Ollanta Humala: consolidação da Unasul é prioridade
Na conversa com o Página/12, o candidato falou de suas principais propostas, do que seria um eventual governo seu sem maioria parlamentar, de direitos humanos, de sua rival Keiko Fujimori e do papel que a Unasul teria em sua política externa.
- Você disse que o presidente Alan García apoia a candidatura de Keiko Fujimori. Confia na limpeza do processo eleitoral?
Humala – Nós vamos respeitar a vontade popular e vamos defendê-la. Há indícios que trazem preocupação quanto à transparência do processo eleitoral, Há uma clara intervenção do presidente García em favor do projeto autoritário de Keiko Fujimori. A Diroes (quartel policial onde está detido Alberto Fujimori) é o principal local de campanha do fujimorismo, desde onde Alberto Fujimori, que está preso por corrupção e violação dos direitos humanos, decide a estratégia de seu partido. Outro fato preocupante é a denúncia feita sexta-feira pelo jornal La República sobre a interceptação de minhas conversas e as de meus familiares e assessores políticos. Nós reconhecemos essas conversas e algumas delas foram feitas na sede do partido e não por telefone. A única instituição com capacidade de fazer essas interceptações é o serviço de inteligência e para que faça isso precisa ter a luz verde do presidente da República. O governo deve explicar isso.
- Se você ganhar a eleição, será por uma margem estreita e em um país polarizado e dividido em dois, sem maioria no Congresso...
Humala – Como força política responsável e com memória entendemos a mensagem que a população deu no primeiro turno, quando o povo nos deu a primeira maioria, mas não uma maioria absoluta, como um pedido para que ampliássemos nosso programa, o que implica um governo de concertação nacional, capaz de consensuar algumas propostas. Neste esforço de concertação conseguimos o apoio de forças sociais, trabalhistas e políticas importantes, como o partido Peru Posible (do ex-presidente Alejandro Toledo), com o qual podemos garantir a estabilidade democrática no Congresso, já que com essa força podemos ter maioria parlamentar, o que a congressista Fujimori não pode conseguir, uma vez que não tem maioria. No grupo dela, há gente que trabalhou diretamente com Fujimori e, quando não tiveram maioria, fecharam o Congresso.
- Você falou de fazer concessões para conseguir essa concertação. Até onde vão essas concessões em suas propostas? O que não é negociável?
Humala – Não vamos retroceder em fazer com que o crescimento econômico venha acompanhado de inclusão social. Para que haja inclusão social temos que assegurar políticas sociais como o Programa Pensão 65, para os maiores de 65 anos que não têm uma pensão; um programa de nutrição infantil nas escolas; um programa de creches; defender os direitos trabalhistas; elevar o salário básico de 600 para 750 soles (cerca de 220 dólares) no primeiro ano de governo; um aumento de salário aos policias para melhorar a segurança; investir na infraestrutura, como aeroportos, portos, estradas, escolas, hospitais, ferrovias - o país tem hoje um déficit de 40 bilhões de dólares em infraestrutura pública -, por meio de parcerias público-privadas. Queremos consolidar o processo de descentralização para melhorar o investimento público; ampliar o programa Juntos (que paga 35 dólares mensais aos setores mais pobres) de cerca de 500 mil beneficiários para 900 mil; ampliar os orçamentos dos programas sociais de restaurantes populares e do copo de leite. Queremos entregar bolsas aos melhores estudantes das escolas públicas para que tenham acesso a uma carreira universitária; desenvolver uma política para o retorno dos três milhões de peruanos que vivem no exterior, a maioria em situação ilegal. Não vamos retroceder em nossa disposição de implementar essas políticas sociais.
- Como ex-militar, qual sua posição frente aos julgamentos de militares por violações de direitos humanos?
Humala – Para que haja reconciliação, primeiro é preciso que se conheça a verdade. As autoridades devem dar todas as condições à Justiça para que se esclareçam as denúncias e se saiba a verdade. Os soldados que combateram com honra querem que as denúncias sejam esclarecidas, porque quando se suspeita de um se suspeita de todos. Os interessados em que não se conheça a verdade são aqueles que deram as ordens para violar os direitos humanos. Nunca mais devemos regressar à ditadura fujimorista na qual desapareceram estudantes, na qual se matava, se esterilizavam mulheres contra sua vontade. O que foi feito no país em matéria de direitos humanos foi uma vergonha. O Estado tem uma dívida com sua população em matéria de direitos humanos. Nós defendemos os direitos humanos.
