uma outra sociabilidade sobre os escombros desta velha ordem.
Bibliografia consultada
Bukharine, N. O imperialismo e a economia mundial. Coimbra: Centelha, 1976.
Costa, E. A globalização e o capitalismo contemporâneo. (São Paulo: Expressão Popular, 2009)
————— Imperialismo. São Paulo: Global Editora, 1986.
Lénine, V. Imperialismo fase superior do capitalismo. Lisboa: Avante, 1976.
Luxemburg, R. A acumulação do capital. São Paulo: Abril Cultural, 1984.
Hilferding, R. O capital Financeiro. São Paulo: Abril Cultural, 1985
Hobson, J. A. A evolução do capitalismo. São Paulo: abril cultural, 1985
[1] Para uma melhor compreensão dos clássicos do imperialismo, consultar: Hobson, A Evolução do capitalismo (Nova Cultural, 1983); Hilferding, O capital financeiro (Nova Cultural, 1938); Lénine, Imperialismo, fase superior do Capitalismo (Avante, 1984); Rosa de Luxemburg, A acumulação do Capital (Nova Cultural, 1983);e Bukharin, O imperialismo e a economia mundial (Centelha, 1976). Para uma versão mais popular, consultar Edmilson Costa, Imperialismo (Global, 1989).

[*] Doutorado em Economia pela Unicamp, com pós-doutorado no Instituto de Filosofia e Ciências Humanas da mesma instituição. É autor de Imperialismo (Global Editora, 1987), A política salarial no Brasil (Boitempo Editorial, 1987), Um projecto para o Brasil (Tecno-Científica, 1988), A globalização e o capitalismo contemporâneo (Expressão Popular, 2009) e A crise económica mundial, a globalização e o Brasil (no prelo), além de ter ensaios publicados no Brasil e exterior.




sábado, 28 de setembro de 2013

Para entender a luta do povo da Síria

Recordar os acontecimentos do Irão há 60 anos ajuda a compreender a atual estratégia dos EUA para o Médio Oriente. O discurso em que Obama anunciou que decidira bombardear a Síria inseriu-se numa política de dominação universal concebida no final da II Guerra Mundial.

Inseguro quanto à atitude do Congresso e ciente de que a maioria do seu povo condenava um ataque militar à Síria, o presidente recuou. Mas seria uma ingenuidade acreditar numa viragem da estratégia agressiva dos EUA para a Região. Nesta, o derrubamento do governo de Bashar al Assad é somente uma etapa do projeto que tem por alvo numa segunda fase o Irão, o grande país muçulmano que não se submete ao imperialismo norte-americano.

É útil lembrar que foi ainda em vida de Roosevelt que um grupo de sábios da Casa Branca e do Pentágono elaborou o War and Peace Program, ambicioso plano que visava a longo prazo estabelecer o domínio perpétuo dos EUA sobre a Humanidade, a partir da convicção de que a desagregação do Império Britânico estava iminente e era irreversível.

Ainda não fora criado o estado de Israel, mas a substituição da hegemonia da Grã-Bretanha no Médio Oriente figurava entre as prioridades desse Programa entre cujas metas se incluía o esfacelamento da União Soviética.

O êxito em 1953 do golpe de Estado que derrubou o governo progressista de Mohammad Mossadegh (1882-1967) e permitiu a recolonização do Irão contribuiu para acelerar a penetração política, económica e militar dos EUA no Médio Oriente.

Antecedentes

Desde meados do século XIX, a Inglaterra e o Império russo, no contexto da sua confrontação no Afeganistão, desenvolveram um esforço permanente para colocar o Irão (ao tempo Pérsia) sob a sua «proteção».

Após a Revolução Russa de Outubro de 1917 a situação mudou e as pretensões britânicas esbarraram com a firme oposição da União Soviética.
No final da I Guerra Mundial, a monarquia persa agonizava. Um general, Reza Khan, tornou-se primeiro-ministro em 1921 e tentou modernizar o país. Mas, ambicioso, usou a sua popularidade para promover um golpe de Estado. 

Derrubou o soberano Ahmed Qajar e proclamou-se Xá, isto é, imperador.
Entre as personalidades que se opuseram ao novo regime ditatorial destacou-se um jovem que já desempenhara importantes funções públicas: Mohammad Mossadegh.

Filho de um ministro da monarquia e de uma princesa Qajar, Mossadegh estudara Ciências Sociais em França e posteriormente doutorara-se em Direito na Suíça.

Desde a juventude chamou a atenção pela sua honestidade. Ganhou a alcunha de «incorruptível», como Robespierre. Mas, aristocrata pelo nascimento e educação, casou com uma princesa da última dinastia.
Reza Xá demitiu-o dos cargos que exercia e desterrou-o para Ahamadabad, sua cidade natal.

Nos anos que separaram as duas guerras, o petróleo adquirira uma importância enorme na economia mundial. E a Grã-Bretanha controlava as gigantescas jazidas de hidrocarbonetos do Irão através da Anglo Iranian Oil, um gigantesco polvo transnacional que atuava como monopólio na produção e extração.

