"A LUTA DE UM POVO, UM POVO EM LUTA!"

Agência de Notícias Nova Colômbia (em espanhol)

Este material pode ser reproduzido livremente, desde que citada a fonte.

A violência do Governo Colombiano não soluciona os problemas do Povo, especialmente os problemas dos camponeses.

Pelo contrário, os agrava.


quinta-feira, 31 de julho de 2014

Timoleón Jiménez, Comandante-Chefe das FARC, põe Santos contra a parede: Quem responderá pelo crime atroz de Alfonso Cano?


O Presidente Santos tem se dedicado a repetir que a ordem de execução foi emitida diretamente por ele após ter sido consultado a respeito.

Na noite de 4 de novembro de 2011 a Colômbia e o resto do mundo foram surpreendidos pela notícia da morte do Comandante Alfonso Cano após uma operação militar no estado do Cauca. Sucessivamente foram saindo à luz os pormenores do acontecido, descrito como um intenso bombardeio aéreo, acompanhado de uma longa metralhada, que terminou deixando isolado e indefeso o chefe guerrilheiro desde as primeiras horas da manhã.
Nessas condições, as forças especiais e as tropas que desembarcaram dos helicópteros artilhados terminaram por localizar ao Comandante das FARC, quando se encontrava solitário no meio do terreno coberto de ervas ruins. Disso existem numerosas evidências, fornecidas à imprensa por diversos porta-vozes oficiais. Se sabe pelo mesmo que, no momento de enfrentar-se com a morte, o martirizado líder revolucionário se encontrava em absoluto estado de indefensabilidade.
Em conformidade com a opinião de numerosos assessores e expertos nas diversas vertentes do direito internacional, nessas circunstâncias, um numeroso grupo de combatentes treinados com rigor nas mais exigentes situações da guerra, viriam a compor uma força absolutamente desproporcional ante um adversário impotente. Alfonso Cano deveria ter sido capturado e entregue aos juízes para ser submetido a uma causa penal com adequação às leis.
Assim o expressou com inusitada coragem civil monsenhor Monsalve, arcebispo de Cali, uns tantos dias depois de acontecidos os fatos. Desde logo que atrever-se em Colômbia a levantar um dedo acusador contra as forças militares e o governo nacional gera a imediata avalanche do sem-número de defensores da ordem estabelecida, encabeçados como sempre por algum general furioso e a fixação de comentaristas e editorialistas da grande imprensa apegados ao crime.
Para que qualquer outro cidadão que tente posar de herói relembre de imediato a sua família e aos interesses pessoais antes de atrever-se a expor sua própria vida ao perigo. Que assim é este país, provam-no milhões de vítimas. E uma insurgência armada com mais de meio século de história. Os guerrilheiros podemos dizer o que está vedado à maioria intimidada, e é por isso que procedo a referir aqui o que tanta gente comenta em voz baixa.
O Presidente Santos, após conhecer a notícia, não só reconheceu ter chorado de felicidade ao inteirar-se como também que, à medida que sua soberba foi crescendo, se dedicou a publicar que a ordem havia sido emitida diretamente por ele depois de ter sido consultado a respeito. Em sua mais recente obsessão pela reeleição, repetiu-o muitas vezes, incluído o dia 13 de junho de 2014, ante as câmeras de televisão, após o qual encenou um arrebatamento de satisfação.
Dizem os que sabem que a primeira obrigação que um Presidente adquire ao tomar posse é a de cumprir e fazer cumprir a Constituição Nacional e as leis da República, das quais fazem parte os tratados e convênios internacionais subscritos pelo país. E expressam também os sérios interrogantes que gera a pobre argumentação presidencial segundo a qual sua ordem de matar Cano obedeceu ao fato de que estamos em guerra. Reiterada confissão que exclui dúvidas.
Fundamentam sua argumentação em disposições como estas. O artigo 4 do Protocolo II adicional aos Convênios de Genebra, de obrigatória aceitação nos conflitos armados sem caráter internacional, dispõe que quem tenha deixado de participar nas hostilidades tem direito a que se respeite sua pessoa e a ser tratado com humanidade em toda circunstância. Expressamente proíbe ordenar que não haja sobreviventes. Por acaso Alfonso não era?
O mesmo Protocolo dispõe sobre a disposição de matar por fora do combate. O qual envolve, por elementar lógica, dar a ordem de fazê-lo. Por outro lado, se recorda que o artigo 145 do Código Penal Colombiano considera como um ato de barbárie matar feridos ou enfermos. Cabe incluir aqui a um solitário Alfonso Cano, sobrevivente de um brutal bombardeio e metralhada, aturdido e quase cego, reduzido e rodeado pela enorme tropa inimiga?
Por sua parte, a ordem de não deixar sobreviventes é elevada à categoria de crime de guerra no Estatuto da Corte Penal Internacional, artigo 8, numeral 2, literal I, que frequentemente é invocado pelo governo colombiano como advertência jurídica contra a insurgência, enquanto norma de obrigatório acatamento em nosso país. E que dizer do literal VI, que considera um crime privar um prisioneiro de guerra de seu direito a um julgamento legítimo e imparcial?
O Presidente Santos e seus assessores deveriam levar em conta que a Convenção Americana de Direitos Humanos ou Pacto de San José de 1969 só admite a pena de morte como consequência de uma sentença judicial devidamente executoriada, emitida por tribunal competente, em conformidade com uma lei anterior que estabeleça tal pena e ditada com antecipação ao delito que se imputa.
Sem mencionar a Constituição Nacional de 1991, tão esgrimida por seus defensores como máxima consagração democrática na história de nosso país, em cujo artigo 11 se consagra a inviolabilidade do direito à vida e a proibição da pena de morte. É claro que tão formais garantias não passam de ser uma fórmula propagandística num Estado que assassina oficialmente, com premeditação e traição, porque essas são, segundo o Presidente, as regras do jogo.
O Presidente Santos reconheceu, ante a opinião pública, que efetivamente deu a ordem de executar extrajudicialmente um prisioneiro de guerra ferido, desarmado e fora de combate, com o que, ademais, adiantava conversações para iniciar um processo de paz. O Presidente dirige constitucionalmente a força pública e dispõe dela como comandante supremo, assumindo inclusive se considera conveniente a direção das operações de guerra.
Deste e dos inumeráveis crimes sucedidos neste país haverá que tratar nos debates que sobre o tema de vítimas se iniciará proximamente em Havana. Os crimes de Estado configuram uma nefasta tradição em Colômbia e são eles os causadores diretos da prolongada e heroica rebeldia armada de milhares de colombianos. Na Mesa nos traçamos como máxima que não chegamos para pactuar impunidades. Estará Santos disposto a responder por seu crime confesso?


Montanhas de Colômbia, 27 de julho de 2014.

"Por que não vou combater em Gaza"


Entrevista com o "refuznik" Gilad: parte insubordinada da população de Israel que, para não colaborar com os massacres de Gaza, se dispõe a anos de prisão.


Chama-se Gilad, tem 32 anos, habita em Tel Aviv, é reservista do exército e fugiu para a Holanda, na terça-feira, dia 22, cinco dias depois de ter recusado a convocatória do exército israelita para se juntar às tropas que agora combatem em Gaza. A partir dessa data, faz parte dos chamados "refuznik", um movimento que foi crescendo ao longo dos últimos anos. Gilad corre o risco de vários anos de prisão, quando voltar para Israel. Quando aceitou realizar a entrevista, enviamos-lhe o questionário por e-mail, na quarta-feira (23) à tarde. Estas são as suas respostas.

Por que desertou?
Tomei a decisão de forma apressada. Abandonei o país cinco dias depois de ter sido convocado para o exército. Cinco dias durante os quais tratei de explicar aos meus superiores as razões da minha recusa em implicar-me numa campanha militar sanguinária, que se podia ter evitado facilmente e cujas principais vítimas são civis. De maneira pouco surpreendente, estas explicações não os impressionaram. Nenhum exército permitiria a insubordinação.

