"A LUTA DE UM POVO, UM POVO EM LUTA!"

Agência de Notícias Nova Colômbia (em espanhol)

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A violência do Governo Colombiano não soluciona os problemas do Povo, especialmente os problemas dos camponeses.

Pelo contrário, os agrava.


segunda-feira, 20 de dezembro de 2010

COLÔMBIA 1928: O MASSACRE DAS BANANEIRAS



Por: Hernando Calvo Ospina
Fonte: diplomatique.fr-monde: http://www.monde-diplomatique.fr / ca ...


Colômbia, dezembro 1928


Não foi só a imaginação do colombiano Gabriel García Márquez, Prêmio Nobel de Literatura. Não. O que narrou sobre isso em sua obra-prima "Cem Anos de Solidão" é a absoluta e triste verdade. A matança e a repressão dos trabalhadores começou na madrugada de 06 de dezembro de 1928, e só parou cerca de três semanas depois. Foi nas plantações de banana da United Fruit Company, na região do Caribe colombiano. Estes foram os primeiros passos do terrorismo de Estado na Colômbia...

Na Colômbia, com as primeiras luzes do século XX, os campos de petróleo, ouro, platina e outros metais preciosos são praticamente dados a empresas norteamericanas e inglesas. Para as sociedades dessas nações são entregues vastos territórios para a exploração, sem restrição, de bananas, cacau e borracha. Com o beneplácito do governo, os empregados destas empresas eram tratados como nos tempos coloniais.

A industrialização iniciada naqueles primeiros vinte anos deu à luz a uma burguesia urbana, e também a um setor operário que começou a reivindicar benefícios sociais. Seguindo o seu exemplo, camponeses, indígenas e artesãos, também procuraram se organizar. Estes incipientes movimentos reivindicativos deram lugar às primeiras organizações sindicais e políticas.

Esse processo organizativo embrionário recebeu um incentivo externo determinante. Em outubro de 1917, veio a Revolução de Outubro na Rússia, liderada por Vladimir Lênin, e a criação da União Soviética, que se constitui na primeira experiência de construção do socialismo. Este evento passaria a exercer uma influência decisiva sobre o pensamento político e social mundial, como tinha sido a Revolução Francesa em 1789. A Colômbia não poderia ser a exceção, menos ainda quando a palavra "socialismo" não era desconhecida em círculos da intelectualidade liberal.

Agora, a igualdade social era visto como uma possibilidade. Com base em manifestações e greves, a conquista dos direitos e concessões inimaginável alguns anos antes foram sendo alcançados, sendo que os trabalhadores petroleiros da Tropical Oil Company eram a vanguarda da luta.

Aos olhos do governo conservador, da oligarquia e da hierarquia da Igreja – o maior latifundiário do país – toda a organização e o descontentamento social eram prova da existência de uma conspiração comunista internacional para destruir suas propriedade e vidas. Sua paranóia aumenta quando, em 1926, é fundado o Partido Socialista Revolucionário, como alternativa aos partidos tradicionais, Liberal e Conservador. Apesar de um setor importante da intelectualidade liberal ser a favor de mudanças sociais, não para estabelecer o socialismo, mas para modernizar um Estado que controlava o país como um mordomo. (1)

Desde o governo, o parlamento, os púlpitos e jornais, as predicas não davam trégua contra a "subversão bolchevique". Apavorados, as lideranças conservadoras e os chefes do clero decidiram agir estrategicamente.

Em meados de 1927, o ministro da Guerra, Ignacio Rengifo, um intelectual que já havia se declarado "revolucionário", afirmou: "Protegidos no ambiente de ampla liberdade que se respira em território colombiano, não poucos cidadãos nacionais e estrangeiros, por conta própria, ou como agentes pagos do governo soviético, por todas partes fazem propaganda comunista ativa e constante". (2)

Rengifo foi o principal inspirador da Lei de Defesa Social, mais conhecida como "Lei Heróica". Promulgada em outubro de 1928, estabeleceu o tom na concretização de um contexto teórico altamente repressivo. Com ela, a Colômbia adiantou-se aos teóricos das guerras colonialistas européias e norteamericana, formulando uma doutrina destinada a combater o que é conhecido no início da década de sessenta como "inimigo interno". A Lei definia como “subversiva” as ações reivindicativas, política e social dos sindicatos e organizações populares embrionárias.

