"A LUTA DE UM POVO, UM POVO EM LUTA!"

Agência de Notícias Nova Colômbia (em espanhol)

Este material pode ser reproduzido livremente, desde que citada a fonte.

A violência do Governo Colombiano não soluciona os problemas do Povo, especialmente os problemas dos camponeses.

Pelo contrário, os agrava.


sábado, 30 de agosto de 2014

Marina abre o jogo e diz a que veio


Por Emir Sader


As políticas externa e interna estão estreitamente associadas. Uma define o lugar do país no mundo, a outra, a relação com as forças internas.

A política externa de subordinação absoluta aos EUA da parte do governo FHC se correspondia estreitamente com o modelo neoliberal no plano interno. A política externa soberana do governo Lula se relaciona indissoluvelmente com o modelo interno de expansão economica com distribuição de renda e ampliação do mercado interno de consumo popular.

Significativo o silêncio dos candidatos da oposição sobre política exterior, do Mercosul aos Brics, passando por Unasul, Celac, Banco do Sul, Conselho Sulamericano de Defesa. De repente, talvez revelando excessiva confiança nas pesquisas, a Marina lança os primeiros itens do seu programa, incluindo política externa e seus desdobramentos.

Lança a ideia de baixar o perfil do Mercosul, velho sonho acalentado pelos entreguistas locais e pelos governos dos EUA.

Como contrapartida, o programa dos marinecos destaca a importância que daria a acordos bilaterais. Ninguem tem dúvida de que ela se refere primordialmente a algum tipo de Tratado bilateral com os EUA, projeto do governo FHC que foi sepultado pelo governo Lula.

Pode-se imaginar as projeções dessa postura proposta pela Marina para outros temas, como Unasul, Celac e Brics. Significaria estender esse perfil baixo para essas outras instituições justamente no momento em que os Brics fundaram novas instituições, que projetam um mundo multipolar, e o Mercosul e Unasul retomam uma dinâmica de fortalecimento.

É tudo o que os EUA gostariam: deslocar o Brasil, país chaves nessas novas configurações de força no plano internacional, para voltar a ser um aliado subalterno deles e porta voz das suas posições, hoje tão isoladas. Dar golpes mortais no Mersosul e na Unsaul, enfraquecer as posições dos Brics.

A equipe de direção do programa da Marina é inquestionavelmente neoliberal: Andre Lara Resende, Neca Setubal, Eduardo Gianetti da Fonseca, Neca Setubal. A independência (do governo e dos interesses públicos) do Banco Central (e sua subordinação aos bancos privados) desenha uma política interna em consonância com acordos bilaterais com os EUA, em que entre o pré-sal como espaço de uma nova aliança subordinada com o império dos EUA.

Não contente de ser guindada à candidata da direita brasileira, Marina assume também a representação do capital financeiro internacional e do império norteamericano. Mostra a que veio.

sexta-feira, 29 de agosto de 2014


É prematuro pensar em acordo de paz ainda neste ano, dizem FARC


Negociadores da guerrilha nos diálogos de paz analisam diferenças com governo colombiano e expõem objetivos do grupo agora e depois de um eventual cessar-fogo
28/08/2014
Vitor Taveira,
Do Opera Mundi
Desde outubro de 2012, as FARC (Forças Armadas Revolucionárias da Colômbia) e o governo colombiano mantêm um diálogo de paz para tentar colocar fim a 50 anos de confronto armado. No início das negociações foram fixados seis pontos para a agenda, sendo que três deles já foram analisados. No momento, as duas partes discutem o tema das vítimas.
Em meio a esse contexto, Jairo Martínez e Tomás Hojeda, dois dos membros da delegação da guerrilha em Havana, concederam entrevista exclusiva a Opera Mundi. Por e-mail, eles analisam não só o atual estágio das negociações, mas também os motivos que levaram ao fracasso de diálogos anteriores.
Martínez e Hojeda classificam como “prematuro” pensar em um acordo com o governo ainda em 2014 e classificam o tema das vítimas como o mais polêmico da agenda. Como representantes das FARC, eles argumentam que a busca pela paz sempre foi um dos objetivos do grupo, diferentemente do que ocorre com as classes dirigentes do país.
Leia a entrevista abaixo.
Opera Mundi: O atual presidente colombiano, Juan Manuel Santos, foi ministro de Defesa do governo anterior, de Álvaro Uribe, ou seja, responsável direto pelas políticas de combate à insurgência. O que mudou em relação a seu antecessor?
Jairo Martínez e Tomás Hojeda: Uribe e Santos representam um mesmo projeto ideológico, o que está em jogo é quem vai controlar o poder político e a burocracia. Não se debate a propriedade dos meios de produção, a nacionalização dos recursos estratégicos, os estragos da liberdade de capitais, a alternância de poder, nada disso está em discussão. As diferenças políticas na maioria das democracias burguesas estão dadas por métodos para conseguir seu propósito. No fundo, não muda nada.
OM: Por que as FARC começaram a negociar um acordo com o governo do presidente Santos?
O ponto de paz nós temos proposto como uma estratégia política nossa. A bandeira para alcançar a paz é das FARC, por isso levamos essa consigna a todos os setores do país e pouco a pouco foi ganhando os milhões de colombianos nos colégios e universidades, ganhando os trabalhadores, camponeses, indígenas, afrodescendentes, deslocados, desempregados. É uma bandeira dos oprimidos.
A construção da paz é um assunto de toda a sociedade em seu conjunto, que requer a participação de todos e todas, sem distinção, incluídas outras organizações guerrilheiras às quais convidamos a se unir a este propósito. Este país não pode estar condenado para sempre à injustiça e à guerra. Estivemos presentes sempre que se abriu a possibilidade de buscar uma saída negociada ao conflito social e armado que o país vive.
Sobre estas tentativas de negociações em governos anteriores, por que fracassaram?
Historicamente, a classe dirigente não teve vontade para fazer as mudanças que o país demanda e para que a paz e a reconciliação sejam viáveis. Todos os processos de paz anteriores fracassaram porque foram concebidos para desarmar, desmobilizar as guerrilhas, sem realizar mudanças estruturais, de modo que sigam sempre garantindo o estado atual de privilégios para os de sempre.
Fracassaram porque os governos que empreenderam estes propósitos careciam do apoio político necessário para empreender um processo desta envergadura. Porque a máquina de guerra imposta pelos Estados Unidos sempre foi prioridade. Na Colômbia sempre houve conflitos e sempre houve processos de paz, mas nunca se tocou no fundamental: as causas estruturais que originaram a guerra.
Qual a diferença do atual processo de diálogos? Por que acreditar que desta vez pode chegar a um final exitoso?
A diferença deste processo em relação aos anteriores é que desde o início se elaborou um acordo geral para finalização do conflito e a construção de uma paz estável e duradoura. Foram definidos seis pontos centrais que servem de guia. Três deles foram desenvolvidos parcialmente: política de desenvolvimento agrário integral, participação política e solução ao problema das drogas. Avançamos muito bem no quarto ponto, que se refere às vítimas.
Em todo processo há dificuldades de toda natureza, existiram e continuarão existindo, mas se percebe boa vontade de ambas as partes. Outro elemento positivo é a participação de setores sociais comprometidos na defesa do processo de paz, que estão muito mais comprometidas que nos diálogos anteriores.
Somos otimistas sobre o que está acontecendo na mesa de conversações de Havana, com a mirada positiva da região e as manifestações internacionais de apoio.
As negociações que estão sendo iniciadas em relação ao tema das vítimas são consideradas por especialistas as mais polêmicas da mesa. Como as FARC estão abordando o tema e quais suas diferenças em relação às posições do governo?
Sem dúvidas, é o tema mais polêmico. Simplesmente porque se está buscando encontrar as origens, as causas e as consequências de uma guerra que as oligarquias colombianas nos impuseram cumprindo orientações do grande império, os Estados Unidos da América.
Toda guerra deixa consequências nefastas. A nossa não é exceção. Provocou milhões de deslocamentos de população, centenas de milhares de expropriados, dezenas de milhares de desaparecidos e torturados, vítimas provenientes em sua imensa maioria de classes subalternas, dominadas e exploradas em nosso país.
Estamos tratando o tema das vítimas com propostas. Os comunicados conjuntos expressam que “ressarcir as vítimas está no centro do acordo”, por isso propusemos dez princípios: o reconhecimento às vítimas, o reconhecimento de responsabilidade, satisfação dos direitos das vítimas, participação das vítimas, esclarecimento da verdade, reparação das vítimas, garantias de proteção e segurança, garantias de não repetição, princípios de reconciliação e enfoque de direitos.
As diferenças são estruturais, mas é precisamente isso que estamos buscando entrar em consenso com o governo nos diálogos de Havana.
Quais as principais divergências que poderiam impedir a conclusão dos diálogos entre governo e insurgentes?
A principal divergência está em que temos duas concepções muito distintas, duas visões de Estado. A visão atual, orientada e manejada com as receitas do imperialismo, do neoliberalismo e da burguesia, em que a exploração e o lucro predominam, em que o ser humano conta apenas como matéria prima no mercado de trabalho. E a nossa visão de um Estado em formação pelo qual estamos lutando, no qual prevaleça a justiça social, a intervenção direta do Estado nos recursos naturais estratégicos e na distribuição das receitas.
Há especulações de que se poderia chegar a um acordo até o final deste ano. Isso seria possível?
As especulações neste sentido sempre saem oficialmente do governo. Nós pensamos e manifestamos que um acordo final para superação do conflito em prol de alcançar a paz com justiça social não depende de datas fatais, e sim que a disposição generosa do governo e seu compromisso abram as possibilidades e ofereçam garantias mínimas que ajudem a concretizar o acordo de transição concreta, já que as concepções mesquinhas permitem avançar pouco. Seria prematuro pensar que este ano haja assinatura de um acordo quando a comissão histórica para esclarecimento do conflito interno se conforma neste mês de agosto com um prazo de quatro meses para apresentar um relatório final à mesa de conversações. Sem dúvidas, esta comissão fortalecerá o debate e as discussões nas conversações trazendo o acúmulo desde 1930 até hoje, o que indica que há que levar o processo sem pressa e sem pausa.
Se concluído, enfim, um acordo final, quais seriam os principais desafios para a fase de pós-conflito que o país passaria a viver?
O processo de conflito social e armado completa 65 anos e começamos a visualizar o que se chama de pós-conflito, definido como a fase que vêm depois dos acordos de paz e que supõe a recomposição da sociedade. Isso inclui aspectos como a verificação do pactuado, as garantias de segurança e não repetição, a desmobilização, a reinserção, solução a populações deslocadas, o fundo de capitais para cumprir o pactuado, as formas de participação política de todos os movimentos e partidos de oposição, como se vai dar o processo social de perdão e reconciliação, entre outros.
Quais seriam os passos e estratégias do movimento insurgente para ingressar na vida civil?
Os passos se darão de acordo com o desenvolvimento e o cumprimento dos acordos gerais para finalização do conflito e construção de uma paz duradoura e estável, contidos na agenda geral pactuada entre o governo nacional e as FARC.
O desafio é consolidar, fortalecer, criar um amplo movimento de massas capaz de colocar-se à frente para servir de guardião e garantir que este processo não seja abortado, que este novo movimento político tenha a capacidade, através de uma Assembleia Nacional Constituinte, de desmontar a concepção e teoria da segurança nacional - do inimigo interno- e o paramilitarismo. No econômico, com o desmonte do neoliberalismo poderíamos chegar a um ponto em que a justiça social seja o elemento central.
A luta é social, política, ideológica e organizativa para o fortalecimento e criação de uma força tal que nos permita seguir desenvolvendo nosso plano estratégico. Queremos a tomada do poder político já por outros meios porque há que deixar claro que a este propósito não estamos renunciando. 