Estou disposto a ir para a prisão, mas espero estar ausente durante o conflito, aguardando ser julgado, quando o espírito militarista dos tempos de guerra se acalmar, o que poderá ser favorável. Mesmo assim, não tenho a certeza se no final poderá acontecer-me o contrário e ser prejudicado.

Quando o exército foi buscá-lo a casa, justamente na véspera dos cancelamentos dos voos das companhias internacionais sobre Tel Aviv, já tinha partido para a Europa. Conte-nos como foi a fuga.
Não há muito que contar: foi-me transmitido um ultimato, uma hora limite para entrar no quartel e enquadrar-me na minha unidade; e eu apanhei o último voo antes que expirasse o prazo (talvez por isso, não tenha sido parado na fronteira). O exército foi buscar-me a casa, umas horas depois, mas eu já estava na Europa.

Onde e em que tipo de unidade realizou o serviço militar (em Israel, dura três anos)? Durante o mesmo, esteve na Cisjordânia e em Gaza? Se foi assim, que sentimentos, que análise faz dessa experiência?
Realizei o serviço militar numa divisão blindada situada na Cisjordânia, durante o apogeu da IIª Intifada. Era jovem e, nessa época, a análise que fazia da situação não era tão clara como a que faço agora. Era consciente que Israel tratava de maneira injusta e injustificável os palestinos, mas acreditava – e continuei a acreditar, anos depois de concluir o meu serviço militar – que se tratava de um lapso nos processos de paz. Pensava que Israel estava interessado em pôr fim a este longo conflito e que, uma vez superados os riscos para a segurança israelita, se poderia dar aos palestinos a sua independência e os seus direitos.

Os anos posteriores ao fim da segunda Intifada foram caraterizados por uma calma quase sem precedentes na Cisjordânia - por parte dos palestinos, a troco de nada. Convenceram-me que o único interesse de Israel é intensificar a colonização dos territórios palestinos, aumentar a opressão do povo palestino e suprimir de forma brutal todo o tipo de resistência.

Que pensa do atual conflito? Considera que é necessário?
O conflito atual é absolutamente desnecessário.

O governo israelita tinha muitas formas de distender o conflito com o Hamas, ainda que, na data de hoje, não seja possível um acordo definitivo. Depois da queda da Irmandade Muçulmana, no Egito, e da precária situação de Bachar al-Assad, na Síria – os dois principais patrões do Hamas – este movimento está muito debilitado. Tanto assim, que aceitou colaborar com a Al Fatah num governo de unidade nacional fazendo importantes concessões (entre elas, outorgar a Mahmoud Abbas o mandato de continuar as conversações com Israel).

Em vez de aproveitar esta oportunidade para moderar o Hamas e reforçar os partidários da paz na direção palestina, Israel fez o contrário, desengajando-se do processo de paz. E não é a primeira vez que atua desta forma.

Mas, mais geralmente, o Hamas deu provas de ser um grupo confiável, que respeitava todos os cessares-fogo anteriores. Poderia ter sido assinado um acordo parecido poucos dias antes de eclodir este conflito, ainda que só pudesse sobreviver se acompanhado dum processo diplomático com Abbas, do qual Netanyahu foge como da peste. Mesmo que o regime palestino não seja democrático, a sobrevivência da liderança palestina depende da opinião pública: no momento em que o povo der conta que a abertura para com Israel não resultou, vergará os ombros ao Hamas. Na medida que não exista esse horizonte, alinha-se com o Hamas. É tão simples como isso.

Atualmente, qual é o problema para não servir no Tsahal (exército israelita) e, sobretudo, não ir para Gaza?
Sobretudo é não apoiar essas medidas brutais que, como tratei de explicar, poderiam ter sido evitadas facilmente. O que me incomoda é que a única política de Israel para com Gaza é a de massacrar a cada dois anos sem oferecer nenhuma alternativa. A morte de centenas de inocentes é horrível. Sobretudo quando pode ser evitada.

Considera o passo dado como um ato político?
Não, sobretudo trata-se dum ato moral, mas não pode ser desligado do contexto político. Não sou pacifista. Creio que, às vezes, guerras são necessárias. Mas as guerras que se realizam para compensar uma política desastrosa, em detrimento de inocentes, são imorais.

Sendo a primeira testemunha (de recusa) à ofensiva israelita, reconhece-se no movimento refuznik?
Não faço parte de nenhum movimento de refuzniks. Trata-se dum ato pessoal.

Que futuro vê para o conflito?
Não tenho nenhuma ideia. Creio que tanto o Hamas como Israel serão obrigados a pôr-lhe fim, mas esta previsão foi desmentida ao longo dos últimos 18 anos. Não obstante, qualquer que seja o fim, sem avanços diplomáticos haverá novas guerras. Por isso, oponho-me também à ineficácia a longo prazo desta campanha militar.

Que pensa das mais de 600 vítimas palestinas, das quais 80% são civis e, também, dos 28 soldados e dos três civis israelitas?
Evidentemente, trata-se dum conflito assimétrico. Israel dispõe de avançados meios de proteção e de agressão que os palestins não têm. O Hamas é um grupo cínico e extremista, que prefere a luta à segurança da sua população; consideram as vítimas como um sacrifício e os soldados mortos como uma vitória. É deplorável que Israel lhes dê de bandeja o que eles querem.

Como pensa voltar? Que riscos corre?
O exército é totalmente imprevisível. Dum lado, eu poderia ser julgado e condenado a uma pena de prisão. Mas disseram-me que o exército quer dar a menor publicidade possível aos refuznik, sobretudo pela amplitude que este fenômeno adquiriu. É possível que não queira fazer nada.
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Publicado em Mediapart. Tradução de António José André.

Nota do tradutor: Os refuznik são objetores de consciência israelitas que recusam servir o exército. Alguns deles recusam, sobretudo, servir nos territórios palestinos. O movimento nasceu, em 1979, quando Gadi Algazi recusou servir durante o seu serviço militar nos territórios ocupados da Palestina.

quarta-feira, 30 de julho de 2014

FARC-EP repudiam e condenam atos de barbárie do Estado de Israel contra o povo palestino


Por Delegação de Paz das FARC


Israel deve parar suas agressões criminosas contra a Palestina



Com profundo sentimento internacionalista e de solidariedade, as Forças Armadas Revolucionárias da Colômbia, Exército do Povo (FARC-EP) repudiam e condenam os atos de barbárie e terror que, de maneira sistemática e constante, o Estado de Israel vem realizando contra o povo palestino, onde os mais recentes bombardeios e assaltos geraram a morte de mais de 600 pessoas em Gaza e em torno de 3 mil feridos, entre os quais contam inúmeras crianças, mulheres e idosos.



Os brutais ataques aéreos e as criminosas operações terrestres devem ser suspensos imediatamente, e a reprovação das nações do mundo árabe deve se fazer sentir não somente contra o Estado sionista, mas contra governos que, como o dos Estados Unidos e o da Colômbia, as endossam e justificam. Estas infâmias devem parar e findar a agressão, a ocupação, os assassinatos e a matança em geram, ocorridas no território palestino.



As FARC-EP repudiam e condenam a política generalizada de terror contra o povo palestino e, em especial, a determinação e prática do governo de Benjamín Netanyahu, que prosseguiu e ampliou a expulsão dos palestinos de seu território ancestral a partir da pretensão de obrigá-los ao reconhecimento forçado de um Estado Judeu.



Além da perversa ocupação e despojo dos territórios ao nível atual, é evidente que estabelecer um marco político legal sob a definição de um Estado Judeu, aponta a instauração de um marco político geral para a expulsão étnica, religiosa e a definitiva evacuação ou aniquilamento mediante o bloqueio, a fome, os encarceramentos, os assassinatos seletivos ou massivos, a tortura e a infiltração de extremistas que brindem com mais justificativas para empreender mais represálias, ocupação e mortes.



O sionismo que domina Israel deve parar seus crimes de lesa humanidade realizados em Gaza, e o poder e influência sionistas nos Estados Unidos deve, também, suspender seu apoio aos atos criminosos que arruínam a Palestina, e que são crimes de guerra que merecem a reprovação internacional. A resposta palestina é uma justificada e legítima reação de defesa e sobrevivência.



