"A LUTA DE UM POVO, UM POVO EM LUTA!"

Agência de Notícias Nova Colômbia (em espanhol)

Este material pode ser reproduzido livremente, desde que citada a fonte.

A violência do Governo Colombiano não soluciona os problemas do Povo, especialmente os problemas dos camponeses.

Pelo contrário, os agrava.


quinta-feira, 16 de dezembro de 2010

O “Dossiê” Colombiano: radiografia de uma armação contra o Partido Comunista do Chile



Por: Francisco Herreros*

Diário Red Digital


PRIMEIRA PARTE

O fato de que um Estado mafioso e genocida que pratica por definição o terrorismo de Estado e viola os direitos humanos por sistema, como o da Colômbia, acuse a alguém de terrorista, é tão coerente como que um policial pretenda dar uma multa por excesso de velocidade a um piloto que está numa corrida como as 500 milhas de Indianápolis.

O fato de que o Governo do Chile, os partidos de direita e os meios de comunicação que eles controlam, estejam hoje preocupados em extraditar a um compatriota, para ser julgado por tal Estado, pelo simples fato de manter relações políticas, que nunca negou, com uma organização que está em luta armada, que mantem um conflito secular com tal Estado, revela, de uma parte, o delírio à que pode levar uma mentira sistemática, reciclada uma e outra vez pelo aparato mediático; e por outra, seu grau de subordinação à estratégia maior, impulsada pelos poderes centrais, que aponta para a desestabilização dos processos de emancipação que ocorrem em vários países latinoamericanos, cuja principal desculpa, é precisamente, o combate ao terrorismo e ao narcotráfico.

A debilidade das provas e a deficiência técnica da solicitação de extradição do governo colombiano são tão evidentes que, na medida em que predomine o estado de direito e se imponha o raciocínio jurídico sobre as combinações e pressões políticas, Manuel Olate Céspedes, designer gráfico, 42 anos, casado, duas filhas, tem que ser colocado em liberdade e exonerado das acusações.

De fato, está preso o que trabalhou incansavelmente pela paz, enquanto o acusam aqueles que fizeram da violência o instrumento de sua política e, não somente se aferram à guerra como a uma fecunda fonte de recursos, mas também pretendem espalhá-la a nível regional.

Mas, quando Olate seja libertado, quem reparará o dano que causou à sua família, uma campanha odiosa e mentirosa, próxima já aos dois anos, que lhe imputam levianamente as “ligações” com uma organização terrorista? Qual será o custo pago por isso pelos complacentes e irresponsáveis meios de comunicação, que carentes de zelo profissional, ética jornalística e disposição para investigar, se prestaram para caixa de ressonância dessa campanha?


Terrorismo e terroristas

O significado em disputa é o conceito de terrorismo, a partir do qual se infere uma informação conspirativa da realidade. Assim, a versão do Estado colombiano, projetada acriticamente pelos jornais chilenos El Mercúrio e La Tercera, pressupõem que as FARC são uma organização terrorista, e por extensão, toda pessoa ou grupo que entre em contato com ela.

Esta concepção tem uma origem histórica muito precisa: a luta contra o eixo do mal, criada pelo ex-presidente George Bush, em seu discurso do Estado da União, em 29 de janeiro de 2002, para descrever aos regimes que, em sua opinião, apóiam o terrorismo e assim justificar as invasões do Afeganistão, que naquela época já ocorria, e a que se preparava contra o Iraque. Nesta intervenção, Bush mencionou o Irã, Iraque, Coréia do Norte, Líbia, Síria e Cuba.

Depois do fracasso do golpe de Estado na Venezuela, em 11 de Abril de 2002, os falcões da guerra da Casa Branca também incluíram no eixo do mal o regime venezuelano de Hugo Chávez e, desde 2005, o de Evo Morales, na Bolívia.

A ponta de lança da contra-ofensiva norteamericana na região foi o governo de Álvaro Uribe, na Colômbia, com as FARC e a luta contra o narcotráfico – simbolicamente assemelhados – como elemento justificador.

O Plano Colômbia e o Plano Patriota obedecem a essa estratégia, em virtude dos quais o governo dos EUA já transferiu uns seis bilhões de dólares ao governo colombiano – 660 milhões somente em 2009 – e converteu a sua Forças Armadas na maior máquina de guerra da região, com um efetivo superior a 500 mil homens, o que constitui 6,5% do PIB, proporcionalmente superior à dos EUA (4,6%), com duas guerras simultâneas.

Foi nesse contexto e com tecnologia de última geração que as Forças Armadas colombianas bombardearam o acampamento de Raúl Reyes em território equatoriano, em 28 de fevereiro de 2008, matando ao mesmo tempo pelo menos oito civis de diferentes países, pertencentes a organizações de solidariedade com as lutas do povo colombiano. Essa operação se repetiu em 22 de setembro último, quando acabou com a vida de Victor Julio Suárez Rojas, ou mais conhecido como Jorge Briceño, o Mono Jojoy, o segundo comandante e chefe militar das FARC.

Segundo uma outra perspectiva, a visão das organizações de solidariedade com a luta do povo colombiano, às que pertence Manuel Olate, assume as FARC como força beligerante de um conflito de longa data, com origem histórica determinada, que luta por objetivos também historicamente e eticamente justificados, quer dizer, a construção de uma nova ordem social, sobre a base de um programa orientado à solução política do conflito que sangra o país, que propõe um regime democrático, bolivariano e comprometido com a justiça social.

Do ponto de vista jurídico, especificamente no âmbito do direito internacional humanitário, a condição de força beligerante das FARC, sustenta-se no artigo 1º do II Protocolo Adicional à Convenção de Genebra (1), aprovado em 1977, referido à proteção das vitimas de conflitos não internacionais:

Artigo 1º. “Âmbito de aplicação material”.

