O Comandante Jorge Briceño e os falcões da morte
por Carlos Aznárez [*]
Sempre que um revolucionário cai em combate surgem, como é de esperar, dois posicionamentos diametralmente opostos. Alguns, como o governo fascista colombiano, seu exército, sua burguesia e seus protectores e fornecedores de logística e armamento (bases militares dos EUA inclusive), festejam de modo torpe e vitoriam a morte.
Tal como aconteceu com o Che, agora voltam a exibir cadáveres, a deixá-los fotografar (por repórteres tão obscenos quanto eles), a assinar colunas "de opinião", nas quais pedem mais e mais sangue, a gerar adesões de mandatários da extrema direita latino-americana e europeia, que se somam assim ao conciliábulo de bruxos e comprazem-se com este festival sanguinolento, os desejos de "paz" das suas respectivas oligarquias. Uma "paz" que todos eles precisam para continuarem a acumular riquezas e continuar a esmagar até o limite os milhões de famintos dos seus respectivos países.
No caso do Comandante Jorge Briceño, que todo o mundo conhece como "Mono Jojoy", volta a repetir-se esta situação, com a agravante de que até ficou entre parênteses a possibilidade de que os insurgentes atacados e assassinados tenham podido cair "combatendo" no sentido literal da palavra. E dizemos isto porque o inimigo enfrentado pelas FARC e pelo ELN é o mesmo que suportam iraquianos, afegãos, palestinos e outros rebeldes deste planeta, é um inimigo covarde, rasteiro, miserável e sobretudo bestial. Para "resolver" este tipo de confrontações não apela ao corpo a corpo como em antigas e épica batalhas. Agora, este inimigo emprega toda a tecnologia militar que lhe fornecem seus protetores de Washington. Neste caso pontual, o exército de Santos utilizou na sua operação "Sodoma" nada menos que 30 aviões e cerca de 27 helicópteros artilhados que bombardearam, metralharam e massacraram tudo o que encontraram na sua passagem, fossem seres vivos ou a própria natureza que os protegia, naquela distante zona do Meta, em La Macarena. Se depois de tão descomunal ataque de surpresa alguém teve a sorte de não morrer, isso não tardou devido ao tiro de graça que lhe dispararam os covardes uniformizados do corpo de infantaria.
Cabe imaginar o quadro de horror que se verificou observando algumas das fotos que foram distribuídas sobre a destruição do acampamento pelo lado do atacante. São cenas muito parecidas ao que ocorreu no ataque impune ao acampamento do comandante Raúl Reyes, ou esta mesma semana na incursão aérea contra um núcleo combatente das FARC na zona do Putumayo.
O império hoje regozija-se anunciando que "as FARC estão derrotadas" e que só lhes resta render-se, entregar as armas e, de joelhos, aceitar o castigo que merecem por haver desafiado o poder estabelecido.
É precisamente neste ponto que não concordamos com Juan Manuel Santos, presidente da Colômbia pela graça de Obama e toda a sua corte do Pentágono imperial armamentista. As FARC e o ELN não se lançaram à montanha há meio século por puro gosto e sim porque a situação em que vivia o povo colombiano nesses anos era de total pauperização e miséria estrutural. Como bem recordam escritos do Comandante Marulanda: "quando decidimos levantar-nos em armas, o que mais nos justificava fazê-lo era ver os filhos dos camponeses morrerem aos montões por culpa da fome, enquanto seus país sofriam a impotência e a dor de não poder evitá-lo".
Alguém acredita que esta situação de pobreza e exclusão não continue a provocar estragos na Colômbia atual? Alguém pensa que a explosiva situação social que gera contínuas greves operárias e estudantis, marchas ou reuniões indígenas e protestos de todo tipo a toda largura e comprimento do território colombiano, são uma invenção da insurgência, ou simplesmente a realidade de um país no qual dez famílias apoderam-se dos 90% do que produz o grosso da população? Mas, além disso, alguém supõe que uma insurgência como a que se desenvolve na Colômbia há cinco décadas poderia haver subsistido se amplos sectores desse povo (operários, estudantes, camponeses) não lhe servissem de viveiro para continuar a gerar respostas dignas a tanto ódio e morte desencadeado pelos governos liberais e conservadores?