Conclamamos a consciência democrática dos povos do mundo a repudiar e condenar as agressões atuais e os crimes contínuos que sofridos por este povo heroico. Também chamamos a exigir a retirada do exército de ocupação israelense, a libertação dos presos políticos e a derrubada dos muros de divisão, a suspensão do bloqueio, a detenção dos assentamentos e a colonização que viola as fronteiras acordadas em 1967, o cancelamento dos exercícios militares intimidatórios, assim como se deve propiciar e garantir para o retorno dos refugiados palestinos a seus lares.



Viva a resistência do povo palestino!







terça-feira, 29 de julho de 2014

O verdadeiro enfoque do ponto sobre as vítimas



Na Mesa de Conversações de Havana não contamos com mais forças que a das ideias, nem com mais armas que a da verdade.
Por Timoleón Jiménez, Comandante-Chefe das FARC
O tema de vítimas que será discutido proximamente na Mesa de Conversações de Havana gerou um bombardeio enorme contra as FARC-EP na grande imprensa. Inclusive, os que se esforçam por serem neutros, após advertir que a responsabilidade dos agentes estatais comprometidos judicialmente em condutas ilícitas também deve ser assinalada, terminam fazendo parte do coro geral segundo o qual os piores delinquentes somos nós.
Entre suas principais avaliações figura, sem dúvida, que a responsabilidade dos agentes do Estado tenderá sempre a ser individualizada, ovelhas negras ou bodes expiatórios, pelos quais o próprio Estado talvez, como pena máxima, será obrigado a responder patrimonialmente e a pedir perdão quanto a omissões ou erros, sem que isso implique nenhuma consequência jurídica ou política. Um dinheiro e uma placa para a memória bastarão para que nada mude em Colômbia.
Do lado do poder, desde logo. Porque do lado da rebeldia, sim, que haverá terminado tudo para sempre. Porque todos a uma partem de que nela as responsabilidades individuais não existem, pertencem a toda a organização e em graça de discussão a seus mandos ou dirigentes principais. Eles pessoalmente deverão dar cara a suas vítimas, contar-lhes toda a verdade, pedir perdão por seus crimes e aceitar cabisbaixos a pena mais ou menos generosa da sociedade condoída.
Todo o Estabelecimento aposta que seremos feitos picadinho. Desde já convidam o grande público à praça, a presenciar o espetáculo de ver arder na fogueira os piores inimigos da pátria. Assim que a questão para nós não é fácil, se trata em realidade de outro cenário do combate, tão desigual e assimétrico como o que se apresenta nos campos do país. Na Mesa não contamos com mais força que a das ideias, nem com mais armas que a da verdade.
Sabemos que farão quanto esteja ao seu alcance para silenciar-nos, para obscurecer os depoimentos que lhes resultem incômodos, para maximizar quanto resulte útil a seus propósitos. Porém, nos anima que não se trata de um debate inócuo entre a palavra deles e a nossa, senão que de uma exposição de fatos cumpridos, uma reconstrução histórica das origens e realidades do conflito, elaborada em conjunto com o povo colombiano, e na qual não temos nada que temer.
Somos guerrilheiros colombianos, militantes ativos de uma organização revolucionária que recém cumpriu cinquenta anos de luta invencível. Nos sentimos orgulhosos disso, não nos arrependemos nem sequer por um instante do feito. E jamais vamos fazê-lo. Porque nascemos e crescemos neste país que amamos como a nossa mãe, e ao qual desgraçadamente temos visto banhado em sangue e perseguições desde nossa infância. É isso o que combatemos sempre.
Poderosos terra-tenentes que contaram sempre com homens armados a soldo para impor sua vontade e desterrar pequenos proprietários de terras que cobiçavam para eles. Chefes políticos liberais e conservadores acostumados a exercer poder absoluto em regiões inteiras, dispostos a qualquer coisa para impedir o desenvolvimento de outras alternativas políticas. Abastados empresários incomodados com a organização sindical de seus trabalhadores e pagando por sua eliminação.
Reputadas companhias transnacionais subornando altos funcionários estatais com o objetivo de obter as melhores condições para o saqueio dos recursos do país, inimigas por convicção de qualquer indício de luta por condições dignas entre seus trabalhadores. Comandantes militares e chefes policiais corruptos sempre prestes a pôr suas tropas a serviço da causa de tais empresas, de tais terra-tenentes, de tais chefes políticos e de sua própria avareza.
O poder imperial dos Estados Unidos defendendo sua hegemonia no continente mediante intervenções e pactos militares, que sujeitaram a seus interesses as forças militares e policiais colombianas. Generais e tropas convencidos de que os partidos e movimentos de oposição, as organizações sociais e populares e qualquer outra expressão de inconformidade equivaliam a subversão a serviço da União Soviética, pelo que havia que exterminá-los a todos.
Preceitos constitucionais como o Estado de Sítio, ou legais como a justiça penal militar aplicada a civis, ou de defesa nacional que autorizam e desenvolvem a criação dos grupos paramilitares em Colômbia, sob a condução direta de mandos militares, tudo isso existiu em nosso país, e se prolongou com outras formas até nossos dias, desde muito antes de que houvesse brotado o primeiro movimento alçado em armas contra o Estado.
O regime antidemocrático e excludente característico de tão impudica confluência, que garantiu sempre o enriquecimento crescente e os privilégios a uma elite econômica, política e militar, e que se encarregou de abrir uma brecha de iniquidade social assombrosa, precisou da violência e a alimentou em proporções aterradoras, para manter-se inalterável e deter a geração de movimentos e grupos políticos que pudessem significar uma séria competição.
Por isso o crime de Jorge Eliécer Gaitán e a matança de quase meio milhão de colombianos na década dos cinquenta; por isso a presença absurda do Exército Nacional combatendo na Coréia, e sua conversão ao regressar ao país em força de choque mortal contra o comunismo e qualquer de seus supostos aliados; por isso a guerra declarada contra Villarrica e mais tarde contra as chamadas repúblicas independentes de Marquetalia, Riochiquito e demais.
Por isso a selvagem repressão contra as zonas rurais, dos sicários contra o movimento sindical e popular; por isso o florescimento das poderosas máfias do narcotráfico, sempre à sombra dos chefes políticos mais importantes do país, até o ponto de discutir-se hoje se foi que as máfias cooptaram os partidos políticos tradicionais ou estes aos narcotraficantes. Por isso também a aliança entre os grandes capos e altos mandos militares e policiais.
Por isso o extermínio miserável da União Patriótica e grande parte da direção política e social de oposição no país. Por isso a expansão do paramilitarismo com seus horrores hoje tão convenientemente lançados ao esquecimento, considerados já julgados próximos à reivindicação política. Por isso os espantosos massacres, os despedaçados com as motosserras, os lançados aos jacarés, as casas onde esquartejam as vítimas. Por isso os mais de seis milhões de deslocados e desterrados.
Por combater esse regime de terror estatal que deve se acabar, milhares e milhares de filhas e filhos deste povo entregam suas vidas nos campos e cidades da Colômbia. Milhares foram parar nos cárceres, milhares foram desaparecidos para sempre, devorados pelas torturas e pela brutalidade. Milhares estão inválidos, mutilados, escondidos para sempre dos sabujos do crime. Esses são as guerrilheiras e os guerrilheiros colombianos que Santos e Uribe sonham ter no pelourinho público.
Não vai e lhes saia o tiro pela culatra.
Montanhas de Colômbia, 26 de julho de 2014.

segunda-feira, 28 de julho de 2014

Pela suspensão do tratado de livre comércio do Mercosul com Israel


Por Emir Sáder

Em 2010 o Mercosul assinou um Tratado de Livre Comércio com Israel. Foi o primeiro Tratado desse tipo assinado pelo Mercosul com um país de fora da América Latina.
Foram exaltadas as boas perspectivas econômicas que o intercâmbio traria, sem nenhum outro tipo de consideração, de ordem política ou moral. Mas chegou o momento de colocar em discussão a pertinência desse Tratado, justamente quando na próxima terça-feira se reúne o Mercosul em Caracas e o tema da condenação de Israel por sua brutal ofensiva em Gaza foi proposto pelo Brasil.