quinta-feira, 28 de agosto de 2014


La Habana, Cuba, 26 de agosto de 2014
Amarre sua língua, senhor Pinzón
Lemos com toda atenção as declarações do ministro de Defesa, senhor Pinzón, ao diário El Tiempo do domingo passado, Uma vez mais suas respostas e comentários fazem honra a seu grosseiro e daninho temperamento. Charlatão por definição, o senhor Pinzón trata de mostrar-se forte, sábio, habilidoso, rutilante, conhecedor de temas que geralmente escapam a sua compreensão. Uma lástima que sua figura não corresponda à importância do momento.
Geralmente, deixamos passar suas turmas e desacertadas opiniões porque estimamos que seu chefe, o Presidente Juan Manuel Santos, é a quem há que ouvir; é em quem haveria que crer. Isto, sem que deixemos de perguntar-nos por que se mantém numa pasta tão sensível para a paz a quem padece de uma ostensiva incontinência verbal.
Agora resulta –segundo Pinzón- que o General Javier Alberto Flórez, chefe do Estado-Maior Conjunto das Forças Militares, veio a Havana para enviar a suas forças daqui uma mensagem de vitória: para ir assentando bases para que as FFAA possam “planificar a entrega de armas das FARC”; e para que “não façam uma canalhice com o país”. Em honra da verdade, não foi para isso que acordamos que viessem os senhores oficiais.
O que põe de presente o senhor Pinzón com seus altaneiros e mentirosos comentários é que, com efeito, se está dando um processo de paz que vem se medindo com duas rasouras: A sua e a de alguns outros agentes do Estado por uma parte, e a dos plenipotenciários do governo em Havana, por outra. Esquecem os primeiros que há uma agenda por atender e respeitar. Se trata dos pontos recolhidos no Acordo Geral firmado por nós e pelos representantes do governo no dia 26 de agosto de 2012. E recordamos e ressaltamos, porque aqui não veio o senhor General Flórez a desconhecer ou repropor o dito acordo, como, sim, o faz o senhor Pinzón, quando, pensando com o desejo, manifesta o que recolhe o já citado diário capitalino.
Valeria a pena que Pinzón se informasse sobre o que acontece na ilha de Cuba antes de seguir falando tão precipitada e irresponsavelmente na contramão dos propósitos de paz.
Dizem os entendidos que o ministro Pinzón não pronuncia palavra sem consultar a seu superior. Outros que também manifestam estar informados indicam que Pinzón tem sua própria agenda. Nós queremos seguir pensando que agendas não há senão uma: a que deve conduzir à paz; a já subscrita pelos que foram empoderados para comprometer as FARC-EP e ao Estado. Há que ter cuidado, doutor Pinzón. Amarre sua língua. Creia-nos, se lhe afirmarmos que o espelho da malvada rainha madrasta de Branca de Neve é só produto da imaginação. É apenas um conto de fadas. Deixe de se perguntar frente ao mesmo espelho fantasioso “quem é o ministro mais macho da história”? Não vale a pena. A guerra e a paz são coisas sérias.


