Não há saída para a Colômbia fora da política e da democracia
Por Gilberto Maringoni, em Carta Maior
Mergulhada em um cenário de violência política há quase cinco décadas, a Colômbia elegeu, no último dia 20 de junho, Juan Manuel dos Santos à presidência da República, em segundo turno, com 69% dos votos válidos.
Candidato apoiado pelo atual presidente, Álvaro Uribe, Santos foi seu Ministro da Defesa, um dos articuladores da escalada bélica contra a guerrilha das Forças Armadas Revolucionárias da Colômbia (FARC) e ativo defensor do acordo militar que possibilitou a instalação e a ampliação de bases norteamericanas no país.
A disputa presidencial envolveu ainda Antanás Mockus, ex-prefeito de Bogotá, pelo Partido Verde, que obteve 27,5% dos sufrágios. No primeiro turno, participou ainda Gustavo Petro, senador e ex-guerrilheiro, pelo Pólo Democrático, uma coalizão de partidos de esquerda, obtendo 9,5% da preferência dos eleitores.
Sob a gestão de Uribe, a Colômbia tornou-se, juntamente com o México, o maior sustentáculo da política do governo de George W. Bush na América Latina. Além das bases e de um aumento expressivo em seu orçamento militar, vários grupos paramilitares agem com a complacência oficial no combate à oposição armada.
Para avaliar o quadro político do país, Carta Maior entrevistou Carlos Lozano. Membro da Junta Nacional do Pólo Democrático, integrante do Comitê Central do Partido Comunista Colombiano e editor do semanário Voz, órgão oficial da agremiação, Lozano, 62 anos, comenta os resultados eleitorais, a influência dos EUA e relaciona o poder oficial com os meios de comunicação em seu país. A seguir, os principais trechos da conversa.
Carta Maior: Qual é a situação política, após a vitória de Juan Manuel dos Santos?
Carlos Lozano: As eleições parlamentares e presidenciais foram realizadas sob características que marcam nosso país há décadas: um forte apoio oficial aos candidatos governistas. Praticamente todos os recursos do Estado foram colocados a serviço dos partidos ligados ao presidente Álvaro Uribe.
É o caso, por exemplo, dos programas assistenciais. Eles aglutinam milhões de pessoas. A lei proíbe sua utilização com objetivos eleitorais. Mas houve denúncias, ao longo de toda a campanha. Os beneficiários foram coagidos a apoiar candidaturas oficiais, sob pena de perder sua cobertura. Temos notícias também de proselitismo armado, por parte de paramilitares, sobretudo em regiões rurais, pressionando os camponeses para que votassem em Santos.
CM: Como foi a atuação dos partidos de oposição?
CL: O traço importante dessas eleições é que as pesquisas eleitorais trataram de criar uma aparente polarização entre Juan Manuel dos Santos e Antanás Mockus. Algumas sondagens chegaram a apontar Mockus na dianteira.
Dois ou três dias antes do primeiro turno, havia um empate técnico, que não se materializou nas urnas. A intenção era muito clara: tirar de cena outras forças, em especial a esquerda, representada pelo Pólo Democrático.
No segundo turno, o Pólo propôs a Mockus um acordo de quatro pontos para apoiá-lo. Era algo perfeitamente factível. Mockus não aceitou, alegando, de forma sectária, desejar disputar com suas próprias forças, sem a necessidade de aliados. Aí está o resultado.
Mockus representa realmente um setor não contaminado pelo clientelismo e pela corrupção. Porém, é um setor mais à direita. Na prefeitura de Bogotá, Mockus agiu como um neoliberal e não representava uma alternativa real. Mesmo assim, queríamos derrotar o pior, que era a continuidade do uribismo. Com a recusa de Mockus, resolvemos não votar e não respaldar nenhum dos dois candidatos.
CM: O que é o uribismo?
CL: É uma corrente de ultradireita, que cresceu nos últimos anos, com suporte nos tradicionais Partidos Liberal e Conservador. Esta corrente está vinculada aos interesses dos Estados Unidos e do militarismo, com forte influência de oficiais que passaram pela Escola das Américas. É um anacronismo, mas segue existindo aqui.
O governo alega estar construindo uma “segurança democrática” que gerará confiança e estabilidade para os investimentos internacionais. Por isso, o governo de Uribe, mais do que qualquer outro da América latina, vem estimulando os tratados de livre comércio, em especial com os Estados Unidos, com a Europa e com o Canadá.
CM: Uribe é realmente popular?
CL: Há que se levar em conta a precariedade da democracia colombiana. Além disso, não podemos desconsiderar a existência de um setor importante da população, não apenas os mais ricos, que respalda o governo. Isso inclui camadas médias e setores populares.
O apoio existe, mas não é tão grande como eles alegam. Nas eleições houve 55% de abstenção, pois o voto aqui não é obrigatório. Assim, Juan Manuel dos Santos teve a maioria da minoria, dos 45% que votaram, cerca de 30% do total de eleitores. Nas duas eleições vencidas por Uribe, a abstenção também foi semelhante.