Equivocam-se Santos e seus sequazes quando crêem que a morte dolorosa do Comandante Briceño e de suas companheiras e companheiros assassinados vai paralisar a luta da insurgência. Quando se trata de países arrasados pela destruição que provoca o capitalismo, é claro que a morte de revolucionários causa tristeza. Cerram-se os dentes pela raiva que provoca o facto de que os melhores filhos do povo tenham que pagar com as suas vidas sua ânsia de liberdade, mas a seguir surge a digna resposta de continuar a batalha em que se empenharam seus antecessores.
Também se equivocam aqueles que, a partir de posições rebeldes mais moderadas, exigem aos que batalham que abandonem esse caminho e se integrem na "política" para não dar mais desculpas ao imperialismo na sua acção destruidora. Basta apenas recordar quantos milhares de mortos custou à insurgência adoptar esse caminho nas fileiras da União Patriótica, participar em eleições, obter excelentes resultados e a seguir contemplar com impotência como o governo de serviço amparava o paramilitarismo para assassinar os militantes eleitos. Propor tais alternativas, sem que os problemas estruturais da realidade colombiana se tenham resolvido, com um exército e um paramilitarismo em plena ebulição, com nove bases norte-americanas e milhares de assessores e tropa de combate posicionadas por todo o território, é francamente uma convocação ao suicídio. Salvo que o que se esteja buscando seja precisamente isso, a fim de potenciar um discurso tão politicamente correcto quanto ineficaz no plano estratégico. O imperialismo não distingue entre moderados, progressistas e revolucionários na hora do aniquilamento para impor seus objectivos de dominação.
O Comandante Jorge Briceño nasceu de mãe e pai guerrilheiros, viveu praticamente toda a sua vida levantado em armas e nesse andar irmanou-se a Marulanda, Jacobo Arenas, Alfonso Cano, Simón Trinidad, Sonia, Raúl Reyes, assim como Camilo Torres, o Padre Manuel Pérez, o Comandante Gabino e outros insurgentes como eles, que abandonaram todas as comodidades da vida "normal" precisamente para que milhões de pobres possam alcançar a normalidade de ter comida, tecto e terra para eles e seus descendentes.
Nem Briceño, nem Lucero Palmera, nem os que estão enterrados em vida nos cárceres tumba colombianos ou nas masmorras iaques para os quais foram extraditados, são terroristas, nem seres demoníacos ou malévolos (como gostam de caracterizá-lo os media ao serviço da repressão). São patriotas latino-americanos que algum dia serão homenageados como deve ser. Como o foram outros tão "terroristas" como eles, chamados Tupac Amaru, Bartolina Sisa, Manuela Sáenz, Martí, Bolívar, Sandino, Mandela, Farabundo Martí, Sendic, Ernesto Guevara, Camilo Cienfuegos, Inti Peredo, Filiberto Ojeda, Miguel Enríquez…
Nesse momento, talvez não tão longínquo, seus exemplos de entrega e sacrifício estarão acima de todo o veneno vertido contra eles por aqueles que praticam hoje o Terrorismo de Estado ou massacram nossos povos.
Finalmente, basta só desejar que vozes exemplares como as da senadora Piedad Córdoba, mulher íntegra e valente, sejam escutadas. Ela, apelado a toda lógica, sabe que a única solução para um conflito político e armado é a negociação entre as partes. Sabe também que a insurgência não é o problema, como já o demonstrou no Caguán. O obstáculo são os falcões da morte. Enquanto a sua doutrina continuar a ser "a solução militar", que não haja dúvidas: continuará a haver luta.
[*] Jornalista, Director do Resumen Latinomericano
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