- Em sua opinião, como seria um futuro governo de Keiko Fujimori?
Humala – Ela traz consigo as mesmas pessoas que governaram com seu pai. Com eloa está o doutor Alejandro Aguinaga, que fazendo lembrar o tempo da Alemanha nazista, como ministro da Saúde de Fujimori, esterilizava as mulheres contra sua vontade. Mais de 300 mil mulheres pobres foram esterilizadas contra sua vontade. Sua porta-voz de direitos humanos (MIlagros Marayi) coordenava no governo de Fujimori, com Vladimiro Montesinos (braço direito de Fujimori e encarregado dos trabalhos sujos), o trabalho de como livrar a cara do regime em função das acusações de violações dos direitos humanos. Ela mesma reivindica seu pai como o melhor presidente do Peru. E a menção ao governo de seu pai ocorreu apenas agora na campanha do segundo turno.
- Alberto Fujimori goza de uma série de privilégios no quartel policial onde está preso. O que seu governo faria diante desta situação?
Humala – Ninguém deve ter privilégios. Quando uma pessoa é condenada deve ir para a prisão e não para um quartel policial.
Quais serão as prioridades de sua política internacional?Humala - Vamos participar com entusiasmo da consolidação da unidade latino-americana. O fortalecimento da Unasul será uma prioridade de nossa política externa. Nós vemos com muito interesse a consolidação da Unasul. Vamos estreitar as relações políticas e econômicas e de integração com os países da região. Não vamos ideologizar as relações internacionais, mas sim vamos construir uma agenda positiva com todos os países irmãos.
- Você tem ressaltado suas concordâncias com o presidente Lula. O Brasil é um modelo a seguir por seu governo?
Humala - O do Brasil é um modelo exitoso, mas o Peru é diferente do Brasil. Temos economias distintas, realidades diferentes. Da experiência do Brasil, queremos resgatar uma condução prudente e adequada da política econômica, e um crescimento econômico que permita a inclusão social e a diminuição da desigualdade social.
- O acordo do Arco do Pacífico (acordo de cooperação econômica do Peru com o Chile, a Colômbia e o México) firmado pelo presidente García ainda não foi ratificado. Você pretende levá-lo adiante ou revisá-lo?
Humala - Os acordos firmados pelo Estado têm que passar pelo Congresso e aí precisam passar por um debate para serem ratificados. Este acordo terá que ser debatido no Congresso.
Como você vê o governo de Cristina Kirchner?
Humala – É um governo democrático que vem resolvendo seus problemas, Nós queremos melhorar nossas relações com a Argentina, respeitando a política interna do governo argentino. Parte da boa vizinhança é não se meter nos assuntos internos de outros países.
Por que você quer ser presidente?
Humala – Eu sou pai de família. Tenho três filhos, o menor de cinco meses, e me coloco na posição de milhões de peruanos que estão iniciando uma família e que querem que seus filhos tenham oportunidades por meio de uma educação de qualidade e de uma boa saúde, e que quando saiamos para a rua com nossas famílias não sejamos assaltados. E se nos roubarem queremos encontrar justiça. Não queremos um país corrupto. Quero ser presidente porque quero que o crescimento econômico se converta em qualidade de vida. Quero construir o futuro.
Você pensava em ser presidente desde que era oficial do exército?
Humala – Não, eu queria ser comandante geral do exército. A circunstância que mudou minha vida foi o levante que fiz em Locumba contra a ditadura fujimorista. Foi um levante dentro de um processo de convulsão social no qual o povo peruano tinha se levantado contra a ditadura. Depois disso, inclusive quis recuperar minha carreira militar e estive no exército até o ano de 2004 como militar na ativa. Quando me passaram para a reserva decide reorganizar minha vida e foi aí que ingressei na política.