"A LUTA DE UM POVO, UM POVO EM LUTA!"

Agência de Notícias Nova Colômbia (em espanhol)

Este material pode ser reproduzido livremente, desde que citada a fonte.

A violência do Governo Colombiano não soluciona os problemas do Povo, especialmente os problemas dos camponeses.

Pelo contrário, os agrava.


domingo, 30 de setembro de 2012

Colômbia: Acordo Geral para o termino do conflito e a construção de uma paz estável e duradoura

Os delegados do governo da República da Colômbia, governo nacional e
das Forças Armadas Revolucionárias da Colômbia – Exército do Povo
(FARC-EP):

Como resultado do encontro exploratório que teve lugar em Havana,
Cuba, entre 23 de Fevereiro de 2012 e Agosto de 2012, e que contou com
a participação do governo da República de Cuba e do governo da Noruega
como garantes, e com o apoio do governo da República Bolivariana da
Venezuela, como facilitador de logística e acompanhante.

Com a decisão mútua de pôr fim ao conflito como condição para a
construção de uma paz estável e duradoura, atendendo o clamor pela paz
e reconhecendo que:

A construção da paz é um assunto da sociedade no seu conjunto que
requere a participação de todos, sem distinção; que o respeito pelos
DDHH em todos os confins do território nacional é um fim do Estado que
deve ser respeitado; o desenvolvimento económico com justiça social e
em harmonia com o meio ambiente é garantia de paz e progresso.

O desenvolvimento social com equidade e bem-estar, incluindo as
grandes maiorias, permite crescer como país; uma Colômbia em paz terá
um papel activo e soberano na paz e no desenvolvimento regional e
mundial. É importante ampliar a democracia como condição para alcançar
bases sólidas da paz; com a disposição total do governo e das FARC-EP
de chegar a um acordo e o convite a toda a sociedade colombiana, assim
como aos organismos de integração regional e à Comunidade
Internacional, a acompanhar o processo;

Acordámos:
I
Iniciar conversações directas e ininterruptas sobre os pontos da
agenda aqui estabelecida com o fim de alcançar um acordo final para o
termo do conflito que contribua para a construção da paz estável e
duradoura.

II
Criar uma mesa de conversações que se instalará publicamente, um mês
depois do anúncio público, em Oslo, Noruega, e cuja sede principal
será em Havana, Cuba. A mesa poderá fazer reuniões noutros países.

III
Garantir a efectividade do processo e concluir o trabalho sobre os
pontos da agenda de forma expedita e no menor tempo possível, para
cumprir com as expectativas da sociedade sobre o rápido acordo. Em
todo o caso, a duração estará sujeita a avaliações periódicas dos
resultados.

IV
Desenvolver as conversações com o apoio dos governos de Cuba e Noruega
como garantes e os governos da Venezuela e do Chile como
acompanhantes. De acordo com as necessidades do processo, se
encontrará o acordo para outros convites.

V
A seguinte agenda:

1 – Política de Desenvolvimento Agrário Integral.

O desenvolvimento agrário integral é determinante para impulsionar a
integração das regiões e o desenvolvimento social, económico e
equitativo do país.

Acesso e uso da terra
a) Terras improdutivas. Formalização da propriedade. Fronteira
agrícola. Protecção de zonas de reserva.
b) Programa de desenvolvimento com enfoque territorial.
c) Infraestrutura e adequação de terras.
d) Desenvolvimento social: saúde, educação, erradicação da pobreza.
f) Estímulo à produção agro-pecuária e à economia solidária e
cooperativa. Assistência técnica. Subsídios. Créditos. Geração de
receitas. Mercado. Formalização laboral.
g) Sistema de segurança alimentar

2 – Participação política.

a) Direitos e garantias para o exercício da oposição política em geral
e em particular para os novos movimentos que surjam depois da
assinatura do acordo final. Acesso aos meios de comunicação.
b) Mecanismos democráticos de participação cidadã, incluindo o de
participação directa nos diferentes níveis e diversos temas.
c) Medidas efectivas para promover uma maior participação na política
nacional, regional e local de todos os sectores, incluindo a população
mais vulnerável, em igualdade de condições e com garantias de
segurança.