O ex-presidente dos EUA Jimmy Carter, depois da sua visita à Palestina, publicou, em 2006, um livro que já no seu título, em 2006, apontava para o que acontece, de forma similar ao que ocorreu na África do Sul: “Palestina: paz e não apartheid. Porque se trata disso: de uma política de Israel que não somente impede que seja realidade a decisão da ONU de que os palestinos tenham um Estado da mesma forma que Israel, mas que além disso implementa uma política nos territórios ocupados que tem muita semelhança com a política do apartheid na África do Sul.

A forma como são tratados os palestinos tem um fundo explicitamente racista – que apareceu de forma ainda mais explícita em algumas manifestações agora, durante a nova ofensiva sobre Gaza. Quem conhece as formas como são tratados os palestinos na Cisjordânia não tem nenhuma dúvida de que há um componente fortemente racista na política israelense com os palestinos.

Mais ainda do que isso, os muros e os assentamentos que esquartejam os territórios ocupados os fazem se assemelhar aos bantustanes da África do Sul da era do apartheid. Cada vez mais se divide a Cisjordânia por novos assentamentos que não param de ser instalados, até que suas distintas partes não tenham mais contato entre si, sejam pedaços de territórios ainda mais isolados.

Em Gaza a situação é ainda muito pior: bloqueada desde 2008, é considerada o campo de concentração a céu aberto maior do mundo. A população vive um apartheid ainda pior, sem as condições mínimas de sobrevivência, cercada, fechada, aprisionada.

Não bastasse tudo isso, Israel se dedica, a cada tanto tempo, a bombardear, a invadir, a destruir a Gaza, com vários milhares de mortos, entre eles grande maioria de população civil, sobretudo de crianças, mulheres e idosos. Esta nova ofensiva genocida recebe a condenação mundial, Israel nunca esteve tão isolado, salvando-se apenas pelo voto dos EUA no Conselho de Segurança da ONU de sofrer sanções.

Os países do Mercosul debaterão uma posição comum diante de Israel na próxima terça feira em Caracas, posição que só pode ser a de suspensão do Tratado de Livre Comércio. Contra o apartheid sul-africano, o isolamento diplomático teve efeitos, mas muito mais teve o boicote econômico. Os EUA tinha o mesmo argumento de agora, de que essa atitude isola e dificulta negociações, etc., etc. Os mesmos argumentos que outros utilizam agora.

O Brasil só coloca exceções no comércio com Israel no caso de mercadorias produzidas nos assentamentos israelenses nos territórios palestinos. Mas é preciso avançar muito mais, para o boicote econômico, até que Israel cumpra a decisão da ONU, termine com a ocupação territorial, para que se instale o Estado Palestino, da mesma forma que existe um Estado de Israel. / 

Com apoio de Carta Maior











sábado, 26 de julho de 2014

Joaquín Pérez Becerra e o neofascismo colombiano


Por Miguel Urbano Rodrigues


A libertação de Joaquín Perez Becerra, fundador e diretor da Agencia ANNCOL, chamou nos últimos dias a atenção dos media internacionais para a Colômbia, o mais submisso aliado dos EUA na América Latina, apresentado pela propaganda como uma democracia, mas submetido na realidade a um regime neofascista.

Becerra fora preso em abril de 2011 no aeroporto de Maiquetia, na Venezuela, a pedido da Interpol, acusado de ser «o embaixador na Europa» das Forças Armadas Revolucionarias da Colômbia, FARC-EP.



A acusação foi forjada com base nos famigerados computadores do comandante Jorge Briceño (el Mono Jojoy) assassinado num bombardeamento selvagem do seu acampamento.



Extraditado para a Colômbia, não obstante ser cidadão sueco (tem dupla nacionalidade) com passaporte emitido em Estocolmo, Becerra foi condenado a 8 anos de prisão e permaneceu encarcerado no Presidio de La Picota durante três anos e três meses.



O Supremo Tribunal da Colômbia, após prolongada batalha judicial, reconheceu em acórdão de 17 de julho p.p. que as acusações eram falsas e ordenou a sua libertação imediata.



Na decisão daquela corte de justiça terá pesado a intensidade da campanha internacional que demonstrou a farsa da condenação do diretor da Anncol e exigia a sua libertação.



Em polémica com a revista Semana de Bogotá, Dick Emanuelsson, o subdiretor da Anncol, desmontou numa série de artigos a campanha que atinge a Agencia, sublinhando que o ex-presidente Uribe e o seu sucessor não perdoam a Becerra a luta travada para desmascarar a ditadura de fachada democrática que oprime o povo colombiano.



Cabe lembrar que a perseguição à Anncol atingiu tais proporções que a Agencia foi forçada a transferir a sede do seu sítio web da Suécia para a Dinamarca quando o governo de Estocolmo, cedendo a exigências de Bogotá, o bloqueou.



Alguns média europeus e latino-americanos identificaram na libertação de Joaquín Becerra um gesto que abre perspectivas favoráveis às negociações de paz que decorrem em Cuba.



É uma conclusão ingénua.



Porventura se registou nas últimas semanas alguma alteração na atitude do presidente Juan Manuel Santos perante o conflito que atormenta o povo colombiano?



Não. As esperanças de que isso acontecesse foram ilusórias. Consciente da aspiração à paz da esmagadora maioria dos colombianos, Santos defendeu durante a campanha eleitoral a continuidade do diálogo com as FARC nas conversações de Havana. Essa posição foi determinante para a derrota na segunda volta de Zuluaga, o candidato uribista da extrema-direita, defensor da escalada militar contra a guerrilha.



Mas, reinstalado na Presidência, Juan Manuel Santos esqueceu logo os compromissos eleitorais -incluindo a redução de impostos e uma nova política agrária- e retomou exigências inaceitáveis para as FARC, nomeadamente a de que condiciona a paz à deposição prévia das armas pela guerrilha.



É impossível esquecer que Santos, quando ministro da Defesa de Uribe, foi o autor intelectual e o organizador (com a CIA e a Mossad israelense ) do bombardeamento criminoso do acampamento do comandante Raul Reyes, em Sucumbio, violador da soberania do Equador. Obama continua a ver nele um aliado preferencial. Oito bases militares dos EUA no território colombiano expressam bem o seu status semi colonial. Alias, a Colômbia é depois de Israel o pais que recebe a maior ajuda militar de Washington. A ala ultra das Forças armadas (mais de 500.000 soldados e oficiais) é obviamente defensora da intensificação da guerra.



As conversações de Havana vão prosseguir. Mas que não haja ilusões: o governo de Santos não está empenhado em que o seu desfecho seja um Acordo global com a heroica guerrilha de Manuel Marulanda.



A paz não está próxima. Mas a libertação de Joaquín Perez Becerra- que já se encontra na Suécia - deve ser saudada como uma vitória das forças que lutam há décadas contra o neofascismo colombiano, por uma sociedade democrática e independente, um Estado soberano na nação fundada por Bolívar.

Esquivel, Chomsky, Rigoberta Menchú e outros 61 intelectuais exigem embargo militar contra Israel


Sessenta e três intelectuais exigem, em um comunicado conjunto, o embargo militar contra Israel. Entre os signatários encontram-se o Prêmio Nobel da Paz, da Argentina, Adolfo Pérez Esquivel, bem como seus colegas Desmond Tutu, da África do Sul, Rigoberta Menchú, da Guatemala, Mairead Maguire, da Irlanda, Jody Williams, dos Estados Unidos, e Betty Williams, da Irlanda do Norte.



Segundo destaca o comunicado dos intelectuais, "a capacidade de Israel para colocar em andamento esse tipo de ataques devastadores com impunidade provém, em grande parte, da vasta cooperação militar internacional e do comércio de armas que Israel mantém com governos cúmplices de todo o mundo.”



