"A LUTA DE UM POVO, UM POVO EM LUTA!"

Agência de Notícias Nova Colômbia (em espanhol)

Este material pode ser reproduzido livremente, desde que citada a fonte.

A violência do Governo Colombiano não soluciona os problemas do Povo, especialmente os problemas dos camponeses.

Pelo contrário, os agrava.


sexta-feira, 29 de janeiro de 2010

Haiti abarrotado de petróleo

Braulio Martínez Zerpa (*)
Fonte: www.aporrea.org


Por fim desvela-se o porquê do grande interesse do Império Ianque no Haiti, sobretudo nas últimas quatro décadas do século XX, em que não houve um só governo nesse país que não tenha sido imposto e tutelado pelo Império; de tal forma que proponho façamos um breve resumo desses governos para ver se é, ou não, verdade o que aqui se afirma e assim poder desvelar o mistério.

Em 1957, o império coloca no poder ao ditador Jean Claude Duvallier (Papa Doc), que governou o país com mão de ferro, impondo o terror com seus famosos “Ton Ton Macutes”, que jogavam seus adversários num poço cheio de jacarés. Ao morrer, em 1971, e por imposição imperial, é sucedido pelo seu filho Francoise Duvallier (Baby Doc), que seguiu os mesmos métodos de crueldade do seu pai, mas que se converteu em “play boy” preguiçoso e inepto, descuidando o mandato do império; e assim, em 1986, através de um golpe de estado, o império coloca no poder ao chefe do Exército, Gen. Namphi. O império ordena que se convoquem eleições, ganhas por Maginat, mas as discrepâncias continuam assim como os golpes de estado até que, nas eleições de 1990, Luis Bertrand Aristide ganha a presidência para o seu primeiro mandato e, mesmo implantando uma política neoliberal, não era do agrado do império; e assim, através de um golpe de estado, o império coloca no poder ao Gen. Raoul Cedras. Após um bloqueio, o império convoca eleições em 1995 as quais foram ganhas por René Preval, que governa até 2000. Nas eleições desse ano chega ao poder, para um segundo mandato, Luis Bertrand Aristide, que dá uma guinada para a esquerda aproximando-se da Venezuela Revolucionária do Presidente Chávez e à eterna Revolucionária Cuba, coisa que o império não poderia aceitar, e assim, em 2004, Aristide é seqüestrado pelos soldados do império e levado em avião militar para a África do Sul onde se encontra até os dias de hoje, sem possibilidades de retornar. Nas eleições do ano 2006, novamente René Preval ganha a presidência e mantém o poder até hoje.

Pois bem, a pergunta é: por que tanto interesse do Império Ianque por um país pobre, pequeno (27.750 km2, um pouco menor que o estado de Alagoas), sem maior transcendência e cheio de tantos problemas? Muitos analistas falam da sua proximidade com Cuba; do controle das comunicações marítimas para o norte através do Canal do Vento (entre Cuba e Haiti), pois assim teriam maior controle no Caribe; e, porque evitaria dessa forma que a Venezuela se aproxime do Haiti com propostas socialistas como a Petrocaribe, construção de moradias ( o que já está sendo feito), que possam fazer com que o povo haitiano sinta ares de verdadeira liberdade, igualdade e justiça social, tão necessárias num país muito golpeado pelo Império Ianque. Certamente estas coisas são verdadeiras, mas há algo sobre o qual tem se mantido o mais rígido e hermético segredo, trata-se da existência de grandes reservas de petróleo, gás e outros minerais estratégicos no Haiti.

Sobre isto, cito um artigo publicado em 22/01/10, na página War in Iraq, de Marguerite Laurent, onde se fornecem datas, dados e números que permitem ver que no Haiti, além de petróleo e gás, existem jazidas de ouro, urânio, etc. A autora começa dizendo que, num artigo publicado em outubro de 2000, por Bob Perdue, terceiro proprietário da plantação Dauphine, onde supostamente se encontram grandes jazidas de petróleo, lê-se: em 8 de novembro de 1973, a Sra. Martha Carbone, da Embaixada dos EUA em Porto Príncipe, Haiti, enviou correspondência ao Escritório de Energia e Combustíveis do Departamento de Estado, que o Governo do Haiti recebeu propostas de oito diferentes grupos para construir um porto em águas profundas e as instalações para transferir o óleo para navios-tanque dos EUA e levá-lo até os portos da costa leste norteamericana. Menciona-se nessa correspondência que o ex-presidente Duvallier estava participando nessas propostas.

O documento também informa que, em 2004, Bush patrocinou o golpe de estado que sequestrou e tirou do país o presidente Aristide, pois já estavam em andamento as conversações para o estabelecimento de perfuratrizes nas costas do Haiti, pois colocá-las no interior do país exigia grandes portos para que os superpetroleiros pudessem operar, além de que as estruturas da costa leste dos EUA ainda não estavam preparadas para receber tamanhos navios. Mas, tudo isso deixava claro que se tratava de grandes quantidades de petróleo.

Mas o artigo em questão diz que não somente grandes jazidas de petróleo existem no Haiti, mas também de gás, irídio, cobre, diamantes, ouro, urânio e outros minerais. Será por isso que os EUA construíram no Haiti a sua quinta maior Embaixada no mundo, depois da China, Iraque, Irã e Alemanha.

Deve-se pensar que, se o império não havia decidido começar a explorar industrialmente estas grandes reservas, era porque contavam com fontes como a Arábia Saudita, agora Iraque, Venezuela, México, etc. Mas o panorama mudou, as reservas da Arábia Saudita têm limite; a Venezuela, apesar de já terem tentado e continuam tentando, não é mais uma colônia deles; no Iraque, não tem podido explorar o petróleo nas quantidades desejadas porque os patriotas iraquianos não o permitiram; o México está enfrentando o problema do fim das suas reservas. De tal forma que o Império já percebeu que chegou o momento de explorar o petróleo haitiano e, por isso, está atuando em consequência.

Os que temos acompanhado a atuação estratégica desse Império, sabemos que eles necessitam criar um grande acontecimento; e assim vimos que, para invadir o Afeganistão e se apropriar da exploração e mercado do ópio; para invadir o Iraque e apropriar-se do seu petróleo, precisaram desse grande acontecimento, “derrubar as torres gêmeas de Nova Iorque”. Necessitam estabelecer o “caos” de forma a justificar suas ações depredadoras; algo parecido aconteceu na Colômbia que foi invadida com sete bases militares com o pretexto de combater a droga e o seu tráfico, quando todos sabem que eles quadruplicaram a produção de cocaína; mas que, no fundo, subjaz uma invasão da Venezuela para apropria-se dos seus grandes recursos ( a maior reserva de petróleo do mundo e uma das maiores de gás). Reservas que são indispensáveis para a sua subsistência como império.

Mas, voltando ao Haiti, qual poderia ser este grande acontecimento que semeasse o caos e assim apropriar-se dos seus grandes recursos energéticos? Não cabe a menor duvida que esse acontecimento é o grande TERREMOTO de 7.3 graus que ocorreu no Haiti no último dia 12 deste mês e as suas seis replicas fortes. Eles têm a tecnologia para fazê-lo, relembre-se tudo o que já se escreveu sobre o projeto Haarp, onde não só manipula-se o clima (secas, inundações, furacões, etc.), mas também podem fabricar terremotos em lugares escolhidos por eles e na magnitude desejada. Nunca antes tinham ocorrido tantos terremotos no continente como os acontecidos entre os dias 12 a 23 de janeiro de 2010, vinte terremotos de magnitude média e média alta; têm passeado pelas diferentes falhas continentais e extracontinentais, tais como o mortífero terremoto da China onde pereceram tantas pessoas. Eu não me atrevo a dizer que estas práticas têm a finalidade de afinar seus métodos para produzir um grande terremoto aqui na Venezuela, com replicas vigorosas que estabeleçam o caos necessário para mandar suas indesejáveis tropas e apropriar-se dos nossos recursos energéticos e converter-nos novamente em sua colônia.

Por acaso vocês acreditam que era lógico que mandassem mais de vinte mil soldados ao Haiti, que tomaram todos os aeroportos do país, seus hospitais, portos e outros pontos estratégicos? Que se apoderaram de todos os insumos e alimentos que outros países enviaram com tanto amor e sacrifício, para que eles os distribuam ao povo, quando assim o decidirem? Têm um grande hospital flutuante para atender somente o seu pessoal. Por acaso acreditam que somos bobos ou eunucos mentais e que não percebemos que essas atitudes são o prelúdio de uma grande invasão em execução desse país irmão? Minuciosa e diabolicamente planejada para permanecer lá ate roubar todos os recursos. Pois eu lhes digo que aquele que muito acumula pouco aperta e que essa manipulação do clima, contrária às leis de Deus, voltar-se-á contra eles como um bumerangue.

Para concluir, faço um chamado ao governo e ao povo venezuelano para estarmos muito atentos aos passos deste império depredador, porque se fizeram isto com um país que não possui o caudal de recursos que a Venezuela possui (que lhes são indispensáveis), que não farão aqui e, lhes digo: não está muito distante o dia em que o tentem, por isso temos que denunciá-los em todos os organismos internacionais e, principalmente, preparar-nos muito bem na guerra irregular. A se alistar o antes possível Milícias Bolivarianas...não é brincadeira.


Pátria, socialismo ou morte…venceremos.

(*) Coronel da reserva da Força Aérea Bolivariana e advogado em exercício.

segunda-feira, 25 de janeiro de 2010

Operadoras de TV a cabo suspendem quatro canais por não cumprimento das leis venezuelanas

Fonte: ABN


As operadoras de TV a cabo suspenderam temporariamente neste domingo a quatro canais de produção nacional pelo não cumprimento da Lei de Responsabilidade Social no Radio e Televisão vigente.

Através de um comunicado que aparece nas telas dos canais suspensos American Network, América TV, Rádio Caracas Televisão (RCTV) e TV Chile, as operadoras de TV a cabo exortaram os referidos serviços de produção nacional audiovisual a cumprir imediatamente a lei “a fim de restabelecer seus serviços na grade de programação”.

A seguir o texto, na integra, do comunicado emitido pelas operadoras:


Comunicado aos assinantes É nosso dever zelar pelo cumprimento da Lei de Responsabilidade Social no Rádio e Televisão. Detectamos que determinados serviços de produção nacional audiovisual não tem cumprido com as normas impostas pelo ordenamento jurídico vigente e, por tanto, os seguintes canais: American Network, América TV, RCTV e TV Chile, devem ser suspensos temporariamente da grade de programação até que passem a cumprir a normativa legal vigente.

Exortamos os referidos serviços da produção nacional audiovisual a dar cumprimento imediato à lei e às normas técnicas para restabelecer seus serviços em nossa grade de programação.


No último sábado 23, o presidente da Comissão Nacional de Telecomunicações (Conatel), Diosdado Cabello, exortou às operadoras de televisão a cabo a cumprir o artigo 13 da Lei de Responsabilidade Social no Rádio e Televisão, que obriga os canais considerados como produtores nacionais audiovisuais a se pautar pelo estabelecido nas leis venezuelanas.

Numa coletiva de imprensa realizada nesse mesmo dia na sede principal de Conatel, em Las Mercedes, Cabello explicou que as operadoras de TV a cabo são obrigadas a fazer com que os canais de TV que fazem parte de sua grade de programação cumpram o estabelecido na Lei de Responsabilidade Social no Rádio e Televisão, Lei Orgânica de Telecomunicações e na Constituição Nacional.

Caso contrário, disse Cabello, abrir-se-á processo administrativo contra a operadora de TV a cabo.

Nesse sentido, reiterou que Conatel não pretende “encerrar” nenhum canal como alguns setores da oposição tentam mostrar, “foram as próprias operadoras de TV a cabo que notificaram a Conatel quais foram os canais que não estão cumprindo a lei e é de responsabilidade destas mantê-los em sua grade de programação”, disse.

Cabello relembrou que os canais que possuem mais de 70% de programação nacional são classificados como Produtores Nacionais Audiovisuais, portanto, devem obedecer, entre outras normas, com: transmissão do Hino Nacional; especificação do tipo de produção e tipos de elementos; transmissão de programas de acordo ao regulado por horários para todo usuário e supervisionado; e transmissão de mensagens e locuções oficiais.

sexta-feira, 22 de janeiro de 2010

O bloqueio de notícias sobre a ajuda cubana ao Haiti: Os primeiros a ajudar


Dave Lindorff

Fonte: rebelion.org

Nos críticos primeiros dias após o terremoto que abalou o Haiti apenas duas agências de notícias norteamericanas relataram a rápida resposta cubana para a crise. Uma delas foi a Fox News, que afirmou, erradamente, que os cubanos estavam ausentes da lista dos países caribenhos vizinhos que tinha prestado assistência. A outra meio foi Christian Science Monitor (uma respeitada agência de notícias que recentemente fechou sua edição impressa), informou corretamente que Cuba enviou 30 médicos para o Haiti.

The Christian Science Monitor, num segundo artigo, citava a Laurence Korb, ex-subsecretário da Defesa e atualmente membro do Center for American Progress, que declarou que os EUA, que lideravam os esforços de ajuda no Haiti, deveriam "pensar em aproveitar os conhecimentos da vizinha Cuba". Assinalou também que “tem alguns dos melhores médicos do mundo – deveríamos tratar de enviá-los para o Haiti”.

No que se refere aos demais meios de comunicação dos EUA, simplesmente ignoraram a Cuba.

Na verdade, omitiram-se ao não informar que Cuba já tinha cerca de 400 médicos, paramédicos e outros profissionais de saúde enviados ao Haiti para ajudar no dia-a-dia das necessidades sanitárias do país mais pobre das Américas, e que esses profissionais foram os primeiros a responder ao desastre levantando um hospital, justamente ao lado do principal hospital de Porto Príncipe derrubado pelo terremoto, assim como um segundo hospital de campanha em outra parte da cidade.