3 – Fim do conflito

Processo integral e simultâneo que implica:
a) Cessar-fogo e as hostilidades, bilateral e definitivo.
b) Abandono das armas. Reincorporação das FARC-EP na vida civil – nos
aspectos económicos, sociais e políticos – de acordo com os seus
interesses.
c) O Governo Nacional coordenará a revisão da situação das pessoas
privadas, processadas ou condenadas por pertencerem ou colaborarem com
as FARC-EP.
d) Paralelamente, o Governo nacional intensificará o combate para
acabar com as organizações criminais e as suas redes de apoio,
incluindo a luta contra a corrupção e a impunidade, particularmente
contra qualquer organização responsável por homicídios e massacres ou
que atente contra os defensores dos DDHH, movimentos sociais ou
movimentos políticos.
e) O Governo nacional fará as revisões, as reformas e os ajustamentos
institucionais necessários para fazer frente aos desafios ca
construção da paz.
f) Garantias de segurança.
g) No quadro estabelecido no ponto V (Vítimas) deste acordo,
esclarecer-se-á, entre outros, o fenómeno do para-militarismo.
A assinatura do acordo final inicia este processo, o qual deve
desenrolar-se num tempo prudencial acordado pelas partes.

4 – Solução do problema das drogas ilícitas.

a) Programa de substituição de cultivos ilícitos. Planos integrais de
participação das comunidades no desenho, execução e avaliação dos
programas de substituição e recuperação ambiental das áreas afectadas
por culturas ilícitas.
b) Programas de prevenção do consumo e saúde pública.
c) Solução do fenómeno de produção do consumo e saúde pública.

5 – Vítimas

Ressarcir as vítimas está no centro do acordo Governo Nacional –
FARC-EP. Nesse sentido tratarão de:
a) DDHH das vítimas.
b) Verdade.

6 – Implementação, verificação e referendo.

A assinatura do acordo final dá início à implementação de todos os
pontos acordados.
a) Mecanismos de implementação e verificação.
• Sistema de implementação. Atenção especial às regiões.
• Comissão de acompanhamento e verificação.
• Mecanismos de resolução de diferenças. Estes mecanismos terão
capacidade e poder de execução e estarão confirmados por
representantes das partes e da sociedade civil, consoante o caso.
b) Acompanhamento internacional.
c) Cronograma.
d) Orçamento.
e) Meios de difusão e comunicação.
f) Meios de referendar os acordos.

As seguintes regras de funcionamento

1. Nas sessões da mesa participarão até 10 pessoas por delegação, dos
quais até 5 serão plenipotenciários, que serão os respectivos
porta-vozes. Cada delegação será composta por até 30 membros.

2. Com o fim de contribuir para o desenvolvimento do processo,
poder-se-ão realizar consultas a peritos sobre os temas da agenda,
depois de escolhido a correspondente tramitação.

3. Para garantir a transparência do processo, a mesa elaborará
relatórios periódicos.

4. Estabelecer-se-á um mecanismo para dar a conhecer os avanços da
mesa em conjunto. As discussões da mesa não se serão publicitadas.

5. Implementar-se-á uma estratégia de difusão eficaz.

6. Para garantir a mais ampla participação possível, estabelecer-se-á
um mecanismo de recepção de propostas sobre os pontos da agenda de
cidadãos e organizações por meios físicos ou electrónicos. De comum
acordo e num tempo determinado, a mesa poderá fazer consultas directas
e receber propostas directas sobre os ditos pontos ou delegar num
terceiro a organização de espaços de participação.

7. O Governo nacional garantirá os recursos necessários para o
funcionamento da mesa que serão administrados de maneira eficaz e
transparente.

8. A mesa contará com a tecnologia necessária para apressar o processo.

9. As conversações iniciarão com o ponto Política de Desenvolvimento
Agrário Integral e seguir-se-á com a ordem que a mesa acorde.

10. As conversações decorrerão sob o princípio de que nada está
acordado até que tudo esteja acordado.

Islã e liberdade de expressão

Escrito por Frei Betto

Quarta, 26 de Setembro de 2012


“Inocência dos muçulmanos” é o título do filme usamericano dirigido
por um tal Sam Bacile, que difama o profeta Maomé e ofende todos
aqueles que professam a fé muçulmana.

Quem é Sam Bacile? Não se sabe. O diretor do filme, talvez temendo
represálias, se escondeu sob o anonimato. Há suspeitas de que ele e o
produtor Nakoula Basseley Nakoula, cristão copta que vive na
Califórnia, sejam a mesma pessoa.

As cenas do filme vão da grosseria à pornografia. Num dos trechos diz
uma velha: “Tenho 120 anos. Nunca conheci um assassino criminoso como
Maomé. Mata homens, captura mulheres e crianças. Rouba caravanas.
Vendi meninos como escravos depois que ele e seus homens abusaram
deles”.

Conhece um cristão que gostaria de ouvir algo parecido a respeito de
Jesus Cristo? Ou um judeu, a respeito de Moisés ou Davi?