Alegando simpatias do Xá pela Alemanha de Hitler, o governo britânico obrigou-o a abdicar em 1941, ocupou o país (com exceção da faixa Norte, 
fronteiriça da URSS) e colocou no trono o filho, Reza Pahlavi.
Mossadegh regressou então à política, primeiro como deputado, depois como ministro das Finanças e ministro dos Negócios Estrangeiros, e finalmente como primeiro-ministro.

A nacionalização do petróleo

Uma vaga de nacionalismo varria então o Irão. Mohammad Mossadegh foi o dirigente que soube encarnar as aspirações do seu povo, liderando a luta por uma independência real.

O Irão estava reduzido à condição de semi-colónia. Ousou o que parecia impossível: desafiou a Inglaterra imperial ao nacionalizar a Anglo Iranian, que era oficialmente propriedade do Almirantado Britânico.

Londres reagiu com sobranceria, apresentando queixa no Conselho de Segurança, mas o órgão executivo das Nações Unidas remeteu o caso para o Tribunal da Haia.

Mossadegh desenvolveu nesses meses uma atividade frenética em defesa da soberania iraniana. Esteve primeiro nos EUA e o seu discurso na ONU teve tamanha repercussão que a revista conservadora Time Magazine o nomeou Homem do Ano em 1951. Viajou depois para a Holanda e pronunciou um discurso histórico no Tribunal de Haia. A sua intervenção foi decisiva para o veredicto daquela alta corte de justiça. O tribunal concluiu que não tinha competência para julgar a denúncia da Grã-Bretanha.

De regresso a Teerão, Mossadegh fechou os consulados britânicos, expulsou todos os técnicos ingleses e rompeu as relações diplomáticas com o governo de Londres.

Restituíra ao Irão a dignidade perdida há séculos e o povo identificou nele um herói.

O golpe

O governo britânico, apoiado pelo norte-americano Truman, decidiu recorrer a métodos drásticos para afastar Mossadegh do poder. Intrigando junto do Xá, criou um conflito entre o monarca e o primeiro-ministro. Mossadegh foi demitido em julho de 1952, mas essa decisão provocou tamanha indignação popular, com manifestações de protesto nas ruas, que o Xá o nomeou novamente primeiro-ministro.

Fortalecido pelo apoio popular, pediu poderes especiais ao Parlamento para levar adiante 80 projetos de lei que beneficiariam as massas, esmagadas pelas engrenagens de uma sociedade arcaica.

Obteve-os. Mossadegh introduziu nos meses seguintes reformas revolucionárias que envolveram as finanças, o orçamento, a saúde pública, a justiça, as pescas, a habitação, a previdência social, as comunicações, as forças armadas. Reformas nunca imaginadas numa sociedade islâmica marcada por heranças feudais.

Os acontecimentos precipitaram-se. O governo de Churchill comprou dezenas de deputados para sabotar a política de Mossadegh. Este reagiu convocando um referendo no início de agosto de 1953 para dissolver o Parlamento. O povo iraniano votou a dissolução por ampla maioria.
A conspiração, entretanto, estava já muito avançada. No dia 15 houve uma tentativa de golpe de Estado promovida pelo Parlamento.
Fracassou e o Xá fugiu para Roma.

Mas a CIA, que contava com todo o apoio do governo britânico, que pedira a colaboração de Truman, montara quase simultaneamente o seu golpe com colaboração do exército. Foi precedido de manifestações de rua com a participação de agentes provocadores e de ações de vandalismo no contexto de uma campanha de calúnias contra Mossadegh.

E esse segundo golpe teve êxito. Preso, Mossadegh foi julgado sumariamente por um tribunal militar que o condenou a três anos de prisão e, posteriormente, a residência fixa na sua província.

O Xá regressou de Roma, e em tempo mínimo, as leis progressistas de Mossadegh foram revogadas. O grande beneficiário da mudança foi, porém, o imperialismo norte-americano. As grandes petrolíferas dos Estados Unidos, já então fortemente implantadas na Arábia Saudita e no Iraque, cobiçavam os hidrocarbonetos iranianos. E abocanharam uma grande fatia à custa da Anglo Iranian que reapareceu com o nome de British Petroleum.

Um nacionalista revolucionário

A Revolução iraniana de 1979 foi o desfecho da longa e cruel ditadura que, sob a liderança nominal do Xá Reza Pahlevi, se implantou no país após o golpe de 1953.

Recolonizado, o Irão foi o melhor e mais dócil aliado dos EUA no Médio Oriente. Durante um quarto de século, os gigantes transnacionais do petróleo foram no país o poder real.

O Ayatollah Komeiny não teria obtido o amplo apoio popular que lhe permitiu impor a sua República Islâmica xiita se o povo não sentisse uma repulsa tão forte pela arrogância imperial dos EUA e se não estivesse maduro para se rebelar contra o monstruoso regime policial do Xá.

A memória do breve governo revolucionário de Mossadegh permanece viva e funciona como um estimulante no confronto dos atuais governantes com Washington. Obama não esconde que os EUA não aceitam um Irão insubmisso.