Longe de "não fazer nada" depois do desastre, como afirma a propaganda direitista Fox-TV, Cuba tem sido um dos países que reagiram de modo mais eficiente e crucial nesta crise, pois mesmo antes do terremoto já havia criado um infraestrutura médica que foi capaz de se mobilizar rapidamente para começar imediatamente a tratar as vítimas.

Como era de se prever, a resposta de emergência norteamericana concentrou-se, principalmente, pelo menos em termos de pessoal e dinheiro, no envio da enormemente cara e ineficiente máquina militar – uma frota de aviões e um porta-aviões – um fator que deve ser levado em conta ao examinar os 100 milhões de dólares que a administração Obama diz ter destinado para a ajuda de emergência ao Haiti. Tendo em conta que o custo operacional de um porta-aviões, incluindo a tripulação, é de aproximadamente 2 milhões de dólares por dia, somente o envio de uma companhia a Porto Príncipe, durante duas semanas vai consumir um quarto da anunciada ajuda norteamericana e, embora muitos dos soldados enviados certamente trabalharão na ajuda, distribuindo e custodiando suprimentos, a longa história de brutal controle militar/colonial do Haiti, inevitavelmente leva a temer que outros soldados têm a missão de assegurar a sobrevivência e controle da elite de políticos haitianos parasitas pro EUA.

Por outro lado, os EUA têm ignorado o dia-a-dia da permanente crise humanitária no Haiti, enquanto Cuba vem fazendo o trabalho de proporcionar atenção sanitária básica.

Não que fosse difícil encontrar cubanos em Porto Príncipe. Democracy Now! Dispunha de um relatório, assim como o dispunha a revista Noticias de Cuba, com sede em Washington. O que acontece é que contar as boas ações de um país pobre e orgulhosamente comunista aos norteamericanos não algo que os meios de comunicação corporativos daquele país estejam dispostos a fazer.

quinta-feira, 21 de janeiro de 2010

A História nunca antes contada do Afeganistão


Ron Jacobs
Fonte: www.counterpunch.org


Na primeira semana de 2010, cinco soldados dos EUA morreram no Afeganistão. Na última semana de 2009, oito agentes da CIA também morreram naquele país. Mas muito mais civis afegãos foram mortos durante esse período, incluindo a execução aparente de vários rapazes por membros do exército norteamericano ou que trabalhavam ao seu serviço. Além disso, as forças rebeldes atacaram um funcionário do governo de Karzai, no leste de Khost, e em Herat foram lançados foguetes em direção ao local onde será o futuro consulado dos EUA. Em 6 de janeiro de 2010 foi informado que a administração de Obama estava enviando mil especialistas civis americanos especialistas ao país para ajudar em supostas projetos de reconstrução. Esta notícia foi recebida com ceticismo pelos afegãos, tanto dentro como fora do governo. O embaixador afegão para as Nações Unidas assinalou que poucos afegãos confiavam nesses supostos esforços de reconstrução e que os EUA fariam melhor contratando afegãos para realizar os trabalhos de reconstrução ao invés de enviar cidadãos norteamericanos “criando estruturas paralelas que não fazem mais do que arruinar os esforços do governo afegão”. O embaixador deve estar ciente de que a história das reconstruções dos EUA, seja no Afeganistão ou no Iraque, é um legado de corrupção, construções deficientes e esforços falidos que somente beneficiaram as empresas estrangeiras que conseguiram os contratos.

Apesar da situação descrita acima e dos oito anos de fracasso que precederam as semanas descritas, a administração de Obama enviou, pelo menos, 30.000 soldados a mais para lutar no Afeganistão. Além disso, haverá um número indeterminado de mercenários para se somar aos números das tropas de ocupação. Assim como seus antecessores imperiais em Washington, Londres e Rússia, Barack Obama está convencido de que o seu exército de alguma forma pode transformar o Afeganistão em uma nação onde o império que dirige possa fazer o que quiser. Como os autores de Afghanistan: The Untold Story deixam claro, as suas chances de sucesso são muito reduzidas. A história não está do seu lado.

Esse livro, publicado logo após a eleição de Obama, em 2008, aprofunda o olhar para a história do Afeganistão, incidindo especialmente sobre os últimos cem anos. As questões principais referem-se à natureza da situação do Afeganistão nas lutas regionais e internacionais pelo poder e controle na Ásia Central. Desde Alexandre, o Grande, até Barack Obama e o general McChrystal, o Afeganistão significou frustração e, até agora, em todas as ocasiões, também significou derrota para os invasores. Os autores, jornalistas Paul Fitzgerald e Elizabeth Gould, apresentam ao eleitor o fracasso perene da Grã-Bretanha para submeter os exércitos do Afeganistão, sem importar quem governava a nação em qualquer momento.

Segundo Fitzgerald e Gould, a principal razão para este fracasso foi o debate sobre áreas dominadas pelos pashtuns (Pastunistão), que foram reivindicadas pela Grã Bretanha pelo Acordo Durand, e que os nacionalistas Afegãos consideravam parte do Afeganistão. Mesmo que Londres já estivesse perdendo seu império, se envolveu em uma luta continuada sobre essas terras e povos ao criar o Paquistão fora do subcontinente indiano e dividir o Pastunistão em duas partes.

Após a Segunda Guerra Mundial, os EUA instalaram-se nas antigas colônias da Grã-Bretanha, estabelecendo acordos econômicos e defensivos no seu desejo de cercar a União Soviética. Tal como a Grã-Bretanha antes, as interações entre Washington e o Afeganistão, revelaram um desconhecimento do desejo histórico de não-alinhamento pelo Afeganistão. Essa ignorância combinada com a insistência em que qualquer manifestação dessa vontade demonstrava que Moscou estava influenciando na política de Cabul. Fitzgerald e Gould escrevem que isto não aconteceu por acaso. Na verdade, foi o resultado lógico de uma diretiva de segurança nacional de 1950, conhecida como NSC 68. Esta diretiva, escrito pela ala anticomunista e militarista do estabelecimento da política externa norteamericana, insistia em que a União Soviética tentava estabelecer uma hegemonia global e que a única maneira de impedi-lo era que os EUA se adiantassem. A essência da filosofia que motivou essa diretiva era simples: ou se estava ao lado de Washington ou se converteria em seu inimigo. O resultado direto dessa diretiva foi a criação de uma economia de guerra permanente e da criação de um estado de segurança nacional. Na prática, isso significou, em parte, que as lutas de libertação nacional e os desejos nacionais de não-alinhamento percebiam-se como inspirados pelos soviéticos e, portanto, formando parte do campo inimigo. Além disso, os norteamericanos que se opunham as essas políticas dos EUA eram considerados traidores potenciais.

No mundo muçulmano, essa visão levou a que Washington começasse a cortejar a direita islâmica. Uma razão fundamental para essa aliança foi que a direita islâmica odiava a filosofia marxista. Além disso, algumas figuras poderosas, como William Casey, da CIA, consideravam a direita islâmica como irmã espiritual, ignorando, na melhor das hipóteses, sua misoginia e métodos brutais e, na pior, tacitamente endossando tais práticas. A aliança começou com a ajuda subreptícia do MI-5 britânico e da CIA a elementos dos primeiros Irmãos Muçulmanos em sua luta contra o nacionalista egípcio Abdel Nasser, e encontrou sua expressão final, quando se dedicaram a armar, sob Carter e Reagan, os grupos de mujahideen Afegãos.

O envolvimento dos EUA no Afeganistão, que começou com Jimmy Carter, não foi acidental. Foi o resultado dos esforços da direita norteamericana para recuperar seu poder após a derrota no Vietnã. Finalmente, estes esforços triunfantes, dirigidos por neocons como Zbiegniew Brzezinski e Richard Pipes e apoiados por liberais como Barney Frank e Paul Songas, supuseram o ressurgimento da ala pró-militarista do establishment político como principais arquitetos da política externa dos EUA. Segundo os autores, isso significou para o Afeganistão que foi Washington que “apoiava (agora) a uma classe de mullahs e latifundiários que, por gerações, combatiam qualquer reforma social” e que “se envolveu num processo que fez com que a evolução social no Afeganistão retrocedesse à Idade da Pedra”. A Guerra dos mujahideen e o que se seguiu destruíram todos os progressos sociais conseguidos pelos governos afegãos anteriores. As Mulheres e meninas foram relegadas a um status de segunda classe e a intolerância fundamentalista estava na ordem do dia.

O livro conta a história de uma antiga nação que ao longo do século passado tentou criar uma sociedade livre e tolerante. É também a história de uma nação cuja geografia a colocou no centro de muitas batalhas dos grandes poderes na tentativa de colonizá-la. A luta pela tolerância e justiça ocorreu sob monarquias, regimes locais, regimes capitalistas autocráticos e democracias. Na opinião dos autores, essas lutas transformaram-se numa guerra civil quando os EUA começaram a armar os senhores da guerra e às forças religiosas reacionárias em sua guerra contra os soviéticos. O caos que se seguiu após essa decisão levou à destruição das forças que trabalhavam a favor da modernidade e à chegada ao poder das forças reacionárias. Nesse momento, o caos no Afeganistão converteu-se numa batalha entre os poderosos senhores da guerra e os talibãs, com os EUA colocados ao lado de vários senhores da guerra em luta contra a sua descendência: os talibãs. Isso coloca a responsabilidade da desesperada situação do Afeganistão diretamente nas mãos dos políticos norteamericanos: a corrupção do governo de Karzai, o Talibã, o ácido no rosto das meninas, os senhores da guerra, o comércio de heroína, etc. O livro também coloca que se não foi sempre essa a intenção desses políticos.

Se houver qualquer defeito no texto, não está na escrita ou na história, mas na afirmação de que apenas os elementos neoconservadores da estrutura de poder norteamericana são os responsáveis pelo passado recente e da atual situação Afegã. Poder-se-ia assumir tal implicação se não fosse pelos antecedentes históricos. Cada voto do Congresso para financiar a agressão norteamericana no Afeganistão foi precisamente para esse fim, enquanto a mídia dominante nos EUA raramente questionou a guerra ou as razões dadas para ela. De fato, quando Ronald Reagan fazia posse para as fotos com os mujahideen, estes eram celebrados em todos os meios de comunicação como combatentes da liberdade. A política dos EUA, no que hoje é conhecido como a guerra de AfPak, não é uma política da direita ou dos liberais, mas sim do próprio establishment de Washington. A resposta silenciosa à recente escalada de Obama não é mais do que a prova mais recente desse fato.

“Afghanistan: The Untold Story” termina com uma série de recomendações para Barack Obama. A primeira e a última dessas recomendações são as mais essenciais: A primeira é muito simples: parar de matar afegãos. A última é um pouco mais complexa. Fitzgerald e Gould recomendam que se reabra o debate sobre a identidade nacional dos EUA. Segundo eles, o debate foi encerrado em 7 de dezembro de 1941, quando os japoneses atacaram Pearl Harbor e o estado de segurança nacional passou a ocupar uma posição onipresente. Da minha perspectiva, parece como que se o Sr. Obama não houvesse levando em conta nenhuma dessas recomendações. Assim, suas políticas são continuação do passado. E se desejam provas, sugiro que se leia o discurso de Obama justificando a escalada da guerra no Afeganistão [1] e as histórias na mídia sobre o massacre em curso de civis afegãos pelas forças dos EUA [2].


Notas:

[1] A este respeito, consulte o artigo tradução em castelhano do artigo de Justin Raimondo do "O discurso bélico de Obama", publicado em Rebelion: http://www.rebelion.org/noticia.php id = 96459
[2] Sobre este assunto, ver, entre outros, artigos do professor Marc W. Herold publicado em Rebelion: http://rebelion.org/noticia.php? id = 84654;http://rebelion.org / noticia.php id = 87056; http://rebelion.org/noticia.php? id = 90410

Ron Jacobs é autor de The Way The Wind Blew: A History of the Weather Underground reeditada por Verso. O ensaio de Jacobs sobre Big Bill Broonzy está compilado na coleção de CounterPunch sobre música, arte e sexo: Serpentes in the Gardem. Seu primeiro romance, Short Order Frame Up, foi publicado por Mainstay Press. Jacobs pode ser contatado através de: rjacobs3625@charter.net

Fonte: http://www.counterpunch.org/jacobs01152010.html

terça-feira, 19 de janeiro de 2010

Haiti: Os EUA criaram o terremoto do Haiti?



Marinha russa denuncia que os EUA criaram o terremoto do Haiti


A Frota Russa do Norte indica que o sismo que devastou o Haiti foi, claramente, resultado de um teste da Marinha norteamericana através de uma de suas armas de terremotos e que elaborou um diagrama de sucessão linear em relação aos terremotos denunciados que casualmente se produziram à mesma profundidade na Venezuela e em Honduras.

A Frota do Norte tem monitorado os movimentos e atividades navais dos EUA no Caribe desde 2008 quando os norteamericanos anunciaram sua intenção de restabelecer a IV Frota, que foi desmobilizada em 1950, e ao que a Rússia respondeu, um ano mais tarde, com a Frota comandada pelo cruzador nuclear “Pedro, o Grande” começando seus primeiros exercícios nesta região desde o fim da Guerra Fria.

Desde o final da década de 70 do passado século, os EUA “avançaram muito” o estado das suas armas de terremotos e, segundo estes relatórios, agora empregam dispositivos que usam uma tecnologia de Pulso, Plasma e Sônico Eletromagnético Tesla junto com “bombas de ondas de choque”.