A carta foi publicada pelo jornal ‘The Guardian‘."Fazemos um chamado às Nações Unidas e aos governos de todo o mundo a tomar medidas imediatas para aplicar contra Israel um embargo militar integral e legalmente vinculante, similar ao imposto à África do Sul durante o apartheid,” assinala o documento.



"Israel desatou mais uma vez toda a força de seu exército contra a população palestina cativa – inicia o texto–, sobretudo na sitiada Faixa de Gaza, em um ato desumano e ilegal de agressão militar. O atual ataque de Israel contra Gaza, até o momento, matou muitos civis inocentes, causou centenas de feridos e devastou a infraestrutura civil, incluindo o sector de saúde, que já estava gravemente deteriorado.”



Também assinaram o texto: o músico britânico Roger Waters, a escritora estadunidense Alice Walker, o teólogo da libertação brasileiro Frei Betto, o sindicalista sul-africano Zwelinzima Vavi, seu colega brasileiro João Antonio Felício, o filósofo esloveno Slavoj Zizek, o acadêmico israelense Nurit Peled, o britânico ex-presidente do PEN Gillian Slovo e a escritora indiana Gita Hariharan.



"A partir de 2008, os EUA começaram uma ajuda militar a Israel que alcançaria 30 bilhões de dólares, enquanto que as vendas militares anuais israelenses para o mundo chegam a bilhões de dólares. Nos últimos anos, os países europeus exportaram armas para Israel por valores em bilhões de euros, e a União Europeia tem financiado as empresas militares e as universidades israelenses com bolsas de pesquisa no âmbito militar por um valor de centenas de milhões de euros”,assinala o documento.



Os intelectuais acusam os países emergentes de apoiar por palavras a Palestina, enquanto financiam as campanhas repressivas de Israel. "As economias emergentes, como Índia, Brasil e Chile, aumentam rapidamente seu comércio e cooperação militar com Israel, apesar de que afirmem apoiar os direitos palestinos.”



Entre os signatários também aparecem Federico Mayor Zaragoza, ex-diretor geral da Unesco, da Espanha; Chris Hedges, jornalista, Prêmio Pulitzer 2002, dos EUA; Boots Riley, rapper, poeta, produtor de artes, dos EUA; e Noam Chomsky, filósofo, analista político, dos EUA.



Lea publicación en el The Guardian: http://www.theguardian.com/world/2014/jul/18/arms-trade-israel-attack-gaza
Fuente: Regeneración.mx
El Ciudadano
http://www.elciudadano.cl/2014/07/22/109478/noam-chomsky-rigoberta-menchu-y-otros-62-intelectuales-exigen-embargo-militar-a-israel/


sexta-feira, 25 de julho de 2014

Assim os ‘paras’ assassinaram 13.919 pessoas entre 1997 e 2005. A lista do holocausto paramilitar no Estado do Norte de Santander


Um arquivo, no qual aparecem descritas 13.919 pessoas mortas entre 1997 e 2005, contém, também, os comentários de alguns dos paramilitares que operaram no estado sobre 966 dessas pessoas, assassinadas sob as ordens de, entre outros, Jorge Iván Laverde Zapata, vulgo El Iguano, ex-comandante da Frente Fronteiras das Autodefesas Unidas de Colômbia [AUC].



Primeira entrega: 1999-2001
As histórias sobre o horror paramilitar que se viveu no Norte de Santander entre 1999 e 2004 pareceriam não acabar nunca.
Os assassinatos, os massacres, os desaparecimentos, os deslocamentos, as violações e as torturas foram o diário viver de grande parte dos habitantes do estado que, durante 5 anos, suportaram as inclemências de mais de 1.000 homens que, sob o pretexto de erradicar as guerrilhas das FARC e do ELN, chegaram a esta região do país para terminar convertidos em narcotraficantes ávidos de poder e dinheiro.
La Opinión teve acesso exclusivo a um arquivo confidencial, propriedade de vários ex-paramilitares postulados ao processo de Justiça e Paz no qual, sem nenhum tipo de pudor, relatam, com excessivo detalhe, os pormenores sobre 966 assassinatos cometidos em Cúcuta, Tibú e La Gabarra.
Nesta espécie de “lista do horror”, os ex-comandantes Jorge Iván Laverde Zapata, vulgo El Iguano; Albeiro Valderrama Machado, vulgo Piedras Blancas; Lenin Giovanni Palma Bermúdez, vulgo Álex, e José Mauricio Moncada, vulgo Mocoseco, entre outros, contam como, seguindo ordens ou por iniciativa própria, levaram a cabo mortes seletivas, massacres, mutilações e desaparecimentos de cadáveres durante a tomada que fizeram de grande parte do território norte-santandereano.
Alguns dos episódios narrados a seguir, nas próprias palavras de seus autores, escondem atrás de si a verdade de centenas de homicídios, dos quais só até hoje se saberá a forma em que se cometeram e a motivação que existiu para que se levassem a cabo.
No arquivo ao qual este diário teve acesso, os depoimentos dos paramilitares aparecem diferenciados por cores numa grande tabela de Excel, onde os responsáveis desses crimes não só comentam suas mortes como também que se advertem entre si das possíveis contradições nas quais poderiam estar caindo ante as denúncias que fazia o então fiscal de Justiça e Paz, Leonardo Augusto Cabana Fonseca, pelas inconsistências apresentadas nos relatos de alguns crimes.
Nos comentários, os ‘paras’ se cuidam de não ir repetir fatos ou equivocar-se nas datas em que cometeram os crimes, deixando advertências como ‘prestemos atenção porque esta morte não pode ser na mesma hora da outra porque nos contradizemos’.
A seguir, La Opinión extrai trechos dos escabrosos relatos feitos pelos paramilitares sobre a forma em que foram assassinadas essas pessoas.
O total das vítimas e os comentários feitos sobre suas mortes podem ser consultados na página web www.laopinion.com.co/victimas/, onde, ademais, se pode realizar buscas por nome, sexo, lugar, vitimário, ano e mês em que teve ocorrência o fato.
As primeiras mortes
Os primeiros quatro crimes sobre os quais um paramilitar se pronuncia no arquivo foram cometidos a 29 de maio de 1999 na vereda Socuavo, do município de Tibú. Nesse dia as vítimas foram Jorge Camilo González, Gerardo Berbesí, Rafael Claro e Omar Osorio.
Segundo a anotação feita por Albeiro Valderrama Machado, vulgo Piedras Blancas, quem depois chegou a ser comandante em Pamplona, nesse dia o massacre foi cometido por um grupo de 240 homens sob o mando de vulgo Camilo [Armando Alberto Pérez Betancourt, fugitivo da justiça]. O grupo ia acompanhado de dois informantes, os quais eram os encarregados de assinalar os supostos membros da guerrilha que viviam na zona.
Os informantes eram conhecidos com os vulgos de Carlos Cúcuta e Saraguro. Todos [os mortos] ficaram na via. Eles vinham de La Gabarra. Vulgo Cordillera [Adelmiro Manco Sepúlveda, quem se suicidou em La Gabarra] matou dois senhores num casebre. Não pude averiguar os nomes”.
Massacre em Aguaclara
Em 10 de julho de 1999, passadas as 6 da manhã, três pessoas foram metralhadas na corregedoria de Aguaclara. Nesse dia, segundo o consignado por Jorge Iván Laverde Zapata, vulgo El Iguano, então comandante da Frente Fronteiras, 15 homens armados pertencentes às Autodefesas Unidas de Colômbia chegaram até esse lugar em busca das pessoas que “conforme os informantes conhecidos como William Ortiz [vulgo Ramoncito] e vulgo Valvulina, foram expostas como integrantes, auxiliadoras ou colaboradoras das FARC, para serem assassinadas”.
Uma vez chegados a Aguaclara, os 15 homens ingressaram de maneira violenta nas moradias e obrigaram os residentes a reunir-se no campo de futebol localizado no parque central da corregedoria.
Ali, os dois informantes que iam com os ‘paras’ assinalaram a Jorge Enrique López, Jesús Fabio González Medina e Jorge Humberto Vera. Os três foram “assassinados à maneira de execução com tiros na cabeça ante o olhar e impotência de seus vizinhos, deixando em sua passagem pichações nas paredes das casas anunciando a presença das AUCs”.
No massacre participaram, além de El Iguano, Ómar Yesid López Alarcón, vulgo 18; Édgar Cercado, vulgo Papo [chefe de uma gangue delinquente que operava em Cúcuta quando os ‘paras’ chegaram e que era conhecida como Los Polleros]; Ramón de las Aguas Ospino, vulgo Chaca [também de Los Polleros]; Alfredo Julio Guzmán, vulgo Chirrí e Jimmy Viloria, vulgo Jairo Sicario.
Percorrido mortal por Atalaya
William Ortiz [vulgo Ramoncito] e vulgo Valvulina, os dois informantes que acompanharam El Iguano no massacre de Aguaclara, acompanharam-no um mês mais tarde, em 8 de agosto de 1999, num percorrido mortal pela cidadela de Juan Atalaya.
Segundo o dito por El Iguano, nesse dia, em horas da noite, vulgo Ramoncito e Valvulina se dirigiram com um grupo de 15 homens pertencente a um esquadrão da morte da Frente Fronteiras para os bairros Belisario e Nuevo Horizonte, onde, sob pressões, obrigaram os residentes a sair de suas casas e esperar nas ruas as indicações dos ‘paras’.
Como se tratasse de um julgamento, os dois ‘dedos-duros’ levantaram seus dedos acusadores contra Jhon Jairo Bermúdez Daza, Luis Giovanny Bermúdez Daza, Orfis Alirio Barbosa y Jair Alfonso Cañizares Ortiz. Aos quatro os acusaram de serem ‘elenos’ [do ELN]. Todos foram justiçados diante de seus vizinhos e seus corpos deixados nas ruas, que se converteram em rios de sangue.
Mutilar corpos e atirar ao rio
Em seu intento de ingressar em La Gabarra, os paramilitares não pouparam esforços em práticas cruéis para semear o terror entre os moradores e apagar todo rastro de suas ações.
Segundo Piedras Blancas, os senhores José Ángel Quintero Veja, Kennedy Sierra Reyes e uma pessoa à qual chamavam Chango os assassinaram enquanto patrulhavam com o major Hernández do Exército na via que de Tibú conduz a La Gabarra.
Fizemos um destacamento com o grupo de Cordillera. Levávamos os guias [informantes], os quais nos mostraram Quintero, que dirigia um [caminhão] 350 e Chango uma canoa. Foram executados por Cobra. Um foi lançado ao rio e o outro foi enterrado num cacaual, que o rio terminou levando”.