Tão logo o filme foi divulgado pela internet, uma onda de protestos se
levantou nos países muçulmanos. O embaixador dos EUA na Líbia foi
assassinado. Representações ocidentais foram depredadas e incendiadas
no Egito, na Tunísia, na Indonésia, no Irã, no Iêmen e em Bangladesh.

O filme de Sam Bacile é, sim, uma grave ofensa a todos que creem em
Maomé como portador de revelações divinas. Hillary Clinton, secretária
de Estado dos EUA, classificou o filme como “repugnante e condenável”,
mas acrescentou que os EUA devem respeitar a liberdade de expressão...

Suponhamos que se jogasse na internet um filme mostrando Monica
Lewinsky fazendo sexo oral com Bill Clinton. Como reagiria Hillary?
Liberdade de expressão?

E se o filme mostrasse Obama sendo sodomizado por Bin Laden ou a
Estátua da Liberdade transando com Abraham Lincoln, qual seria a
reação do governo e do povo dos EUA? Respeitar a liberdade de
expressão?

Por que a família real britânica não segue a mesma lógica de Hillary
Clinton e suspende o processo judicial contra a Closer, revista
francesa que publicou fotos da princesa Kate Middleton fazendo topless
numa praia particular? Não há que respeitar a liberdade de expressão?

Toda liberdade tem limites: o respeito à dignidade e aos direitos
alheios. Ninguém é livre para furar filas, sonegar impostos, ofender a
progenitora de quem quer que seja. Certas atitudes negativas podem até
ser legais, como produzir filmes pornográficos, mas são indecentes e
injustas. Como reagiriam os cariocas se, ao acordar, vissem o Cristo
do Corcovado com o rosto encoberto pela máscara do diabo? Liberdade de
expressão?

Desde a queda das torres gêmeas, em 2001, os EUA incutem em sua
população profundo preconceito aos muçulmanos. Esse caldo de cultura
favorece produções cinematográficas como a de Sam Bacile.

Em vez de enviar fuzileiros para guardar as representações
diplomáticas estadunidenses no exterior, a Casa Branca deveria pedir
solenemente desculpas aos muçulmanos e retirar o filme de circulação.

A liberdade deve, necessariamente, ser contextualizada. Pode-se ir à
praia de fio dental ou de sunga. Não ao trabalho ou à igreja. Hoje,
posso criticar os deuses do Olimpo grego e a promiscuidade
sadomasoquista em que viviam. Mas com certeza seria gravíssimo se eu o
fizesse em Atenas quatro séculos antes de Cristo.

A Constituição Brasileira é primorosa quando trata da liberdade de
expressão. Reza em seu artigo 5º, Inciso IV: “É livre a manifestação
de pensamento, sendo vedado o anonimato”.

Por que Sam Bacile se esconde sob anonimato? Porque sabe ter cometido
uma grave ofensa e não deseja arcar com as consequências.

Frei Betto é escritor, autor, em parceria com Marcelo Barros, de “O
amor fecunda o Universo – ecologia e espiritualidade” (Agir), entre
outros livros.
Website: http://www.freibetto.org . Twitter: @freibetto.

SAUDAÇÃO DE DESMOND TUTU AO INICIO DO PROCESSO DE PAZ




“Queridas irmãs e irmãos colombianos,

Escrevo-lhes com imensa alegria, depois de saber que um processo de paz foi iniciado em seu pais, para desejar-lhes o melhor no emocionante caminho que se lhes apresenta à frente.

O fato de que na sua terra, que por muitos anos, tem sido golpeada pelo conflito, tenham acordado falar sobre um compromisso de paz e reconciliação envia uma mensagem de esperança para o mundo inteiro. Se os colombianos podem aproximar-se entre si e conciliar suas diferenças, também o podem fazer os membros da nossa família que vivem em Israel e Palestina, na Síria e Líbia, no Tibet e  China, em Burna, no Zimbábue e na África do Sul

Há muitos paralelos entre o conflito colombiano e nossa experiência na África do Sul. Em 1948, quando o período da Violência tomou conta de um país, se introduzia o Apartheid no outro. E mesmo que o apartheid acrescentava um enorme fator racial ao conflito, na essência, as duas lutas confrontaram os que tinham o poder e recursos e os que não. Em ambos países, milhares de cidadãos foram deslocados à força. Os dois países se converteriam em sinônimo de divisão violenta e foram rechaçados no mundo.  