Mas a ofensiva de desinformação estado-unidense que continua a apresentar Mossadegh como um defensor do socialismo deforma a realidade. Ele foi um patriota que amou profundamente o seu povo e tinha um grande orgulho pela contribuição civilizacional para a Humanidade dos Aqueménidas e Sassânidas persas e do século de ouro dos Safévidas. Mas, apesar de anti-imperialista irredutível, não contestava o sistema capitalista.

O persa Mohammad Mossadegh foi um humanista. Herdeiro de grandes latifúndios, distribuiu as suas terras pelos camponeses que as trabalhavam. E como primeiro-ministro ofereceu o seu vencimento a estudantes pobres de Direito.

Hoje é venerado como um herói pelo seu povo.

O Irão desconhecido

Contrariamente ao que pensam muitos portugueses, intoxicados por um sistema mediático perverso, o Irão não é um país subdesenvolvido.
Com uma superfície de 1 648 000 km2 (o triplo da França) tem uma população de 79 milhões de habitantes.

Herdeiro de grandes civilizações, o seu povo é o mais culto e educado do Islão, sendo muito baixa a percentagem de analfabetos.
Sociedade multinacional – somente 52% dos habitantes são persas – o idioma oficial, o farsi, é falado por toda a população. Foi durante séculos a língua da corte otomana e dos imperadores Mogóis da Índia.

O sector avançado da indústria é comparável ao de países como o Brasil e o México. Produz quase meio milhão de automóveis por ano, a maioria de marcas nacionais.

É o quarto produtor de petróleo do mundo e possui as maiores reservas de gás natural. Auto-suficiente na produção de cereais, conta com rebanhos bovino e ovino de muitas dezenas de milhões de cabeças.
Tive a oportunidade numa viagem de carro pelo planalto iraniano de passar em frente das instalações nucleares de Natanz. Soube ali que estão protegidas por mísseis sofisticados, de produção nacional, capazes de atingir Israel.

Os generais do Pentágono admitem que bombas convencionais serão provavelmente ineficazes se utilizadas contra os bunkers subterrâneos de Natanz.

*Este artigo foi publicado no “Avante!” nº 2078, 26.09.2013


Intransigencias


Por a Comandante Alexandra Nariño

Se tivéssemos que definir numa palavra o comportamento e as atitudes do regime colombiano, tanto na mesa de conversações de Havana como no território colombiano, essa palavra seria Intransigente. No dicionário, intransigente é definido como "que não transige". Transigir, por sua vez, vem do latim transigere e significa "consentir em parte com o que não se crê justo, razoável ou verdadeiro, a fim de acabar com uma diferença. Intransigente, portanto, poderia ser definido como "dito de uma pessoa que não faz concessões".

E é precisamente essa a atitude do governo colombiano: intransigente. A elite colombiana havia montado um filme triunfante, pensando que haviam "obrigado" a guerrilha a sentar-se à mesa, e que seria uma questão de meses, umas promessas vagas de leis transitórias e – oxalá – uns bombardeios bem apontados, para conseguir sua capitulação final. Os "nãos" do governo faziam eco no Palácio das Convenções [1] e ressoavam nos rincões da Colômbia e do mundo.

  • Não à presença de Simón Trinidad na Mesa...
  • Não ao cessamento de fogo bilateral...
  • Não às mudanças no sistema económico...
  • Não à constituinte...

  • Não à participação cidadã em todos os momentos do processo...

    Agora, uns meses depois, a intransigência governamental levanta-se como um muro espesso, blindado, em torno dos camponeses e sectores populares nas estradas e praças públicas da Colômbia. Um muro, construído de tijolos – "não-há-dinheiro" e "estão-pedindo-o-impossível", colados com o cimento da criminalização e da repressão violenta. Os colombianos comuns estão a pedir investimento em saúde, educação, habitação, revisão dos TLC [2] , políticas justas para os pequenos e médios mineiros, o exercício real dos seus direitos políticos...

    Na Mesa de diálogos, alguns destes temas estão nas denominadas "salvaguardas" e ficaram adiadas para poder dar continuidade à busca da Paz. Contudo, o povo nas estradas está a enviar uma mensagem de urgência ao país e ao mundo. "Daqui não nos vamos até que se nos solucione nossa situação". É assim simples. A miséria, a fome e o abandono não dão trégua.

    Não há escapatória, presidente Santos. Para onde vá, para onde olhe, vai encontrar o mesmo clamor, as mesmas exigências: políticas económicas soberanas, baseadas no bem-estar dos colombianos, participação política real e efectiva dos cidadãos em todos os espaços, democratização das estruturas estatais... Não porque as FARC-EP estejam a "utilizar" os pobres e ingénuos camponeses colombianos; por que procurar o afogado rio acima?