Tomada de La Gabarra
Desde 10 até 23 de agosto de 1999, a corregedoria de La Gabarra foi cenário de um dos piores massacres dos quais este país teve notícia.
Nessas duas semanas, os homens do Bloco Catatumbo, que levavam mais de dois meses tratando de meter-se neste povoado para apoderar-se de seu lucrativo negócio da coca, fizeram o inimaginável com mais de 35 pessoas, segundo as cifras oficiais, ainda que nunca se conseguiu estabelecer com exatidão o número de pessoas que morreram.
Vulgo Piedras Blancas, com uma linguagem crua, sem poupar detalhes, contou no arquivo de vítimas ao qual La Opinión teve acesso, parte do que realmente ocorreu nesses dias.
[Vulgo] Camilo ordenou o ingresso a La Gabarra [...], a mim me tocou assegurar La Pesa e o bar Villaluz. Ali houveram [sic] dois mortos; um, [vulgo] El Gato Mono matou com um fuzil porque se lhe atirou a quitá-lo e o outro era um pesero que quase apunhala a [vulgo] Toronja, quem lhe disparou com uma escopeta de repetição. [Vulgo] Cobra também lhe aplicou uma machadada na cabeça”.
No bar Villaluz, os ‘paras’ retiveram cerca de 300 pessoas, enquanto esperavam os ‘informantes’ que iam assinalar os guerrilheiros que reconhecessem.
Os guias nunca chegaram para assinalar as pessoas. Estivemos mais ou menos duas horas, de 7:30 a 9:30 da noite. Estávamos regados por El Mirador e Vetas. Nos recolheram selecionados, da primeira esquadra de [vulgo] Cordillera fomos 20. Iam Cobra, Cordillera, Gringo, Toronja, Barbas, Chacal, Osito [Edilfredo Esquivel Ruiz], Gato, me parece que Niñito, Chamba, Roque e Madera. Fomos a Mata de Coco, onde Camilo estava. Lá nos ordenaram que aos que os informantes [que iam encapuzados] assinalassem, havia que matá-los. Não sei se iam Saraguro e Carlos Cúcuta”.
As verdadeiras intenções do ingresso a La Gabarra por parte dos ‘paras’ ficam esclarecidas quando Piedras Blancas fala de Los Azules, o célebre grupo enviado por Salvatore Mancuso para que se encarregasse de todo o concernente ao negócio da droga. Este grupo, se sabe que esteve comandado por vulgo Marcos Gavilán [Roberto Vargas Gutiérrez] celebremente conhecido pelo assassinato dos jovens estudantes da Universidad de Los Andes Mateo Matamala e Margarita Gómez, em San Bernardo del Viento [Córdoba].
Entramos com 60 homens em La Gabarra. Também ia o grupo de Los Azules. Eles vinham de Córdoba. O comandante deles era Marcos; iam uniformizados de azul e eram mais ou menos 30 homens que supostamente se encarregavam da droga. Eu conheci Marcos, Alex, Pocopelo, Jeringa e Computador. Esse grupo a passava em Finca Bonita, que era uma granja de um homem que lhe chamavam El Policía”.


Falsos positivos para o Exército
Simultaneamente ao massacre em La Gabarra, os paramilitares tiveram tempo de ‘ajudar’ o Exército com uns falsos positivos que lhes permitiram demonstrar resultados operacionais enquanto eles cometiam seus crimes sem nenhum tipo de pressão por parte das autoridades.
Em palavras de Piedras Blancas, foi vulgo Mauricio [José Bernardo Lozada Artuz] quem ordenou que recolhessem de El Mirador quatro rapazes para que os levassem a Vetas, os uniformizassem, lhes pusessem coletes e provedores e os deixassem a mercê dos soldados “os quais lhes dispararam”.
As vítimas foram Néstor Alfonso Campos Sánchez, Alfonso Edier Álvarez Lara, Diomar Vargas Vera e um mais que não pôde ser identificado.
Eu tirei um relógio de um garoto que estávamos necessitando para prestar guarda. A ideia era que a população acreditasse que nos estávamos dando chumbo com o exército. Os rapazes foram trazidos do quilômetro 25, onde Mauricio estava”.
Uma vez cometido o crime e enquanto se retiravam, Cordillera teve tempo de matar a pauladas um senhor que ficou registrado como N.N. porque, supostamente, era quem avisava a guerrilha que os ‘paras’ iam subindo pela rodovia em direção a La Gabarra.


Só se salvaram duas mulheres e duas crianças
Na madrugada de 15 de setembro de 1999, sobre a via que de Cúcuta conduz a Salazar de las Palmas, à altura da vereda Quebrada Seca do município de Santiago, El Iguano, junto a 7 dos homens que integravam seu esquadrão da morte, interceptou um veículo no qual viajavam 10 pessoas.
Aos ocupantes da camionete de placas BEI894 obrigaram-nos a descer e retiveram seus documentos. Depois, afastaram duas mulheres e duas crianças que viajavam ali e procederam a “estender no piso com a boca pra baixo a Horacio Ovalles Álvarez, Jesús María Blanco Vergara, Luis Adán Rodríguez Vergara, Alberto Alexander Rojas Blanco, Víctor Ramón Parada Lizcano e Eliseo Rojas Manrique”.
A todos eles, segundo o relato feito por El Iguano, mataram disparando-lhes na cabeça e no corpo “à maneira de execução, ao ser assinalados como integrantes do grupo subversivo do ELN”.
Na única casa que havia na zona, os paramilitares deixaram pintadas pichações que diziam “chegamos para ficar”, “a guerra apenas começa”, “sabemos tudo e todos morrerão”. AUC
Neste massacre participaram, além de El Iguano, Carlos Arturo Núñez, vulgo Richard; os membros do bando Los Polleros William Ortiz [Ramoncito] e vulgo Valvulina; Manuel Antonio Combariza, vulgo Jorge Marinillo; Luis Alfonso Mora Serna, vulgo Manuel El Cuñado; Juan Carlos Pinedo Oviedo, vulgo Oviedo, e Diofre Llanos Duque, vulgo Ramazzoti.


