"A LUTA DE UM POVO, UM POVO EM LUTA!"

Agência de Notícias Nova Colômbia (em espanhol)

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A violência do Governo Colombiano não soluciona os problemas do Povo, especialmente os problemas dos camponeses.

Pelo contrário, os agrava.


terça-feira, 2 de setembro de 2014

«Das 12 pessoas que assassinaram nesse dia no pranchão, 5 eram menores de idade, 4 mulheres; todos foram esquartejados, colocando em fila suas cabeça


Por Equipe de Redação Resistencia
Guérima Mahecha
Vivíamos em Mesetas [Meta], de onde sou oriundo; ali estávamos estabelecidos com minha família, composta por 12 integrantes, entre os quais estavam minha mãe e meu pai, nove irmãos e minha avó materna. Em Mesetas tínhamos uma casinha, ademais de uma pequena propriedade com a qual sustentávamos nossas necessidades.
Nasci no ano de 1980. Nos meus primeiros seis anos de vida estive no povoado, até quando a coisa se complicou por causa da perseguição que se acrescentava contra integrantes da União Patriótica, da qual faziam parte alguns de meus irmãos. Minha família e eu, no ano de 1986, tivemos que começar a fugir sob o medo. Minha família foi forçada a vender, quase doar, tudo aquilo que tínhamos para deslocar-nos para a capital.
Em Bogotá chegamos à casa de uma tia, quem nos hospedou aos 12 integrantes de minha família por aproximadamente dois meses; depois pela situação, compreensível pela superlotação na casa, tivemos que buscar outro lugar. Ocupamos um lote situado no bairro La Paz, situado ao sul da cidade, na atualidade um bairro contíguo ao bairro Danúbio Azul. Nesse lugar construímos um ranchinho, paredes de latas e papelão; a casinha contava com apenas um quarto, para dormir tínhamos três colchões que lançávamos ao solo e só contávamos com uma cama onde dormiam meus pais. Cozinhávamos com lenha.
Meu irmão, ante a necessidade, encontrou trabalho de garçom na prisão La Picota. Meu pai, meus irmãos e eu trabalhávamos reciclando. Havia passado tão somente um mês e meio quando a Polícia chegou com ajuda de maquinaria pesada a retirar-nos à força deste lugar, arrasando com todo o pouco que tínhamos; não respeitaram nada, nem sequer a presença de crianças no lugar. De igual maneira era o único lugar onde podíamos viver, assim que novamente tivemos que construir as casinhas para nos poder resguardar.
Meu irmão, que trabalhava em La Picota, conseguiu trabalho para minha mãe na cozinha da prisão; meu pai adoeceu e quase não podia ir reciclar conosco, tendo muitas vezes que recorrer a pedir esmola. Minha mãe demorava uma hora para chegar à prisão, fazia-o caminhando, eu a acompanhava e tínhamos que nos levantar às 2 da manhã, ela iniciava atividades às 3. Durante a primeira quinzena nos alimentou com as sobras que os guardiães deixavam ou com arroz que não se vendiam. Minha mãe racionava-as para nós em duas partes para que durasse por todo o dia. Recordo que quando lhe pagaram a ansiada quinzena, antes de chegar ao casebre, comprou pão e queijo; quando ia repartir para nós, chegaram os demolidores, maquinaria pesada, para desalojar-nos, sem alcançarmos a retirar nada dali. Quando tudo passou, voltamos ao lugar onde era o casebre; dentro, no meio dos destroços, estavam os 7 pedacinhos de queijo e os 4 pães; relembro claramente a minha mãe com lágrimas nos olhos, tratando de tranquilizar-nos enquanto recolhia a comida. Essa foi a ajuda do Estado, aquilo que me tem aqui; tudo isso por apoiar uma opção, uma saída política chamada UP.
Depois tivemos que regressar ao Meta, a um lugar chamado La Mesa de Fernández. Naquele lugar duramos mais ou menos um ano, onde conhecemos um homem que se tornou amigo da família, quem conseguiu nos fixar em Viotá [Cundinamarca], onde o Partido Comunista era forte politicamente. Fomos viver numa parcela com minha família; logo meu pai conseguiu comprar uma pequena propriedade para trabalhá-la, com a qual acabamos de nos levantar. Em Viotá vivemos por dez anos, até que chegou o terror paramilitar; até aí nos durou a tranquilidade.
Novamente perdemos tudo e nos tocou deslocar-nos outra vez. Aquele que não trabalhasse com os paramilitares ou não os apoiasse, tinha que fugir. Já sem nada, minha família teve que viver pagando aluguel na cidade, depois de várias tentativas de vivermos tranquilos.
Meus irmãos e eu nos fomos para o Vichada, onde conheci o que era uma zona com presença guerrilheira, sendo a insurgência a que controlava a ordem em La Victoria, também chamado Puerto Príncipe. Para esse momento eu já contava com 15 anos, a vida nesse lugar era muito diferente do que conhecia da cidade; que era o deslocamento e a fome.
Um ano depois de eu ter chegado àquele lugar, chega uma mulher de aproximadamente 19 anos; ela se torna amiga de todos os habitantes do povoado, tornando-se conhecida por realizar tatuagens. Depois de realizar tatuagens em vários rapazes do povoado, as coisas no lugar começam a complicar-se.