DELEGAÇÃO DE PAZ DAS FARC-EP


Por Javier Alexander Macías. Fonte: El Colombiano

Em entrevista exclusiva com El Colombiano, Santrich respondeu sobre o papel das vítimas na mesa, o modelo de reparação que o grupo guerrilheiro propõe e sua responsabilidade no conflito armado colombiano. Frente à pergunta de reparação a suas vítimas, afirmou que nas Farc tudo é coletivo e não têm nada para repartir.
Na negociação, em que se avançou mais além do acordo parcial dos pontos discutidos até agora?
Não negociamos nada com o governo, dialogamos enfatizando os problemas fundamentais de ordem econômica, política e social que as maiorias têm em Colômbia e que em concreto têm que ver com a desigualdade, a miséria e a carência de democracia. Recolhemos as reivindicações que as organizações sociais e políticas apresentaram nos foros de discussão dos temas da Agenda de Havana e em suas jornadas de protesto, e as convertemos nas propostas mínimas que levamos à mesa e que são públicas. O avanço consistiu em conquistar esses três acordos parciais sobre reforma agrária, participação cidadã e nova política antidrogas, que são formulações para melhorar as condições de vida dos colombianos. À parte, avançamos em constituir uma Comissão Histórica do Conflito e suas Vítimas, que deve começar a esclarecer as origens, causas, efeitos e responsáveis pela longa confrontação da qual nosso país padece”.
Qual foi o momento mais crítico em dois anos de negociação?
Resolver os problemas enormes, profundos e de tanto raizame histórico de uma guerra que tem se prolongado por mais de meio século não é uma tarefa simples, apresenta múltiplas dificuldades e momentos de tensão, que não é o caso de detalhar aqui porque faz parte das controvérsias necessárias que temos e que as partes acordamos manter na discrição”.
O encontro com as vítimas, que benefícios traz ao processo de paz?
Se tratou de um acontecimento histórico que permitiu que as partes, os garantidores e os acompanhantes escutassem de viva voz da gente comum, que sofre as dores da guerra, seus próprios dramas. Porém, também se ouviram seus anseios profundos de reconciliação sobre a base da verdade, do respeito e do mútuo reconhecimento. Este certame preenche de muita esperança e compromisso as partes, e creio que em grande medida ao conjunto da sociedade que ouviu na rodada de imprensa as vítimas do conflito, e nos comunicados que se emitiram, que a vontade do povo está em que as partes não se levantem da mesa até chegar a um acordo que ponha fim à guerra”.
As Farc propõem a criação de um fundo para reparar as vítimas. De onde devem sair esses fundos para esta reparação?
Falamos de disponibilizar imediatamente recursos orçamentários para financiar ressarcimentos materiais durante pelo menos uma década, mediante a criação do que denominaríamos um Fundo Especial para a Reparação Integral, com participação das organizações nacionais de vítimas. Dissemos que isto se constitui em imperativo, são das coisas que não podem condicionar-se à firma do Acordo Final.
Agora bem. De onde sacar estes recursos? Esta não é uma pergunta de resposta simples. Alguém pode dizer que a mera desescalada da guerra ou a firma de um acordo bilateral de cessar-fogo pode liberar recursos que hoje se desperdiçam na confrontação. Relembremos que pelo menos 6 pontos do Produto Interno Bruto estão dedicados à guerra, e isso representa somas multimilionárias que devem fluir mais para o investimento social e para a solução de problemas como os dos que as vítimas padecem”.
Falando das vítimas das Farc, como seria a reparação por parte do grupo guerrilheiro aos afetados por suas ações?
Nós sempre falamos a partir da margem dos perseguidos e afetados pelo conflito que o regime impôs para garantir a acumulação capitalista que hoje se expressa, por exemplo, nas porcentagens de posse da terra. Você sabe que, para citar um caso, um terço do território nacional, ao redor de 40 milhões de hectares, está em mãos dos latifundiários pecuaristas. Essa realidade de desigualdade se construiu a sangue e fogo, assassinando, despojando e deslocando a população rural, sobretudo. Então, neste país, onde algo mais de 80% da vitimização foram causados pelo Estado e seus paramilitares, o essencial é resolver este tipo de problemas que são os que causaram e mantêm a guerra. O demais, digamos que vem como consequência.
Me refiro a que como consequência de um Acordo Final, o Estado, como máximo responsável desta confrontação, e o Estado reconstituído para estabelecer a justiça social e a paz, deve garantir os direitos de todas as vítimas. Isto inclui aqueles que tenham sido afetados por ações equivocadas ou por erros da insurgência. A parte que concerne diretamente ao ressarcimento das pessoas que possamos ter afetado durante a confrontação é mais de ordem moral, está mais ligada ao reconhecimento das faltas que possamos ter cometido durante esta confrontação tão longa e desigual na qual nós e nossas famílias também fomos afetados”.
Porém, as Farc têm bens que servem para a reparação de suas vítimas...
Tudo o que temos é coletivo. Ninguém nas Farc possui bens pessoais como guerrilheiro, assim que não temos nada para repartir. A reparação no [nível] material, como produto do Acordo Final, implica, reitero, que na nova ordem institucional que surja, o Estado em sua nova estrutura deve encarregar-se do ressarcimento de todas as vítimas do conflito e disponibilizar os recursos para implementar os acordos em função do estabelecimento da justiça social e da paz”.
As Farc expressaram que, segundo estudos, em Colômbia há mais vítimas do Estado e dos paramilitares que da guerrilha, porém a Unidade Nacional de Vítimas revelou que são mais as vítimas da guerrilha que dos outros atores armados. Por que essa diferencia? Falta reconhecimento das Farc de suas vítimas?
Não, não se trata de um desconhecimento de vítimas por parte das Farc. O que passa é que geralmente as cifras de uma instância como a Unidade Nacional de Vítimas se constroem tomando fontes mesmas do Estado, que estão distorcidas e apontam a todo custo a incriminar e desqualificar a insurgência e ocultar a responsabilidade do Estado na guerra. Esse tipo de informação o Estado também usa como arma de guerra, guerra de desinformação, de manipulação das consciências para desqualificar ao adversário.
Sentem que as vítimas estariam dispostas a perdoá-los?
Nossa luta é para que todas as vítimas sejam reconhecidas e reivindicadas. Em Colômbia tem havido um longo conflito onde o conjunto da sociedade é vítima. Isco começando pelas consequências dolorosas das políticas econômicas que matam mais gente que a própria guerra. Nesse sentido, acreditamos que o tema do perdão, que é um assunto da consciência íntima, não se pode condicionar nem utilizar como instrumento de estigmatização política ou de show para que se satisfaça o morbo da imprensa e dos guerreiristas que se escondem detrás da manipulação dos sentimentos alheios. O perdão é uma definição da consciência de cada quem. Todos carregamos nossas dores e sofrimentos e, se não temos a decisão do perdão, pelo menos devemos ter a determinação da convivência em meio as diferenças de pensamento, se queremos que esta guerra termine”.
Que diriam às suas vítimas?
Aos que tenham sido afetados injustamente por nossas ações, de todo coração se lhes pediria perdão e trataria de encontrar reconciliação. Particularmente, creio que se requer uma contrição de todos os que atuamos na guerra e um gesto simbólico de perdão político que surja da responsabilidade coletiva que existe em Colômbia ao redor da permanência da guerra: devemos sair do campo da vindita e construir alteridade. Já particularmente, há coisas que eu não as perdoaria a nossos vitimários, porém repito que, se queremos acabar a guerra, pelo menos deve haver um compromisso de convivência e respeito mútuo”.
Haverá resposta para as vítimas que pedem saber onde estão essas pessoas que estiveram em poder das Farc e nunca mais voltaram a saber delas?
O fenômeno do desaparecimento forçado é um assunto cuja responsabilidade se centra no Estado e seus paramilitares. Girar a argumentação, apresentando-a como se fosse o resultado de comportamentos e políticas das Farc é uma grande falsidade muito repetida de maneira premeditada pelos grandes meios de comunicação que pretendem posicionar a ideia de uma guerrilha vitimária da qual, inclusive, o Estado é vítima.
Não obstante, temos dito que estamos dispostos a ajudar a localizar lugares onde tenha havido combates e eventualmente terem ficado soldados e guerrilheiros mortos sem poder ser resgatados. Há alguns casos em nossas fileiras e, certamente, que nas fileiras do adversário, nos quais nunca irão aparecer combatentes que foram impactados por bombas ou explosões fortes. Isto é lamentável, doloroso, porém ocorre na guerra”. 
Há disposição para reconhecer as suas vítimas?
Nós falamos a partir da margem dos perseguidos e não como vitimários. Não obstante, reconhecemos que em alguns casos possamos ter afetado gente inocente: isto como produto de erros ou de equívocos, não como política ou ação sistemática. Então, como revolucionários estamos no dever de reconhecer o que nos corresponda e reconciliar-nos com os afetados e ofendidos”.