    Se o inquieta o facto de que as propostas das FARC-EP em Havana se pareçam muito às reclamações dos camponeses, mineiros, arrozeiros, cultivadores de café e outros sectores, eis aqui a explicação: as FARC-EP tentam ser um canal de expressão para os colombianos comuns. Temos acolhido suas propostas, que nos chegam através dos diferentes fóruns, fizemo-las nossas, para apresentá-las na Mesa de Diálogos. Mas que fique entre nós.

    A intransigência não soluciona e as promessas não convencem. Dizer que tudo vai ser melhor, que os colombianos serão escutados, que os problemas serão solucionados, que os programas serão implementados, num cenário de "fim de conflito", ou seja, depois da entrega de armas, é como o fumador empedernido a dizer que vai deixar de fumar enquanto acende, agora sim, o último cigarro. Se queremos fazer germinar o bem e sair do sulco das dores, há que começar desde já.
    [1] Palácio das Convenções: edifício em Havana onde decorrem as negociações entre o governo colombiano e as Forças Armadas Revolucionárias da Colômbia.
    [2] Tratados de Livre Comércio


    [*] Integrante da delegação das FARC-EP às conversações de paz.

    O original encontra-se em www.pazfarc-ep.org/...


    Este artigo encontra-se em http://resistir.info/ .
  • “Tanta retórica o que faz é causar danos, Santos”


    O Presidente Santos respondeu calculando cada palavra ao se referir em Nova Iorque às ofertas de colaboração feitas pelo Presidente José "Pepe" Mujica. Não obstante agradecer a proposta do território uruguaio como possível sede, o primeiro mandatário colombiano preferiu não adiantar nada sobre diálogos com a guerrilha do ELN. Neste tipo de situações é preciso ser muito prudente. As decisões são tomadas de comum acordo, disse Santos.

    Vale a pena acreditar que para o Presidente Santos esta última frase deve inspirar também os diálogos com as FARC As decisões, os acordos hão de ser produto do consenso. Não se pode pretender estar sentado em uma mesa de conversações e que somente o que uma das partes defenda mereça atenção. Se como prega repetidamente Santos, conversa-se é com o inimigo, se a paz consiste em estender pontos entre contrários, os modelos ecônomico e de democracia, verdadeiras causas da confrontação social e armada, necessariamente devem ser modificados.

    Nas mais recentes intervenções do Presidente Santos, seu discurso aponta para destacar com uma grave e irresponsável distorção de que o conflito armado colombiano, a guerra, essa que passou a chamar de mula ou vaca morta atravessada no caminho, é atribuível de maneira exclusiva à insurreição. O terrorismo de Estado, as execuções extrajudiciais, o paramilitarismo, o êxodo forçado e demais horrores, segundo ele, são  atribuíveis somente a nós. Os interesses norte-americanos, a oligarquia colombiana, seus forças armadas, suas políticas antipopulares e violentas, sua corrupção e suas repressões são completamente alheios e inocentes.

    Se é verdade que várias gerações de colombianos não conheceram um só dia de paz na vida, muito menos se pode desconhecer que o pior da existência coube sempre aos setores mais pobres, à imensa maioria e não exatamente às famílias engomadinhas que durante mais de um século conduziram o país para benefício de setores minoritários. Que Santos pai o filho tenham prestado seu serviço militar na Marinha ou no Exército. isto está muito longe de serem comparados com os humildes colombianos que arriscam a vida no campo de batalha. As odiosas distinções de classe e os privilégios perversos não desaparecem com frases enternecedoras.

    O fechado regime bipartidarista, a violência selvagem em que lançou suas raízes desde a primeira metade do século XX, incitada por famílias como os Santos, segundo suas próprias e espantosas revelações recentes, a brutal distribuição da terra que se prolonga até os inícios deste século, as políticas econômicas dirigidas a favorecer sempre a banqueiros, empresários, fazendeiros e companhias estrangeiras às custas do aviltamento da vida dos trabalhadores e camponeses, a militarização crescente. a criminalização da luta social, o vandalismo policial, a conjunção de corrupção, narcotráfico e paramilitarismo, o extermínio da União Patriótica e dos setores mais destacado do movimento sindical, camponês e popular, a guerra suja, os crimes cometidos pelas forças armadas em nome da contra-insurgência, o capitalismo selvagem implementado no país com as políticas neoliberais; para a oligarquia governante nenhum desses fenômenos da vida colombiana guarda relação alguma com o conflito armado existente no país. De modo que basta nossa vontade para por fim a tudo.

    O que temos afirmado como FARC desde o começo das aproximações com o atual governo é que, para por fim definitivamente ao conflito, é necessário remover todas essas causas reais da confrontação. Após um longo processo denominado de Encontro Exploratório, assinamos com o governo nacional um Acordo Geral que todo mundo conhece. Quando o fizemos, as duas partes coincidimos em que o desenvolvimento dos pontos da agenda acordada seria cumprido no espírito das distintas considerações que integraram seu preâmbulo. No entanto, nossos delegados sempre topam com a atitude governamental de considerar que o Acordo só compreende os pontos da Agenda aos quais, além disso, insistem em outorgar tal restrição, que somente o que eles levam à Mesa merece ser considerado.