O relatório compara também as experiências de duas destas armas de terremotos da Marinha dos EUA na semana passada, quando o teste no Pacifico causou um sismo de magnitude 6,5 atingindo a área ao redor da cidade de Eureka, na Califórnia, sem causar mortes. Mas o teste no Caribe já causou a morte de, pelo menos, 140 mil inocentes.

Segundo o relatório, é “mais do que provável” que a Marinha dos EUA teve “conhecimento total” do catastrófico dano que este teste de terremoto poderia ter potencialmente sobre o Haiti e que tinha pré-posicionado o seu Comandante Delegado do Comando Sul, General P.K. Keen, na ilha para supervisionar os trabalhos de ajuda se fossem necessários.

Quanto ao resultado final dos testes destas armas, o relatório adverte que existe o plano dos EUA da destruição do Irã através de uma série de terremotos concebidos para derrubar o seu atual regime islâmico. Segundo o relatório, o sistema experimentado pelos EUA (Projeto HAARP) permitiria também criar anomalias no clima para provocar inundações, secas e furacões.

De acordo com outro relatório coincidente, existem dados que permitem estabelecer que o terremoto de Sichuan, na China, em 12 de maio de 2008, de magnitude 7,8 na escala Richter, foi criado também pela radiofrequência do HAARP. Ao existir uma correlação entre a atividade sísmica e a ionosfera, através do controle da Radiofrequência induzida por Hipocampos, nos marcos do HAARP, conclui-se que:

1.- Os terremotos em que a profundidade é linearmente idêntica na mesma falha, se produzem por projeção linear de frequências induzidas.

2.- A configuração de satélites permite gerar projeções concentradas de freqüências em pontos determinados (Hipocampos).

3.- Elaborou-se um diagrama de sucessão linear dos terremotos denunciados em que casualmente todos se produziram à mesma profundidade.


- Venezuela, em 8 de janeiro de 2010. Profundidade: 10 km.
- Honduras, em 11 de janeiro de 2010. Profundidade: 10 km.
- Haiti, em 12 de janeiro de 2010. Profundidade: 10 km.

O restante das réplicas ocorreram em profundidades próximas dos 10 km.

Logo após o terremoto, o Pentágono informou que o navio-hospital USNS Confort, ancorado em Baltimore, convocou sua tripulação para zarpar para o Haiti, ainda que pudessem levar vários dias até a chegada no Haiti. O almirante da Marinha, Mike Mullen, chefe do Estado Maior Conjunto, disse que o Exército dos EUA trabalhava preparando a resposta de emergência para o desastre.

Fraser, do Comando Sul (SOUTHCOM), informou que navios da Guarda Costeira e da Marinha dos EUA na região foram enviados para oferecer ajuda mesmo que tenham recursos e helicópteros limitados.

O portaviões USS Carl Vinson foi enviado da base naval de Norfolk, Virginia, com sua capacidade de aviões e helicópteros completa e chegou ao Haiti nas primeiras horas da tarde de 14 de janeiro. Outros grupos adicionais de helicópteros unir-se-ão ao Carl Vinson, declarou Fraser.

A Agência dos EUA para o Desenvolvimento Internacional (USAID), já operava no Haiti antes do sismo. O presidente Obama foi informado do terremoto às 17h52 de 12 de janeiro e solicitou ao seu pessoal que se a assegurassem de que os funcionários da Embaixada estivessem a salvo e que começassem os preparativos para proporcionar a ajuda humanitária que fosse necessária.

De acordo com o relatório russo, o Departamento de Estado, USAID e o Comando Sul dos EUA começaram seu trabalho de “invasão humanitária” ao enviar pelo menos 10.000 soldados e mercenários, para controlar, no lugar da ONU, o território haitiano após o devastador “terremoto experimental”.

segunda-feira, 18 de janeiro de 2010

Chile: A direita reconquista La Moneda com Sebastián Piñera



Mario Amorós
Fonte: Rebelião


O bilionário empresário Sebastián Piñera, candidato da direitista Coalizão para a Mudança, converteu-se ontem no presidente eleito do Chile ao derrotar, no segundo turno, a Eduardo Frei, o candidato da Coalizão de Partidos pela Democracia, por 51,61% dos votos contra 48,38%.

Em 11 de março a presidente Michelle Bachelet passará a faixa presidencial para Piñera, um empresário bilionário, amigo intimo de José María Aznar, que o visitou no Chile em setembro e chamou de "transcendentais" as eleições que ocorrem quando a maioria dos países da América do Sul têm governos progressistas ou revolucionárias. Como se fosse pouco, Piñera também é um admirador do presidente colombiano, Álvaro Uribe, a quem prestou homenagem em Julho de 2008 e de cuja política genocida de "segurança democrática" se considera admirador. E entre aqueles que o acompanharam nos últimos dias de campanha encontra-se o escritor Mario Vargas Llosa.

A vitória de Piñera significa um enorme retrocesso em um país que ainda não concluiu a transição. Com Piñera em La Moneda, a Constituição de 1980 (imposta por Pinochet) continuará vigente e não será reformada; o movimento operário continuará a sofrer com o Código do Trabalho pinochetista (imposto em 1980 pelo ministro do Trabalho, José Piñera, irmão do presidente eleito), que dificulta o direito de greve e impede a negociação de acordos coletivos; os cerca de 800 repressores da ditadura atualmente processados terão garantias de impunidade; a empresa estatal do cobre (Codelco) provavelmente será privatizada, pelo menos em parte; um milhão de chilenos residentes no estrangeiro não ganhará o direito de voto; a lei eleitoral binomial não será reformada; o povo mapuche continuará a ser massacrado na Araucanía (região onde, de fato, ontem Piñera conquistou 57,51% dos votos); e, finalmente, os grandes capitais continuarão a acumular riqueza num dos país do mundo onde o abismo entre as classes sociais é mais acentuado.

Entre as incógnitas que abrtas com o novo cenário encontra-se o futuro da Concertação, uma coalizão que reúne democrata-cristãos, socialistas, liberais e radicais. No discurso em que reconhece a derrota, ontem à noite, Frei e outros dirigentes deram a entender que a coligação que governa o país desde 1990, permanecerá unida. No entanto, na última década essa coalizão permaneceu unida, principalmente, pelo interesse em manter o poder, as vantagens que isso implica e, no primeiro turno em 13 de Dezembro, um deputado oriundo das fileiras do Partido Socialista, Marco Enriquez-Ominami, foi capaz de obter 20% dos votos. O desgosto com a Concertação, diante das mesmas caras que têm monopolizado a cena política do país durante vinte anos, foi maior do que a memória de uma ditadura em que a direita deu seu apoio a Pinochet, cooperou com seu projeto político e econômico e ignorou as gravíssimas violações dos direitos humanos.

No novo cenário as forças de esquerda e o movimento popular chileno terão uma responsabilidade especial, tenham ou não votado em Frei ontem. Diante do horizonte de quatro anos de governo da direita, provavelmente com um papel relevante do partido pinochetista União Democrática Independente (UDI), a necessidade de uma confluência de todas as forças políticas e sociais que defendem uma alternativa ao neoliberalismo, que a partir de março voltará à sua máxima expressão, é mais necessária do que nunca.

“A democracia não comporta a manipulação da História”

Fonte:www.cartamaior.com.br

Em entrevista para o Portal da Fundação Perseu Abramo, o presidente da fundação e ex-ministro da Secretaria Especial de Direitos Humanos, Nilmário Miranda, fala sobre o Programa Nacional de Direitos Humanos (PNDH-3) e as intensas reações causadas pela iniciativa em alguns setores da sociedade. Para ele, há uma grande manipulação política nas reações ao programa. "Há uma disputa eleitoral em 2010. No caso do PNDH 3, boa parte do que li, é assim: "não li e não gostei". Estão opinando a partir do “ouvir dizer”. Não houve boa vontade nem mesmo para ler o conteúdo do Programa".

Portal da Fundação Perseu Abramo

Em entrevista exclusiva para o Portal FPA, o presidente da Fundação Perseu Abramo e ex-ministro da Secretaria Especial de Direitos Humanos, Nilmário Miranda, fala sobre o Programa Nacional de Direitos Humanos (PNDH-3) e as intensas reações causadas pela iniciativa em alguns setores da sociedade.

Há uma discussão acalorada na imprensa sobre a Lei de Anistia, a reboque da divulgação do III Plano Nacional dos Direitos Humanos. Qual é a avaliação da Fundação sobre esse debate?

Existe um manifesto do Comitê Nacional contra a anistia aos torturadores, que está recolhendo assinaturas de juristas, intelectuais, ativistas de movimentos dos direitos humanos, lideranças de movimentos sociais e populares, cidadãos... Isso, para ser anexado a uma ação que arguiu o preceito fundamental da Constituição, chamada ADPF (Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental) e ingressada pela OAB em 2008. Nela, o STF vai julgar se a Lei de Anistia de 1979 concede ou não impunidade aos torturadores – por causa daquela expressão “crimes conexos”, usada para criar a ideia de que a Anistia era para os “dois lados”.

Esse manifesto já tem 12 mil assinaturas, e a Fundação Perseu Abramo resolveu ingressar formalmente nesse movimento. Ela publicou no seu portal a petição, e fará um apelo para que as pessoas o assinem, difundindo-o. A FPA concorda com o teor do apelo, segundo o qual a tortura é um crime imprescritível. Não é crime político – portanto, não foi beneficiado pela Anistia de 79. Trata-se de um crime comum que afrontou as leis da época, da própria ditadura, e também é visto como tal pelo direito internacional, que o considera imprescritível. E o Brasil faz parte dessa legislação, desses tratados, e eles são absolutamente insofismáveis quanto a seu caráter imprescritível. Ninguém propõe a revisão da lei da Anistia, e sim que a Justiça considere que esta lei não perdoe o torturador.

Quer dizer que este debate da Anistia não tem nada a ver com o que está proposto no PNDH? Não é um decreto do presidente Lula, conforme tem sido colocado pela imprensa?

Não, não é, isso é uma notícia manipulada. Trata-se de uma versão que vem tentando se transformar em fato, quando não é verdade que o Plano seja para rever a Lei de Anistia. Ele não faz essa revisão. Nesse debate, tanto o Paulo Vanucchi como o Tarso Genro – assim como nós e todos os que nos apóiam – acham que é uma decisão a ser tomada pela Justiça. E é uma posição do presidente Lula também, não há o que o discutir.

Então o que propõe o PNDH sobre a ditadura, que provocou toda a reação (dos militares e afins)?

O Plano propõe uma Comissão de Verdade, que é outra coisa. A Comissão de Verdade é administrativa, ela não substitui a Justiça, não tem o poder de declarar se os torturadores estão perdoados ou não. Ela deve recompor um trabalho sobre a memória e a história para chegar à verdade histórica, ao que aconteceu durante a ditadura civil-militar que durou 21 anos no Brasil. E isso provocou essa reação, e sempre provocará...

A cúpula militar, a inteligência militar do país é totalmente identificada com a democracia, tem profundo sentimento nacional e espírito público. Ela está profundamente identificada com um projeto de Nação que está sendo construído no Brasil. Não tem contradição nisso, ela acata e aceita a Constituição totalmente. Mas [ao mesmo tempo] tem uma dificuldade enorme de lidar com o passado. Querem manter a ficção de que a ditadura instalada em 1964 foi um golpe para restabelecer a democracia, o que não é verdade. Foi para instituir uma ditadura com todas as suas consequências, e que durou 21 anos.

Agora, esse é um problema que tem que ser enfrentado dessa maneira. Quer dizer, não se trata de civis contra militares, ou democratas contra militares, não é nada disso. Não tem disputa maniqueísta do bem contra o mal. São pessoas que a gente admira, que o Brasil respeita. O país admira suas Forças Armadas, trata-se de parte integrante do nosso projeto e nenhum louco pensa diferente. Então, é necessário apartar essa ideia de uma volta do confronto entre a esquerda e a direita, que aconteceu durante a ditadura. Não tem nada a ver isso, é passado, fica no domínio da História. O que está em discussão agora é: como resgatar o passado? A democracia avança. Se na ditadura a Lei de Anistia possível foi aquela, inconclusa, incompleta, imperfeita, excludente, ela também cumpriu um grande papel na volta da democracia. Tanto que foi mudada várias vezes. Na Constituição de 1988, foi alterada pela lei 9140/95, que reconheceu os mortos e desaparecidos políticos – antes, não o eram. E foi mudada na Comissão de Anistia, que incorporou reparação econômica e moral – o que a Anistia inicial não comportava - para civis e militares perseguidos pela ditadura. Ela foi modificada várias vezes, não é intocável.

Mas nem por isso é proposta uma nova lei de Anistia, porque isso passou. Já temos trinta anos da Lei, o que a gente vê no Brasil é um processo que acompanha a evolução democrática do país. E à medida em que se consolida a democracia, direitos novos se colocam. Hoje existe a demanda ao direito à memória e à verdade – que é tão importante quanto outros direitos. Uma nação com sua democracia não comporta a manipulação de sua História, nem permite que alguém vete sua busca. Ninguém tem esse poder, é um direito inerente à cidadania e à democracia. Então não terá veto.

Temos que tratar isso de uma maneira madura, de modo que saibamos dialogar, mesmo com as dificuldades existentes. E é isso que está colocado. O PNDH 3 é uma sequência de dois planos prévios, que vieram do governo anterior. Participei dos dois ativamente, eu era da Comissão de Direitos Humanos da Câmara dos Deputados e um dos negociadores do Plano Nacional 1, que tem pontos que estão entrando hoje neste terceiro. No 2 os movimentos de Direitos Humanos brasileiros e do mundo inteiro colocaram que o Estado brasileiro incorporasse uma nova versão, com os direitos sociais, econômicos e culturais. Isso foi feito em 1999.