quarta-feira, 27 de agosto de 2014


Empresa russa denuncia campanha de ciberespionagem contra países latino-americanos
Uma ação de ciberespionagem pode estar em andamento neste momento, prejudicando os países da América Latina. A denúncia foi feita por Dmitry Bestuzhev, diretor da equipe de segurança e análises para a América Latina da empresa russa Kaspersky Lab durante o encerramento da "4ª Cúpula de Analistas de Segurança: A hiperconectividade e suas consequências para a privacidade e a segurança”, realizada recentemente em Cartagena, na Colômbia.
De acordo com Bestuzhev, a operação ilegal, batizada de "Machete” (facão), está em andamento desde 2010 e busca conseguir informação militar, diplomática e governamental. Até o momento, pelos menos 778 pessoas e entidades da Venezuela (46%), Equador (36%) e Colômbia (11%) teriam sido atingidas pelas operações de espionagem. Representações diplomáticas latino-americanas em países como Rússia, Bélgica, França, China e Espanha também teriam sido espionadas.
"Não podemos especular sobre as origens, mas sabemos que quem está por trás fala espanhol e é da América Latina. Foram roubadas centenas de gigabytes de informação classificada”, assegurou o diretor da Kaspersky. Bestuzhev acrescentou ainda que o interesse maior é por informação militar altamente classificada, como viagens, folha de pagamento, radares e tudo mais que esteja relacionado à segurança nacional de um governo.
Investigações da empresa russa apontaram que o plano "Machete” está em funcionamento desde 2010 e foi reestruturado em 2012, mas só foi descoberto em 2013, quando a Kaspersky Lab encontrou, no computador de um cliente, um general de um país latino-americano, mecanismos para a gravação de arquivos de áudio, arquivos cifrados e outros com linguagens de programação. Pelo tipo de informação roubada, os especialistas da empresa russa especulam que os cibercriminosos podem ter sido contratados por governos da própria região.
"Essa operação é capaz de interceptar teclados, gravar áudios com o microfone do computador, fazer capturas das imagens da tela, reportar geolocalização e roubar arquivos de um servidor remoto”, detalhou Bestuzhev, acrescentando que basta o computador ser infectado uma vez para começar a emitir informações.
Os computadores são infectados quando descarregam arquivos de Power Point, que os cibercriminosos criam segundo o perfil da vítima. Geralmente, são materiais relacionados a pornografia, política ou guerra. Uma vez com acesso ao computador, o atacante envia a informação roubada a várias páginas web em seu poder.
Durante a Cúpula, também foi informado sobre outras campanhas paralelas de roubo de informação. Os países com o maior número de usuários únicos atacados são Rússia (40%), Índia (8%), Vietnã (4%), Ucrânia (4%) e Reino Unido (3%). No entanto, há um incremento de ataques cibernéticos nos países da América Latina, sendo o Brasil o mais afetado da região.
Os ataques são promovidos por pessoas contratadas por governos ou empresas para roubarem propriedade intelectual ou informação de interesse, seja retirando-as de computadores, celulares ou tablets. Assim, os dados roubados são usados para ataques cibernéticos. Os participantes da Cúpula de Segurança alertaram sobre o cuidado que se deve ter com o conteúdo colocado diariamente nas redes sociais.
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Com informações de Hispan TV e Agência Venezuelana de Notícias (AVN).


terça-feira, 26 de agosto de 2014


Por José Antonio Gutiérrez D. Fonte: Rebelión
Certo dia, passando em frente ao local de uma organização de caridade aqui em Dublin, vi um cartaz que dizia “Nossa organização continuará apoiando as vítimas de Israel e da Palestina no atual conflito”.


Compartilho a opinião dos que dizem que toda perda de vida humana é lamentável: porém, equiparar a tragédia dos dois mil civis palestinos massacrados com um ou dois civis israelenses mortos numa guerra assimétrica declarara por Israel sem nenhum apoio no direito internacional me parece um abuso indignante. Equiparar as vítimas de uma nação desarraigada, bloqueada, despojada, empobrecida, com um par de cidadãos respaldados por um dos Exércitos mais modernos do mundo e cujas famílias se beneficiarão de todo o apoio psicológico, econômico e social do Estado de Israel me parece francamente obsceno. Não só é desonesto, como também estúpido e, no entanto, constitui a narrativa com a qual os EUA justificam os crimes de lesa-humanidade de seu alfil no Oriente Médio. Porque, quando se trata de um conflito onde as partes são tão desiguais, tratar de equipará-las no discurso é um recurso para dar maior preponderância às minorias poderosas.
Uma situação parecida é a maneira como se está abordando o tema das vítimas que começa a ser discutido nas negociações de Havana. A delegação de vítimas que chegou a Havana [1], “muito plural, que representava vários fatos vitimizantes, várias regiões, vários estratos sociais e vítimas de vários vitimários”, nas palavras do representante da ONU em Colômbia, Fabrizio Hochschuild [2], reflete esse desequilíbrio. Representando a todas as vítimas por igual, se perde toda noção de representatividade no conflito colombiano, no qual a imensa maioria das vítimas são pobres e foram vitimizadas por agentes estatais ou paraestatais. Se continua, assim, invisibilizando a imensa maioria das vítimas dessa violência massiva que os pobres sofreram, fundamentalmente no campo, por parte do Estado com o propósito de massacrar a rebelião. Com o discurso dos “vitimários” se deixam de lado as responsabilidades políticas e históricas, assim como a escala das violências respectivas. Se nos dirá que é muito difícil manter o equilíbrio nestes casos: porém aí está a raiz do problema, e é que tal equilíbrio entre vitimários e violências não existe. No intento de criá-lo artificialmente, se desfigura a realidade. Ainda o mesmo termo “vítima” é utilizado de maneira bastante elástica na narrativa oficial. A partir da mídia se reitera que todos somos vítimas, ainda que, claro, alguns somos mais vítimas que outros. O Estado é uma vítima, na opinião de Álvaro Uribe, quem diz isto sem ruborizar-se, parodiando a Turbay Ayala quando dizia que ele era o único prisioneiro político em Colômbia. O tema de vítimas dá para tudo e, ainda que sei que se trata de um tema espinhoso e sensível, creio necessário discutir em torno a alguns problemas que obscurecem a real natureza do debate.


Que entendemos por vítima?
Um dos primeiros problemas é a falta de definição em torno a que nos referimos com vítimas: vítimas de violações ao direito internacional humanitário ou as violações de direitos humanos? Há uma tendência a confundir de maneira deliberada o DIH com os DDHH, tendência que tem ido paralelamente com uma tentativa de “privatizar’ os DDHH e ignorar que é responsabilidade suprema do Estado garanti-los em função de sua legitimidade ante a sociedade. Inclusive, os DDHH se converteram num exercício de relações públicas, ao mesmo tempo que em arma de guerra: os escritórios de DDHH do Exército estão ligados a Operações Psicológicas. DIH e DDHH não são a mesma coisa e sua confusão não ajuda a esclarecer o que está em jogo. Uma são as infrações dos atores em conflito no contexto da confrontação armada. [3] As violações aos direitos humanos são aquelas perpetradas pelo Estado ou por sua inação, por agentes do Estado ou por pessoas aliadas a ele [ex.: paramilitares], que vão diretamente contra as disposições estipuladas na Declaração Universal dos Direitos Humanos. O particularmente grave deste último tipo de violações é que não somente vitimizam a pessoa, como também degradam as noções mais essenciais que se tem do ser humano na modernidade, assim como também degradam o conceito de cidadão em que se fundamenta o Estado Moderno, que, ainda que se possa argumentar que é uma ficção, representa uma obrigação para os que exercem o poder na atual sociedade. As violações aos direitos humanos, insistimos, são feitas pelo Estado e, ao decretar setores da sociedade como não-cidadãos, passo prévio a negar-lhes sua condição humana, abre as portas ao direito à rebelião consagrado no preâmbulo da Declaração dos Direitos Humanos. Nesta perspectiva, o surgimento dos movimentos guerrilheiros se vê numa luz completamente diferente.
Outro problema é a perspectiva temporal curta em que se assenta todo o debate em torno às vítimas. Se dá por assentado que o conflito armado que hoje se vive em Colômbia iniciou com o surgimento dos movimentos guerrilheiros FARC-EP e ELN entre 1964-1966. Ao máximo, como se faz no informe “Basta Ya” [Já Basta] do Centro Nacional de Memória História, se começa com a Frente Nacional em 1958. O problema com esta história “curta” é que não dá conta do momento em que o cenário para a atual violência foi assentado desde a década dos ’30, surgindo uma violência nítida, com uma continuidade até o presente desde 1946. Quando os guerrilheiros em Havana se declararam vítimas do conflito, despertaram iradas reações por parte dos gurus do estabelecimento e de seus obsequentes propagandistas na mídia. No entanto, se adotamos a história longa e uma compreensão cabal dos DDHH, poderemos compreender como os campesinos perseguidos no período conhecido como A Violência [1946-1958] se alçaram em armas, em rebelião, contra um Estado que, quando os massacrava e violava, observava impávido como as milícias privadas dos terra-tenentes faziam-no. Tudo isto tem logicamente que ver com o problema da memória e da verdade histórica, que também são temas que terão que ser abordados no marco das negociações.
O outro problema é que a mesma definição de vítimas também deixa de lado alguns elementos mais complicados para assegurar a natureza desta guerra degradada, difusa, às vezes difícil de definir: que passa com os exilados? Que passa com os presos políticos e de guerra vítimas de atrozes torturas e de privações de água, medicamentos, alimentos, produtos de higiene, etc? Uma pessoa que foi vitimizada por agentes do Estado ou paramilitares perde sua condição de vítima se se rebela e toma as armas? Que passa com as vítimas da limpeza social, esses ninguéns, os chamados descartáveis, que vivendo nas margens da sociedade não têm organizações que os representem? Que passa com os que foram vítimas de um modelo de desenvolvimento imposto a sangue e fogo pelas multinacionais? Por que não são as multinacionais, de fato, consideradas como um ator do conflito armado, apesar de sua aberta cumplicidade com agentes do Estado e com bandos paramilitares? É a natureza uma vítima do conflito, independentemente de sua centralidade para sustentar a humanidade como uma entidade viável? Que passa com as pessoas que, sem ter sofrido da violência física diretamente, sofrem da violência estrutural, da exclusão, da marginalização e da violência da sociedade imposta mediante a guerra, como é o caso das crianças famintas em La Guajira e em toda a Colômbia? São perguntas nada fáceis e que algumas organizações estão se atrevendo a expor.