    Cumpridas as coisas dessa maneira, e isso já foi explicado amplamente pelos nossos porta-vozes, o governo nacional insiste em suas imposições unilaterais. Já conta com seu marco legal para a paz, um modelo de justiça transicional esboçado sem contar com a nossa opinião para nada e que, além disso, o Presidente Santos o promove até nas Nações Unidas como a única fórmula que considera válida para os pontos sobre vítimas e participação política. Já tem pronta sua lei de referendo para referendar os acordos finais. Afirma que, uma vez desmobilizada, a guerrilha deverá mudar de lado e se somar à política estatal de erradicação de cultivos ilícitos, porque ele decidiu assim, antes de tratar do tema nos fóruns respectivos e na Mesa de Diálogos. De modo que a responsabilidade pelo conflito deverá ser toda assumida por nós.

    E, além disso, pressiona com a conversa fiada de que o tempo e a paciência dos colombianos estão se esgotando. Os protestos, as passeatas e as paralizações recentes demonstram que isso pode ser verdade,mas não no sentido que aponta o Presidente. Seu tal Pacto Nacional pelo Agro não passa de mais um de seus "falsos positivos". Os problemas, a inconformidade e a rebeldia continuam vivas. O que encurta, na realidade, é o tempo para definir sua candidatura à reeleição, e é evidente seu afã de exibir para o país um acordo de paz. Mas nem sequer por isso assume uma posição que facilite a negociação. Somos nós os que devemos ceder a seus afãs e assinar o quanto antes o que ele quer. Volta a nos chamar de terroristas, ufana-se de haver derramado nosso sangue como ninguém nos últimos cinquenta anos e exibe em cada mão a cabeça de um membro do Secretariado das FARC.

    Postas assim as coisas, cada gesto nosso de reconciliação significa debilidade. Haver passado sobre o cadáver do camarada Afonso Cano, o fato de termos aceitado os dois enviados ao primeiro encontro quando não eram os que oficialmente nos haviam dito; até nossa sincera vontade de assinar uma paz digna e justa é interpretada como o resultado da derrota militar. E o que dizer da proposta de cessar fogos bilateral. E de cada uma das propostas à Mesa. Ainda a estas alturas, três anos depois de fracassar com sua operação militar Espada de Honra e de sua Prosperidade Democrática, e apesar de suas manifestações para encontrar uma saída política, Santos, alucinado, confia que pode nos submeter com grunhidos. Já estamos muito velhos para isso. A chave está em consensuar, em mudar para melhor essa atitude arrogante e mesquinha.
    Enquanto isso acontece, diante de tão grande ofensiva discursiva e midiática contra nós e o que acontece na Mesa de Diálogos, com o exclusivo propósito de que o país e o mundo conheçam verdadeiramente o que ocorre, decidi autorizar os nossos porta-vozes em Havana a elaborarem um informe ao povo colombiano. Temos uma grande responsabilidade perante ele, e tanta retórica o que faz é causar danos, Santos.

    TIMOLEÓN JIMENEZ
    Chefe do Estado Maior Central das FARC-EP

    25 de setembro de 2013.

    sexta-feira, 27 de setembro de 2013

    Pepe Mujica: “deus mercado organiza a economia e a felicidade”


    Aos jornais uruguaios, Mujica prometera um “discurso exótico” e de fato, fugiu do protocolo ao dizer que “tem angústia pelo futuro” e que nossa “primeira tarefa é salvar a vida humana”. Sou do Sul e “carrego inequivocamente milhões de pessoas pobres na América Latina, carrego as culturas originárias esmagadas, o resto do colonialismo nas Malvinas, os bloqueios inúteis a Cuba, carrego a consequência da vigilância eletrônica, que gera desconfiança que nos envenena inutilmente. Carrego a dívida social e a necessidade de defender a Amazônia, nossos rios, de lutar por pátria para todos e que a Colômbia possa encontrar o caminho da paz, com o dever de lutar pela tolerância.”
    A humanidade sacrificou os deuses imateriais e ocupou o templo com o “deus mercado, que organiza a economia, a vida e financia a aparência de felicidade. Parece que nascemos só para consumir e consumir. E quando não podemos, carregamos a frustração, a pobreza, a autoexclusão”. No mesmo tom, ressaltou o fracasso do modelo adotado no capitalismo: “o certo hoje é que para a sociedade consumir como um americano médio seriam necessários três planetas. Nossa civilização montou um desafio mentiroso”. 

    Para o mandatário, que já havia surpreendido o mundo com seu discurso durante a Rio+ 20, criamos uma “civilização que é contra os ciclos naturais, uma civilização que é contra a liberdade, que supõe ter tempo para viver, (…) é uma civilização contra o tempo livre, que não se paga, que não se compra e que é o que nos permite ter tempo para viver as relações humanas”, porque “só o amor, a amizade, a solidariedade, e família transcendem”. “Arrasamos as selvas e implantamos selvas de cimento. Enfrentamos o sedentarismo com esteiras, a insônia com remédios. E pensamos que somos felizes ao deixar o humano”.