O que significam esses direitos, na prática?

Significa, para os Direitos Humanos, incorporar o mundo do trabalho, o acesso à terra urbana e rural, e o direito à alimentação como parte dos direitos econômicos. Incorpora direitos sociais – os direitos previdenciários, o direito à saúde, que são dever do Estado – e a assistência social cidadã. E inclui grupos vulneráveis, povos ameaçados de extinção e de risco social elevado.

Os direitos humanos culturais – o direito à educação – ficam abertos, e vão se acrescentando na Constituição. O antigo “ensino fundamental” – agora, pré-escola – e o ensino médio profissional vão entrando, de forma progressiva, no ensino universitário. E a agenda vai evoluindo enquanto o país evolui.

O direito à cultura, não como o “direito de ser espectador”, mas produtor da cultura, com todas suas as implicações – em todos os níveis, em todo o país, para todas as classes. Entra o acesso aos bens do progresso científico, como bem comum da humanidade que não pode ser apropriado por uma classe social, por um grupo. E é inserido o combate a toda a forma de discriminação e preconceito: de gênero, sexual, de procedência nacional ou regional. A questão racial, tudo isso entra, desde o primeiro plano.

Por que se fez o Plano 3? Porque depois de sete anos de governo Lula, com investimento no social, o Brasil mudou. Então agora existem novas demandas e agendas, e o PNDH tem essa tarefa em comum para o Brasil todo – não é do governo A, B ou C, nem do partido A, B ou C. É tarefa de todos. Muitos só veem Direitos Humanos retoricamente, quando entra no plano concreto, há reação. A Kátia Abreu (senadora ruralista) é a favor dos Direitos Humanos; mas, quando isso atinge os ruralistas e o latifúndio, ela é contra. No momento em que queremos discutir o trabalho escravo e degradante, a questão da produtividade e o limite da propriedade, é guerra civil. Mas essas são coisas banais nos Direitos Humanos.

Ela (Kátia Abreu) é a favor dos Direitos Humanos retóricos, formais. Mas ao falarmos que é um direito para todos, é contra. Trata-se de uma tarefa a se conquistar, convencê-los (os ruralistas) que não podem ter a terra. A Constituição fala da função social da propriedade. Nossa Constituição é inóspita. Os compromissos internacionais proíbem o trabalho escravo, que tem que ser erradicado; proíbem o trabalho infantil, o trabalho degradante, pedem o trabalho decente. Sempre existirá um conflito com eles, que também tem que fazer esse aprendizado. Eles têm que se comprometer com os Direitos Humanos mesmo, sem ser da boca pra fora, como estão fazendo agora, se aproveitando de um momento peculiar para colocar as manguinhas de fora, com todo seu conservadorismo, seus privilégios, sua recusa a qualquer mudança. O Brasil precisa avançar na luta contra a desigualdade econômica, social, política e cultural.

Outra área que protestou foi as dos militares, sobretudo dos que têm a ver com os porões, que não querem ver escancarados seus crimes. E isso o Brasil deve enfrentar sem revanchismo. E se o STF decidir que é imprescritível, é uma decisão de Justiça. E Justiça não é revanchismo. Foi feita a Justiça, ao contrário da ditadura, quando não se tinha direito de defesa, havia tortura, assassinato, desaparecimento... Na democracia, se alguém for acusado tem todo o direito de se defender. O rito da lei tem que ser rigorosamente cumprido, não fugiremos disso. Se o STF decidir que as Forças Armadas devem acatar a decisão, elas o farão porque são democráticas. E os porões terão que se defrontar com seus crimes do passado.

Também houve uma reação da Igreja Católica, não é?

A Igreja defende os Direitos Humanos. Ela e parte das outras igrejas são contra o aborto (também na situação do anencéfalo). Isso é uma diferença. No mais, ela concorda com tudo no Plano, a Igreja é uma parceira dos Direitos Humanos. O governo Lula tem agido da seguinte forma: a questão do aborto é de saúde pública, e isso levou a um conflito permanente com a Igreja. Agora, isso saiu de conferencias estaduais de Direitos Humanos e da Conferência Nacional de DH, com centenas de atores sociais. A Igreja é parceira, precisa saber lidar com isso, com paciência. Há dificuldades, mas deve-se trabalhar com paciência, habilidade e tolerância. Não são contra o PNDH, eles participaram de sua própria elaboração. Centenas de pastorais e orgãos da Igreja estiveram no processo.

Vale também para as igrejas evangélicas...

É um desafio nosso fazer com que as chamadas igrejas messiânicas também abracem os Direitos Humanos. É uma tarefa permanente pra quem lida com DH. Quem mais se opôs? A mídia. Foi contra pelos mesmos motivos pelos quais se opôs à Conferência Nacional de Comunicação. Porque a Confecom vai muito além. No Programa, o que está colocado é uma pequena parte da Confecom. Toda mudança suscita reação.

A democracia brasileira entra em novo estágio. A sociedade brasileira quer a democratização da comunicação, é um direito. Há essa questão da convergência da mídia, a era da mídia digital. A lei já diz que isso tem que ser compartilhado entre público, privado, estatal. O que já suscita reação. Quando votamos sobre a tortura em 1997, era a regulamentação da Constituição Art. 5º, e houve 77 votos contra. Tinha gente que ia ao microfone e falava que "tipicar o crime da tortura acabará com a polícia no Brasil". Toda mudança, por mais justa e necessária, gera resposta, e isso tem que ser enfrentado de forma democrática.

Tudo isso tem que passar pelo Congresso, no qual todos os partidos estão representados. Os donos da mídia, os ruralistas têm bancada enorme. O que tem pouco lá é bancada dos sem rádio, sem casa, sem diversidade, sem terra. Esses são os que têm menor representação. Então todos vão opinar, e portanto debaterão o plano. O que existe é uma manipulação política nessas reações ao Programa.

Por que, neste momento, se cria esta celeuma? Já houve planos similares, este consolida uma série de ações que já vem sendo discutidas e implementadas desde o governo FHC. Por que agora?

Porque há uma disputa eleitoral em 2010. No caso do PNDH 3, boa parte do que li, é assim: "não li e não gostei". Estão opinando a partir do “ouvir dizer”. Não houve boa vontade nem mesmo para ler o conteúdo do Programa. A Folha de S.Paulo fez uma matéria honesta hoje (12/11). O Fernando Rodrigues (da Folha) fez uma comparação dos três planos, e se o resto da mídia ler o que ele escreveu, a partir de amanhã o tratamento sobre o assunto será outro. Há muita hipocrisia, existe muito tucano que, na época em que era governo, apoiou o PNDH 2. Apoiaram e deram respaldo. Agora, vêm em defesa do PNDH 3 pessoas como José Gregori, Paulo Sérgio Pinheiro, que são identificados com o PSDB mas defendem o Plano. E eles vão mostrar que a discussão está desfocada.

Agora, o plano deve ser debatido, não é intocável. Nada do que está ali tem que ser mantido a ferro e fogo. Ele esteve em uma consulta pública até na internet. Saiu da conferência de 2008, precedido de outras, é um processo inteiramente público. O debate é totalmente transparente. Para o PNDH, é muito bom que haja uma discussão honesta sobre seu conteúdo. Então vamos debater – porque rico não paga imposto, que transfere para o andar de baixo. Então para tratar de justiça social no país, vamos discutir isso. Quem paga imposto é a classe pobre, popular. Ricos, não.

A concentração de terra também é uma forma de concentrar riqueza e poder no Brasil. O Brasil tem que enfrentar isso. No caso da mídia, a lei brasileira já diz que a mesma empresa não deve ter propriedade cruzada, acumulação de poder, deter toda a cadeia produtiva. Não pode, mas no Brasil existe. Isso tem que ser enfrentado, porque todo o povo tem direito à comunicação. E ele está sendo conquistado pelo povo. A sociedade não aceitará isso, temos que que avançar. A democracia é um processo inacabado, em construção. Nunca termina. Não tem ponto de chegada definitivo. O recém eleito presidente do Uruguai, José “Pepe” Mujica, diz que a luta pela justiça social, pela igualdade, é permanente, e deve-se subir degrau a degrau.

Daqui a 10 anos, quando vier o PNDH 4, existirá a mesma reação. Os planos sempre têm uma parte programática, que depende de passar pelo Congresso, de outros poderes. É difícil de aprovar.

Há também a interpretação de que o PNDH 3 é um programa de governo para Dilma. Que o PT está lançando o programa agora, que é uma consolidação das propostas do PT....

Não foi o PT que lançou isso. Temos uma cultura de Direitos Humanos que passou pelo José Gregori, pelo Paulo Sérgio Pinheiro, por mim e está com Paulo Vanucchi; o tema é suprapartidário, não deve ser partidarizado. Porque, para se efetivar, o plano depende dos governos estaduais e municipais. E aí estão todos os partidos. Se os governos estaduais não decidirem eliminar a tortura, o programa não se viabiliza. O trabalho infantil só acaba se os municípios entrarem no PNDH, a exploração sexual infantil também. Então os Direitos Humanos são uma luta de todos, de todas as esferas. Trata-se dos governos Federal, Estadual e Municipal, do Estado Executivo, Legislativo e Judicíário, com o Ministério Público, e envolvendo a sociedade. É ela que empurra. Então não é verdade que o PNDH é programa desse ou daquele partido. Assim como não foram do PSDB os planos 1 e 2, não é do PT o Plano 3.

O anúncio do PNDH 3 deveria acontecer em 2009 como resultado do processo de construção?

É a agenda mesmo, deu para 2009, já que a Conferência aconteceu em 2008. Até por excesso de zelo do Paulo Vanucchi, para negociar melhor, para tornar o debate conhecido, para evitar reações, ele retardou o máximo que pode, para conversar ao máximo com o máximo de gente. E a reação do Jobim é esperada, é diferente da posição do Vanucchi, e do Tarso Genro e de tantos outros. Ele acha que tem que por uma pedra no passado. Há milhares de cidadãos neste país que discordam radicalmente disso, e acreditam que só investigando mais bem o passado teremos um futuro melhor. Faz parte do processo, e o Jobim é gente do bem também, e vamos continuar divergindo.

E deixar de vincular isso a programas de eleição?

Espero dos proceres tucanos honestidade em relação ao Plano, que o tratem com o mesmo respeito com que trataram o PNDH 2.

domingo, 17 de janeiro de 2010

Em fevereiro e com o apoio do Brasil se realizaria a liberação de Moncayo e Calvo

O Diretor do Semanário Voz, Carlos Lozano, integrante de Colombianos pela Paz, anunciou que a mais tardar no mês de fevereiro se poderia apresentar a liberação do Cabo Pablo Emilio Moncayo e do soldado Josué Daniel Calvo.

Lozano disse a Caracol Radio que o tema não está quieto, que se tem seguido trabalhando com sigilo e decisão e, até onde sabe, incluso se têm realizado contatos com a Cruz Vermelha.

Disse que por enquanto não há que descartar o Brasil; país que prestaria a logística para o processo de liberação dos membros da força pública, que se encontram em poder da guerrilha das Farc.

Lembrou que não há que esquecer que Brfasil já tem experiência nesse tipo de operações e, por essa razão, a libertação de Moncayo e Calvo seria mais rápida e fácil.

sábado, 16 de janeiro de 2010

O que pensa Eduardo Frei, candidato de Michelle Bachelet no Chile


Fonte: O Vermelho.org

Satisfeito e muito confiante depois de sua espetacular recuperação nas pesquisas, Eduardo Frei considera que seu rival, Sebastián Piñera, por ser um homem de negócios, terá conflitos de interesse caso chegue à presidência chilena. É o que ele afirma em entrevista aos repórteres J. Marirrodriga e M. Délano, publicada neste sábado (16) no jornal espanhol El País.

Filho do ex-presidente Eduardo Frei Montalva (1964 -1970), o engenheiro Eduardo Frei Ruiz Tagle, de 68 anos, nasceu na capital Santiago. Seguindo o caminho do pai, presidiu o Chile entre 1994 e 2000, após ser eleito com 57,9% dos votos válidos pela coligação Concertação — que está no comando do país há 20 anos, desde o fim da ditadura de Augusto Pinochet.

O ex-presidente chileno confia em voltar a ocupar o Palácio de La Moneda depois das eleições deste domingo e afirma que vai abolir a Lei de Anistia, que deixa imunes crimes da ditadura militar. Veja os principais trechos da entrevista.

El País: A Concertação continua tendo sentido, 20 anos depois, com a democracia assentada e Pinochet morto?

Eduardo Frei: O Chile teve historicamente um movimento de centro-esquerda muito forte. E um dos grandes êxitos da Concertação foi saber construir esse movimento. Sim, tem de ser modernizada e tornar-se mais transparente. Mas, sobretudo tem de fazer uma renovação geracional. Assim como a presidente Bachelet implantou a paridade de gêneros, nós temos de fazer um processo especial para incorporar pessoas de 30, 35 e 40 anos para que assumam responsabilidades.

El País: E o senhor, que já ocupou o cargo, por que volta?

Frei: Tomei a decisão em um momento em que vi uma coalizão cansada, muitas vezes desanimada, acreditando que ia perder. Fiz isso na campanha municipal, fui nomeado e a disputei porque acredito nela.

El País: Depois que o candidato de esquerda Marco Enríquez-Ominami obteve 20% no primeiro turno, o senhor disse que havia compreendido a mensagem dos cidadãos. Qual é essa mensagem?