Lá há um pouco de fossas’
Em novembro de 1999, Piedras Blancas foi testemunha do assassinato de um jovem ‘aparentando 14 anos, branquinho, de 1m55cm, que foi assinalado de ser guerrilheiro e exaltou-se com Cordillera’.
O corpo do adolescente foi enterrado em Caño Guadua [Tibú], onde, segundo esse ex-paramilitar, “há um pouco de fossas das autodefesas. Eu enterrei um senhor que era financeiro das FARC em El Suspiro e El Brandy. Chacal também sabe de fossas para o outro lado do rio [Catatumbo]”.


Queimamos ele para que não cheirasse mal’
Em janeiro de 2000, quando os homens do Bloco Catatumbo se consolidavam em Tibú e seus arredores, um jovem identificado como Juan Ríos foi assassinado pelo destacamento que vulgo Mauricio liderava.
Não satisfeitos em matá-lo, penduraram-no num pau.
Piedras Blancas, que vinha cuidando da retaguarda junto a outro grupo de paramilitares, encontrou o cadáver ‘guindado num pau, em avançado estado de putrefação’. A única solução que se lhes ocorreu a estes homens para amenizar o mau cheiro que o cadáver exalava foi ‘tocar-lhe fogo para que não fedesse muito’.


Mataram-no a pauladas
Na escola da vereda Morrofrío, em La Gabarra, Édgar Omar Galviz Melgarejo foi assassinado a pauladas por um grupo de paramilitares que patrulhava o setor vestindo objetos militares e braceletes do ELN.
Segundo conta Piedras Blancas no arquivo ao qual La Opinión teve acesso, Galviz se encontrou com um grupo de ‘paras’ que lhe obrigaram a deter sua marcha quando se mobilizava numa mula. A estes lhes disse que ia ver outras mulas que tinha pastando mais adiante. Os ‘paras’ deixaram-no ir.
Mais adiante, quando se encontrou com os paramilitares que simulavam pertencer ao ELN, se identificou como membro dessa guerrilha e lhes advertiu, sem saber que estes eram ‘paras’, que um grupo das Auc estava emboscado na escola de Morrofrío.
A Cordillera lhe informaram do sucedido e este ordenou que o matassem a pauladas”.


O indígena cuja morte revolucionou a La Gabarra
A 29 de abril de 2000, a corregedoria de La Gabarra se levantou contra os paramilitares por culpa da morte do indígena Obed Dora Cebra.
No relato feito por Piedras Blancas sobre este acontecimento, se diz que foi por ordem do comandante Camilo que se recolheu o indígena sem que ninguém se desse conta e se lhe levou à tropa que estava no quilômetro 60, onde vulgo Crispeta o esperava.
Este índio, ao desaparecer, se revolucionou La Gabarra, inclusive a mim me cercaram e quase me matam, só não aconteceu porque saquei a pistola e disparei para conseguir sair daí. Ao tenente Castiblanco da Polícia lhe tocou falar com vulgo Camilo para ver o que faziam. Camilo ordenou que o desenterrassem e o deixassem onde pudessem encontrá-lo. Vulgo Madera me entregou ele, envolvi-o num plástico, montei-o numa barca e o levei até Bocas de San Miguel, onde o deixei numa prainha em frente a uma casa”.
Até este lugar chegou o grupo de Cordillera, disfarçado de guerrilheiros, para fazer o povo acreditar que a morte do indígena era culpa da guerrilha.
Mataram este índio porque Santos Ropero [Luis Carlos Ropero Díaz] o acusou de ser colaborador da guerrilha. Cordillera o havia tido amarrado por três dias, soltou-o e lhe disse que não podia voltar a La Gabarra. Como o indígena voltou, por isso o mataram”.


O guarda-costas do prefeito de El Zulia deu a informação
Um policial, guarda-costas do ex-prefeito de El Zulia Juan Alberto Carrero [conhecido por ter sido sequestrado pelo ELN no avião de Avianca, onde também caiu o senador Juan Manuel Corzo], foi quem disse aos paramilitares que operavam neste município que José Antonio Rojas [gari do parque] e Miguel Ángel Castellanos, supostamente tinham nexos com a guerrilha.
Os dois homens foram assassinados a 30 de julho e em suas mortes participaram, entre outros, El Iguano; Yesid López Alarcón, vulgo Gustavo 18; Wilmer Ruiz Cruz, vulgo Carpati, e José Dagoberto Urando, vulgo Walter.


Os políticos de El Zulia que trabalharam com os ‘paras’
Em setembro de 2000, Juan Ramón Jiménez foi assassinado por vulgo Perrito e Jeta Agüada. A morte de Juan, segundo o depoimento de vulgo Charpas, um paramilitar que operou em El Zulia, foi ordenada por um vereador desse município que tinha problemas com a vítima por [causa de] umas terras.
O vereador, de sobrenome Bayona, falou com vulgo Walter [então comandante em El Zulia e quem posteriormente escaparia deste lugar com um dinheiro que roubou das Auc, produto de uma venda de droga] e o indispôs com a vítima, acusando-o de ser homossexual e de tratar de corromper menores”, escreveu Charpas no arquivo.
No entanto, este paramilitar também comentou sobre as reuniões que os ‘paras’ tiveram com vários ex-prefeitos deste município e como um deles chegou, inclusive, a sugerir o assassinato de uma mulher a quem conheciam neste povoado como ‘Martha La Peliona”.


Mandei queimá-lo
Vulgo Hernán [Armando Rafael Mejía Guerra] se fez tristemente célebre no país por ser o primeiro paramilitar que falou da existência de uns fornos onde seus homens, enquanto foi comandante em Villa del Rosario, incineravam suas vítimas e as que lhe enviavam outros comandantes ‘paras’ da área metropolitana.
No arquivo ao qual La Opinión teve acesso, a primeira menção que se faz destes fornos foi pelo assassinato de Jorge Enrique Ruiz Carreño, ocorrida, segundo Hernán, a 24 de março de 2001.
Nesse dia, levaram Jorge para a parte alta da corregedoria de Juan Frío com a intenção de ‘arrancar-lhe’ uma informação que, no entanto, não se especifica. Vulgo Julio e Gonzalo [de quem não aparecem os nomes] foram os que o assassinaram.
Eu dei a ordem de queimá-lo [...], depois se avisou a Monsalve [quem recolhia os mortos dos ‘paras’ em Villa del Rosario] para que fosse recolher uns cadáveres. [No entanto] não se pôde recolher apenas um porque o outro se desintegrava. Na parte alta do engenho [em Juan Frío] havia um forno e para os lados da granja La Carolina havia outro”.


Matamos ele a pedra’
William Marino Wallens Villafane, um vigilante de Ecopetrol em Tibú, foi apedrejado por vulgo Pantera [William Rodríguez Grimaldo], seguindo ordens de vulgo Mauro [José Bernardo Lozada Artuz, comandante desse município]. Wallens havia acusado de ser guerrilheiro um engenheiro de Ecopetrol, de sobrenome Chamorro, que colaborava com as Auc. Os fatos sucederam em 29 de maio de 2009.
Segundo Pantera, esperaram Wallens na saída de Ecopetrol até as 10 da noite, porém este conseguiu evadir-se. Mais tarde, foi interceptado e levado até um beco, junto a um potreiro, onde o matou a pedra em companhia de outro ‘para’ de sobrenome Bonilla. O corpo de Wallens foi enterrado no mesmo potreiro onde morreu, junto à moto de sua propriedade e que seu corpo havia sido cortado aos pedaços.