A vítima despolitizada e passiva
Há uma tendência a despolitizar o conceito de vítimas, tendência na qual caíram alguns setores tradicionalmente vinculados à esquerda. Se pode afirmar que “não permitiremos que enfrentem as vítimas”, como se todos fossem a mesma coisa, porém esse nunca foi o problema de fundo. Esta maneira indiferenciada de abordar a problemática das vítimas reforça um discurso desmobilizador e apolítico que tem calado fundo em setores dos defensores de DDHH [Quanta falta faz o doutor Eduardo Umaña!]. Denunciar os “manejos políticos” ante o tema das vítimas é um sem sentido, precisamente, porque as vítimas estão inscritas num conflito essencialmente político.
O problema de fundo é que o debate em torno das vítimas [quem, como e em que sentido é uma vítima] é um debate que nos enfrenta com a natureza mesma do conflito social e armado em Colômbia, com essa violência que permeia diferencialmente ao conjunto da sociedade, violência que é, antes de tudo e por sobre todas as coisas, uma violência de caráter político. Explorar o problema das vítimas desde uma perspectiva asséptica, acrítica, como se fosse uma categoria que engloba a todos por igual é insustentável. Não se pode dar o debate das vítimas deixando de lado aspectos chaves de contexto nem da intencionalidade dos que perpetraram os atos de violência. Nem todas as violências são iguais. Este é um princípio chave do projeto “Nunca Mais”, no qual participaram as mais importantes organizações de DDHH do país, o qual expressa sem ambiguidades:
Desde há vários anos [...] nos vimos submetidas a extremas pressões, por parte de forças sociais, nacionais e internacionais, para que nossas denúncias e ações humanitárias se situem em ‘posições neutras’, que não aumentem as censuras sobre nenhuma das partes em conflito, e para que nosso trabalho se oriente por parâmetros de ‘equilíbrio’ que leve a estigmatizar ‘por igual’ e a ‘equiparar’ as diversas violências que afetam a sociedade colombiana. Se nos apresentou como princípio reitor que deve orientar nosso trabalho o de ‘Condenar toda violência, venha de onde vier’. Muitas vezes nos perguntamos se tal tipo de neutralidade é eticamente sustentável.
Cremos que nenhum tipo de discernimento ético pode dispensar-nos [...] de ter em conta [...] os móveis e estratégias globais que comprometem aos diversos atores enfrentados. Imperativos éticos [...] nos levam a censurar com maior força aos que se servem da violência repressiva para defender violências estruturais e injustiças institucionais que favorecem a camadas privilegiadas da sociedade, enquanto vitimizam, exterminam ou destroçam as camadas sociais mais pobres e vulneráveis, submetidas a séculos de despojo e injustiça.
[...] Não é possível ser neutro quando se é consciente de que um polo da violência é muito mais daninho para o conjunto da sociedade, ou acumula em si mesmo maiores perversidades, ou representa a oclusão institucional dos caminhos que poderiam conduzir a uma sociedade mais justa, ou acumula em seu haver maior violência contra os fracos. [4]
Que pena, e digo isto com todo o respeito do mundo: não é o mesmo o caso de Bojayá, onde o cilindro-bomba –lançado, ademais, de maneira irresponsável- foi desviado porém não houve a intenção explícita de assassinar pessoas, com os incontáveis massacres do paramilitarismo que foram feitos com intenção e traição. Por censurável que seja, não é o mesmo o sequestro de um parapolítico corrupto que o desaparecimento de um campesino que organizou sua comunidade para tratar coletivamente de superar os efeitos mais urgentes da pobreza. Jamais poderei estar de acordo com os que tratem de equiparar situações tão complexas e diferentes, equiparação que serve para encobrir a natureza politicamente motivada da violência que golpeia a Colômbia.


Uma opção ética, popular e libertária ante o tema de vítimas
Se há uma coisa na qual estou de acordo com os uribistas é que nem todas as vítimas são iguais: isto é tão certo em Colômbia como o é na Palestina. Creio que afirmar o contrário é uma estupidez que não tem nada a ver nem com o ato humano da empatia nem da reconciliação. Qualquer pessoa que tenha visto a televisão colombiana se dá conta disto que os uribistas insistem até o cansaço: algumas “vítimas” –as menos e as que tenham uma posição econômica privilegiada- recebem atenção em horários nobres, enquanto outras são vilipendiadas, ignoradas ou desprezadas com a terrível sentença “por algo terá sido’. O tema das vítimas reproduz a exclusão e marginalização de uma sociedade polarizada em classes que mais bem parecem castas. Isto o expressa muito melhor um artigo do mordaz Camilo de los Milagros:
Durante décadas se construiu uma narrativa da confrontação em Colômbia à medida das elites: maus muito maus contra bons impecáveis. Certas vítimas gozam desde então de um protagonismo claramente interessado em desprestigiar ao mau de ofício, ao demônio causador de todas as desgraças do país. Porém, que tão nocivo tem sido esse demônio? Por que, em lugar de um ou dois depoimentos lancinantes e sensacionalistas, não se avalia em conjunto a catástrofe humanitária onde ambos os bandos cometeram atrocidades? Por que não se esclarecem as responsabilidades completas?
[...] As comparações são odiosas, porém necessárias. Nenhuma comparação tão odiosa como esta de pôr mortos nos dois extremos da balança. Com horror se constata que 70% dos crimes cometidos no marco do conflito armado são atribuídos ao Estado ou seus agentes paralelos, enquanto nem sequer 20% correspondem aos grupos subversivos. É uma desproporção aterradora que não se corresponde para nada com a narrativa oficial. As cifras correspondem a medições das Nações Unidas, aos dados do CINEP e inclusive da Comissão de Memória Histórica, que o próprio governo nacional financia. Não é retórica estúpida, não é cumplicidade com o terrorismo, não é uma tentativa de desviar a atenção sobre os crimes da insurgência. É a constatação de como, usando um magnífico encantamento televisivo, um dos bandos vai sair limpo. O que mais dor tem causado. [5]
Ante o debate das vítimas, alguém tampouco pode ser neutro. Se tenho que estar com alguém, estou com aqueles que foram vítimas dos que quiseram manter uma das sociedades mais desiguais do planeta a sangue e fogo. Estou ao lado daqueles que se opuseram aos que trataram de aniquilar –até a semente- visões alternativas de sociedade. Estou com os que foram vítimas dos que se enriqueceram despojando aos que menos têm. Estou do lado dos que resistiram aos desígnios dos que, a fim de conservar seus nefastos privilégios, seriam capazes de fazer arder a toda Colômbia. Estou do lado dos que não se lhes permitiu nem sequer chorar a seus mortos por medo ao castigo de um Estado que celebra o espetáculo edificante do sangue jorrando de cabeças decapitadas. Estou do lado dos que não se lhes permitiu sequer dizer que são vítimas, porque as vítimas do Estado, supostamente, não existem. Estou do lado dos que nunca tiveram nem a televisão nem a imprensa para cobrir suas desgraças, ainda que me chovam raios e centelhas. Como se vê, o tema de vítimas é mais outro campo de batalha nesta confrontação fundamentalmente política.
Tradução de Joaquim Lisboa Neto
NOTAS:
[3] Isto sem abordar as inadequações do DIH para regular conflitos irregulares ou fundamentados na luta de guerrilha.
[4] Colombia Nunca Más , Capítulo V, Tomo I, 2000, pp.99-100.
(*) José Antonio Gutiérrez D. é militante libertário, residente na Irlanda, onde participa nos movimentos de solidariedade com América Latina e Colômbia, colaborador da revista CEPA [Colômbia] e El Ciudadano [Chile], assim como do sítio web internacional www.anarkismo.net. Autor de “Problemas e Possibilidades do Anarquismo” [em português, Faisca ed. 2011] e coordenador do livro “Orígenes Libertarios del Primero de Mayo em América Latina” [Quimantú ed. 2010].