Frei: Há uma reclamação muito forte contra o sistema político. Não só de pessoas, mas também da forma como se trabalha, para ter uma renovação de verdade, com uma política muito mais transparente, a começar pelo sistema de eleição binominal, que incomoda todo mundo. Além disso, as pessoas, especialmente nas classes médias e nos setores marginalizados, sentem que o mercado regula tudo e não é capaz de resolver seus problemas.

El País: Seu rival, Sebastián Piñera, é um conhecido homem de negócios. Terá conflitos de interesse se ganhar?

Frei: As pessoas entenderam o que se define nesta eleição: duas maneiras de levar o país. E, como diz a canção, "não é igual". Somos muito diferentes: em temas trabalhistas, na relação entre o dinheiro e a política ou em questões de direitos humanos. Sobre o conflito de interesse, ficou claríssimo. Por exemplo, em março se discutirá a televisão digital. Não sei como se pode resolver isso. A televisão digital abre muitas possibilidades para a televisão pública, regional, educativa, cultural. Mas ele é o dono de um canal de televisão. Não tenho nenhuma confiança em como será resolvida a questão, se se atuar sobre a base do mercado.

El País: O período de mandato é muito curto, quatro anos sem reeleição. Isso sobrecarrega qualquer programa de governo?

Frei: Eu sempre disse que não permite desenvolver políticas de longo prazo, mas a vantagem que tivermos é que a Concertação está a 20 anos aplicando as mesmas políticas. Por exemplo, o plano de hospitais de Ricardo Lagos não teria sido possível sem essa continuidade anterior e posterior. Mas há muitas coisas por fazer. Os cidadãos se sentem indefesos diante do setor privado e do público, e isso afeta principalmente as classes médias. Somos um país que se modernizou em muitos campos, mas não na política. Continuamos com um sistema de eleição binominal que destrói a democracia. Essa mudança é fundamental.

El País: Há quatro anos a então presidente eleita Michelle Bachelet disse a estes mesmos jornalistas que ia mudar o sistema binominal. O senhor fará isso?

Frei: A direita se opôs a mudá-lo cada vez que propusemos. Se não há vontade para mudar, será preciso buscar outros caminhos e modificar a forma de reeleição de um parlamentar, modificar a forma de eleição das autoridades dos partidos. Se continuar o sistema binominal, o que se está desprestigiando é a autoridade, o poder e o sistema político.

El País: Piñera disse que não pensa em modificar as linhas gerais do governo que o Chile teve até agora.

Frei: Sim, mas diz isso nos últimos dias. Quando a presidente Bachelet propôs importantes reformas. A direita a acusou de populista e de querer destruir o país. Nunca apoiaram uma reforma trabalhista em 20 anos e apresentaram permanentemente projetos de lei de "ponto final".

El País: O senhor pedirá para abolir a lei de anistia?

Frei: Sim, estou comprometido com isso. O Chile fez uma tremenda contribuição ao processo de reconciliação nacional, com longos anos de sacrifício, com muito esforço para conhecer os casos através dos tribunais. É preciso continuar e manter isso. Foi em meu governo que se deteve e processou o ex-chefe da polícia secreta (general Manuel Contreras). Não conheço outro caso semelhante na América Latina.

El País: Seu pai, o ex-presidente Eduardo Frei Montalva, foi envenenado pela ditadura de Pinochet. Essa experiência o fez ver de outra maneira o tema dos direitos humanos?

Frei: O tema geral dos direitos humanos, não. Desde o final de 1974 começamos a conhecer as histórias (de violações dos direitos humanos). Mas o Chile não interiorizou suficientemente que aqui houve uma organização para fabricar produtos químicos, botulínicos, para eliminar pessoas. Muito poucas ditaduras, pelo menos na América Latina, fizeram isso.

quinta-feira, 14 de janeiro de 2010

Chilenos ‘desconcertados’


Por Daniel Andres Martinez Cunill
Fonte: Rebelião

Para o meu filho Miguel...

Visita pessoal a La Moneda

Cheguei ao Chile justamente no momento de testemunhar a paulada eleitoral que a direita deu no candidato da Concertação. A eleição de 13 de dezembro deu ao empresário pinochetista, Sebastian Piñera, uma vantagem de 14 pontos sobre Eduardo Frei. (44,05% contra 29,60%).

Na semana seguinte visitei o palácio de La Moneda. Tive um momento pessoal, triste e cheio de memórias ao entrar no chamado Salão Branco, que reproduz fielmente o antigo escritório de Salvador Allende. Enquanto as imagens do passado apertavam meu coração, comecei a pensar que essa remodelação era uma legítima homenagem ao presidente mártir. Seguiram-se uma cascata de lembranças dos dias da Unidade Popular e da efervescência no Chile e na América Latina nessa época de mobilizações populares.

Então eu imaginei a Piñera como o novo presidente do Chile, convidando a algum miserável como ele, (Aznar, por exemplo), para visitar o Salão e fazer troça da epopéia que ali se viveu em 1970. A imagem foi como viver uma repetição do 11 de Setembro que não precisa de adjetivos. Sai arruinado e repensando as razões pelas quais, apesar dos 80% de popularidade da presidenta Bachelet, o candidato da Concertação sequer atingiu 30% no primeiro turno das eleições presidenciais chilenas.

Minhas preocupações e divergências

Como se sabe, os analistas chilenos fazem boas e profundas reflexões sobre a conjuntura política. O que é menos conhecido é que a grande maioria fica engasgada com o trem de pouso, o que me faz temer que quando pousem e concluam que era melhor apoiar a Frei, Piñera já terá vencido.

A maioria das análises que tenho lido sobre as razões da derrota parcial do candidato da Concertação estão enturvados pelo grau de frustração e/ou ressentimento que o autor (a) tem com a conduta da coligação governante nos últimos anos. Isso ilustra a posição política do analista em questão e não nos traz muita luz para a interpretação.

Pior um pouco. Trata-se de interpretar, acredito que é para contribuir na elaboração de estratégias que fortaleçam a esquerda chilena e o movimento social e – digo-o claramente – não para ficar olhando os touros por cima do muro, onde é muito fácil desqualificar tudo. Cito um exemplo. Um autor que eu respeito, diz que “Derivar as explicações para um esgotamento da coalizão é demasiado simplista” (1). Caramba! Se justamente separar as razões que esgotaram a Concertação é básico para uma nova proposta. Ou quatro governos da Concertação terão passado em vão? E os antecedentes históricos, já são considerados obscenidades?

Outros dizem que não devemos pensar em um “voto de castigo” e menos ainda vincular a análise com a alta taxa de respaldo que Bachelet possui. Para mim, de forma muito simplista, decidi perguntar a todas as pessoas que pude e que votaram em Arrate ou em Enríquez-Ominami quais foram suas razões. A resposta da maioria foi que queriam marcar assim o seu rechaço aos erros da Concertação e à forma em que como se designou a um candidato desprovido de qualquer atrativo e imposto pela elite política sem primárias nem consulta às bases. Se isso não é voto de castigo não como chamá-lo.

Os analistas se perguntam, ou lhes perguntam, se votar em Piñera é o mesmo que votar por Frei, então começam dizendo que a direita é pior, que Piñera ficou milionário no governo de Pinochet. E continuam com que, de qualquer forma, Frei é um candidato ruim e que a Concertação está cheia de defeitos e fracassos. Enfim, jamais chegam a responder à pergunta concreta: Deve-se apoiar Frei no segundo turno ou não?

Meus próximos e quem votaram em Arrate Enriquez-Ominami responderam que apoiariam Frei. “Com náuseas”, disse uma, “com o coração amargurado”, disse outra. Enfim, coincidimos todos que Frei é o pior candidato que a Concertação poderia ter apresentado. Mas, igualmente, a resposta foi sim, não se deve vacilar em apoiar sua candidatura. Dizer que Frei e Piñera são a mesma coisa é uma irresponsabilidade política e acaba sendo um convite à desmobilização.

Para concluir esta parte, perguntei por Michelle Bachelet e a resposta foi unânime em respaldá-la e aprovar o seu desempenho para além das nuances e desconfianças. Ainda mais bonito foi quando uma mulher, no dia da eleição, lhe disse “a esperamos em quatro anos”, expressando um sentimento generalizado válido atualmente. Se Bachelet quisesse reeleger-se como candidata da Concertação ganharia novamente.

Leituras sobre a Concertação e as eleições

Começarei por dizer que, ao meu juízo, a Concertação é um zumbi. Um instrumento político concebido há uma década para criar o consenso básico que permitiria um processo de transição para a democracia e em 2005 já estava esgotado. E isso era lógico, já que os fins e os objetivos para os quais tinham se “concertado” uma ampla gama de partidos políticos tinham modificado de tal forma o quadro nacional que a tornava anacrônica. O outro ingrediente que a tornou obsoleta era o pujante movimento social que durante a ditadura lavrou uma força própria e uma série de reivindicações que transcendiam o modelo político, econômico e cultural que a Concertação tinha se proposto.

Penso que, já para 2005, quando Bachelet irrompe no cauteloso e sinistro mundo masculino do “Establishment” da Concertação, ficou evidente que a coalizão agonizava e os líderes dos partidos disputavam entre si o direito de se candidatar em função de cotas de poder. Não se preocupavam com o esgotamento da proposta da Concertação e menos ainda em renovações de fundo.

É por isso que o ar fresco que a candidatura de Michelle Bachelet trouxe os pegou de surpresa e diante do ímpeto dessa candidatura antissistémica fizeram um cálculo perverso. A candidata do sexo feminino, agnóstica, ex-prisioneiro política, mãe solteira, seria o balão de oxigênio que iria manter a Concertação viva e os levaria novamente ao Palácio de La Moneda. O exercício do poder permaneceria nas mãos dos de sempre, as deles.

Assim são as coisas, o mandato de Michelle está marcado, desde o início, pela medição de forças entre os antigos barões da política e uma mulher que aos poucos aprendeu a vencer as batalhas e, até mesmo, adiantou-se em várias ocasiões aos seus "muñequeos" (artimanhas), como se diz no Chile.

Para a analise do governo de Bachelet proponho que se leve em conta que governou, apesar da cúpula da Concertação, enfrentando o machismo hipócrita dos dirigentes, submetida constantemente ao fogo amigo dos partidos políticos que não se resignavam a ser governados por uma mulher. Mesmo que fosse de suas fileiras. Como escreveu Manuel Cabieses em “Ponto Final”, foi submetida a um “feminicídio político”, e esse é um elemento obrigatório para analisar o seu desempenho e a profunda espiral de deterioração em que a coalizão governista entrou.

Por essa razão acredito que não pode haver uma transmissão mecânica de 80% da popularidade de Michelle Bachelet para o candidato Eduardo Frei. Porque as pessoas não a identificam com a Concertação, mas como uma proposta distinta que com erros e desacertos procurou justamente se distanciar da política tradicional de uma esquerda estagnada.

Isso não a exime das responsabilidades, mas redireciona a análise e depois haverá tempo para analisar o fenômeno Bachelet. Mas não se podem ignorar os avanços da Concertação na parte social, por exemplo. Alguns analistas enfocam o governo de Bachelet exclusivamente nos pontos que ficaram pendentes e cobram as dívidas que tem com o país sem se deter nas responsabilidades que, nestes casos, corresponde a outros atores.

O que é urgente agora é medir a incoerência programática da Concertação, a orfandade ideológica da esquerda institucionalizada e a ausência de novas propostas. Uma redefinição estratégica não atole na busca de caras novas, mas que se consagre a ouvir as reivindicações da sociedade e elabore uma nova idéia de democracia. Não há mais que andar na busca do consenso perdido, de “concertar”. A verdadeira democracia nutre-se de consensos, divergências e das contradições entre as idéias.

Há um número assustador, que mostra a orfandade de propostas próprias dos setores progressistas chilenos: Piñera recebeu 42,31% dos votos nas dez cidades com maior taxa de desemprego do país, e 51,02% nos dez municípios com as maiores taxas de pobreza, incluindo as comunidades indígenas. (Estudo estatístico do El Mercurio, 15 de Dezembro).

Como é possível que não houvesse uma oferta política que atraísse esses setores sociais tão desprotegidos? Por acaso não foi possível concordar em que o sistema eleitoral tem que mudar; abrir um referendo para revogar a Constituição de Pinochet; reconhecer os direitos dos povos indígenas e acabar com a criminalização da luta dos Mapuches, entre outras coisas?

Contexto Internacional

Finalmente, aqueles que dizem que Piñera e Frei são o mesmo, não pararam para pensar que a vitória do empresário milionário é uma derrota para todos os progressistas do continente. Já pensaram que a Piñera não faltara tempo para sair correndo e se fazer transformar em de Uribe e Aznar e novo porta-voz dos EUA no Cone Sul?

Aqui também estão em jogo as correlações de forças internacionais e o pior candidato da Concertação sempre melhor do que um neopinochetista como Piñera. A esquerda chilena não pode separar-se deste esforço internacionalista para fortalecer a UNASUL, a ALBA e uma série de propostas que buscam um mundo melhor a partir de uma perspectiva social, inimiga do neoliberalismo e cansada de ver sacrificados seus direitos por um modelo de exploração em crise.

(1) Marcos Roitman (Rebellion, 05-01-2010)

terça-feira, 12 de janeiro de 2010

COLÔMBIA: A PRIVATIZAÇÃO DA GUERRA



Fonte: ANNCOL

Esta observação nos traz duas mensagens claras que devem ser objeto de debate, o primeiro é a dificuldade de diferenciar um alvo militare, por exemplo, a diferença entre um civil e um soldado torna-se mais difusa, pela própria dinâmica da guerra atual ( Afeganistão, Iraque, Colômbia, etc.). A segunda tem a ver com a perda do Estado no sentido weberiano da palavra, do monopólio da violência, ou do monopólio sobre as armas e fazer justiça. Em muitos países impõe-se mais a justiça privada, a guerra privada, e a substituição do Estado, muitas vezes promovido pelo próprio Estado, como ocorre na Colômbia, nos EUA e no Afeganistão, só para citar alguns exemplos.