1. O presente Protocolo, que desenvolve e completa o artigo 3º, comum à Convenção de Genebra, de 12 de agosto de 1949, sem modificar suas atuais condições de aplicação, se aplicará a todos os conflitos armados que não estejam cobertos pelo artigo 1º do Protocolo adicional à Convenção de Genebra, de 12 de agosto de 1949, relativo à proteção das vitimas dos conflitos armados internacionais (Protocolo I) e que se desenvolvam em território de uma Alta Parte contratante entre suas forças armadas e forças armadas dissidentes ou grupos armados organizados que, sob a direção de um comando responsável, exerçam sobre uma parte de dito território um controle tal que lhes permita realizar operações militares sustentáveis e concertadas e aplicar o presente Protocolo.

2. O presente Protocolo não se aplicará às situações de tensões internas e de distúrbios internos, tais como os motins, os atos esporádicos e isolados de violência e outros atos análogos, que não são conflitos armados.

Alem de que, oriunda dos governos do Chile ou da Colômbia, ou dos meios de comunicação que controlam, a categorização das FARC como organização terrorista é ridícula, fundamentalmente implica na ignorância de recorrer à violência como mecanismo secular de solução dos conflitos da sociedade colombiana, presente desde as conspirações de Santander contra Bolívar, no alvorecer de sua história; e grosseira omissão das causas sociológicas e históricas do prolongado conflito armado nesse país.


Violência histórica

Seja por conflitos entre liberais e conservadores, ou anteriormente entre federalistas e unitários, ou por intolerância no âmbito filosófico, religioso ou político; ou por conflitos motivados pela injustiça social e pobreza, ou simplesmente pela luta entre caudilhos. O fato é que, entre 1830 e 1903, registraram-se 13 grandes guerras civis na Colômbia, sem considerar as outras 40 registradas em estados federados, que custaram centenas de milhares de mortos em proporção pavorosa em relação ao tamanho da população.

São as guerras dos coronéis que Gabriel García Márquez escreveu.

Em 9 de abril de 1948, na presidência de Mariano Ospina, o assassinato do líder liberal e candidato presidencial, Jorge Eliécer Gaitán, desencadeou uma sublevação popular espontânea, denominado “bogotaço”, em que um número indeterminado de pessoas morreu. Alguns historiadores citam pelo menos três mil mortos.

No quinquênio imediatamente posterior, período conhecido como “A Violência”, que se estendeu até 1953, a ofensiva militar, policial e paramilitar desatada pelo líder do Partido Conservador, Laureano Gómez, contra militantes e simpatizantes do Partido Liberal, custou 300 mil mortos.

Da mesma forma que a direita chilena em relação à Unidade Popular, Gómez se empenhou em acusar os liberais de um armamentismo ilusório, enquanto eram massacrados com rigor metódico. Nessa perspectiva, o conflito armado na Colômbia, que persiste desde então, não é mais do que o cumprimento da autoprofecia.

O deslocamento forçado e o assassinato de camponeses por conta do paramilitarismo financiado pelos oligarcas, fenômeno que recrudesceu desde o meado dos anos oitenta do século passado, com comprovada cumplicidade e participação de Uribe Vélez, tem sido uma prática habitual e ininterrupta à qual deve-se lhe imputar centenas de milhares de vitimas mais.

De fato, o bombardeio e assalto do povoado de Marquetália, onde vivia Pedro Antonio Marin, mais conhecido como Manuel Marulanda Vélez, em 11 de maio de 1964, sem outra razão do que a imposição do Plano norteamericano LASO (N.T: Latin America Security Operation), que foi o antecedente direto que levou a criação das FARC.


Tentativas de solução política

Sem considerar as centenas de milhares de mortos do conflito que se prolonga desde então, em maiôs de 1984, culminaram os diálogos das FARC-EP com o governo de Belisario Betancourt, nos denominados Acordos de La Uribe que, em essência, estabeleceram uma trégua no conflito, com a perspectiva de assinar um tratado de paz definitivo e da reintrodução da guerrilha à vida política e civil.

Naquela época ninguém duvidava da condição das FARC-EP como força beligerante. Deste processo surgiu a União Patriótica, uma agremiação política que contava com a participação de representantes desmobilizados das FARC, do Partido Comunista e de organizações sociais. Em 1986 a União Patriótica obteve a terceira posição nas eleições gerais e conseguiu eleger vinte parlamentares.

O promissor processo político foi afogado em sangue pelos paramilitares numa aliança com narcotraficantes e agentes do Estado, mediante um frenesi homicida que em dois anos deixou cerca de cinco mil mortos, incluindo Jaime Pardo Leal e Bernardo Jaramillo, candidatos à presidência da República, oito senadores, treze deputados, setenta vereadores, onze prefeitos e milhares de quadros do Partido Comunista e de organizações sindicais.

Às FARC não sobrou outra alternativa do que voltar à clandestinidade e à atividade armada, sem prejuízo de que desde então mantêm vigente a oferta de diálogo com o governo, com a finalidade de retomar a via das negociações políticas para a solução do conflito.

De fato, em 1998, houve novo processo de diálogo com o governo de Andrés Pastrana, que sem grandes progressos, mas ao menos no formal, extingue-se em 2002, com o ataque, sem aviso prévio, das forças militares à zona de distensão, San Vicente del Caguán, e fica sepultado definitivamente com a chegada de Álvaro Uribe ao poder.

Esta personagem, de reconhecidos vínculos com o narcotráfico e com o paramilitarismo, assume o governo com as ordens do império de intensificar a guerra interna, para o qual primeiro se vale do Plano Colômbia e, a seguir, do Plano Patriota.

Não somente a guerra interna, mas aumentar a escalada a nível regional no que fosse possível, como demonstram a autorização para a instalação de sete bases militares norteamericanas em território colombiano; o bombardeio do acampamento de Raúl Reyes no Equador; continuas provocações fronteiriças contra a Venezuela e, ultimamente, a exportação de tecnologias e práticas repressivas para as forças armadas hondurenhas.

No mesmo dia em que José Manuel Santos Ascarza assumiu o poder, Alfonso Cano, atual Secretário Geral das FARC, propôs um diálogo ao novo governo, oferta que reiterou após a morte de Jorge Briceño.

Como resposta, Santos disse que o Estado continuaria combatendo-os até a aniquilação. Obvio. Santos não manda nele próprio.