No final do século XIX, a empresa americana United Fruit Company se estabelece em Santa Marta, no Caribe colombiano. O governo não só lhe dá vastos territórios, mas também privilégios que outras empresas estrangeiras não tinham. A United começou a funcionar e a atuar na imensa região como uma república independente.

Por volta de 1927, mais de 25 000 pessoas trabalhavam nas plantações da United, com jornada de trabalho de no mínimo 12 horas. Os trabalhadores não recebiam salários em dinheiro: recebiam bônus, que somente podiam ser utilizados nas lojas da empresa, em troca de mercadorias importadas dos EUA nos navios que transportavam as bananas. Além de não ter assistência médica, os trabalhadores dormiam amontoados em barracos insalubres. Havia um sistema de empreiteiros intermediários como único vinculo trabalhista, e assim, a empresa se desonerava das obrigações básicas para com os trabalhadores. Buscando resolver esta situação, o sindicato apresentou uma pauta de reivindicações.

As negociações, que não avançavam, foram congeladas quando a Lei Heróica foi aprovada. A United rejeitou a pauta por considerá-la subversiva. Para os trabalhadores não sobrou alternativa do que a paralisação, em 12 de novembro de 1928. O slogan era: "Pelo operário e pela Colômbia". Logicamente, o movimento foi rotulado de "subversivo" pelo governo, pela igreja e imprensa. Afirmava-se que "agentes de Moscou" tinha desembarcado clandestinamente para preparar a insurreição.

A Diretoria da United exigiu ao governo a presença do exército. Imediatamente, o presidente Miguel Abadia Méndez, declarou estado de sitio na região, ordenando ao general Carlos Cortes Vargas para acabar com a "quadrilha de malfeitores". O quartel general do exército foi instalado nas dependências da empresa, onde os oficias tinham à disposição bebidas alcoólicas, cigarros, um salário, e a possibilidade de grandes orgias com prostitutas "escolhidas" na região. (3)

A prioridade era proteger a vida da direção da United, todos norteamericanos, pois corria o boato de que os trabalhadores os degolariam, assim como às suas famílias.

A situação trabalhista deteriorou-se e os trabalhadores realizaram comícios permanentes e bloquearam a linha férrea, utilizada para transportar a produção de bananas até o porto. Em 05 de dezembro, os grevistas foram convocados ao povoado de Ciénaga com o pretexto de receber o governador que, supostamente, participaria das negociações. Mas ele nunca chegou. Em seu lugar estava o general Cortés Vargas que, às 23h30, emitiu o decreto que ordenava dissolver "qualquer reunião de mais de três pessoas" e ameaçava atirar "sobre a multidão, se necessário". Mas, na madrugada do dia seis, o general Cortés já estava completamente bêbado.

Duas horas depois, o general completamente bêbado, leu o decreto sobre perturbação da ordem pública diante da multidão que estava dormindo na praça. Ao finalizar a leitura, enquanto alguns grevistas gritavam "Viva a Colômbia!", "Viva o exército!", e se recusaram a deixar a praça, ordenou que as tropas atirassem com as metralhadoras colocadas nos telhados (4). Posteriormente, o militar disse que "era imperativo fazer cumprir a lei, e foi cumprida".

Estima-se que havia cerca de cinco mil camponeses, muitos acompanhados de suas esposas e filhos, rodeados por 300 soldados.

Aqueles que não foram mortos instantaneamente foram arrematados com baionetas ou enterrados vivos em valas comuns. Nos trens da United, centenas de corpos foram enviados e levados até o mar, onde foram jogados como bananas de má qualidade. Tal como diz García Márquez em "Cem Anos de Solidão".

Foi decretada a perseguição para todos aqueles que sobreviveram, sem diferenciar se trabalhavam ou não para a United. Outras centenas de camponeses foram brutalmente espancados e encarcerados, enquanto os líderes foram rapidamente julgados em tribunais militares.

A matança durou vários dias, até que a notícia se espalhou por todo o país, apesar da censura instaurada à imprensa, e começaram as manifestações de protesto. Para a United e o governo as coisas continuavam como se nada tivesse acontecido, a ponto de o general Cortés assinar, em nome dos operários, um "acordo de trabalho".

