Entrevista com Piedad Cordoba
“Eu não estou privilegiando a guerra. Eu sou uma democrata, jamais empunhei um fuzil. Mas não posso continuar fazendo o jogo de uma direita e um stablishment desse país que quer que o mundo acredite que o problema da Colômbia são as FARC. E isso não é correto. As FARC, o ELN e os paramilitares são conseqüência de um modelo de desenvolvimento injusto, excludente”.
por Jorge Ramos Avalos/El Nuevo Herald
Não foi fácil localizá-la. Durante meses a estive perseguindo para entrevistá-la. Em Miami. Em Washington. Em Caracas. Nada. Até que um belo dia a encontramos em sua casa, em Bogotá, e foi ali, via satélite, que finalmente pude conversar com a senadora Piedad Córdoba. É, sem dúvida, uma das figuras mais controversas da Colômbia e, como pude comprovar, nunca foge de uma briga.
Comecei perguntando-a sobre sua denúncia de que o governo do presidente colombiano, Álvaro Uribe Vélez, tinha um fundo para resgatar, à força, a ex-candidata presidencial Ingrid Betancourt e outros seqüestrados. De onde tirou tal informação? “Eu soube por um informante desmobilizado”, me disse. “E é uma informação muito séria de que o presidente vem buscando a possibilidade de oferecer 100 milhões de dólares a qualquer pessoa do secretariado (das Forças Armadas Revolucionárias da Colômbia, FARC), ou muito próxima do secretariado, que lhes forneça informações exatas, as coordenadas exatas, onde poderiam encontrar Ingrid Betancourt e resgatá-la em uma operação militar similar à que fizeram quando invadiram o território equatoriano”. Ela acredita que uma operação dessa seriedade seria muito perigoso e poderia culminar com a morte dos seqüestrados.
Piedad Córdoba está convencida de que tanto o comandante guerrilheiro Raúl Reyes como o líder das FARC Manuel Marulanda, Tirofijo, que morreram recentemente, tinham “boa vontade e a intenção de (liberar) os reféns por parte das FARC”. De fato, ao falar sobre Marulanda, a senadora me disse textualmente que “necessitamos de pessoas como ele, que podiam fazer a paz, para que Colômbia possa sair de todo esse poço profundo no qual está”.
Apesar do anterior, a senadora me disse estar “totalmente segura de que as ações da guerrilha são responsáveis por mortes e seqüestros”. E logo matizou. “Eu não estou privilegiando a guerra. Eu sou uma democrata, jamais empunhei um fuzil. Mas não posso continuar fazendo o jogo de uma direita e um stablishment desse país que quer que o mundo acredite que o problema da Colômbia são as FARC. E isso não é correto. As FARC, o ELN e os paramilitares são conseqüência de um modelo de desenvolvimento injusto, excludente”.
Córdoba reconhece que as FARC seqüestram –“todo mundo sabe”- e que “aquele que seqüestra, não somente pode ser classificado como terrorista [mas também] é um violador do direito internacional humanitário”. No entanto, ela resiste em qualificar as FARC como “terroristas”. “Nunca vai escutar isso de mim”, me disse, “porque meu objetivo não é simplesmente dizer coisas que agradem a uns e outros pra ficar bem. Olhe, eu penso que o conflito colombiano é muito complexo, leva 60 anos... Isso não significa que eu esteja do lado das FARC ou que esteja contra o governo”.
A senadora acredita que com o novo líder das FARC, Alfonso Cano, e “com a ajuda e a cooperação internacional, pode-se conseguir reabrir o acordo humanitário e os contatos para a liberação [dos seqüestrados]”. Mas para ela, o principal obstáculo para isso é o próprio presidente Álvaro Uribe, cujo governo descreveu como o de um “regime mafioso”.
“Eu não me arriscaria a falar de um processo de paz com o presidente da república”, me assegurou, “porque acredito que ele prefere a saída militar, a saída da guerra, e não acredito que na agenda do presidente esteja um processo de paz”. Logo me disse que 6.5 por cento do produto interno bruto está “dirigido para a guerra” e que ela acredita que a única saída é “política e negociada”.
A senadora Córdoba, junto com o presidente da Venezuela, Hugo Chávez, ajudaram na libertação, há alguns meses, de vários seqüestrados em poder da guerrilha. Para ela, Chávez é “um homem generoso, um homem socialista, que privilegia a paz e que luta, ainda por cima, para que muitos homens e mulheres não morram de fome”.
Ela rechaça a recente afirmação do subsecretário de Estado estadunidense, John Negroponte, que assegurou que “não existem dúvidas que revolucionários das FARC se refugiam na Venezuela”. “Eu não acredito nisso”, me disse, “eu acredito que isso é parte de uma estratégia bem desenhada, não somente por parte do próprio governo colombiano, mas também com a ajuda e cooperação do Departamento de Estado estadunidense”. Tampouco dá credibilidade às informações faladas no computadores do assassinado líder guerrilheiro Raúl Reyes. “Eu cada vez acredito menos... e quando ouço o fiscal geral da nação dizer que eu mandei 900 correios [eletrônicos, a Raúl Reyes], isso para mim é prova suficiente de que isso é uma armação, uma mentira”.
Córdoba, que foi seqüestrada por paramilitares, se reconhece como uma mulher “absolutamente controvertida” e ameaçada de morte. Quem quer te matar?- a perguntei. “Eu penso que o stablishment”, respondeu. “Um setor muito importante do poder estabelecido desse país não quer matar somente a mim; quer matar todos que pensem diferente. [Mas] não nos deixaremos amedrontar pelas acusações. Não nos assusta que nos chamem de terroristas, que nos chamem de guerrilheiros ou guerrilheiras, e que nos submetam permanentemente ao escárnio público.”
Ela sabe que pelo “desgaste que sofri politicamente” não pode aspirar a presidência da Colômbia. Ainda que pareça mais importante para ela trabalhar pelo “processo de paz”.
Terminei a entrevista, que foi filmada originalmente para a televisão, perguntando-a sobre os turbantes que usa. O que escondem? “Uma cabeça cheia de idéias”, me respondeu com um sorriso, para logo explicar que o turbante, para ela, “significa meu orgulho total por pertencer à afrodescendência da América Latina e Colômbia”. Afinal, tive que reconhecer que a senadora respondeu todas e cada uma de minhas perguntas e que acreditei no que ela disse. “A luta continua”, concluiu.