Apocalipse agora

Em parte pelas razões já citadas, a violação dos direitos humanos na Colômbia chega a dimensões apocalípticas.

O Observatório de Direitos Humanos e do Direito Internacional Humanitário, depende da Vice-presidência da República, assinala que somente “entre janeiro e agosto de 2009 foram registrados 10.737 homicídios; 20 casos de massacres com 120 vitimas; 362 execuções extrajudiciais; 245 homicídios intencionais de pessoas protegidas e 18 desaparecimentos forçados”.(2)

A unidade de Direitos Humanos da Promotoria Geral da Nação da conta que “entre janeiro e setembro de 2009 foram cometidos 10 homicídios contra professores sindicalizados e 13 contra sindicalistas de outros setores”.(3)

O Relatório 2010 da Anistia Internacional Colômbia mostra que no decorrer de 2009 foram registrados 289 mil novos deslocados, 114 assassinatos de indígenas; 184 homicídios de pessoas pertencentes a grupos sociais marginalizados, como trabalhadores(as) do sexo, lésbicas, homossexuais, bissexuais, transformistas e viciados em drogas; e o assassinato de 8 ativistas dos direitos humanos e 39 sindicalistas.(4)

O relatório do Observatório dos Direitos Humanos, da Coordenação Colômbia-Europa-EUA, um grupo de Ong’s dedicados à defesa dos direitos humanos, estabelece que nos primeiros 75 dias do governo de José Manuel Santos, foram registrados 33 assassinatos de lideres camponeses, ativistas dos direitos humanos e dirigentes sindicais.(5)

No mesmo período, a Organização Nacional Indígena reporta o assassinato de cem indígenas, 40 deles no departamento de Cauca.


Os números globais são igualmente pavorosos

O Registro Único de População Deslocada registra um total de 3.226.442 deslocados internos até 30 de setembro de 2009. Por sua vez, a Consultoria para os Direitos Humanos de Deslocamento (CODHES) estima um total de 4.629.190 deslocados internos até o final de 2008, de terras que envolvem uns 6,65 milhões de hectares.(6)

Ou seja, quase um terço da população foi deslocada de um quarto do território colombiano por grupos paramilitares financiados pela oligarquia, para se apossar de suas terras.

Que país se livra de uma guerra civil com semelhante transtorno?

Segundo o presidente do CODHES, Marcos Romero, “já superamos o nível de desaparecimentos da Argentina, que chegou perto de 30 mil pessoas e que pode passar dos 100 mil nas últimas décadas”.

De fato, um relatório do Departamento de Medicina Legal, citado por TeleSur (7), dá conta de 38.255 pessoas desaparecidas nos últimos três anos e 18.236 somente em 2009.

O relatório 2009 da Alta Comissionada da ONU para os Direitos Humanos mostra: “Até dezembro de 2009, o Registro Nacional de Desaparecidos identificou 37.300 casos, dos quais, quase 10.000 correspondiam a casos de desaparecimento forçado. A maioria destes casos permanecem na impunidade, sem resolver nem identificar o culpados”.(8)

Um relatório da Promotoria de Justiça e Paz, de fevereiro de 2010, indica que os paramilitares reconhecem ter cometido 30.470 assassinatos nos últimos quinze anos e ter desaparecido outras 2.520 pessoas. (9)


Corrupção e impunidade

Todos os relatórios de direitos humanos disponíveis coincidem no alarme sobre a impunidade em que permanece o escândalo dos “falsos positivos”, que teve uma dramática expressão na descoberta da vala comum de La Macarena.

“Falsos positivos” é a denominação dada na Colômbia às execuções extrajudiciais no contexto de operativos militares antiinsurgentes, em que as testemunhas declaram que não houve combates; e onde as vitimas são capturadas nas suas residências ou lugar de trabalho para ser conduzidas ao local da execução. As pessoas executadas ou desaparecidas são, geralmente, camponeses, indígenas, trabalhadores, jovens, pessoas marginalizadas ou lideranças comunitárias. As vitimas são informadas pela força pública como membros da insurgência abatidos em combate.

Mais diabólico ainda – como estabelece o relatório 2010 da Corte Interamericana de Direitos Humanos – “os membros da força pública recebem incentivos econômicos, profissionais e prêmios pela apresentação de “positivos”; a competência judicial para a investigação dos fatos se atribui, desde o primeiro momento, a juizados penais militares; os familiares das vitimas, testemunhas e defensores dos direitos humanos dedicados ao esclarecimento dos fatos, são objeto de atos de ameaças e intimidação; a percentagem de condenações dos responsáveis é ínfimo. A Unidade de Direitos Humanos da Promotoria Geral da Nação conta com 1.230 casos que afetam a 2.103 vitimas nos últimos seis anos”. (10)

Responsável direto destes fatos, por ser hierarquicamente superior aos malfeitores, era o
Ministro da Defesa, José Manuel Santos Ascarza, o mesmo que qualificou a detenção de Manuel Olate como “um sinal muito importante, de que perseguiremos os terroristas onde estiverem”.

Nos primeiros dias de dezembro de 2009, uma visita de inspeção de uma delegação de congressistas e sindicalistas britânicos, permitiu a descoberta da vala comum de La Macarena, no departamento de El Meta, onde foram sepultados ilegalmente mais de dois mil cadáveres. Pesquisas posteriores demonstraram que a maioria delas era de pessoas arroladas em listas de “falsos positivos”.

Apesar de ter 3.700 militares processados ou sob investigação, nenhum deles está na cadeia e nenhum foi condenado. Longe disso, numa visita à base militar de La Macarena, Álvaro Uribe assegurou que a vala comum era somente o produto de calunias: “Aqui vieram os inimigos da Segurança Democrática, a alimentar calunias contra o Exército da Pátria”.

O relatório do Comitê de Direitos Humanos da ONU denunciou o alarmante grau de impunidade com relação às violações em massa dos direitos humanos na Colômbia.

Outro ponto enfatizado pelo Comitê, remete à agência de inteligência da Colômbia, o Departamento Administrativo de Segurança, DAS, o mesmo que entregou as “provas” contra Manuel Olate para a Promotoria Geral da República.