    Mujica defendeu a utilidade da produção de recursos no mundo: temos que “mobilizar as grandes economias não para produzir descartáveis com obsolescência programada, mas para criar coisas úteis para a população mundial. Muito melhor do que fazer guerras. Talvez nosso mundo necessite de menos organismos mundiais, destes que organizam fóruns e conferências. E que no melhor dos casos ninguém obedece”. “O que uns chamam de crise ecológica é consequência da ambição humana, este é nosso triunfo e nossa derrota”.

    E defendeu que é através da ciência e não dos bancos que o planeta deve ser governado.

    Paz e guerra


    “A cada 2 minutos se gastam US$ 2 milhões em insumos militares. As pesquisas médicas correspondem à quinta parte dos investimentos militares”, criticou o presidente ao sustentar que ainda estamos na pré-história: “enquanto o homem recorrer à guerra quando fracassar a política, estaremos na pré-história”, defendeu o mandatário ao criticar a política da guerra.

    Assim, criamos “este processo do qual não podemos sair e causa ódio, fanatismo, desconfiança, novas guerras; eu sei que é fácil poeticamente autocriticarmos. Mas seria possível se firmássemos acordos de política planetária que nos garanta a paz”. Ao invés disso, “bloqueiam os espaços da ONU, que foi criada com um sonho de paz para a humanidade”.

    O uruguaio também abordou a debilidade da ONU, que “se burocratiza por falta de poder e autonomia, de reconhecimento e de uma democracia e de um mundo que corresponda à maioria do planeta”.

    “Nosso pequeno país tem a maior quantidade de soldados em missões de paz e estamos onde queiram que estejamos, e somos pequenos”. Dizemos com conhecimento de causa, garantiu o mandatário, que “estes sonhos, estes desafios que estão no horizonte implicam lutar por uma agenda de acordos mundiais para governar nossa história e superar as ameaças à vida”. Para isso é “preciso entender que os indigentes do mundo não são da África, ou da América Latina e sim de toda humanidade que, globalizada, deve se empenhar no desenvolvimento para a vida”.

    “Pensem que a vida humana é um milagre e nada vale mais que a vida. E que nosso dever biológico é acima de todas as coisas, impulsionar e multiplicar a vida e entendermos que a espécie somos nós” e concluiu: “a espécie deveria ter um governo para a humanidade que supere o individualismo e crie cabeças políticas”.


    quarta-feira, 25 de setembro de 2013

    Camaradas guerrilheiros, milicianos, militantes do Partido Comunista Clandestino e do Movimento Bolivariano e massas que nos apoiam nos campos e cidades:

    Hoje, com motivo da comemoração do terceiro aniversário da queda em combate do Comandante Jorge Briceño, desejamos trazer uma vez mais à memória coletiva a recordação de quem foi um dos mais  destacados e aguerridos combatentes farianos, fiel expoente dos melhores valores do camponês colombiano, de sua legendária capacidade de resistência e de luta contra a violência do regime.

    Os campos da pátria não conheceram um só dia de paz desde os inícios da nossa nacionalidade. Talvez mais além, desde quando cinco séculos atrás os invasores europeus desembarcaram nas costas destes territórios sem nome, com toda sua carga de ambições, violência, ódio e perfídia. Ali começou esta tragédia que não cessa, que ainda hoje, 527 anos depois, exige justiça pela terra violentada de seus donos originários, de seus habitantes arruinados e empobrecidos. Isto explica porque nas entranhas dos campos se cozinha lenta, mas inexoravelmente, o fermento da dor e da raiva acumulada.
     

    Daí brotou o levantamento comuneiro. Também quando indígenas, escravos e camponeses pobres reunidos no exército popular, sob a genial condução do Libertador Simón Bolívar, fizeram nascer a primeira independência. E do campo brotaram as guerrilhas que, enfrentando a brutal arremetida latifundiária de meados do século XX, deram origem ao formidável movimento camponês que, anos depois, cristalizaria-se nas FARC. Não é, portanto, gratuito que, agora mesmo, do campo tome alento e comece a se generalizar o repúdio à atual investida neocolonizadora que, como "locomotora mineira", projetos agroindustriais, minero-energético e tratados comerciais, se ensanhe de novo contra o campo, os camponeses e todo o povo colombiano.

    O campo da nossa pátria pariu filhos dignos dela. Um deles foi o nosso Comandante Jorge Briceño, nascido na região de Sumapaz, a histórica comarca que nos anos cinquenta do século passado foi exemplo de coragem e luta camponesa. Essa mesma bravura e dignidade se descobre hoje nos filhos do Catatumbo, do Cauca, de Nariño, de Boyacá, de Cundinamarca, do Huila, do Caquetá, da Orinoquia, de Antioquia, da Costa, de todos os rincões da Colômbia que hoje se juntam para testemunhar sua rebeldia, sua inconformidade, sua decisão de assumir a qualquer preço a defesa de seus territórios, de sua terra, do fruto de seu trabalho, de suas vidas.
     