Um civil e um soldado da Colômbia, qual é a diferença? O Estado colombiano, as suas instituições e todo o seu sistema político, promovem uma visão do cidadão-soldado, uma estratégia de defesa nacional. Para começar, a Polícia Nacional, que deveria ser uma instituição cívica, está completamente militarizada, com a sua inscrição no ministério da defesa, e não no ministério do interior, como em qualquer país civilizado. Basta observar os diferentes cursos militares que o exército colombiano oferece a empresários, jornalistas, pecuaristas e outros sectores da sociedade colombiana, assim como também o projeto paramilitar, que tem sido, sem dúvida, uma política de Estado (Um milhão de informantes, Guardas florestais, Famílias em Ação, Convivir, cooperadores). Na Colômbia, o militarismo dos civis que compõem o regime político-econômico o torna ainda mais difícil. Isso explicaria por que o atual ministro da Defesa colombiano vem do exercício da presidência de uma associação de cafeicultores para daí passar a dirigir o exército mais profissional e mais criminoso da América Latina. E o que dizer do seu discurso, não somente suplantou o ministro do exterior, mas que obscurece o próprio discurso dos militares da ativa.

O exército no terreno, em zonas de guerra invade todos os espaços civis, não para proteger os civis como diz o discurso oficial, mas se proteger com eles. Em muitas áreas da ordem pública, o Exército constrói suas trincheiras, a propósito, ao lado de escolas, postos de saúde, malocas indígenas e casas de camponeses, utilizando-os como escudos humanos.

Tudo esse ambiente nacional faz com que o regime como um todo, ou seja, todos seus representantes e todas suas instituições nacionais, departamentais ou municipais, são considerados alvos militares pelas forças insurgentes. Os ministros, independentemente da pasta, são alvos militares porque eles participam ativamente na implementação da guerra na Colômbia seja aprovando uma lei, seja desenvolvendo as políticas de guerra e do exercício do poder.

Envolver os civis para defender a pátria, é a estratégia dos “patriotas” do regime, que quando lhes convém, a pátria é de todos, e com esse discurso, convoca-se os pobres da Colômbia para o serviço militar e fazer a guerra, em nome de uma suposta pátria imaginária, que não existe para os milhões de pobres e deslocados do país. Na hora de dividir o bolo burocrático, e a riqueza da nação, então, nesse momento supremo, o círculo se fecha para os seus mais próximos e os soldados “bucha de canhão", que fazem a guerra em seu nome, não contam para a oligarquia.

O pior de tudo é a derrota do Estado, dois exemplos simples de dois aliados estratégicos como a Colômbia e os EUA, mostram que para atingir os objetivos que permitam a supremacia dos grupos de poder correspondentes, são capazes de sacrificar o seu próprio aparato de coesão e coerção social.

O Estado colombiano, diante da incapacidade de garantir uma distribuição equitativa dos recursos, converteu-se num ente repressivo, instrumentalizado para esmagar o pensamento diferente, por isso todo o seu esqueleto jurídico-repressivo existe em função do inimigo interno.

Desde o Estado tem se gestado todas as gerações de paramilitares, desde Sangue Negro, chispas e outros, “pájaros” e “Chulavitas”, passando pelos irmãos Castaño e outros de nefasta lembrança. Todos com o sinal sombrio de estender a repressão do terrorismo de Estado. O Estado colocou o seu departamento de segurança, o DAS, ao serviço dos paramilitares fechando com broche de ouro o ciclo vicioso de entregar-se ao serviço de interesses nefastos. A dissolução do DAS, ou a mudança de seu nome, não resolve o problema, porque tudo o que aconteceu é, simplesmente, uma política de Estado.

Nos EUA está acontecendo o mesmo com a CIA, central de inteligência medíocre e delitiva cujo controle ninguém possui, nem o comandante em chefe do Exército, o presidente Obama.

A CIA passou de uma agência de espionagem e fonte de informações para decisões políticas a um organismo militar que ninguém controla. A CIA é um cartel do crime, que troca drogas por armas (escândalo Irã - Contras) e que tem assumido ultimamente, após os dois Bushes, um papel operacional, mercenários sem Deus nem lei. A morte de seus oito terroristas no Afeganistão, na quarta-feira 30 de dezembro, disparou todos os alarmes, do verdadeiro envolvimento da CIA na parte operacional da guerra.

A CIA veste-se de ONGs, de fundações de desenvolvimento, de centros de pesquisa, Mórmons, missionários, de escritório de mercenários. O uso da USAID por parte da CIA tem sido evidente em toda a América Latina e CONVERTE a USAID, sem dúvida, num alvo militar. Os EUA utilizam civis e empreiteiros que são, em termos operacionais, mercenários e terroristas, por tanto objetivos militares. Em 15 de dezembro, um destes mercenários foi detido em Cuba e há rumores, que como este, muitos outros se deslocam em território latinoamericano, com a fachada das ONG's que apregoam a paz, o desenvolvimento, a ecologia e outros discursos que servem de cobertura legal às suas conspirações e golpes de Estado.

Vejamos um exemplo pontual citada pela advogada Eva Golinger sobre a Venezuela e Bolívia:

“Desde junho de 2002, a USAID mantém um Escritório para as Iniciativas rumo a uma Transição (OTI) na Venezuela, através do qual tem canalizado milhões de dólares para a oposição contra o presidente Hugo Chávez. A mesma empresa ativa no Afeganistão e ligada à CIA, Development Alternatives, Inc. (DAI) foi contratada pela USAID na Venezuela para gerir o orçamento milionário com o objetivo de ‘apoiar a sociedade civil e a transição para a democracia’. Mais de duas mil páginas parcialmente desclassificadas da USAID sobre suas atividades na Venezuela, mostram a relação entre a DAI e setores da oposição, com programas que visam ‘fortalecer’ seus partidos políticos, projetar suas campanhas políticas e ajudar a consolidar um movimento contra o governo venezuelano. Na Bolívia, a USAID foi expulsa neste ano pelos habitantes de dois municípios, Chapare e El Alto, sob a acusação de intervencionista. Em setembro, o presidente Evo Morales anunciou a conclusão de um acordo oficial com a USAID devido ao desvio de fundos bilionários para os grupos separatistas que procuram ‘desestabilizar o país’".

A pergunta óbvia é: estes funcionários da USAID são simplesmente civis ou são potenciais alvos militares das forças insurgentes. O mais grave é o precedente aberto pelos estados, ao considerar que um jornalista crítico, um sindicalista ou um defensor dos direitos humanos é um terrorista em roupas civis, como os tem chamado Uribe Velez. O duplo moral é incrível, porque com essa mesma lógica com que declaram a todo inimigo político de terrorista, lhes serve para ocultar que na divisão do trabalho repressivo, certos civis realizam tarefas militares. Um prefeito e um governador que financiam os paramilitares, que trabalham em conjunto com os órgãos de segurança departamental ou municipal são alvos claramente militares, ou não?

A degradação de guerra é imposta a partir das instâncias de poder. Não são os rebeldes que escolheram o método de luta, este foi imposto de cima. A degradação da guerra sugere-nós o imperativo ético de acabar com ela. Deixemos essa historinha da humanização da guerra, o que todos devemos fazer é lutar para finalizar a guerra.

A privatização da guerra por parte dos Estados impõe um discurso que transcende a fronteira da moralidade. Uma prática não pode ser boa porque é praticada pelo Estado e má porque é praticada pelos insurgentes.

A mão militar de Israel em Nossa América, intervenSionismo mercenário

Entrevista com Sergio Yahni, diretor do Centro de Informação Alternativa de Jerusalém

Catherine Hernandez, William Urbina e Bashir Ahmed da Rádio Guiniguada

*Pergunta: O golpe em Honduras e a instalação de sete novas bases militares norte-americanas na Colômbia evidenciam uma escalada de agressões contra os processos de libertação que estão ocorrendo na América Latina. Como você interpreta essa situação?

Sergio Yahni: O Centro de Informação Alternativa, que é uma organização palestino-israelense, se solidariza com os povos da América Latina em sua luta, e também vemos em sua evolução social e política um lugar de esperança não só para a América Latina, mas também para nós, já que o conflito na América Latina contra o Império e o conflito que está ocorrendo no Oriente Médio estão estruturalmente relacionados.
Não se trata apenas de métodos violentos, mas também de métodos que já haviam sido experimentados aqui no Oriente Médio pela ocupação. Então por isso eu digo que nós estamos falando de uma relação estrutural, tanto pela opressão imperialista militar, quanto pela resistência, não é uma mera relação causal.

O que acontece é que a ocupação da Palestina e os conflitos causados pelas forças armadas de Israel tornaram-se um laboratório para experiências em tecnologias militares e táticas que mais tarde também se implementam na América Latina, por exemplo, as mesmas tecnologias de armas sem pessoas, aviões sem pessoas, tanques sem pessoas, e assim por diante, que o Império começa a utilizar na América Latina e são utilizados e experimentados aqui no Oriente Médio, especialmente na Faixa de Gaza contra o povo palestino; esse é um elemento.

O outro elemento é que o exército de Israel e as empresas privadas criadas por generais e coronéis israelenses já intervêm diretamente na América Latina auxiliando a repressão, tanto como instrutores (dando treinamento militar) ou mesmo atuando diretamente.

*P: Pelo menos há dois anos sabe-se que os líderes sionistas exportam seu modelo macabro para a Colômbia (Plano Colômbia), mas agora esta presença é descoberta e essa informação é tratada com mais força por causa do que está ocorrendo em Honduras. Que visão que vocês têm sobre esse assunto?

SY: Já vimos claramente essa relação na operação que assassinou Raúl Reyes. Vimos que era uma tática clássica do exército israelense a operação militar na Colômbia que assassinou Reyes e, em seguida, toda a propaganda do famoso computador de Reyes. Foram táticas utilizadas aqui anteriormente, e vinham com a assinatura do exército israelense.
Aparentemente, os assassinos de Reyes foram treinados por oficiais israelenses que não foram responsáveis pela operação em si, e também é claro o contato direto do comerciante de armas do exército de Israel, tanto com os paramilitares na Colômbia, como com o governo da Colômbia, não poderia se nomeado: o coronel Yair Klein, que já é um histórico vendedor de armas, principalmente para os paramilitares na Colômbia.

O grande assunto no momento é a situação de Honduras, onde há uma antiga intervenção israelense na América Central, com a presença de oficiais israelenses ativos ou aposentados, que vem da época da revolução nicaragüense, onde havia um coronel israelense, juntamente com Somoza. Sabemos agora das armas israelenses em Honduras, sabemos que Israel está treinando o exército hondurenho, mas também devemos ter em mente que estamos falando de questões secretas, que nenhum jornal publicou, e por isso sequer estamos tendo o princípio da informação.


*P: Que informações vocês têm sobre o papel que jogam estas “empresas de segurança” de israelenses com os EUA, e a estratégia do governo de Israel?

SY: Existem diferentes níveis que haveríamos de analisar. O primeiro é de nos perguntarmos porque é uma empresa privada, e não diretamente o Estado, e isso tem muito a ver com uma política de ideologia neoliberal, que envolve a privatização de tudo. Temos visto que os bens sociais foram privatizados na América Latina e em todo o mundo, e o último bem social que privatizaram, e isso é latente na guerra do Iraque, são os exércitos.

Estamos em um processo no qual, para o capitalismo e o imperialismo, sai mais barato empregar forças de segurança privadas, do que um exército
nacional. Por isso Israel, que está na vanguarda do neoliberalismo, adotou a tática de privatizar a exportação de tecnologias militares. Voltando ao caso da Colômbia, que é onde temos mais informações, sabemos que a empresa privada que treinou o exército colombiano para matar Reyes recebeu 10 milhões de dólares para essa operação, e eu estou falando sobre o material que já foi publicado em Israel.
Inicialmente, a Colômbia tinha vindo ao serviço secreto de Israel, o Mossad, para pedir ajuda, e lhes deram o contato com empresas privadas, de pessoas que também fazem esses serviços para o Mossad. Este é o primeiro elemento que devemos levar em conta, estamos falando de um
sistema complexo onde a ideologia neoliberal está intervindo.

O segundo elemento é que Israel historicamente - e quando eu digo que historicamente poderíamos voltar para os anos 60, e especialmente para os 70 - é um fornecedor de trabalhos sujos para os EUA. Por razões políticas e outras, há coisas que os EUA não podem fazer, e é aí que começa o papel de Israel, subempreiteiro, e vimos isso em tudo o que conhecemos como América Latina, África e Ásia, onde o Estado de Israel, como um Estado em primeiro lugar, e mais tarde como empresas privadas, tem feito o trabalho sujo.
Quando Somoza era indefensável estavam lá os israelenses para defendê-lo. Em casos como quando havia que dar apoio militar a grupos paramilitares na Colômbia, ali estavam as empresas israelenses para vender armas, pois era algo que os EUA por suas próprias razões e interesses não podiam fazer. Israel aparece como um sub-contratante que trabalha para os EUA. Agora, temos que levar em conta que devemos olhar as coisas de uma perspectiva de resistência. Perceber que existem contradições e depois ver como podemos usar essas contradições. Porque se Israel é uma empresa subcontratada, dependente dos trabalhos que lhe incubem os EUA, ela também tem seus próprios interesses, e que em muitos casos, vemos que Israel tenta vender armas e treinamento além dos limites que os EUA já tinham delimitado
trabalhos que lhe incubem os EUA, ela também tem seus próprios interesses, e que em muitos casos, vemos que Israel tenta vender armas e treinamento além dos limites que os EUA já tinham delimitado.