“Sistematicamente, já desde alguns anos, o DAS vem realizando uma operação de seguimento ilegal sobre membros da oposição, jornalistas, defensores dos direitos humanos e também da Corte Constitucional e organismos tais como a Comissão Interamericana de Direitos Humanos”.

O Relatório Anual da Alta Comissionada da ONU para os Direitos Humanos, sobre a situação de direitos humanos na Colômbia, 2009, acrescenta sobre o particular:

“Em 2009 tornou-se público que o DAS, entidade de inteligência dependente da Presidência da República, teria desenvolvido, pelo menos desde 2003 e de forma generalizada e sistemática, uma série de atividades ilegais dirigidas contra, entre outros, defensores de direitos humanos, opositores políticos, jornalistas e altos funcionários do governo, como o vice-presidente. Além disso, informação preocupante publicada nos meios de comunicação indicaria que até os magistrados da Corte Suprema foram objeto de vigilância. Estas ações, em muitos casos, tinham como objetivo neutralizar as atividades desenvolvidas pelas vitimas, considerados “alvos legítimos” por ser opositores potenciais das políticas governamentais. As ações ilegais incluíam interceptações telefônicas e de e-mail, seguimentos, fustigamento e ameaças, roubos de informação e invasões ilegais de escritórios e domicílios. Isto provocou um clima de medo e insegurança e, em algumas ocasiões, sabotagem e descrédito do trabalho dos defensores e defensoras dos direitos humanos. As ações contra as mulheres incluíram ameaças diretas contra seus filhos e filhas, em ocasiões com manifesto conteúdo sexual violento” (11).

A esse inferno na Terra, com antecedentes que escassamente ultrapassam a suspeita, Santos, Piñeira, Allamand, Espina, El Mercúrio e La Tercera pretendem que a Justiça chilena extradite a um compatriota?


SEGUNDA PARTE

A “volumosa” prova da Promotoria Geral da Colômbia contra Olate se reduz a uma dezena de mensagens de e-mail entre o Comandante Raúl Reyes e um certo “Roque”, e uma serie de fotografias de um grupo de chilenos no acampamento do mesmo Reyes, entre eles Manuel Olate, encontrados no seu poderoso laptop apreendido logo após sua morte pela Operação Fênix, que como se sabe, consistiu no bombardeio de seu acampamento, com tecnologia de última geração, de origem norteamericana, em território equatoriano, em 01 de março de 2008.

Além disso, existe o reconhecimento de Roque por uma testemunha, uma guerrilheira desmobilizada, cuja descrição não coincide com o aspecto físico de Olate.

A debilidade da prova é tão evidente que o jornal chileno La Tercera, que tomou a frente da campanha, na sua edição de cinco de novembro reconheceu que a chanceler colombiana, Maria Ângela Holguín, “expressou algumas duvidas e realizou consultas” ao seu homologo chileno, Alfredo Moreno, sobre os passos a seguir no processo de extradição.

No dia seguinte, o jornal El Mercúrio, outro jornal chileno que tomou parte da campanha, publicou que o Promotor Nacional, Sabas Chauán, “pediu celeridade ao Ministério Público colombiano para enviar os antecedentes para solicitar a extradição de Manuel Olate”; após o qual a crônica acrescenta: “o ponto é que os profissionais chilenos poderão sugerir aos requerentes que melhorem a apresentação da evidência” na idéia de que “o dossiê final e o pedido de extradição, que chegam através de vias diplomáticas, sejam o mais completo possível, com vistas ao julgamento que decidirá o futuro do suspeito”.

Desta verdadeira confissão de parte, desprende-se que, tanto o Estado chileno, representado pelo Chanceler e pelo Ministério Público, e a imprensa “séria”, em aberto flagrante do presépio de presunção de inocência e da obrigação de outorgar proteção diplomática a um compatriota, aparecem vinculados numa relação de estreita colaboração com um Estado estrangeiro, com o fim de extraditar a um compatriota, por razões estritamente ideológicas.

Este é um fato inédito na história do país, do qual terão que prestar conta no devido momento.

Em qualquer tribunal independente do mundo, as provas extraídas do laptop de Raúl Reyes devem ser rechaçadas, por motivos de natureza diversa.


Vicio de origem

Em primeiro lugar, as provas têm vícios de origem, pelo fato de serem provenientes de uma agressão armada em território estrangeiro, abertamente uma violação do direito internacional e que, adicionalmente, impediu a liberação unilateral de reféns em poder das FARC, que Raul Reyes negociava pessoalmente desde o seu acampamento.

Logo, apesar dos seus esforços, o Estado colombiano não conseguiu validar o conteúdo do computador de Reyes como prova confiável.

Entre eles, a solicitação de uma perícia forense para a INTERPOL sobre a validade da prova contida nos computadores apreendidos no acampamento.

A conclusão 2b desse relatório, desabilita o conteúdo desses computadores como prova válida diante qualquer tribunal do mundo, em termos irrevogáveis:

“Conclusão N. º 2b: Entre o dia 01 de março de 2008, data em que as autoridades colombianas aprenderam das FARC as oito provas instrumentais de caráter informático, e o dia 03 de março de 2008, às 11h45, momento em que tais provas foram entregues ao Grupo Investigativo de Delitos Informáticos da Direção de Investigação Criminal da Colômbia (DIJIN), o acesso dos dados contidos nas citadas provas não se ajustou aos princípios reconhecidos internacionalmente para o tratamento de provas eletrônicas por parte dos órgãos encarregados da aplicação da lei”.

A maior informação, o parágrafo 91 desse informe, assinala de modo textual:

“Utilizando suas ferramentas forenses, os especialistas encontraram um total de 48.055 arquivos cujas marcas de tempo indicavam que haviam sido criados, abertos, modificados ou suprimidos como consequência do acesso direto oito provas instrumentais por parte das autoridades colombianas entre o momento da apreensão destas, em 01 de março de 2008 e 03 de março de 200, às 11h45”.