No ano de 1995, “Fosforito”, um amigo a quem chamávamos assim carinhosamente, que tinha 19 anos, teve que dirigir-se a Villavicencio. Nessa época, o paramilitarismo já tinha controladas muitas zonas, ao longo de muitas vias estabeleciam reservas, controlando assim a mobilidade com ajuda do Exército, que em muitas ocasiões não se encontrava muito distante das zonas onde se localizavam os paracos [paramilitares]. No trajeto para a capital do Meta, para onde se dirigia “Fosforito”, se encontrava uma reserva; ali baixaram-no, revistaram-no, encontrando a tatuagem que lhe haviam feito. Desapareceram com ele.
Tempo depois sucedeu o mesmo com outro rapaz que havia sido tatuado por aquela mulher. Novamente numa reserva paramilitar sobre a mesma via para Villavicencio, pararam uma frota de onde se dirigia “Hernán”, de 24 anos, assassinando-o nesse mesmo lugar, na frente de todas as pessoas do ônibus. Primeiro lhe dispararam um tiro numa perna, abandonando-o enquanto revistavam aos demais; depois lhe arremessaram outro tiro no estômago. As pessoas presentes perguntavam por que faziam isso, às quais respondiam que faziam-no por ser colaborador da guerrilha e que isso era o que ia suceder com todo aquele que se interpusesse ou que fosse simpatizante da insurgência.
A presença da guerrilha em Puerto Príncipe era clara, pelo que, reunindo a população, a Frente 16 das FARC-EP, sob o mando do comandante Acacio Medina, nos advertiu sobre a campanha iniciada pelos paramilitares contra o povoado e todos aqueles militantes e simpatizantes, pela proximidade que eles, a guerrilha, tinham com o povo; nos preveniram frente ao cuidado que devíamos ter pelo acionar violento e assassino dos paramilitares.
Quinze dias depois se tornou a repetir a história com “Caliche”, de 18 anos; ele tinha que ir a Villavicencio para ver sua mãe, quem se encontrava doente. Na reserva dos paramilitares pararam o ônibus, baixando-o e dirigindo-se com ele pela mesma via para a direção por onde tinha o ônibus que seguir. Por aproximadamente duas horas retiveram a frota. Ainda sem saber o que havia passado com o garoto, antes de dar passagem ao ônibus os paramilitares se apresentaram como uma organização anticomunista e advertindo que deviam levar a mensagem aos povoados para que soubessem o que está passando. Metros mais adiante encontraram Caliche na rodovia, por partes, haviam-no esquartejado. Três quilômetros mais adiante se encontrava uma reserva do Exército Nacional, na qual não se fez nenhum tipo de denúncia por saber de seus nexos com os paramilitares, para evitar mais mortos.
Os paramilitares presentes na zona eram os chamados “Masetos”, sob o mando de um homem sanguinário chamado cinicamente “Cuchillo” [Faca]. Eles, claramente, tinham vínculos com o Exército em Villavicencio.
Passados esses trágicos eventos, a guerrilha, com Oliverio Rincón como porta-voz, reuniu a todos aqueles próximos à organização guerrilheira, aos militantes de esquerda da região e simpatizantes. Nos disseram que iniciavam uma investigação e que, enquanto isso, o melhor era que não saíssemos da zona, para nossa segurança.
A mulher que havia chegado meses atrás na região, aquela que fazia tatuagens, mantinha uma relação sentimental com um amigo nosso, ao qual apelidávamos de “Napo”. Ele nos advertiu de comportamentos estranhos por parte dela. Um dia preparamos um passeio na beira do rio, ficando “Napo” no povoado para revistar os pertences da garota, chamada Alejandra; para surpresa de “Napo”, encontra uma lista com 22 nomes, entre os quais se encontrava ele, os três rapazes que haviam assassinado e também minha pessoa; devia nos tatuar. Alguns eram tão somente amigos de integrantes do movimento guerrilheiro, não fazíamos parte de nenhuma estrutura. Comentamos o sucedido à guerrilha, pelo que o comandante da zona nos explica sobre o trabalho ativo que Alejandra tinha com os paramilitares, pedindo-nos não sair da localidade. Essa mulher, ao perceber que havia sido descoberta, fugiu do povoado, sendo vista 8 dias depois nas reservas paramilitares.
Pela difícil situação e perseguição que os paramilitares sustentavam a todos os jovens dessa lista que ainda ficávamos vivos, muitos deles ingressaram na guerrilha, encontrando ali proteção.
Tempo depois, “Napo”, obrigado por certas circunstâncias pessoais, se dirigiu a Villavicencio. O ônibus onde se transportava foi detido pelos paramilitares numa reserva. Ali baixaram 12 pessoas, colocando-as num pranchão que se encontrava sobre o rio Vichada, perto da rodovia. O massacre iniciou com o assassinato a sangue frio de uma das mulheres, a qual tinha 8 meses de gravidez; a ela se assassinou inclinando uma motosserra em seu ventre. Das 12 pessoas que assassinaram nesse dia no pranchão, 5 eram menores de idade, 4 mulheres; todos foram esquartejados, ficando em fila suas cabeças. ‘Napo” também foi assassinado.
Eu ingressei na guerrilha ante esse triste panorama. Tempo depois me inteirei que uma prima era também integrante das FARC-EP, da frente 43, se chamava “Andrea”. Depois de sofrer uma lesão de guerra, a qual lhe impediu continuar nas fileiras, reincorporando-se á vida civil, no ano de 2011, numa madrugada, foi assassinada com 60 tiros na cidade de Villavicencio.


Montanhas de Colômbia, agosto de 2014.