Por isso temos que usar duas coisas a partir da perspectiva da resistência:

1) Utilizar essa contradição;
2) No caso de Israel, que está fazendo o trabalho sujo, é muito importante continuar as campanhas de boicote, em especial com a questão da venda de armas israelenses na América Latina.
Porque, por exemplo, é inadmissível que estas empresas de segurança, que estão matando pessoas na América Central, ou fazem parte do paramilitarismo na Colômbia, recebam contratos nacionais com o Brasil ou a Argentina. Por isso devemos começar a mobilizar as pessoas para expulsar as forças de segurança de Israel.

*P: Em relação à Venezuela, é pautada por Dani Ayalón (ministro dos Negócios Estrangeiros de Israel) uma base iraniana na América Latina. Qual é a visão que você tem da Venezuela a partir da perspectiva da resistência?

SY: O Estado de Israel vê a Venezuela como parte do eixo do mal, simplesmente. Israel tem seu interesse concreto no Oriente Médio, e está em desacordo com o Irã, porque o Irã tornou-se uma base de resistência ao imperialismo na região, que não é um estado pequeno, é um Estado com capacidade militar para opor-se ao que Israel faz; poderia pôr em perigo a Israel, e é por isso que Israel está tentando isolar o Irã, mas a Venezuela rompe o isolamento do Irã e assim se torna um inimigo das políticas de Israel, porque a Venezuela não é apenas a Venezuela: é a Alba, são as relações com a América Latina, e também com o Brasil; e o Brasil mantém relações com o Irã, e isso quebra a estratégia de Israel de isolar o Irã.

Fonte: "A Voz das Canárias Bolivariana", na Rádio Guiniguada, Ilhas Canárias

segunda-feira, 11 de janeiro de 2010

Corte Suprema de Honduras aceita ação contra militares que comandaram golpe de Estado

Renata Giraldi
Repórter da Agência Brasil


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Brasília - A Corte Suprema de Honduras aceitou hoje (11) a ação movida pelo Ministério Público contra os comandantes das Forças Armadas que lideraram o golpe de Estado contra o presidente deposto, Manuel Zelaya, em 28 de junho de 2009. Os militares são acusados de abuso de autoridade e expatriação ilegal. Os oficiais foram informados nesta segunda-feira sobre o processo e que deverão apresentar suas explicações.

O presidente da Corte Suprema, Jorge Rivera, irá ouvir os comandantes militares na próxima quinta-feira (14) à tarde. Preocupado com as repercussões sobre o assunto, o magistrado alertou que o local escolhido para ouvir os comandantes deve ter segurança garantida. Segundo ele, a escolha deve considerar ainda a comodidade dos denunciados.

Na última quarta-feira (7), o Ministério Público de Honduras pediu a instauração de processo contra os militares por “abuso de autoridade”. Desde o golpe de Estado, que contou com o apoio de militares, integrantes da Corte Suprema e do Parlamento, o país centro-americano está mergulhado em uma profunda crise política e foi isolado por parte da comunidade internacional, inclusive o Brasil.

Determinado a assumir o poder, Zelaya retornou a Honduras e está abrigado na Embaixada do Brasil em Tegucigalpa (capital hondurenha) há cerca de quatro meses – ele entrou na representação diplomática no dia 21 de setembro de 2009.

As FARC são invencíveis!

Escrito por Dax Toscano Segovia

Nesta entrevista, o importante jornalista colombiano analisa a atualidade e a história das FARC, o maior grupo guerrilheiro que existe na América.

À “belíssima Lucero” e ao seu companheiro de luta, Simón Trinidad

Resumo latino-americano/ ABP

– Dias antes de contatar Jorge Enrique Botero, o entrevistador começou a ler um livro de autoria do jornalista colombiano, intitulado “Simón Trinidad, um homem de ferro”. A leitura o fascinou desde o início ao tratar das passagens da vida de um dos comandantes das FARC, hoje detido injustamente num cárcere norte-americano, país para o qual foi extraditado com o aval de Uribe, mas também por explicar a história de resistência e rebeldia de um povo que vem sofrendo os embates de uma criminosa oligarquia criolla e do voraz imperialismo ianque, o que permite compreender porque a insurgência colombiana é a força revolucionária que, ao levantar as armas, se constituiu em exército e os colombianos que formam parte dessa massa são despossuídos, sem-terras e violentados por esses grupos do poder e seus criminosos aparatos militares e paramilitares.

Botero é um jornalista diferente daqueles melindrosos e cretinos que vemos nos cenários dos escritórios das indústrias midiáticas. Trajando seu uniforme de combate, Jorge Enrique percorre os lugares mais recônditos para indagar, investigar sobre os acontecimentos, sobretudo para, através de uma prática militante não apenas relacionada a sua atividade de jornalista, mas sim com a causa revolucionária, divulgar com objetividade e veracidade o que ocorre nos locais onde avança a luta pela conquista de uma Nova Colômbia.

Apesar das acusações feitas contra ele pelo narco-paramilitar presidente da Colômbia, Álvaro Uribe Vélez e seus auxiliares, não possui nenhum temor de expor com clareza as mentiras que se divulgam sobre as FARC-EP através de uma muito efetiva campanha propagandística, difundida pelos meios de comunicação a serviço da oligarquia colombiana e do imperialismo ianque.

Com seus conhecimentos, resultado de suas vivências e sua atividade como repórter, assim como de seu amplo saber sobre a história de seu país, pôde demonstrar que a insurgência colombiana não é uma agrupação terrorista, e sim uma formação constituída de homens e mulheres com profundas convicções e ideais revolucionários que lutam para mudar a realidade vergonhosa a que está submetida a maioria de colombianas e colombianos.

Jorge Enrique Botero representa o que os jornalistas deveriam ser: profundos conhecedores da história e realidade social dos povos, indagadores assíduos que buscam a raiz das coisas, pessoas com convicções profundas e com sólidos princípios, lutadores e revolucionários da causa dos oprimidos e explorados e não rasteiros e obedientes reprodutores dos donos das indústrias midiáticas.

Com Botero é possível compreender em sua totalidade o que é a insurgência colombiana, representada, principalmente, pelas FARC-EP.

1. A propaganda do imperialismo e da oligarquia colombiana representada, principalmente, pelas indústrias midiáticas qualificam as FARC-EP como uma organização terrorista, de narcotraficantes. Como jornalista e investigador, o que pode dizer sobre essas afirmações?

Responderia a você, Dax, o mesmo que disse a um tribunal dos EUA, quando julgavam um dos comandantes das FARC extraditados para esse país, Simón Trinidad, em virtude de um tratado que existe entre o governo da Colômbia e o dos EUA. Um magistrado perguntou o que eram as FARC para mim. Respondi que para mim as FARC são uma organização político-militar que levanta armas contra o governo colombiano há quase 50 anos, que possui uma estrutura e uma forma organizativa que permitem a existência de um exército rebelde dentro do território colombiano e que é inspirada em ideais e convicções políticas e ideológicas, estendida por todo o território colombiano e que tem uma decidida vocação de poder e que, neste momento, é um fator de poder no país.

Não é de nenhuma maneira uma organização terrorista. Me parece que esta tem sido uma criação pérfida da mídia orientada e dirigida pelas elites da Colômbia e dos EUA, que se aproveitam um pouco da conjuntura posterior ao 11 de Setembro de 2001 e sustentam em evidências inexistentes, posto que não há provas sobre isso.

São muito mencionados certos tipos de ações empreendidas pelas FARC para sustentar sua suposta condição de organização terrorista, como, por exemplo, os seqüestros. Este é um dos cavalos de batalha com que se trabalha a idéia de terrorismo das FARC.

Eu posso relatar, por já ter estado em contato e no local, sobre a condição dos prisioneiros de guerra, membros da força pública, que estão atualmente sob a custódia da insurgência. São pessoas que caíram em poder de seu adversário depois de horas e horas de combate, de enfrentar com balas seu adversário. Então, algumas pessoas duraram dez, quinze horas combatendo e caíram em poder de seu adversário. Elas não podem ser chamadas de seqüestradas. São prisioneiros de guerra. Isso não possui outra denominação.

Por outro lado, se acusa a insurgência armada de ser uma organização terrorista porque, supostamente, faz recrutamentos forçados de menores de idade. Isso é absolutamente falso! Eu podia constatar essa situação com meu próprio trabalho como repórter.

Evidentemente existem menores de idade na insurgência. Isso é uma questão inegável e tampouco é algo que diminui a insurgência. Quando as câmeras fotográficas de todo o mundo entraram na zona de Caguán, puderam registrar, aberta e livremente, a presença de menores de idade ali. Porém, a explicação da presença dos menores não tem nada a ver com um recrutamento forçado. Tem a ver com a falta de oportunidades e de futuro que possuem esses garotos, tem a ver com a ausência total do Estado, de uma perspectiva educativa e com a ausência total, em muitos casos, de condições materiais adequadas para seu desenvolvimento. E mais, eu diria que a grande maioria desses menores que militam nas fileiras insurgentes estão ali porque seus pais ou seus familiares foram assassinados, seja pelas forças paramilitares, seja pelas forças do Estado. Eu vi crianças que chegam lá fugindo de episódios brutais de violência. E o que faz a guerrilha? A guerrilha os acolhe. Não vai deixá-los à própria sorte.

Posso dar meu testemunho de que são crianças que não participam diretamente dos confrontos bélicos, que não estão submetidos aos terríveis riscos do combate e que desempenham, quando muito, funções ligadas à logística. Isso é muito irônico. A acusação de terrorismo às FARC quanto ao seu método de recrutamento de menores é uma verdadeira ironia, porque o que se vê é que esses menores são obrigados sim a aprender a ler, a escrever, alfabetizando-se no mundo insurgente.

Então, qual violação aos Direitos Humanos Internacionais está ocorrendo aqui? Ao meu modo, nenhuma.

Enfim, há uma série de acusações que necessitam de evidências, não são mais que uma construção da mídia.

2. Outra acusação que fazem às FARC como parte de uma campanha de desprestigio, que está mais evidente desde o assassinato de Raúl Reyes, de Iván Ríos, as deserções de pessoas que, supostamente, teriam uma alta patente dentro da estrutura militar das FARC como Karina ou a traição de comandantes na famosa Operação Jaque, é de que esta organização revolucionária está desmoralizada, em vias de ser derrotada e que seus combatentes nela permanecem não por princípios revolucionários, e sim para delinqüir. Você que conhece de fato as FARC-EP e que tem estado em acampamentos guerrilheiros, o que pode dizer a respeito?

Bom, é evidente que ao longo dos anos de 2007 e 2008 se desenvolveu uma gigantesca operação militar que vem custando milhares e milhares de milhões de dólares ao governo dos EUA e ao governo da Colômbia. Essa operação faz uso dos mais sofisticados aparatos de tecnologia moderna no terreno bélico. Assim, as FARC receberam uma série de golpes que, em primeiro lugar, comprovam que o Estado colombiano e seu grande aliado norte-americano investem somas monstruosas de dinheiro para poder confrontar seu adversário, desmentindo aquela idéia de que na Colômbia não há conflito armado. Dessa maneira, receberam golpes, é uma guerra e nessa guerra há momentos de desequilíbrio da balança militar.

Recordo, por exemplo, que no ano de 1998 as FARC empreenderam mais ou menos 10 golpes de grandes proporções às forças militares e chegaram a ter 500 soldados e policiais em seu poder como prisioneiros de guerra. A balança militar estava decididamente a favor da insurgência. Entre outras coisas, alguns analistas dizem que foi isso que obrigou o governo do presidente Pastrana a chegar a uma negociação política que ficou conhecida como a negociação de Caguán.

Agora, os golpes sofridos pelas FARC atualmente, indubitavelmente ressentiram a estrutura e, porque não, o ânimo da insurgência. Para uma guerrilha cujo grande mito fundacional, cujo grande emblema, cuja luz era Manuel Marullanda Vélez, já não tê-lo é um grande golpe mental nos guerrilheiros. Os episódios que você menciona, a morte em território equatoriano do Comandante Raúl Reyes, o posterior assassinato de Iván Ríos, etc, geraram também efeitos na estrutura militar porque eram chefes guerrilheiros e sobre seus homens, já que pesaram sobre eles a responsabilidade de substituir os antigos chefes.

Porém quero dizer a você, Dax, que eu, como observador atento dessa realidade, prognostiquei naqueles momentos que a guerrilha ia custar muitíssimo tempo e esforço para recompor-se dos golpes sofridos. E no desenvolvimento de meu trabalho como repórter e de cobertura do conflito colombiano voltei ao mundo insurgente em várias ocasiões depois desses episódios e eu fiquei verdadeiramente surpreso, atônito, diria eu, com a capacidade de recuperação que tem a guerrilha. Isso talvez porque, digamos, sua força interior é muito grande ou porque seus mitos fundacionais e seus propósitos são a prova de tudo ou, talvez, porque haviam previsto tudo.

Eu recordo bem que em minhas viagens para entrevistar o Comandante Raúl Reyes, eu mencionava com pesar ou prestava condolências por estar inteirado do assassinato ou da morte em combate de algum guerrilheiro que conhecíamos e que ele se surpreendia com a minha preocupação. Dizia “se nós assumimos que estamos em uma guerra, o mais normal que poder acontecer é a morte”. Eles têm assumido isso desde que tomaram as armas e enfrentaram o Estado. Também sabem que uma das possibilidades, inclusive uma das maiores possibilidades de sua vida, é a morte. Então, eu não sei na realidade quais são os significados ou a soma dos significados que existe hoje em dia. Depois de semelhantes golpes, as FARC estão novamente com grande disposição combativa, talvez até maior que a de alguns anos, e que com uma imensa capacidade de recuperação.