segunda-feira, 25 de agosto de 2014


Por Allende La Paz
Durante todo o tempo de duração dos processos de Paz, tem sido uma constante oligárquica “encilhar as bestas antes de trazê-las”. Por isso, quando a coisa não avança de acordo com seus interesses e visões, chutam a Mesa com todo o cinismo do caso, jogando as culpas na insurgência armada.
Agora estão com a mesma mentira. Querem chegar a um desarmamento sem ter esgotado os passos prévios. Passos prévios que vão assentando as bases para uma Paz firme, duradoura. Que nós saibamos, nestes casos se deve chegar a um Acordo de Cessar de Fogos Bilateral previamente –que prepara o terreno- a um Acordo sobre “desarmamento e entrega de armas”. E mais, para chegar ao “desarmamento e entrega de armas” primeiro, e previamente, deve-se dar um Acordo para a criação de um Novo País, com nova Constituição –referenda dos Acordos Totais- e novas superestruturas, o qual significa em carta branca, demolir o vetusto e velho estado burguês, clientelista e corrompido, até seus alicerces, e proceder a assentar novas bases para que os colombianos comecemos a viver em Paz.
Evidentemente que é importante que os militares estatais se dirijam a Havana e se encontrem com seus pares, os militares guerrilheiros, e ambos se mirem nos olhos, diretamente. Dali, desse encontro, deverão sair as pontes comunicantes ao identificar-se os dois como as partes reais da confrontação armada. Identificarão que o mesmo sangue que corre de uns é o dos outros –não a de um inexistente “inimigo interno”- e que não tem sentido seguir envolvidos na guerra fratricida decretada pelo império e pela parasita oligarquia nativa desde antes de 1928, inaugurada com o Massacre das Bananeiras.
Naturalmente que é necessário ir construindo uma folha de rota –se se chega a um Acordo Total- para ir avançando para o “desarmamento e entrega de armas”. Mas o primeiro é o primeiro. Primeiro seria acordar um Cessar de Fogos Bilateral. Segundo seria chegar a Acordos sobre as causas reais que deram origem e perpetuam o Conflito Interno e a guerra fratricida –receitada pelo império e pela oligarquia nativa, reitero-, e terceiro firmar esses Acordos, os quais deverão ser legitimados por uma Assembleia Nacional Constituinte que inicie a construção desse Novo País por parte de todos os colombianos em seu conjunto, sejam amigos ou inimigos da Paz.
É saudável que esses pontos sejam abordados –poderia ser simultaneamente-, porém “não devemos encilhar o cavalo sem ainda tê-lo laçado”. Porque isso pareceria que tanto o governo colombiano como seus meios mediatizadores querem mostrar. “Lançam campanhas ao voo” porque os militares foram à Mesa de Havana como se as FARC-EP já fossem firmar a entrega de armas e a desmobilização, porém não se preocupam realmente por chegar ao fundo do problema. Esse fundo do problema é a exclusão dos colombianos pobres –mais de 70% da população- de todos os âmbitos da vida nacional, econômica, política, social, cultural etc.
Ratificados os Acordos Totais por uma Assembleia Constituinte, os colombianos dispararemos –aí sim- a construir na prática o Novo País com que todos sonhamos –com exceção de alguns trogloditas aos quais lhes parece correto a situação atual colombiana-, e estamos convencidos de que as energias de quase todos situará a Colômbia no escabelo que a história lhe reservou. A “desmobilização e entrega de armas” irá se dando “como se dilui a água do mar na areia da praia”. Serão água e areia um todo indiferenciado. Uma vez formado este todo, não haverá força humana capaz de vencer-nos.

sábado, 23 de agosto de 2014


Educação da Venezuela é considerada uma das melhores da América

O secretário-geral da Organização dos Estados Iberoamericanos (OEI), Álvaro Marchesi, afirmou na última quinta-feira que a Venezuela é um dos países que mais melhorou a educação, distribuindo recursos e acesso.

De acordo com Marchesi, os países da América Latina têm aumentado seu investimento na educação de seu povo, e isso se deve "ao crescimento do Produto Interno Bruto (PIB) na região, o qual segue sendo destinada uma média de 5,1% ao setor".
Os dados do Ministério da Educação da Venezuela mostram que o acesso à educação gratuita tem aumentado nos últimos anos. Esse índice saltou de 95,5% em 2011-2012 para 96,5% no período 2012-2013.
A Venezuela tem 10 milhões de estudantes ativos - segundo dados de 2013 do Banco Mundial, o país tem pouco mais de 30 milhões de habitantes, ou seja, mais de 30% da população está estudando atualmente -, e é o segundo país que possui uma matrícula tão alta de estudantes universitários, com mais de 2 milhões de jovens cursando o nível superior.
Em fevereiro deste ano a Unesco reconheceu a qualidade dos programas educativos venezuelanos, considerando o sistema educacional deste país o segundo melhor da América Latina, atrás apenas de Cuba.
Com TeleSUR e RT

