Uribe quer a guerra para escapar à prisão
Heinz Dieterich
Lula explicou o paradoxo corretamente. Se o presidente eleito da Colômbia, Juan Manuel Santos, quizer melhorar as relações com a Venezuela, porque o Presidente que está de saída, Uribe, gera um conflito potencialmente bélico com Caracas? A resposta a este comportamento contraditório reside na futura situação prisional de ambos os presidentes que compartilham uma longa história criminosa: Uribe está muito próximo da cadeia, Santos estará protegido por mais quatro anos devido ao se status de Presidente.
No expediente criminal de Álvaro Uribe, há dois crimes que estão se tornando a espada de Dâmocles da justiça colombiana e internacional contra o quase ex-presidente. Em 9 e 13 de Julho de 2010, Uribe foi acusado pela primeira vez e diretamente pelos casos de escutas telefônicas e monitoramento de personalidades das altas esferas políticas colombianas. A acusação foi feita pelo ex-Diretor Geral da Área de Inteligência da Polícia Secreta do regime, DAS, Fernando Alonso Tabares Molina. Sendo a justiça colombiana uma honrosa exceção à maioria das justiças classistas corruptas da América Latina, é muito provável que, desta vez, Uribe não escape da responsabilidade de ter criado um proto-estado narcoparamilitar, à sombra do Estado oficial, coordenado a partir da Presidência e do DAS.
Ainda mais grave é que, em 22 de julho deste ano, deputados e senadores do Congresso da República, juntamente com 21 parlamentares europeus e representantes de organizações de Direitos Humanos da Colômbia, constataram no município de La Macarena, Departamento de El Meta, um cemitério clandestino com cerca de 1.500 vítimas das Forças Armadas da Colômbia e seus aparatos paramilitares. A vala comum está localizada junto a uma brigada do Exército que recebeu apoio do Plano Colômbia. A reação de Uribe sobre a descoberta deste cemitério consistiu na seu habitual método de ameaçar e intimidar. Essas acusações, segundo ele, estão sendo feitas por “porta-vozes do terrorismo para poder se recuperar”. Ele esqueceu que com os parlamentares europeus, seus métodos terroristas não irão funcionar.
Hoje em dia está claro que a implementação do “Plano Colômbia” por Uribe, é uma sequência interminável de crimes de lesa-humanidade, moldada segundo o modelo do Holocausto de Washington no Vietnam, com sua Operação Phoenix, que assassinou a 75 mil quadros vietnamitas; o body count, ou seja, a matança de civis em benefício dos soldados e oficiais, que na Colômbia reaparece – com uma taxa de impunidade de 98,5% – como a política de “falsos positivos”; a política de “tirar a água do peixe”, ou seja, isolar o guerrilheiro da população camponesa, que produziu mais de quatro milhões de deslocados e refugiados na Colômbia; e, finalmente, a vã tentativa de destruir a retaguarda do Movimento de Libertação Nacional (Vietminh), que levou à invasão militar do Laos e Camboja e, na Colômbia, à intervenção militar contra o Equador e as planejada agressão contra a Venezuela.
Passo a passo, esses crimes sairão do anonimato criado pelo poder oligárquico colombiano e alcançarão os seus autores, tal como está acontecendo com os assassinos militares e policiais do Cone Sul. Contra Santos já existe um mandado de prisão no Equador, desde 26 de abril de 2010, que só poderá ser neutralizado através de um arranjo político. Se ele não chegar a esse quid pro quo, ficará desprotegido juridicamente uma vez que deixe a presidência.
Quando o ditador Pinochet deixou a presidência do Chile, em 1990, se passaram oito longos anos antes que fosse detido em Londres. Não há dúvida de que o futuro carcerário de Uribe e Santos será resolvido em um prazo mais curto. No entanto, a principal diferença entre eles é que Santos terá quatro anos para se salvar, enquanto Uribe ficará desamparado institucionalmente em dez dias. Por isso, a estratégia de Santos para salvar sua pele será um arranjo político interno e com os vizinhos, o que incluiria um indulto para os violadores dos direitos humanos nas últimas décadas.
Uribe não tem mais essa oportunidade. Por isso, busca a sua salvação em um perigoso cenário de conflito e guerra, que coincide estruturalmente com os interesses de Washington. Qual das duas estratégias será imposta dependerá de uma série de fatores internacionais (Irã, Coréia), da firmeza dos governos progressistas latinoamericanos diante de Washington e da atitude dos povos da América Latina.