Mas isso não é tudo. No processo contra Liliana Obando, socióloga, acadêmica, dos direitos humanos e ex-funcionária da Federação Nacional Sindical Unitária Agropecuária, acusada, assim como Olate, de supostas conexões com as FARC, baseado em antecedentes obtidos nos computadores de Reyes, o investigador do grupo antiterrorista da Direção de Investigação da Policia Judicial, DIJIN, Ronald Hayden Coy Ortiza, admitiu que manipulou a informação dos computadores de Raul Reyes, antes de entregá-los à Promotoria.

Segundo reportagem de Telesur, Coy admitiu que “abriu a informação e a manipulou antes de ser submetida ao controle de legalidades, sem que existisse autorização legal para isso”.

Coy ainda assegurou que não encontrou correios eletrônicos, mas sim documentos Microsoft Word.

“Não se encontrou, até o momento, correios eletrônicos. Encontrou-se grande quantidade de endereços que pertencem a correios eletrônicos, mas Reyes armazenava a informação em Word e de programas Microsoft”.

O advogado Eduardo Matias informou que, com a confissão de Coy, o mérito para julgar a sua cliente ficou sem base jurídica:

“Evidencia-se um manejo desmesurado por parte do funcionário judicial e um abuso de autoridade que viola o devido processo e, portanto, a prova não pode ser levada em conta como tal dentro de um processo penal”.

Com maior razão esse argumento é aplicável a um processo de extradição, onde a culpabilidade de um imputado deve ser provada com maior rigor do que a de um processo comum.


Solidariedade internacional

Quanto à sua presença e a de outros três chilenos no acampamento de Raul Reyes, do qual saíram dois dias antes do bombardeio, Olate nunca a negou. Afirma que foi no contexto da realização do Segundo Congresso da Coordenadora Continental Bolivariana, um movimento político social amplo, internacional, público, legal e aberto, cujo objetivo é a solidariedade internacional com as lutas do povo colombiano.

Pretender que as retrogradas direitas do Chile e Colômbia entendam o que significa solidariedade internacional, é tão difícil como esperar que nasça cabelo em rãs. Mas, desde a cadeia Santiago I, onde está internado sob regime de segurança que somente lhe permite duas horas fora da sua cela por dia, Olate declarou:
“Não entendo que façam tanto alarde da nossa presença no acampamento do comandante Raul Reyes, pois já o declaramos em inúmeras ocasiões. Fomos lá para levar uma saudação do Congresso Continental. No meu caso, levava também a tarefa de fazer uma entrevista ao comandante Raul Reyes, por conta da radio Bio-Bio. Para mim, a solidariedade internacional com as lutas do povo colombiano, faz parte da política do Partido Comunista, ao qual pertenço. Nós somos a favor de uma solução política ao prolongado conflito armado na Colômbia. Acreditamos que, neste momento, já não é mais possível uma solução militar. E dentro desse contexto, entendemos que a melhor colaboração é apoiar o intercambio humanitário de prisioneiros, em nossa opinião, o primeiro passo para criar um clima de confiança que permita às partes sentar para conversar”.

Lembrou também, que a visita ao acampamento de Raul Reyes não violou nenhuma legalidade, pois tinham permissão para se mover para qualquer lugar do território equatoriano.

Em entrevista para o semanário El Siglo, em março de 2008, Olate explicou sobre as fotos no computador de Reyes:

“Essas fotos nos mesmos tiramos. Aqueles que trabalham com fotografia digital sabem que em determinado momento acaba-se o espaço da memória e, para liberar espaço, deve-se descarregar as fotos em um computador. Nós as salvamos em um computador que nós emprestaram e que não podíamos suspeitar que depois seria capturado depois de um bombardeio”.

Explicou também sobre o uso do uniforme camuflado, próprio das FARC:

“A razão é bastante simples. Ocorre que para chegar a essas áreas, deve-se caminhar muito. Já lhe contei que caminhamos sob um dilúvio tropical. Chegamos ao acampamento encharcados e sujos. Portanto, ao chegar ao acampamento emprestaram-nos essas roupas, que era a única disponível. Não estávamos em nenhum shopping”.


Os e-mails da farsa

Manuel Olate nega enfaticamente ser Roque.

Mas mesmo que a polícia chilena identificasse Roque, qualquer que seja, e o colocasse a disposição da Promotoria Geral da Colômbia, esta dificilmente conseguiria a extradição baseado nas copias em formato Word de quinze mensagens de e-mail que, além de tudo, sugerem relações políticas, mas nenhum fato punível, muito menos extraditável.

A seguir, descrevemos alguns desses arquivos em formato Word, supostamente originados em mensagens de e-mails.

Raul para Roque, dois de agosto de 2004:
“Roque, tenha em conta que sua comunicação comigo é independente das comunicações com César e os camaradas do Brasil”.

Roque para Raul, 2 de fevereiro de 2007:
“Um agradecimento especial à camarada Gloria pelas panquecas, pela paciência e por colocar a voz de Rafaela na página web do movimento. Obrigado pela sua consideração”.

Raul para Roque, 22 de outubro de 2007:
“Lamentamos os problemas de saúde de nossa camarada Rafaela, ao mesmo tempo em que fazemos votos pela sua rápida e satisfatória recuperação. Os desejos são de voltar a tê-la aqui conosco na próxima viagem do coletivo”.
Roque para Raul, 28 de dezembro de 2007:
“Um abraço para toda a companhia, para Chana, para a camarada Gloria (Rafa quase chora com o presente que você lhe enviou) e para você, camarada Raul, um abraço e desejos de êxito nesta campanha”.

Roque para Raúl, 28 de maio de 2007:
“Como anedota comento-lhe que iniciamos a venda das bonequinhas guerrilheiras, as que Rafa faz, conseguimos colocar 5 em exposição e todas foram vendidas, a um dólar e meio”.