Alguns trabalhadores se organizaram numa espécie de guerrilha e queimaram plantações, sabotaram os serviços telegráficos, elétricos e cortaram as estradas de ferro da empresa. A região ficou militarizada quase por um ano.

O general Carlos Cortés Vargas reconheceu nove mortos. O governo treze e 19 feridos. Em 16 de janeiro de 1929, o diplomata dos EUA, Jefferson Caffery, informou ao Departamento de Estado: "Tenho a honra de informar que o representante da United Fruit Company em Bogotá, ontem me disse que o número de grevistas mortos pelas forças militares colombianas passa de mil". Mas a comissão de inquérito do Congresso, liderada por Jorge Eliécer Gaitán, descobriu cemitérios clandestinos, portanto, o número de vitimas, certamente, ultrapassa as 1.500.

O militar explicou sua decisão argumentando que existia uma situação insurrecional, que poderia provocar um desembarque de tropas dos EUA para proteger os interesses da United. E ele queria evitar uma invasão da Colômbia.

O Presidente da República parabenizou o general Cortés Vargas por ter salvo o país da anarquia. Enquanto o editorial do jornal liberal El Tiempo, de 17 de dezembro, dizia: "falta investigar se não existem medidas preferíveis e mais eficazes do que as de destinar a metade do exército da República para a matança de trabalhadores”.

Durante a apresentação do inquérito parlamentar, em Setembro de 1929, Jorge Eliécer Gaitán, num inflamado discurso, apontou à oligarquia como responsável pelo massacre. Do clero, ele disse, "aqueles missionários de Cristo são fariseus que traem a sua doutrina, negligenciam seus deveres para entrar na arena das miseras lutas políticas, terrenas e interessadas”.

Gaitán constataria que se havia aplicado contra os grevistas, em prol dos interesses dos EUA, a política do "inimigo interno": "Não que eu negue que uma grande agitação de justiça social percorre, de uma ponta à outra do país, para todos os espíritos. Ela existe, mas não como fruto do comunismo, mas como uma razão vital de um povo que deseja defender-se contra a casta de políticos sem escrúpulos (...). Assim procedem as autoridades colombianas quando se trata da luta entre a ambição desmedida dos estrangeiros e da equidade das necessidades dos colombianos (...). Naturalmente, não devemos pensar que o governo exerceu qualquer pressão para reconhecer a justiça dos operários. Estes eram colombianos e a empresa era americana e, dolorosamente, sabemos que neste país o governo tem a metralha homicida e um joelho tremulo no chão diante do ouro norteamericano”. (5)

O massacre das bananeiras não resultou em qualquer responsabilidade penal ou política. O general Carlos Cortés Vargas foi promovido a diretor da Polícia Nacional. Ostentava esse cargo até quando foi destituído. Não pelo massacre das bananeiras, mas pelo assassinato de um jovem, em 8 de junho de 1929, durante um protesto de rua em Bogotá. Era um estudante da elite bogotana e filho de um amigo do presidente Abadía Méndez. A oligarquia e do alto clero ficaram indignados. Pelo mesmo motivo, também foi destituído o ministro Rengifo, o mesmo que anteriormente havia sido elogiado como o homem providencial do regime.

Desde então, demonstrou-se a assimetria moral e política do sistema que se construiria na Colômbia.



*Hernando Calvo Ospina é jornalista e escritor.

Notas:
1) Calvo Ospina, Hernando. Colômbia, a história do terrorismo de Estado . Editorial Akal. Madrid, 2008.
2) Rengifo, Ignacio. Memórias do Ministério da Guerra. Bogotá, 1927.
3) O desenvolvimento da greve e posterior repressão sofridas pelos trabalhadores, está na pesquisa realizada pelo representante liberal Jorge Eliécer Gaitán, e apresentada ao Congresso da Colômbia, em setembro de 1929.
4) Sanchez, Ricardo, História Política da Classe Operária na Colômbia , Ed. La Rosa Roja, Bogotá, 1982.
5) Gaitán, sendo um candidato presidencial, e convertido no grande inimigo da oligarquia, foi assassinado em 9 de abril de 1948, em Bogotá. Isto provocou o que é conhecido na Colômbia como "A Época da violência", que em seis anos deixou cerca de 300 mortos, quase todos os camponeses.