“Há mais repressão da liberdade individual aqui do que em qualquer outro país que estivemos; a polícia patrulha as ruas com seus rifles e pede documentos a toda hora... O ambiente é tenso e parece que se está gestando uma revolução. O campo está submerso numa luta aberta e o exército não tem capacidade para reprimi-la”. Esta poderia ter sido uma descrição do apartheid na África do Sul, mas, de fato, é um extrato do diário de “Ché” Guevara sobre a sua visita à Colômbia em julho de 1952.

A violência gera violência e esta, por sua vez, gera mais violência; e tanto os sulafricanos como os colombianos tem pago um preço terrível, não só fisicamente como também em suas almas e corações feridos.

O que temos aprendido e continuamos a aprender na África do Sul é que, em muitos aspectos, fazer a paz é mais difícil do que fazer a guerra. Reconciliar-se com os antigos inimigos é muito duro. Ser magnânimo, apesar das lembranças amargas, é extremamente difícil. O perdão não pode se dar por feito; tem que ser ganho. Mas, frequentemente, o oferecemos, generosa e abertamente, a quem não o merece. Sarar feridas não é algo que ocorra de forma instantânea; pode ser um processo longo e sinuoso. E para que este seja exitoso é necessário que todos os indivíduos sejam melhores pessoas, para ver o mundo não somente do nosso ponto de vista mas também desde o do outro.

A nossa experiência na África do Sul nos ensinou que, sem importar de que lado do conflito se estava, chegava um momento em que devíamos nos arriscar em deixar nossas diferenças de lado, para criar oportunidades em que pudéssemos nos sarar. Os primeiros passos foram falar e escutar; falar uns com os outros ao invés de falar com outro, e escutar-nos.

Na Colômbia, tanto para aqueles que apóiam grupos paramilitares de direita como os que apóiam os guerrilheiros de esquerda, aos grandes donos de terras e os que foram deslocados para as cidades, inclusive aqueles que estão ou não ativamente envolvidos com os cultivos ilícitos, que abastecem o conflito, ou com sua erradicação, chega o momento de reconhecer ao outro pelo que no fundo somos todos: membros de uma família, a família humana, a família de Deus.  

Na África do Sul, quando os lideres dos diferentes partidos que estiveram em guerra se sentaram a falar, literalmente não podíamos acreditar no que estava ocorrendo diante dos nossos olhos. Ali haviam antigos inimigos declarados! Ontem, eles queriam causar danos físicos; hoje estão falando com irmãos e irmãs!

Que nós tivéssemos conseguido a democracia fala do fato de que não podemos permanecer isolados uns dos outros. Na África do Sul chamamos esse tipo de confiança no outro de ‘Ubuntu’ (filosofia africana baseada nas relações entre as pessoas): meu destino está relacionado com o teu. Somos quem somos através do outro. Eu não posso ser sem ti.

Convidamos os representantes de todas as agremiações políticas para participar do nosso projeto nacional. Tivemos a primeira eleição democrática da nossa história. Depois, os representantes desses partidos que foram eleitos democraticamente sentaram-se para escrever uma constituição e uma declaração de direitos. Trabalharam por um propósito comum, com vistas à meta comum de construir uma nação na que todos os cidadãos tivessem as mesmas oportunidades de prosperar.

Percebemos que não podíamos esconder a nossa dor embaixo do tapete e se criou um mecanismo para incentivar os perpetuadores da violência a procurar um perdão legal (anistia da perseguição), sempre e quando suas ações tivessem uma motivação política e que estivessem dispostos a contar a verdade.

Chamamos este mecanismo de Comissão para a Verdade e Reconciliação, instituição e processo que tive a honra de liderar. Apreendemos sobre a especial relação entre verdade e perdão, quão importante é, para as vitimas e perpetuadores, contar e escutar suas historias e que estas sejam reconhecidas pelos outros.

Sempre chega o momento para reconhecer o nosso papel no conflito quando há dificuldades no processo, de deixar de culpar os outros e de endireitar as coisas para o benefício das nossas crianças, do nosso país e do nosso mundo compartilhado, que é o nosso lar

Parabéns Colômbia. Que Deus abençoe o caminho que esta pela frente.


Com amor,
ARZOBISPO EMÉRITO DESMOND TUTU
Cidade do Cabo

O ‘pai’ da Nação do arco-íris, DESMOND TUTU nasceu na África do Sul em 1931. No fim dos anos 60, depois de ser ordenado padre, começou a denunciar a situação precária em que vivia a população negra com o ‘apartheid’. Liderou a Comissão para a Verdade e Reconciliação em seu país e, em 1984, recebeu o Premio Nobel da Paz. A ele se atribui a criação do apelativo ‘nação do arco-íris’ para falar da África do Sul como um país de diversidades.