    Por isso se equivocam o Presidente Santos e seus jovens burocratas ao pensarem que com ação de força ou enganações vão deter o que já é um claro sinal de esgotamento do modelo de dominação e de exploração do campo colombiano. Sua costumeira fórmula de repressão, divisão, cooptação e chantagem já não lhes serve mais. Isso se torna evidente com a própria dimensão da paralização agrária, da solidariedade recebida pelos camponeses em importantes setores urbanos, e a firma persistência do protesto.

    Equivocam-se, como aconteceu em 22 de setembro, há três anos, quando todo o
     Establisment passou a vaticinar o iminente desaparecimento das FARC. Hoje as FARC estão sentadas dignamente em Havana, semeando propostas para a solução civilizada para os múltiplos problemas do povo colombiano, começando pelos problemas do campo, com um pré-acordo parcial assinado, que poderia ser um acordo completo se existisse interesse e vontade real de paz do governo e das elites dominantes.

    E continuarão se equivocando enquanto acreditarem, que detrás de cada protesto, de cada colombiano que exige seus direitos, está o fantasma das FARC e não as reais condições de vida da população humilde que eles tanto desprezam. O Presidente Santos teve sua lição após negar repetidamente que existia uma paralização, além de enfrentar a indignação nacional expressada na solidariedade de todo o país ao justo protesto camponês.

    E tornam a se equivocar quando empregam o epíteto comum de que se tratam de desajustados, para se referir aos que expressam sua inconformidade e enfrentam com pedras os matadores do ESMAD (Polícia Antidistúrbios), ou quebrando vitrines como forma de repúdio a essa sociedade consumista que lhe oferece mercadoria às quais jamais terão acesso. Será que existe alguém que se nega a protestar nas condições em que vive a maioria dos colombianos?

    Cada vida se torna mais evidente o temor das classes dominantes em relação à mobilização do povo. É o mesmo temor que demonstravam cada vez que o Comandante Jorge, com seu verbo irreverente, fustigava o regime e seus representantes. Como os atormentava esse rosto redondo de sorriso fácil, rematado por uma boina com a estrela dourada de cinco pontas. Por isso tanto ódio, tanta movimentação de força bruta e criminosa. Vã tentativa de apagar a luta, como se com mortos, com violência e ameaças fosse possível conseguir a paz de que a Colômbia necessita, a paz com justiça social e soberania.

    Essa paz, a verdadeira paz, foi a causa pela qual entregou sua vida o aguerrido Comandante Jorge Briceño. Essa, a mais nobre e a mais justa de todas as bandeiras: a libertação do nosso povo do domínio, da dependência e da exploração à que foi submetido há mais de cinco séculos. Causa que se reaviva nos milhares de jovens do campo e da cidade mobilizados pela defensa de seus direitos, que ratificam com a força de sua presença em estradas e ruas que as ideias do Comandante Jorge vivem junto com ele no coração de seu povo.

    Viva a memória do Comandante Jorge Briceño!
    Nascemos para vencer e não para ser vencidos!

    SECRETARIADO DO ESTADO MAIOR CENTRAL FARC-EP
    Montanhas da Colômbia, 22 de setembro de 2013

    terça-feira, 24 de setembro de 2013

    Feudalismo século XXI, ou governo democrático de coalizão popular

    Por Alberto Pinzón Sánchez

    UMA DAS TORPEZAS MAIS NOTÓRIAS de JM Santos e que demonstra seu talante ambíguo e embaraçado, tem sido a de impor como condição sine qua non para adiantar o processo de paz em Havana, um “esquema de negociar em meio à guerra” e, simultaneamente ou paralelamente, buscar, por todos os meios possíveis, que se faça realidade a velha obstinação do militarismo oligárquico colombiano de impedir que a insurgência não combine [segundo a orientação leninista] todas as formas de luta de massas. De massas, repito.
    Pois bem, a paralisação Agrária e Popular iniciada em 19 de agosto e que não terminou ainda, pôs a descoberto como critério prático de verdade a existência das mais variadas formas de luta de massas, praticadas pelo povo colombiano em sua luta contra a oligarquia consular que domina e governa na Colômbia:
    1.   Há luta armada, com todas as suas implicações deletérias, com a que se está enfrentando o plano estadunidense “Espada de Honra”, sucedâneo do desprestigiado Plano Colômbia. O enorme número diário de mortos e feridos das partes enfrentadas, apesar dos ocultamentos midiáticos, assim o demonstra.
    2.   Presenciamos todos os dias a intensa luta diplomática que se desenvolve [rodeada de água por todas as partes] na ilha de Cuba entre as partes enfrentadas, Estado Colombiano e Insurgência das FARC, para concluir o enfrentamento armado e avançar numa Solução Política ao velho e histórico conflito social e armado colombiano.
    3.   A Paralisação Agrária e Popular do povo Comum em sua marcha definitiva tem mostrado principalmente a infinita criatividade do povo colombiano, longamente massacrado pela “espada exterminadora do Estado”, como costumava dizer Francisco Mosquera, contra a qual se tem enfrentado mediante a maior mobilização legítima [não armada] de massas dos últimos cem anos na Colômbia. Mobilização Social e Popular da gente Comum que, como primeira conclusão superficial, na qual tírios e troianos estamos de acordo, é a de que MUDARAM TODAS AS REALIDADES POLÍTICAS DO PAÍS E SUA PERCEPÇÃO GERAL.
    4.   Porém, ademais do anterior, também ficou em evidência a intensa e variadíssima luta Política e Ideológica e até Cultural [aberta e clandestina] com que se está travando a confrontação de classes na Colômbia: os ponchos, as saias coloridas e sombreiros rústicos, os chapéus de palha, próprios dos moradores de estado de Antioquia, os bastões indígenas, as cachuchas operárias, os grafites juvenis, as faixas dos professores, os manifestos, análises de opinião e, sobretudo, as declarações políticas das organizações mobilizadas, assim o deixam ver, apesar de seu silêncio oficial.