Raul para Roque, 31 de maio de 2007:
“Felicitações para o coletivo pelo bom trabalho. Bem, com as bonequinhas de Rafaella haverá dinheiro, propaganda e mais relações com as juventudes comunistas”.
Fenomenal. Desde que as FARC fazem parte do eixo do mal, o Estado colombiano as acusa de obter financiamento mediante o narcotráfico. Mas ocorre que, segundo a solicitação de extradição de Manuel Olate, na realidade o fazem...com a venda de bonequinhas.
E não é brincadeira, como se comprova pelo fato de que dois dos três delitos pelos quais se solicita a extradição são “financiamento do terrorismo e administração de recursos relacionados com atividades terroristas”, com somente o mérito de tão contundente “prova”. Posteriormente voltaremos a este assunto.


A conexão mapuche

Na ordem de investigar o RUC 0900212075-2 (N.T: espécie de CNPF), da Promotoria de Pudahuel, de 12 de julho de 2010, oficia-se à Promotoria Geral da Colômbia, a fim de solicitar informação para atribuir delitos de “associação ilícita terrorista, conduta terrorista e financiamento do terrorismo”, e determinar o grau de participação de cidadãos chilenos”, segundo se entende “da informação extraída dos comutadores do líder das FARC, Raul Reyes”.

O texto acrescenta que o oficio de referência “deve ser confeccionado em conjunto com os antecedentes que se investigam no processo RUC Nº 0900697670-8, de 28 de julho de 2009, do Juizado de Garantias de Temuco, pelos crimes e delitos simples contra a Soberania Nacional e Segurança do Estado, da Promotoria Local de Temuco”; que dizer, o processo que neste mesmo instante tramita contra 27 lideranças mapuches, em Cañete.

Em nenhum dos quinze e-mails supostamente trocados entre Raúl Reyes e Roque aparece uma relação direta entre os mapuche e as FARC através de Roque. Isso é o deduz a Promotoria Geral da Colômbia por inferência indireta com base em informações de contexto.

A seguir, o conteúdo desses e-mails:

Roque para Raul, 02 de fevereiro de 2004:
“Outro ponto é o regresso da Presidente do PC, Gladys Marin, ao país; isso seria perto de 14 de março, no dia 27 desse mês haverá um grande ato em homenagem à companheira, mas relacionado com as lutas que estão sendo desenvolvidas no país, os mapuches, a saúde, os desempregados, a defesa do cobre. A palavra de ordem do ato é ‘Todas as Lutas’”.

Outra das conexões descobertas pela Promotoria Geral da Colômbia é uma declaração do Comitê Regional da Nona Região do Partido Comunista, de 17 de fevereiro de 2007, em apoio à comunidade Temucuicui, que teria sofrido uma violenta incursão da polícia no dia anterior.

Todo o peso da ‘prova’ com a que se pretende extraditar um cidadão chileno para a Colômbia, cuja identidade não foi estabelecida de modo fidedigno, descansa na seguinte troca de supostas mensagens via e-mail:

Roque para Raul, 27 de março de 2006:
“Existem alguns companheiros do povo mapuche que há muito tempo estão em luta com o Estado pela devolução de suas terras, têm planos ambiciosos para libertar uma região do sul do Chile, onde atualmente vivem. Através de contatos que se aproximaram de nós para pedir apoio na forma de instrução e é o que estou fazendo”.

A resposta de Raul Reyes, segundo o dossiê colombiano, é de 30 de março, três dias depois:

“Deve-se lhes mostrar as características daqueles que participarão da experiência, partindo da dureza do regime militar e dos riscos a que são expostos pelo confronto diário com as tropas inimigas (...), ter em conta quanto tempo terão e a quantidade de companheiros. É preferível que sejam entre seis e dez e que tenham resolvido pendências trabalhistas ou estudantis durante o tempo de permanência aqui”.

E não há mais nada. É verdade que no dossiê colombiano existem reconhecimentos fotográficos de testemunhas sobre a presença de alguns mapuches no acampamento de Raul Reyes e a prova de sua entrada no território equatoriano, mas nada que os vincule a Roque ou ao Partido Comunista.

A debilidade da prova é tão manifesta que os promotores da província de Bio-Bio e da Araucania, encarregados das oitivas contra os comunheiros mapuches, desistiram de interrogar Olate e de utilizar as provas enviadas pela Promotoria Geral da Colômbia.


A conexão comunista

Vem ao caso lembrar que esta campanha teve inicio em agosto de 2008, logo após uma visita dos senadores Alberto Espina e Andrés Allamand e do então grande empresário e candidato presidencial, Sebastián Piñera, à Colômbia, onde mantiveram encontro com Álvaro Uribe Vélez e José Manuel Santos.

Mais ainda, gabaram-se de ter recebido essa informação sobre “chilenos-FARC” em um avião, estando presentes Uribe (agora processado judicialmente pela justiça dos EUA, acusado por crimes contra sindicalistas de uma empresa norteamericana na Colômbia), José Manuel Santos e o Comandante-em-chefe do Exército, general Mario Montoya, que posteriormente teve que renunciar pela sua responsabilidade nos assassinatos descobertos na vala comum de La Macarena.

Assim que o trio dinâmico Piñera, Allamand e Espina chegou da Colômbia, iniciou-se uma campanha brutal através do jornal La Tercera e, em menor grau, El Mercúrio, que já leva quase dois anos, em virtude da qual filtravam informação supostamente reservada, entregue à Promotoria chilena, a mesma que perde o sono no presente trabalho. Nunca Piñera, Espina, Allamand, nem muito menos La Tercera, revelaram as fontes da informação.

O Partido Comunista solicitou formalmente que as fontes fossem reveladas e jamais teve resposta, nem do governo, nem do trio dinâmico, nem de nenhum promotor. Ainda que a ANI, e em seu momento o Promotor Nacional, não encontraram mérito para investigar, as publicações arbitrárias na mídia prosseguiram e que a esta altura já causaram um dano irreparável a Manuel Olate e sua família.

Apesar da gravidade das acusações, não têm se esforçado em comprová-las, assim como o frouxo procedimento de extradição ensaiado pelo Estado colombiano.

Desde já devem saber que, uma vez esclarecidos os fatos, as responsabilidades legais correspondentes serão perseguidas, e que, para ser esclarecidas, Piñera, Hinspeter, Allamand e Espina, serão convocados a depor.