Três dias: cinco mulheres assassinadas
Entre 8 e 11 de setembro de 2001, cinco mulheres foram assassinadas pelos homens de vulgo Hernán nas ruas de Villa del Rosario. Se trata de Diana Paola Torres Hernández [assassinada a 8 de setembro] e Yuldrary Manrique Carrillo, Eliana Bueno Hidalgo, Diana Paola Valdés Monsalve e Wendy Carolina Valdés Monsalve, assassinadas num mesmo feito em 11 de setembro.
Segundo o relato de Hernán, a primeira mulher foi assassinada porque saía com um jovem acusado de ser ladrão e pertencer ao ELN. As outras quatro mulheres foram assassinadas porque, supostamente, queriam infiltrar-se nas Auc que operavam no município histórico para ‘cortar o pescoço’ dos seus integrantes. Ademais, acusavam-nas de serem amigas de Jonathan Mogollón, um homem com o qual as Auc tinha conflitos neste município.


Irmã de um comandante das FARC
Edinson José Baldovino Toro, vulgo Pérez, candidato ao processo de Justiça e Paz, contou em detalhe como foi assassinada, em 21 de dezembro de 2001, Orfelina Pérez Ureña, na corregedoria de Luis Vero [Sardinata].
Nesse dia, e sendo comandantes da zona vulgo Tigre 7 e Gustavo 18, chegaram até a loja que Orfelina tinha e levaram-na, aduzindo que ela vendia cerveja para a guerrilha e, talvez o mais grave, que era a irmã do comandante guerrilheiro das FARC conhecido como Flaminio.
Nesse mesmo dia, junto a Orfelina, foram assassinados outros dois jovens desmobilizados do EPL. Vulgo Pérez manifestou não saber o que passou com os corpos destas três pessoas.


quinta-feira, 24 de julho de 2014

O que inquieta do discurso de Santos sobre a paz


Por Timoleón Jiménez, Comandante-Chefe das FARC-EP
 
Sempre incisivo, o Presidente repete quase literalmente o mesmo enquanto cenário nacional e internacional lhe é possível.
 
Seu conteúdo se tornou um lugar comum, frases repetidas para que qualquer pessoa possa entendê-las, porém que dizem, na realidade, muito pouco. Sua versão da realidade nacional poderia ser sintetizada em frases tão breves como país modelo em desenvolvimento econômico e social, com os melhores índices em todos os sentidos, em crescimento, em emprego, em redução da pobreza e da miséria, na carreira contra a desigualdade, em escolaridade e o que você queira acrescentar.
 
Desde logo que essa avassaladora prosperidade não tem sido uma característica permanente. Se conseguiu, a partir de 2010, ano em que começou seu primeiro governo, estabelecendo uma espécie de paralelo que poderia definir-se em termos simples como antes de Santos e depois de Santos. O Presidente não deixa escapar ocasião para contrastar as fabulosas cifras que está revelando com os deploráveis dígitos exibidos nos períodos presidenciais anteriores ao seu.
 
O bom homem passa com humildade a reconhecer que não vivemos no paraíso terrenal. Temos problemas e estamos enfrentando-os, com êxito, ainda que nos falta muito por fazer. Então, vem a relação dos extraordinários projetos de desenvolvimento em fase inicial. O inestimável mérito das concessões de quarta geração, o imparável crescimento do investimento estrangeiro, as graças do PIPE, o incrível desenvolvimento informático e das comunicações.
 
Não faltará a menção ao último triunfo desportivo ou artístico. Nairo, James, o que mais tenha repercutido na mídia. Será o exemplo de nosso sangue, de nosso impulso, da capacidade de nosso povo para impor-se sobre as adversidades. Aqui pode estar a conexão com o tema que ocupará o resto da intervenção. A maior dificuldade que os colombianos encontramos com o triunfo final, o conflito armado, a falha que não nos deixa avançar como devíamos.
 
Começa a relação do histórico gesto seu de ter reconhecido sua existência, assim como a das vítimas e dos despojados da terra. E, o que é mais importante ainda, sua decisão de recorrer à via do diálogo para pôr fim a tanta angústia. Virá a economia a respaldar a importância de terminar o conflito, o que cresceria o PIB, o que significaria o desenvolvimento pleno do campo, a ausência de obstáculos ao investimento mineiro-energético.
 
Então seguirá o inevitável reconhecimento ao poderio bélico do Estado. Graças a ele se chegou até aqui. A lisonja tranquilizante às forças armadas falará de seu heroísmo, lealdade e entrega, ao que seguirá o juramento de não afetá-las para nada com o eventual acordo final. Nem em pé de força, nem em recursos. Muito menos por suas condutas ilícitas. Pelo contrário, como tropas do império, se lhes abrirão leques de oportunidades em diferentes lugares do mundo.
 
Haverá que defender o processo de paz dos obtusos que não entendem sua importância, dos caluniadores de ofício, da gente com interesse de lucro. E a melhor maneira é explicando do que se trata na realidade. Uma simples oportunidade às guerrilhas para que se desmobilizem e obtenham certo grau de compreensão em seu tratamento punitivo. Mentem os que asseguram que se negocia a propriedade privada, a família ou o Estado, de nenhuma dessas coisas se trata.
 
As instituições nacionais, as relações internacionais de qualquer tipo, o modelo neoliberal de economia, do qual a propósito se trata de delimitar recorrendo ao expediente da terceira via, apenas uma variante frustrada do mesmo, a doutrina de segurança do Estado, as forças militares e de polícia, o regime político e eleitoral, o latifúndio ou as relações de trabalho entre produtores e proprietários, nada, nada disso faz parte da discussão na mesa de La Habana.
 
E mais, o Presidente dedica uns parágrafos a deixar completamente claro que nem sequer a confrontação mesma faz parte dos temas da Agenda. As forças militares têm a ordem permanente de recrudescer com todo o seu poder contra os insurgentes, de causar-lhes o maior número possível de mortos, feridos e deserções, de desmoralizá-los, de empurrá-los para a assinatura de sua submissão na Mesa. Por isso deixa claro que não haverá cessar-fogo bilateral.
 
E para que nenhum o acuse de mole, Santos repete em todos os seus discursos que ele foi o ministro de Defesa e o Presidente que propiciou os mais duros golpes a seus inimigos. Ele acabou com o primeiro, o segundo, o terceiro e dezenas e dezenas de mandos mais das FARC. O censo dos reinseridos passa de 50.000. Nada disso vai se deter, continua e se acrescentará. Lá, os que não queiram vê-lo. Lá, a insurgência, se não se dá conta do que lhe espera.
 
O que seu governo tem feito é expor ante a insurgência na mesa seus projetos para o agro, e oferecer-lhe que se vincule à sua implementação, uma vez tenha entregue suas armas. Não se pactuou nem se pactuará nenhuma classe de reforma agrária. Também lhes mostrou sua disposição a permitir o desfrute de algumas garantias se acessam inserir-se no modelo de democracia vigente. E os comprometeu a renunciar ao narcotráfico e a ajudar a combatê-lo. Mudou-os de bando.
 
Esclarece também que agora se abordará o difícil tema das vítimas, no qual a insurgência terá que comprometer-se ante elas e à justiça a responder por seus crimes. Desde logo que polícias e militares terão tratamento privilegiado nessa matéria. E explica que praticamente fica pendente um tema, o da entrega de armas, que em breve começará a tratar-se numa mesa técnica da qual farão parte dois generais ativos, para que não se pense mal por ninguém.
 
Não deixa de louvar o crescente apoio internacional que o processo de paz obtém e o que pode significar em recursos para o pós conflito. Na realidade, com todo esse discurso só deixa clara uma coisa. Sua evidente intenção de tranquilizar ao grande capital, aos poderosos proprietários de terras, aos investidores, às forças armadas, à ultra direita que o ataca. E para o pobre povo, fica o quê? Deveras, Santos crê que com essas concepções alcançará a paz para a Colômbia?

Montanhas de Colômbia, 17 de julho de 2014.
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