CM: Que impacto eleitoral tiveram os acordos militares com os Estados Unidos, firmados no ano passado?
CL: Há um setor importante do país que apóia tudo isso. O governo difunde a idéia de que as bases estadunidenses trarão paz ao país pela via da guerra, pela derrota militar da guerrilha. Nós, da esquerda, sempre colocamos a necessidade de uma solução negociada e política para o conflito. A direita e o governo alegam que as propostas de diálogo fracassaram e que os gringos resolverão o problema.
CM: Há o argumento de que as bases trarão investimentos e desenvolvimento ao país...
CL: É verdade. A campanha publicitária oficial e os meios de comunicação argumentam que as bases melhorarão as condições de infraestrutura de cidades próximas a elas, que haverá mais lojas, mais restaurantes e mais comércio. Sabemos que as coisas não serão assim.
CM: Há diferenças entre o Plano Colômbia, firmado no governo Clinton (1992-2000), e as bases?
CL: Sim. O Plano Colômbia tinha como objetivo alegado combater o narcotráfico. Começou há cerca de 14 anos, com investimentos de cinco bilhões de dólares. Neste ano, o montante caiu para US$ 400 milhões e em 2011 serão apenas US$ 340 milhões. O governo dos EUA resolveu concentrar todos os seus investimentos nas bases militares. Elas agora são sete, mas podem se ampliar, de acordo com convênio.
Atualmente, o argumento não é apenas combater o narcotráfico, mas atacar o “terrorismo” e dar segurança ao país. Ou seja, um critério muito genérico, pois com segurança do país pode estar subentendida a existência de uma ameaça externa. Isso preocupa a Unasul. Quem ameaça a Colômbia? Há o argumento de que, com as diferenças que o governo tem com Chávez, ele estaria ameaçando o nosso país. É um caminho perigoso.
CM: Há conexão com a reativação da IV Frota dos EUA no Atlântico Sul?
CL: Claro. O projeto é estacionar a IV Frota na base de Malambo, em Barranquilla. Trata-se da principal cidade colombiana na costa do Caribe.
CM: Qual é a relação do uribismo com os meios de comunicação.?
CL: Os grandes meio de comunicação são de propriedade de poderosos grupos econômicos nacionais e internacionais, em estreita relação com o governo. Além disso, Juan Manuel dos Santos integra a família proprietária do jornal El Tiempo, que completará cem anos em 2011. É o mais influente no país e o grupo possui, além do jornal, um canal de televisão em Bogotá e editoras de livros e revistas. É um monopólio.
A família teve um Presidente da República, Eduardo Santos, entre 1938 e 1942. Com a crise econômica, venderam parte das ações ao grupo espanhol Planeta, ligado ao PP, Partido Popular, do ex-Primeiro Ministro José Maria Aznar.
O grupo Planeta deve também ganhar a licitação para o terceiro canal de TV privado que temos aqui. É o único concorrente, algo incrível. Com isso tudo, a tendência política na Colômbia trafega num sentido contrário ao que vem ocorrendo na América Latina, onde a direita perdeu postos importantes.
CM: Como o sr. Avalia a gestão Uribe do ponto de vista social?
CL: O investimento social é mínimo. O governo apresentou uma reforma trabalhista, supostamente para se gerar empregos. O que estamos vendo, pelas últimas estatísticas, é um aumento do desemprego para 12,5% da população economicamente ativa.
A saúde foi privatizada. Eliminaram as cirurgias de alto risco do sistema público. No país, 35% do orçamento público vai para o combate à guerrilha e 25% destina-se aos pagamentos dos serviços da dívida pública.
O principal programa de Uribe foi a “segurança democrática”. Com isso, em 2002, ele assegurou derrotar a guerrilha em 90 dias. As FARC tiveram muitas baixas, mas seguem atuando. Assim, a “segurança democrática” fracassou.
Uribe também buscou um acordo com os paramilitares, para desmobilizá-los. Haveria uma pena máxima de oito anos, independentemente dos crimes, para aqueles que se entregassem. Acabam de condenar os primeiros. São réus confessos de terem cometidos entre 120 e 150 assassinatos. E pegaram oito anos de cárcere!
Mesmo assim, os paramilitares também seguem atuando. Segundo a Corporação Arco-Íris, uma ONG de defesa de direitos humanos, há cerca de oito mil deles em ação. A “segurança democrática” é um fracasso, assim como a política social do governo.
CM: Qual é a saída para a questão da guerrilha?
CL: Há oito anos defendemos uma saída política. Quando falo em fracasso militar, estou me referindo também à guerrilha. O governo não conseguiu derrotá-la e esta não logrou conquistar o poder pela via militar. Então há um fracasso neste caminho. São necessárias mudanças mínimas neste país, para que a guerrilha possa se incorporar à vida democrática.
Fonte: Carta Maior