Eu acredito que o discurso deste oficial do alto comando militar e do próprio presidente Uribe no sentido de que as FARC estão a ponto de serem exterminadas, a poucas horas de sua dissolução total, não é mais que uma aspiração deles, um sonho.

Porém, eu digo com todas as letras, e não digo como uma frase feita, eu digo como uma realidade histórica, possível de comprovar pela ciência, pela história, pela política que as FARC são invencíveis! São invencíveis!

A outra discussão é sobre as possibilidades ou a capacidade de chegar ao poder. É uma outra discussão. Porém, não vão aniquilar as FARC. E como não a aniquilarão, isto nos leva a concluir, se somos seres humanos sensatos, pensamos num país, no futuro da sociedade colombiana e no âmbito latino-americano, que a única saída é uma negociação política, é a via do diálogo, é a assinatura de um grande pacto de paz que devolva aos colombianos algo que nos é de muito apreço e que perdemos durante cinco décadas, a paz, e que nos permita ver o futuro de outra maneira, não com esta sensação permanente de belicismo e agressividade a qual estamos acostumados no governo Uribe.

3. Muito poucas pessoas podem ter acesso a uma informação objetiva, verídica do que realmente constitui as FARC-EP. Esta situação permite que a propaganda do imperialismo e dos regimes narco-paramilitares colombianos se dissemine e convença muita gente, internalizando a qualificação das FARC como organização terrorista. Como comunicador social, que elementos você considera que caracterizam essa propaganda e como enfrentar essa propaganda para que as pessoas compreendam melhor o que são as FARC?

Importantíssima essa pergunta, Dax. Porque creio que aí está o nó que temos que desatar. Eu acredito que a sociedade colombiana está aterrorizada. O grande trabalho da mídia é conduzido pelas mais altas esferas do poder, sobretudo o poder econômico, é fazer a sociedade colombiana acreditar que existe um inimigo a postos, que estamos em meio aos piores perigos e que há que cerrar fileiras e apoiar a idéia de que a única forma de acabar com esse monstro que supostamente existe, pronto para devorar a sociedade colombiana, é com todos os fogos, com todos os ferros.

Repare que a construção da ameaça terrorista das FARC, que assim é denominada pelo presidente Uribe, está agregada a outro grande demônio que tem aterrorizado e paralisado a sociedade colombiana. Há movimentos de resistência, há gente na rua e na insurgência armada, porém, se você observa o conjunto da sociedade colombiana, verá que ela está absolutamente paralisada e isso facilita a construção de outro demônio que é ninguém menos que o presidente Chávez. Falta pouco para que nas rotinas familiares da Colômbia, aquela ameaça feitas às crianças que não querem comer, de trazer o bicho papão, se converta em se não comerem, trarão Chávez. É impressionante o nível de macartização, estigmatização e caricaturização que está sendo feito do presidente da Venezuela pelos meios de comunicação.

Então, nessa atmosfera de sociedade paralisada, que repito ser fruto de uma grande construção midiática e com isso respondo a sua primeira pergunta, eu vejo que não nos resta outro caminho que o de estimular e dar todo apoio, impulso, esforço que seja possível àquelas expressões comunicativas que saem do discurso oficial.

Conversávamos ontem, na abertura do encontro continental de jornalistas, sobre a quantidade de ferramentas que estão ao nosso alcance agora, e também falávamos da afortunada aparição da Telesur no espectro eletromagnético de nosso continente. E falamos até das paredes. Enfim, eu penso, Dax, que não nos resta outra saída se não nos engajar numa guerra midiática, às armas midiáticas, com todos os ferros, com todas as ferramentas ao nosso alcance!

Temos que contra-atacar de mil maneiras este ataque tão terrível do qual estamos sendo vítimas. Não como revolucionários, mas as sociedades como um todo, a sociedade colombiana no nosso caso, e a sociedade latino-americana que parece adormecer perante o exitoso projeto comunicacional impulsionado pelas elites.

Isso nós também temos que aprender. Eu não creio que vamos apelar para as imundices que eles apelam e para as manipulações. Porém, do ponto de vista técnico, do ponto de vista estético, da qualidade, temos que aprender a utilizar muitos desses recursos porque, repito, se algo que temos que reconhecer é que sua tarefa foi objetiva e eficaz. É uma porcaria, um atropelo, é uma coisa maquiavélica, mas eficaz. Então, temos que redobrar os esforços com grande decisão, para ver se conseguimos reverter ou nivelar um pouco a situação.

4. Parte dos ataques contra as FARC-EP constituem a criminalização de todas e todos aqueles que, de certa maneira, manifestam apoio à insurgência colombiana. Já o qualificaram de porta-voz dos “terroristas”. Isto faz, inclusive, com que as próprias organizações de esquerda e os intelectuais que vem expressando certo respaldo às FARC-EP, tenham medo de fazê-lo com maior empenho, mantendo-se em silêncio, enquanto o imperialismo e a oligarquia vociferam o que bem entendem. O que fazer para enfrentar esta campanha de amedrontamento que conduz ao silenciamento?

Eu tenho uma teoria sobre isso. O que se busca com essa tarefa de criminalizar, estigmatizar e pôr uma etiqueta, um “INRI” nas pessoas é basicamente amedrontar, para que nos escondamos, fujamos. Por exemplo, eu que estou na Colômbia fugiria para o Equador, para a Venezuela, para a Europa. Isso é o que querem e por isso colocam em perigo a vida de muitas pessoas e reproduzem estas qualificações absurdas e sem sustento que fazem sobre essas pessoas, organizações, equipes de trabalho.

O presidente Uribe disse numa entrevista coletiva que fulano, fulano e fulano, referindo-se a três jornalistas, entre eles eu, “são porta-vozes da insurgência e publicitários do terrorismo”. Na Colômbia, há mais de dez loucos que interpretam isso como uma ordem para assassinar uma a uma essas pessoas citadas pelo presidente. Então, é isso que acontece. As opções, repito, são duas; me escondo, passo para a clandestinidade e começo a fazer coisas que eu não conheço e não sei fazer e farei mal ou amplio meu cenário de ação e sigo fazendo meu trabalho e o faço com mais empenho, me coloco mais visível e com mais visibilidade, de certa maneira, me protejo.

E bom, tenho que apelar também para as organizações internacionais que velam por esses temas de direitos humanos, as organizações de jornalistas de todo o mundo, aos pronunciamentos de personalidades internacionais. Isso de alguma maneira limita a capacidade de agressão das pessoas contra as quais decidimos enfrentar.

Eu me situo ao lado dos que buscam crescer perante esses ataques e censuro, ainda que entenda e aceite em muitos casos, já que não parece ser o caminho mais adequado, o exílio, o desaparecer de cena, o calar-se.

5. Outra acusação contra as FARC-EP é a de que esta organização mantém seqüestrados um grande número de pessoas em campos de prisioneiros na selva, onde os mesmos são maltratados e até mesmo torturados. Você que teve a oportunidade de estar nestes lugares, pode contar-nos qual é a realidade sobre os cárceres das FARC-EP?

Este assunto sobre a suposta crueldade no tratamento aos prisioneiros de guerra é outra construção da mídia.

Vejamos.

Evidentemente as imagens do cativeiro, eu gravei várias delas, aliás, acredito que oitenta por cento das imagens que saem do cativeiro são minhas já que eu estive ali algumas vezes, são bastante fortes. Estamos falando de pessoas que estão num cativeiro localizado na selva fechada, em condições atmosféricas difíceis, em condições de salubridade complicadas, com dificuldades de alimentação muitas vezes, em épocas como verão aumentam as dificuldades de conseguir água, são lugares onde entra muito pouco sol, estão no meio da mata. Repito que, do ponto de vista do impacto visual, é muito fácil usar essas imagens para o fim que se deseja.

Eu me recordo, por exemplo, quando eu exibi algumas imagens no canal do Caracol onde eu trabalhava, dos 500 soldados que diziam terem estado presos pela guerrilha. Quando apresentei essas imagens, apresentei também um documentário e o canal me censurou, não deixou ir ao ar, porém ficou com as minhas imagens. Eu denunciei a censura e eles me demitiram. Porém, os filhos da mãe ficaram com as minha imagens e começaram a divulgá-las, colocando na metade da tela imagens dos campos de concentração nazifascista na Alemanha da Segunda Guerra Mundial e na outra metade da tela as minhas imagens, fazendo uma comparação, uma analogia entre os campos de concentração nazista e os lugares onde estive. Nada a ver! Era uma utilização, uma manipulação. Eu processei a Caracol por isso, porque entre outras coisas, estavam colocando minha vida em risco, aparentando que eu estivera ido a esses lugares para tal propósito.

Pois bem, vou falar um pouquinho das condições do cativeiro. A figura me causa sentimentos conflitantes. Eu entendo que a guerra é uma confrontação e que são pessoas que caem em meio a conflagração nesta situação. Porém, é uma situação extrema que é muito fácil de manipular e de converter em uma má imagem para a insurgência.

Advirto que são as mesmas condições nas quais estão os guerrilheiros. As pessoas que estão no cativeiro tomam café-da-manhã, almoçam e jantam o mesmo que os guerrilheiros. São pessoas que recebem assistência médica, inclusive odontológica. Do ponto de vista da rotina, não recebem maus tratos, não servem de exemplo para ensinamentos por parte de seus captores e até tenho percebido certas situações de familiaridade, de camaradagem e de amizade, de alguma forma, entre uns e outros.

Qual é a resposta que se dá a um preso que se insurreta num cárcere qualquer do mundo? É o castigo e castigos tenebrosos. Calabouço, isolamento, etc.

O que acontece a um preso em qualquer cárcere do mundo que tenta fugir? Existe uma ordem que é impedir a fuga ou a intenção de fuga, o que ocorrerá com graves conseqüências para sua vida.

O mesmo acontece lá, porque a insurgência trata de prisioneiros. Então, se um grupo de prisioneiros tenta fugir, no dia seguinte todos amanhecem presos com cadeados. Se um grupo de presos ou um preso faz coisas que possam colocar em perigo a segurança dos demais e também da insurgência e dos guerrilheiros que os guardam, recebem um castigo. Claro, que isso num relato, na utilização da mídia é transformado em algo absurdamente cruel e inumano.

Cabe advertir que é muito doloroso quando me encontro nessas situações. Creio que se tem explorado muito o tema com o intuito, repito, de dar uma aparência de crueldade, a qual estou seguro que não existe na insurgência. E se existe, são fatos isolados, fatos que são puníveis por estatuto e regulamentos das FARC.

6. Para desprestigiar as FARC-EP, a campanha propagandística do imperialismo e da oligarquia colombiana assinala permanentemente que nas fileiras desta organização se maltrata as mulheres. Você teve a oportunidade de conhecer a Lucero, a “belíssima Lucero”, a companheira de Simón Trinidad. Conte-nos algo sobre essa excepcional mulher.

(Jorge Enrique Botero se comove ao escutar o nome de Lucero. Seus olhos se enchem de lágrimas)

Homem, Dax. Escutar o nome de Lucero é emocionante. É uma emoção grande, íntima, interna.

Lucero é uma típica representante das jovens colombianas que chegam à insurgência por via política. Ela é uma garota que em sua época de estudante se forma politicamente, ingressa nas fileiras da Juventude Comunista, atua na legalidade e vê cair ao seu redor todos os companheiros de luta que não desfechavam tiros, mas lutavam na esfera legal da política.

Lucero é proveniente de uma pequena população da Costa Atlântica colombiana. Ingressa à União Patriótica e assiste ao assassinato a tiros de todos os seus dirigentes. Tem a sorte de encontrar com uma frente guerrilheira comandada por Simón Trinidad e ante a eventualidade de morrer ou abandonar a luta, prefere optar por seguir seus ideais.

Maus tratos? Jamais observei. É muito possível. Estamos falando de homens e mulheres que possuem sentimentos, inclusive, inveja. É possível que tenham ocorrido episódios meio dramáticos, inclusive violentos, entre paredes, assim como atitudes machistas, sem dúvida.

Porém, por exemplo, um episódio de violência sexual contra uma guerrilheira é o menos provável que eu possa imaginar. Um episódio de violência sexual contra uma guerrilheira é castigado com pena máxima ou se um guerrilheiro se sobrepõe ou atua de maneira agressiva contra mulheres da população civil, também é objeto de fortíssimos castigos.

Do ponto de vista prático, da rotina diária da guerrilha, o conceito e a prática do machismo não existe. Eu creio que um dos lugares onde as mulheres são mais realizadas e respeitadas em sua totalidade é no mundo da insurgência.

Acho muita graça quando escuto falácias sobre os maus tratos às mulheres, sobre a transformação de mulheres em objeto sexual e sobre uma espécie de prova na qual, para ingressar na organização, as mulheres têm de passar aos braços dos comandantes. O que se objetiva com essas afirmações mentirosas é desestimular o ingresso de garotas à insurgência e tenta-se criar a sensação de que lá é um verdadeiro inferno machista, no qual a mulher é apenas um objeto sexual para satisfazer os instintos dos demais. Porém, creio que as guerrilheiras e os guerrilheiros morrem de rir e de raiva ao ouvir tais absurdos, pois lá é o local onde as mulheres são mais respeitadas.

Obrigado, Jorge. Todo o meu carinho, respeito e admiração a você, por sua convicção revolucionária e sua atividade profissional como jornalista, mantendo-se ativo nos movimentos sociais e não apenas no cenário das indústrias da mídia.

Obrigado a você.

Dezembro de 2009.

http://www.resumenlatinoamericano.org

Tradução: Maria Fernanda M. Scelza

-Com apoio do PCB