sexta-feira, 22 de agosto de 2014


«A história é um processo orgânico: é algo vivo, que está sempre em movimento e é mutante, que nunca se detém. A história, há que vê-la como um todo no qual o passado é inseparável do presente, pois as marcas deste se encontram assentadas de uma maneira indelével naquele, da mesma maneira que o futuro depende do que estamos fazendo agora mesmo».
JUVENAL HERRERA TORRES
La Habana, Cuba, sede dos diálogos de paz, 21 de agosto de 2014
Senhores integrantes da Comissão Histórica do Conflito e suas Vítimas:
Nossa saudação de compatriotas com a esperança de paz para a Colômbia.
O processo de paz dá um salto qualitativo no caminho da reconciliação, ao instalar hoje em Havana a “Comissão Histórica do Conflito e suas Vítimas” como cenário chave para o esclarecimento da verdade, a partir da auscultação das origens, causas, efeitos e responsabilidades que ambientam o desenvolvimento da confrontação política, econômica, social e armada derivada da miséria, da desigualdade e da carência de democracia que caracterizaram a vida nacional por mais de meio século.
Desde que se iniciaram os diálogos aqui em Havana, insistimos em forma reiterada acerca da importância da composição imediata de uma Comissão de tais características, porque éramos e somos conscientes do significado que têm as aproximações à história para conquistar uma compreensão não só da complexidade do conflito que enfrentamos durante décadas de alçamento armado contra o Estado e as classes dominantes como também, sobretudo, para empreender caminhos para sua superação, que, em nosso entender, não são outros que os da construção da paz com justiça social. Finalmente, as Partes acordamos no último 7 de junho pôr em marcha a Comissão.
Não vamos recuperar o valioso lapso perdido, transcorrido desde a formulação da proposta até o acordo que a tornou possível. Com certeza, o trabalho da Comissão não estaria submetido às pressões que se impõem a um processo que avança com passo firme, apesar das contínuas ameaças que resultam de fazer ouvidos moucos ao clamor por um cessar-fogo bilateral e a existência de um bloco político e de opinião obcecado na continuidade indefinida da guerra. Tudo isso, como uma expressão da concepção, quando menos equivocada, de que se estaria frente a uma submissão da insurgência, em forma similar ao ocorrido em outros momentos históricos com outras forças guerrilheiras derrotadas.
Num país em que impera a manipulação midiática da opinião e a recorrente falsificação da história, como se esta fosse uma história dos vencedores, apreciamos o imenso valor do trabalho e da reflexão intelectual. Confiamos nas armas da razão, da ciência da história e das ciências sociais em geral. Com independência dos diferentes enfoques e perspectivas teóricas que as caracterizam, com certeza representadas na pluralidade desta Comissão, estamos convencidos de que deve ser possível construir um relato sobre o conflito colombiano que nos aproxime da verdade histórica. Uma verdade que não entendemos em termos absolutos, senão que como expressão do antagonismo e da conflitividade que essencialmente caracteriza a formação política, econômica, social e cultural de nossa sociedade.
A construção do dito relato, ademais de um invejável e privilegiado exercício do intelecto que pode lançar novas luzes para renovadas interpretações de nossa história, que superem visões parcializadas até agora predominantes, ou que abra veredas para incursionar na investigação de campos desatendidos, insuficientemente tratados, ou analisados enviezadamente, se constitui em ferramenta potente e marco de referência inevitável de assuntos pendentes de abordar na Mesa de diálogos, particularmente daqueles que, para nós, são caros em forma suprema: a materialização dos direitos das vítimas do conflito à verdade, à justiça, à reparação e às garantias de não repetição e, com isso, a contribuição a assentar as bases para avançar para a reconciliação nacional no evento da firma de um Acordo final.
Vai na contramão da sindérese e de análise sensatas da história a pretensão de considerar que as FARC-EP inventamos uma guerra contra a sociedade, que representamos uma máquina de vitimização e em consequência podemos ser consideradas como uma organização de vitimários. E, portanto, devemos assumir a responsabilidade do sucedido ao longo do conflito, incluídos os múltiplos processos e fatos de vitimização. Semelhante revisão e falseamento da história torna inaceitável para nós
Sem prejuízo dos diversos enfoques que haja sobre nosso lugar na história, consideramos que existe suficiente evidência, proveniente de fontes documentais, testemunhais e historiográficas, demonstrativa das causas estruturais, políticas, econômicas, sociais, culturais e ideológicas que produziram o levantamento armado contra o Estado e as classes dominantes. E que, ademais, explicam sua persistência e continuidade, configurando fases, facetas e dinâmicas regionais. Para nós outros e nós outras é igualmente demonstrável, com base nas ferramentas que brindam a disciplina da história e das ciências sociais, que, junto com o que definimos como as causas e os fatores de índole sistêmica, de caráter objetivo, existiram fatores subjetivos imputáveis às atuações do Estado, a todos os poderes públicos, às forças militares e de polícia, aos organismos de inteligência, aos partidos políticos e as mais diversas instituições e organizações do poder social que gestaram uma reação de resistência a partir de setores populares.
Como fazer uma história do conflito e das responsabilidades nele sem considerar o papel e a ingerência de potências estrangeiras, em especial dos Estados Unidos? Como fazer uma história do conflito e das responsabilidades nele sem ter em conta o anticomunismo erigido em doutrina de segurança e política de Estado? Como fazer uma história do conflito e das responsabilidades nele sem examinar por que foram principalmente forças opositoras, democráticas e de esquerda, assim como diversas formas de organização social e popular, objeto de sistemática perseguição e extermínio? Como fazer uma história do conflito desatendendo a decisão política documentada e, portanto, demonstrável de compor organizações paramilitares para combater o suposto inimigo interno? Desde logo que são muitos mais os interrogantes. Estes são alguns dos que nós nos fazemos e sobre os quais quiséramos encontrar resposta, para confrontá-la com nossas elaborações.
Como sustentamos em diversos pronunciamentos, para nós outros e nós outras o conflito e sua dinâmica são complexos, multicausais e estruturais. As responsabilidades são múltiplas e estamos na disposição de assumir as que nos correspondam, considerando as relações de assimetria e desproporção que têm marcado a longa contenda social e armada. Dado que isso não é um assunto meramente formal, temos expectativas quanto a que o informe que a Comissão que vocês integram elabore nos há de fornecer elementos de análises para uma aproximação mais sensata ao difícil tema. Fazemo-lo pensando no curso esperançador que as conversações tomem, e sobretudo na explicação que a sociedade colombiana em seu conjunto espera, e, em particular, as vítimas do conflito. Além disso, tendo em conta a possibilidade real de pôr fim à confrontação armada.
Estamos profundamente comprometidos em que se esclareçam os fatos que marcaram o desenvolvimento da confrontação, e por isso propusemos na Mesa também a composição de uma “Comissão da Verdade”. O trabalho da “Comissão histórica do conflito e suas vítimas” e da “Comissão da verdade”, compreendemos como parte de um todo. Para nós, os resultados do Informe que vocês elaborarão constitui um marco de referência inevitável, não substitutivo, no qual se deverá apoiar a “Comissão da verdade”. Consideramos que seus alcances devem ser vinculantes.
Lhes agradecemos ter aceitado fazer parte desta Comissão histórica. Num país em que o livre pensamento tem sido objeto de estigmatização, e esta Comissão não estará isenta disso, se trata de uma atitude valorosa. Entendemos que em sua decisão, ademais do amor pelo conhecimento, da sadia controvérsia e do trabalho intelectual, tem prevalecido seu interesse de contribuir para a superação desta guerra que tem dessangrado nosso povo e seu compromisso de consolidar a perspectiva de uma solução política que nos permita construir, desdobrando a potência constituinte existente na sociedade, as bases para a paz estável e duradoura da Nova Colômbia que aspiramos deixar para as futuras gerações de colombianos e colombianas.


Delegação de Paz das FARC-EP

quinta-feira, 21 de agosto de 2014


A estratégia russa ante o imperialismo anglo-saxão. O início da mudança de rumo mundial
Escrito por Thierry Meyssan *. Fonte: Red Voltaire