    Quer dizer que o que o militarismo oligárquico de JM Santos e do regime que representa conseguiu ao tratar de impedir a utilização de todas as formas de luta populares e de massas é exatamente o contrário. É o bumerangue que, vacilante e embaraçado, está recolhendo.
    PORÉM, TAMBÉM É DEVER RECONHECÊ-LO, o peso do extermínio por parte do Estado da ferramenta política legal alternativa e popular é muito grande e tem deixado ver o espaço vazio que se abriu, e que é PRECISO preencher rapidamente, mediante uma avaliação objetiva e coletiva da conjuntura que se está dando e as mudanças aceleradas, especialmente na conjuntura eleitoral, pois é dever nosso interpretar as modificações para atuar rapidamente frente a elas, principalmente quando a Oligarquia Consular, que tem todos os meios para a medição da opinião pública, já percebeu e se dispôs ou se dispõe a manipular a situação a seu favor.
    Com isto, e contrariando pela primeira vez minha “inclinação profissional”, me aventurarei a dar alguns elementos HIPOTÉTICOS e tendenciais da tal conjuntura eleitoral, que afloram desde já:
    1.   Santos não se reelegerá. Ele sabe, porém manterá o blefe de sua reeleição como forma de incerteza eleitoreira da qual são mestres o cacique Iragorri Hormaza e seu Filho.
    2.   Se não remontam as pesquisas [daqui a novembro, coisa bastante difícil], Santos e sua unidade eleitoreira lançarão o autoritário, inimigo jurado da paz Vargas Lleras. A reativação do projeto Bom Governo e as figuras de proa que ali se meteram assim o demonstra.
    3.   O Partido Liberal não acompanhará Vargas Lleras e lançará seu candidato presidencial próprio.
    4.   O Partido Conservador se dividirá em três: Os que vão com Vargas Lleras e a geleia, os poucos que vão com o Cacique do Ubérrimo com seu programa do “Feudalismo Século XXI”, e os “contapropristas” de Pastrana que irão por conta própria.
    5.   A intercessão de Navarro, ao não chegar a acordos com outras forças, se farão contar sós.
    6.   O Polo-Moir que, através do senador Robledo, recolheu algumas simpatias nas classes médias citadinas por seu apoio à Paralisação Cafeeira e soube transferi-las para a candidatura da senhora Clara López [quem, entre outros, tem um excelente slogan presidencial de paz, justiça social, democracia e soberania], o mais provável é que trate de consolidar sua tendência dominante de converter-se num partido parlamentar.
    7.   “O Feudalismo Século XXI” de Uribe com seus poderes fáticos, como já se sabe, lançará algum de seus pajens conhecidos.
    8.   Os demais partidos pequenos dividirão suas lealdades entre as alternativas com mais possibilidades de ganhar.
    9.   E no campo alternativo popular [essa é a expectativa] se fará um debate interno que está em Marcha para esclarecer sua participação na conjuntura eleitoral aberta através da composição de uma ampla frente de convergência sobre os quatro pontos programáticos expostos no debate interno:
    a)   Apoio irrestrito à Solução Política ao conflito armado Colombiano e ao processo de paz de Havana,
    b)   Referenda do acordado e saída da crise mediante uma Assembleia Nacional Constituinte,
    c)   Promoção de um modelo econômico novo e alternativo de desenvolvimento para a Colômbia e
    d)   Composição de um Governo Democrático, Pluralista de Coalizão Popular.

    No entanto, a pergunta é: Em meio à utilização de todas as formas de luta de massas que se estão dando atualmente na realidade colombiana, quais dois candidatos presidenciais passarão ao segundo turno? ... Em qualquer caso, ficar em segundo lugar é perder.

    Então, conscientes da importância histórica da brecha que se abriu na muralha oligárquico-Imperial da Colômbia, onde pela primeira vez, em muitos anos, se pode avançar realmente sem que se nos torne a passar o que sucedeu com Jorge Eliécer Gaitán, é indispensável que, como costumava nos dizer nosso professor na Faculdade de Ciências Humanas da Universidade Nacional de Bogotá, o sacerdote Camilo Torres, “Comecemos já A Unidade Popular na Colômbia é possível”.