A única conexão do Partido Comunista nesta armação é uma declaração de um suboficial da Policia Judiciária, Jaime Humberto Lizarazo Pediache, que sem o apoio de qualquer antecedente como garantia, redigiu-se diante do Promotor Murcia Berneo, na presença do promotor chileno Emiliano Arias Madariaga, o seguinte parágrafo:

“A analise da informação mostra a participação e apoio nas atividades das FARC de sete integrantes do Partido Comunista do Chile, além de ralações com a Coordenadoria Continental Bolivariana, são eles: Carlos Casanueva, Guillerno Teiller, Lautaro Carmona, Sergio Sepúlveda, Daniel Núñez, Jorge Insunza e Andrés Lagos”. E nada mais.

Se esta é uma das oito testemunhas anunciadas pela Promotoria colombiana, estará em sérios problemas para sustentar sua posição.

Consultado a respeito, Andrés Lagos, Encarregado das Relações Internacionais do Partido Comunista do Chile e integrante da sua Comissão Política, assinalou:

“Estamos diante da tentativa de exteriorização uma política de guerra, de terrorismo de Estado, desde a Colômbia para o Chile, parte de uma operação mais global do império norteamericano, que explica as tensões bélicas com a Venezuela, o bombardeio e assassinato do comandante Raul Reyes e de pessoas que se solidarizavam com a luta do povo colombiano e com as FARC-EP, em território equatoriano.

Evidentemente, o que se procura com isso é gerar uma guerra e, portanto, exteriorizar o conflito. O império norteamericano está disposto inclusive a isso, para evitar que se consolide na nossa região uma tendência à emancipação dos povos, que continua sendo um fator de desenvolvimento para frente, onde se abrem relações de intercâmbio com a China, Índia, Rússia e Irã. Quer dizer, com outros eixos mundiais.

A ação belicosa e criminosa do império se expressa através do Estado colombiano, que entre outras coisas, viola flagrantemente os direitos humanos através de uma política de terrorismo de Estado.

Preocupa-nos que a exteriorização do conflito tenha, no caso do Chile, uma expressão a partir da qual vai ficando cada vez mais claro que o governo de Piñera deixa que o governo de Santos faça seu trabalho sujo, contra o povo mapuche, os movimentos sociais e o Partido Comunista.

Procura-se criminalizar e estigmatizar processos políticos que, inclusive, tem a ver com convergências que o Partido Comunista levou adiante, desde o ponto de vista de uma concepção democratizadora da sociedade, ampliando espaços de alianças.

Procura-se incidir na irrupção de movimentos sociais e suas lutas, e se busca amarrar as mãos da vocação solidária que exercem diferentes setores em nosso país, incluída a expressão concreta que Manuel Olate realizou, e muitos outros chilenos nesta perspectiva. Portanto, não somente deve-se denunciar a armadilha, mas também a operação que há por trás dela.

Vamos responder em forma transparente, com a verdade e com as armas da justiça. Parece-nós preocupante que uma ministra já tenha dado sinais de acolher as denuncias e as pressões de um Estado terrorista, diante do qual vamos a convocar a solidariedade nacional e internacional mais ampla, que já se manifestou de forma importante. Não vamos ceder em nosso empenho de empurrar na direção de uma solução política e negociada, de intercambio humanitário e de diálogo na Colômbia. Preocupa-nos que o governo de Piñera oculte seu verdadeiro objetivo, e que tenha se alinhado com a solução guerreirista, dentro e fora da Colômbia.

Somos pela paz e, portanto, por uma solução política, negociada e de intercambio humanitário, que é o esforço que governos da nossa região e europeus estão fazendo, ou se é pela guerra, que é a solução dos EUA, que sempre tenta desestabilizar governos que não pode controlar, através de crimes, terrorismo de Estado e, inclusive, tencionar as fronteiras, como nos casos da Venezuela e Equador”.


Tiro pela culatra

Segundo o jornal chileno El Mercúrio, de 03 de novembro de 2010, a Promotoria Geral da Colômbia fornecerá 27 provas e oito testemunhas contra Olate.

Uma reviravolta no mínimo estranha, por quanto o oficio 005617, de oito de junho de 2010, assinado pelo Promotor Pablo Murcia Bermeo, da Unidade Nacional contra o Terrorismo, da Colômbia, informa sobre o numeral 1, quer dizer sobre a solicitação de localizar membros desmobilizados do Frente 48 das FARC, que tivessem conhecimento das operações na região fronteiriça entre a Colômbia e o Equador, e/ou acesso aos integrantes da Comissão Internacional das FARC:

“Através do Programa de Atenção Humanitária ao Desmobilizado, do Ministério da Defesa Nacional, tem-se realizado as coordenações pertinentes para efeitos de localizar desmobilizados do Frente 48 das FARC. Nesse sentido, apesar de se ter localizado diversos ex-integrantes do referido grupo terrorista, estes não forneceram maiores elementos de informação, portanto, a tarefa de localizar mais desmobilizados continua”.

No item 7, denominado “Resultado da Atividade Investigativa”, lê-se:
“No tocante ao numeral 1: até o momento não se obteve nenhum resultado; continuar-se-á com a localização de desmobilizados do Frente 48, com a finalidade de esvaziar a atividade investigativa solicitada”.

O investigador da DIJIN, Wilmar Parra Quinceno, aparece enviando um relatório ao Promotor Murcia Bermeo, em 17 de julho de 2010, onde reproduz o interrogatório de uma desmobilizada das FARC, conhecida apenas pelas inicias de seu nome, G.S.R., que assegura ter visto Roque no acampamento de Raul Reyes: “Manifestou lembrar de um sujeito chileno de nome Roque, que era alto, jovem, de textura normal, branco, olhos claros, cabelos castanhos ondulados. Argumentou que se lembra dele, porque certa vez o recolheu em Barranca, acompanhado de uma moça branca, do mesmo tamanho que Roque”. A testemunha afirma que ficou uns seis dias, em meados de 2007, e que voltou a vê-lo no final do mesmo ano, no aniversário de Raul Reyes:

“Roque se encontrava uniformizado e portava uma pistola na cintura, e que nesse dia o cumprimentou e mais nada”.