As agressões dos anglo-saxões contra a Rússia estão assumindo a forma de uma guerra financeira e econômica. Porém Moscou se prepara para as hostilidades armadas desenvolvendo sua autonomia no setor agrícola e multiplicando suas alianças internacionais.
A ofensiva dos anglo-saxões [Estados Unidos, Reino Unido e Israel] pelo controle do mundo se mantém simultaneamente em duas direções: a criação do «Oriente Médio Ampliado» [Greater Middle East] –com os ataques simultâneos contra Iraque, Síria, Líbano e Palestina- e o processo destinado a separar a Rússia da União Europeia mediante a crise organizada por Washington na Ucrânia.
Nesta corrida contra o tempo, parece que Washington quisera impor o dólar como única moeda no mercado do gás, a fonte de energia do século XXI, como já havia feito anteriormente no mercado do petróleo.[1]
Os meios de imprensa ocidentais quase não falam da guerra do Donbass e a população de seus países nada sabe sobre a envergadura dos combates, da presença de militares estadunidenses na Ucrânia, da quantidade de vítimas civis nem da onda de refugiados. Os meios da imprensa ocidental, sim, mencionam, ainda que com atraso, os acontecimentos do Magreb e o Levante, porém os apresentam como o resultado de uma suposta «primavera árabe» [ou seja, na prática, de uma tomada do poder por parte da Irmandade Muçulmana] ou como o efeito destrutivo de uma civilização naturalmente violenta. E nos dizem que é mais necessário que nunca acorrer em ajuda aos árabes, incapazes de viver em paz sem os colonos ocidentais.
A Rússia é hoje a principal potência capaz de encabeçar a Resistência frente ao imperialismo anglo-saxão. Para isso dispõe de 3 ferramentas: os BRICS, uma aliança de rivais econômicos que sabem que só podem crescer se se ajudam entre si; a Organização de Cooperação de Xangai, uma aliança estratégica com a China para estabilizar a Ásia Central; e, finalmente, a Organização do Tratado de Segurança Coletiva, uma aliança militar de Estados ex-soviéticos.
Na cúpula de Fortaleza [Brasil], realizada de 14 a16 de julho de 2014, os BRICS deram o passo necessário, anunciando a criação de um Fundo de Reserva Monetária –principalmente chinês- e de um Banco BRICS como alternativas ao Fundo Monetário Internacional [FMI] e ao Banco Mundial, ou seja, como alternativa ao sistema-dólar.[2]
Inclusive, antes do anúncio, os anglo-saxões já haviam preparado sua resposta: a transformação da rede terrorista Al-Qaeda num califado com o objetivo de orquestrar problemas e incidentes entre todas as populações muçulmanas de Rússia e China.[3] Prosseguiram sua ofensiva na Síria e estenderam-na, ademais, a Iraque e Líbano. Porém fracassaram em seu intento de expulsar os palestinos de Gaza para o Egito e acentuar a desestabilização da região. E, como ponto final, seguem sem meter-se com o Irã para dar ao presidente Hassan Rohani a possibilidade de debilitar a corrente anti-imperialista dos khomeinistas.
Dois dias depois do anúncio dos BRICS, os Estados Unidos acusaram a Rússia de ter destruído o voo MH17 da Malaysia Airlines sobre a região de Donbass, matando assim 298 pessoas. Partindo dessa suposição, completamente arbitrária, os Estados Unidos impuseram aos europeus o início de uma guerra econômica contra a Rússia. Atuando à maneira de um tribunal, o Conselho da União Europeia julgou e condenou a Rússia, sem a menor prova e sem dar-lhe a possibilidade de defender-se. E promulgou «sanções» contra seu sistema financiero.
Consciente de que os dirigentes europeus não estão trabalhando a favor dos interesses de seus próprios povos senão que em função dos interesses dos anglo-saxões, a Rússia preferiu conter-se e se absteve –até agora- de entrar em guerra na Ucrânia. Apoia aos rebeldes com armas e informação de inteligência, acolhe em seu próprio território a mais de 500 000 refugiados, porém se abstém de enviar tropas e de seguir o jogo da guerra. E é provável que não intervenha antes que a grande maioria dos ucranianos se subleve contra o presidente Petro Porochenko, ainda que isso implique não entrar no país até depois da queda da República Popular de Donetsk
Ante a guerra econômica, Moscou optou por responder com medidas similares, porém não no setor financeiro, mas sim no da agricultura. Duas considerações levaram-na a preferir essa opção: Em primeiro lugar, no curto prazo, os demais países BRICS podem aliviar as consequências das chamadas «sanções» enquanto que, por outro lado e no longo prazo, a Rússia se prepara para a guerra e tem intenções de reconstituir completamente sua agricultura para viver em situação de autossuficiência.
Os anglo-saxões também previram paralisar a Rússia por dentro. Primeiramente, mediante a ativação, através do Emirado Islâmico [ex-EIIL], de grupos terroristas no seio de sua população muçulmana e também organizando uma oposição midiática por ocasião das eleições municipais de 14 de setembro. Importantes somas de dinheiro chegaram a todos os candidatos da oposição na trintena de grandes cidades russas implicadas nessas eleições enquanto pelo menos 50 000 agitadores ucranianos, infiltrados entre os refugiados, estão reagrupando-se em São Petersburgo. A maioria desses indivíduos tem a dupla nacionalidade russo-ucraniana. O objetivo é, evidentemente, reproduzir no interior do país as manifestações orquestradas em Moscou depois das eleições de dezembro de 2011 –acrescentando-lhes a violência como novo ingrediante- e impor ao país um processo de «revolução colorida», ao que uma parte dos funcionários e da classe dirigente seria favorável.
Para consegui-lo, Washington nomeou um novo embaixador na Rússia, John Tefft, o mesmo que preparou a «revolução das rosas» na Geórgia e o golpe de Estado na Ucrânia.
Para o presidente Vladimir Putin será muito importante poder confiar em seu primeiro-ministro, Dimitri Medvedev, a quem Washington esperava recrutar para derrocá-lo.
Tendo em conta o iminente do perigo, Moscou parece ter conseguido convencido Pequim a aceitar a incorporação da Índia, em troca da do Irã –porém também as de Paquistão e Mongólia-, à Organização de Cooperação de Xangai [OCX]. Essa decisão deveria tornar-se pública durante a cúpula programada em Dusambé, capital do Tajiquistão, para os dias 12 e 13 de setembro. Isso deveria pôr fim ao conflito de séculos entre Índia e China e implicá-las numa cooperação militar. Essa drástica mudança da situação, se se confirma, também poria fim à lua de mel entre Nova Deli e Washington, quando este último esperava distanciar a Índia da Rússia oferecendo-lhe acesso a diversas tecnologias nucleares. A incorporação de Nova Deli à OCX constitui também uma aposta pela sinceridade de seu novo primeiro-ministro, Narendra Modi, sobre quem pesam suspeitas de ter estimulado atos de violência anti muçulmana, em 2002, em Gujarat, quando dirigia esse Estado da Índia.
Por outro lado, a incorporação do Irã, que constitui uma provocação para Washington, forneceria para a OCX um conhecimento preciso sobre os movimentos jihadistas e os meios de opor-se a eles. Também neste caso, se se confirma, deve reduzir a vontade iraniana de negociar uma pausa com o «Grande Satã», intenção que motivou a eleição do xeque Hassan Rohani à presidência da República Islâmica. Neste caso, a aposta seria pela autoridade do Guia Supremo da Revolução Islâmica, o aiatolá Ali Khamenei.
A entrada desses países na OCX marcaria de fato o início de uma mudança de rumo do mundo, que, depois de estar orientado para o Ocidente, se orientaria para o Oriente.[4] Porém essa evolução teria que contar com proteção no plano militar. Esse é o papel da Organização do Tratado de Segurança Coletiva [OTSC], composta ao redor da Rússia, porém que não inclui a China. Diferentemente da OTAN, a OTSC é uma aliança clássica, compatível com a Carta das Nações Unidas, já que cada um de seus membros conserva a possibilidade de separar-se da OTSC se assim o deseja. E é baseando-se nessa liberdade dos membros da OTSC que Washington tratou durante os últimos meses de comprar a vários deles, como a Armênia. Porém, a caótica situação que prevalece na Ucrânia parece ter esfriado aos que podiam sonhar com uma «proteção» estadunidense.
Assim que há que prever um aumento da tensão durante as próximas semanas.
* Thierry Meyssan
Intelectual francês, presidente-fundador da Red Voltaire e da conferência Axis for Peace. Suas análises sobre política exterior se publicam na imprensa árabe, latino-americana e russa. Última obra publicada en espanhol: La gran impostura II. Manipulación y desinformación en los medios de comunicación (Monte Ávila Editores, 2008).
Tradução de Joaquim Lisboa Neto
[1] «¿Qué tienen en común las guerras de Ucrania, Gaza, Irak, Siria y Libia?», por Alfredo Jalife-Rahme, La Jornada (México), Red Voltaire, 8 de agosto de 2014.
[2] «Las semillas de una nueva arquitectura financiera», por Ariel Noyola Rodríguez, Red Voltaire, 1º de julio de 2014. “Sixth BRICS Summit: Fortaleza Declaration and Action Plan”, Voltaire Network, 16 de julio de 2014.
[3] «¿Yihad mundial contra los BRICS?», por Alfredo Jalife-Rahme, La Jornada (México), Red Voltaire, 18 de julio de 2014.
[4] “Russia and China in the Balance of the Middle East: Syria and other countries”, por Imad Fawzi Shueibi, Voltaire Network, 27 de enero de 2012.