Que todos saibam quem são
Com ações inspiradas na experiência da Argentina e Chile denunciam-se, em sete cidades, a torturadores da ditadura militar no Brasil.
Ignacio Lemus
Rebelión
Um estudante se aproxima da porta da empresa de segurança Dacala com um cartaz que mostra o rosto de David dos Santos Araújo, dono da empresa e acusado pelo Ministério Público Federal de tortura e assassinato durante a ditadura militar no Brasil. Atrás da grade que divide manifestantes e empregados, o encarregado da segurança deixa a mostra o seu revolver por sob o paletó para intimidar o jovem.
Essa tensão caracterizou uma jornada histórica em que manifestantes de São Paulo, Porto Alegre, Belo Horizonte, Fortaleza, Rio de Janeiro, Belém e Curitiba protestaram simultaneamente diante das residências e empresas dos acusados por tortura e assassinato durante a ditadura militar.
Além da presença de alguns presos políticos, destacou-se uma grande maioria de jovens com bumbos, panfletos, cartazes e bandeiras, que através de vozes como a de Lira Alli, integrante da organização Levante Popular da Juventude anunciavam: “estamos aqui porque a verdade está sendo ameaçada e nós jovens queremos conhecer o nosso passado, para construir o nosso futuro”.
Esculacho
A articulação do “esculacho”, termo derivado do “escracho” que dá nome a uma ação inédita no Brasil, ficou sob a responsabilidade do Levante Popular da Juventude, organização ligada à Via Campesina, do MTD (Movimento de Trabalhadores Desempregados) e da Consulta Popular.
Manteve-se a discrição na coordenação para não alertar os ex-militares e ex-policiais focos do escracho, por outro lado a curta duração das iniciativas impediu a intervenção da policia.
A experiência marca um ponto antes e um depois na participação da sociedade brasileira no esclarecimento dos crimes de Estado, segundo os organizadores inspira-se em ações argentinas e chilenas que serviram para visualizar muitos dos que hoje estão sendo julgados nesses paises.
Verdade, memória e justiça.
Enquanto há expectativa na nomeação parte da presidenta Dilma Roussef dos membros da Comissão da Verdade que investigará os crimes durante a ditadura militar, existe uma grande divida em relação à decisão do Poder Supremo em 2010 de proteger a anistia que impede o julgamento dos culpados.
Foi então o clamor por justiça, um dos pontos de destaque no manifesto lido durante os escrachos: “Torturadores e apoiadores da ditadura militar, vocês não foram absolvidos! Não podemos aceitar que vivam suas vidas como se nada tivesse acontecido, enquanto que do nosso lado, o que fica é o silêncio, saudades e a loucura provocada pela tortura. (...) Enquanto todos os torturadores não forem julgados, não vamos dormir, nem descansar. (...)”, foi repetido em uníssono pelos manifestantes.
Aqui vive um torturador
Para os vizinhos os crimes de David dos Santos Araújo eram novidade. Alguns dos seus empregados declararam desconhecer a ficha do seu próprio chefe, mesmo assim não duvidavam ao tomar os cartazes dos manifestantes.
Trata-se do capitão Lisboa, como era chamado na Operação Bandeirante, um dos centros de tortura da ditadura militar. Ivan Seixas, que foi prisioneiro político em 1971, o reconhece, assegura que aos 16 anos foi torturado por Araújo, que também assassinou seu pai e violentou a sua irmã.
Em Belo Horizonte, o ponto de encontro foi a residência de Ariovaldo da Hora e Silva, torturador pertencente ao DOPS – Departamento de Ordem Política e Social, entre 1969 e 1971 e relacionado com as mortes de Jaime de Almeida, Afonso Celso Lana Leite e Nilo Sérgio, opositores do governo militar.
Em Porto Alegre, o destino foi a casa do coronel Carlos Alberto Ponzi. Ex-chefe do SNI – Serviço Nacional de Informações, acusado pela justiça italiana pelo desaparecimento do militante argentino-italiano, Lorenzo Ismael Viñas, seqüestrado ao tentar cruzar a fronteira para a Argentina, em 1980, durante a Operação Condor e um ano depois da assinatura da lei da anistia.
O escritório de advocacia do ex-delegado da Policia Federal de Fortaleza, José Armando Costa, também foi alvo de protestos e seus familiares e empregados tentaram impedir o escracho sem êxito.
48 anos do Golpe
Enquanto a sociedade brasileira se mobiliza antecipando o 48º aniversário do golpe militar, em 31 de março e 1 de abril, a ação acontece somente em um pequeno setor da imprensa e recebe as costas das grandes cadeias televisivas, à exceção da Rede Record que descreveu os escrachos como uma ação de “guerrilha”.
No extremo oposto se vê o mega monopólio Rede Globo, que além de se fazer de surda aos protestos de ontem, há dias dava espaço ao anuncio das festividades dos militares pelo aniversário da “Revolução”, comemoração pelo golpe de Estado de 1964 (já proibidas por Dilma Roussef).