Pois bem, se essa personagem é Roque, então não pode ser Manuel Olate. Primeiro, porque a descrição da testemunha não corresponde em absoluto com o seu tipo físico. Mas, no principal, porque o investigador mostrou à testemunha um conjunto de oito fotografias, entre as quais estava a de Olate, e não o reconheceu.


Deficiência técnica

Baseado em semelhante mérito, nenhum tribunal independente no mundo poderia extraditar a Manuel Olate. Menos ainda pelas decisivas e incuráveis deficiências técnicas que apresenta a solicitação de extradição.

Em primeiro lugar, a solicitação de extradição acusa Olate dos seguintes delitos: a) financiamento do terrorismo; b) administração de recursos relacionados com atividades terroristas e c) conspiração.

O único antecedente que configura os dois primeiros é a menção, em um e-mail de Roque para Raul Reyes, da venda de cinco bonequinhas, a um dólar e cinquenta cada, quer dizer um financiamento ao terrorismo por um total de 7,50 dólares. Seria piada se o caso não fosse tão grave.

Pior ainda para as pretensões de extraditar a Olate, nenhum desses crimes está contemplado no Tratado de Extradição entre ambos países, assinado em 1928, sem prejuízo de que o tratado exclui expressamente crimes de natureza política. E, ainda quando um tribunal de algum dos dois países estimasse que há mérito para o substanciamento de um processo criminal, não está obrigado a extraditar o acusado. Pode optar por julgá-lo no próprio país, conforme o principio de territorialidade.

As possibilidades de extraditar a Olate reduziram-se a zero, na ausência de um forte empenho do Governo do Chile para o caso, expresso através de consultas entre os Chanceleres de ambos os países, declarações do Presidente da República e do Ministro do Interior, e a insólita assessoria prestada pelo Ministério Publico.

Em outras palavras, o governo chileno aparece como parceiro de um governo estrangeiro para extraditar a um compatriota, com o que, ao mesmo tempo, viola o principio de presunção de inocência e descumpre a sua obrigação de outorgar proteção diplomática a todo cidadão de nacionalidade chilena.

A assessoria imprópria dada pelo Ministério Publico ao processo de extradição, é completamente fora de tempo e lugar. Se a Promotoria Geral da Colômbia requer qualquer tipo de gestão no processo, deve encarregá-la a um advogado particular, como ocorreu com a extradição de Alberto Fujimori,


Radical injustiça

O conluio do governo chileno com o governo colombiano pode representar um matiz de preocupação para a defesa jurídica de Olate, na medida em que já aconteceu, em processos onde está comprometido o interesse do Executivo, da Corte Suprema aproveitar a oportunidade para passar de contrabando alguma lista de exigências, geralmente de natureza econômica, em troca da sua aquiescência neste assunto em particular.

Se Manuel Olate permanece detido, isso se deve exclusivamente a que a juíza-adjunta e a câmara criminal da Corte Suprema, acolheram a presunção de fuga, colocada pelo Ministério Público na representação do Estado colombiano.

Acontece que, depois de quase dois anos de odiosa campanha da mídia que o acusava de ser a conexão com uma organização terrorista, Manuel Olate perdeu seu emprego e não pode encontrar outro, razão pela qual teve que procurá-lo no estrangeiro, com o custo humano e familiar que isto implica. Retornou ao país por vontade própria em meados de novembro, de forma totalmente normal e legal.

Pois disso se valeu a juíza Herreros para negar-lhe a liberdade condicional:
“Ele entrou e saiu com tanta facilidade de um país a outro, não tem maiores apegos no Chile, ainda que diga que tem duas filhas e companheira, mas a verdade é que não tem vivido no Chile. Nestes dez meses permaneceu no país apenas dois. Então, é de pensar que se possa evadir”.

A juíza omite cinicamente que Olate regressou ao país com a expressa intenção de colocar-se à disposição dos tribunais de justiça, para acabar de uma vez com a absurda campanha de acusações gratuitas. Isso é justamente o que ia fazer na segunda-feira 01 de novembro, segundo o acordado com o seu então advogado, Rodrigo Román.

Por meio de uma interceptação ilegal de suas comunicações telefônicas, funcionários da Policia Internacional da PDI obtiveram essa informação e o detiveram, com desnecessário e mediático desdobramento, quando saiu de uma reunião em família, na noite de 29 de outubro.

Assim parece que no Chile as coisas não mudaram muito depois de que Violeta Parra escrevesse:

“Eu não me encontro tão longe,
esperando uma noticia,
a carta vem me dizer,
que na minha pátria não tem justiça...”

(La Carta)


Notas

(1) http://www.cicr.org/web/spa/sitespa0.nsf/html/protocolo-II
(2) Relatório Anual da Comissão Interamericana de Direitos Humanos 2009, Colômbia, pág 14.
(3) Ibidem; pág 17.
(4) O Estado dos Direitos Humanos no Mundo 2010; Anistia Internacional; Colômbia, págs. 148 e seguintes.
(5) O Estado dos Direitos Humanos no Mundo 2010; Anistia Internacional; Colômbia, págs. 148 e seguintes.
(6) Relatório Anual da Comissão Interamericana de Direitos Humanos 2009, Colômbia, pág 18.
(7) http://www.telesurtv.net/secciones/noticias/71765-NN/colombia-registramas-
de-38-mil-personas-desaparecidas-en-tres-anos.
(8) Relatório anual do Alto Comissariado das Nações Unidas para os Direitos Humanos sobre a situação dos direitos humanos na Colômbia; pág 12.
(9) http://www.telesurtv.net/secciones/noticias/66984-NN/ex-paramilitarescolombianos-
reconocen-haber-cometido-cerca-de-30-mil-500-asesinatos/
(10) Relatório Anual da Comissão Interamericana de Direitos Humanos 2009, Colômbia, pág 15.
(11) Relatório Anual da Comissão Interamericana de Direitos Humanos 2009, Colômbia, sobre a situação dos direitos humanos na Colômbia; pág. 6.


* Francisco Herreros é Diretor do jornal Diário REDigital www.diarioreddigital.cl