"A LUTA DE UM POVO, UM POVO EM LUTA!"

Agência de Notícias Nova Colômbia (em espanhol)

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A violência do Governo Colombiano não soluciona os problemas do Povo, especialmente os problemas dos camponeses.

Pelo contrário, os agrava.


quinta-feira, 10 de março de 2011

EQUADOR: A REVOLUÇÃO “CIDADÔ E OS COMUNISTAS

Ivan Pinheiro (*)

Estive recentemente em Quaiaquil, representando o PCB no XV Congresso do PCE (Partido Comunista del Equador), fundado em 1926. Debateram-se no Congresso principalmente o programa e o estatuto do Partido, sem deixar de lado as questões táticas e estratégicas, que incidem sobre os temas principais.

O momento mais emocionante da abertura foi a homenagem ao jovem Edwin Perez, ex Secretário Geral da JCE (Juventude Comunista do Equador), assassinado recentemente por um ativista de direita, em meio a uma eleição do movimento estudantil.

O PCE tem um peso razoável no movimento de massas. Dirige uma das quatro centrais sindicais (CTE - Confederação dos Trabalhadores do Equador); tem presença importante na FEI (Federação Equatoriana de Indígenas) e na Frente Unida de Mulheres e mantém a JCE (Juventude Comunista do Equador);

O PCE não tem registro eleitoral, em razão das dificuldades impostas pela legislação.

Impressionei-me com as possibilidades e perspectivas do PCE, em fase de reconstrução, como o PCB e outras organizações revolucionárias.

Chamou-me particularmente a atenção uma importante presença proletária entre os delegados, assim como de militantes sindicais e sociais, jovens, indígenas e mulheres. Como em quase todos os Partidos Comunistas da América Latina, os dois maiores contingentes, por faixa etária, são o de militantes jovens, com menos de 30 anos, e daqueles com mais de 60 anos. Isto tem a ver com as sangrentas ditaduras dos anos sessenta a oitenta na região, clandestinidades dos Partidos Comunistas, as divisões entre os comunistas e as vicissitudes por que passou a construção do socialismo na União Soviética e no Leste Europeu.

Os debates se deram num ambiente unitário e fraterno, com as divergências sendo expostas com a firmeza e o respeito próprios dos comunistas, sem grupos, tendências.

O papel da juventude na reconstrução do PCE me pareceu decisiva, inclusive na calibragem da tática e da estratégia. Os comunistas mais jovens não conviveram com alguns problemas e deformações que foram comuns à maioria dos Partidos Comunistas do chamado MCI (Movimento Comunista Internacional), sob a liderança do PCUS (Partido Comunista da União Soviética).

Apesar do saldo histórico altamente credor desses Partidos na luta pelos direitos do proletariado, contra o colonialismo, o nazi-fascismo e o imperialismo, pelo socialismo, eles conviveram com o culto à personalidade, o burocratismo, os manuais, o acento exagerado nas alianças com as chamadas burguesias nacionais e a necessidade de colocarem a luta pela paz mundial na ordem do dia, em nome da preservação da União Soviética.

Seria temerário tentar fazer aqui uma análise mais consistente da atualidade equatoriana. Em geral, o PCB conhece muito pouco do Equador, principalmente pelo fato de que nossa presença neste XV Congresso marcou a retomada das relações bilateriais entre nossos Partidos que sempre foram distantes, como o são as relações entre os dois países de uma forma geral, talvez pela falta de fronteiras e de relações sociais e culturais mais fortes.

Mas saí com a impressão de que o PCE adota uma postura correta frente à realidade de seu país, que é bastante distinta da do Brasil, sobretudo no que diz respeito ao desenvolvimento das forças produtivas e, portanto, do capitalismo, e do caráter do governo federal.

A economia equatoriana - sustentada basicamente na exportação de petróleo, frutas, flores, pescado e grãos - tem uma grande dependência ao imperialismo, sobretudo o norte-americano, gerando importantes contradições não só com o proletariado, mas também com setores da pequena e média burguesia. No Brasil, estas contradições não têm o mesmo peso, em face de um capitalismo altamente desenvolvido e integrado ao sistema imperialista, como parte dele, ainda que de forma subalterna, conjugando disputa e subordinação.

As condições equatorianas guardam semelhança, por exemplo, com as da Bolívia e da Venezuela, países em que há espaço para revoluções nacionais democráticas com conteúdo anti-imperialista, antimonopolista e antilatifundiário.

Assim como nos parece correto os comunistas participarem, com independência política e criticamente, dos processos de mudanças na Bolívia e na Venezuela, parece correto o fazerem no Equador, mesmo que o processo nesse país ainda não apresente o mesmo grau de radicalidade. Aliás, nesses três países os comunistas participam e lutam pela radicalização do processo de mudanças, mas não ocupam cargos nos governos e nem os defendem acriticamente, levantando bem alto a bandeira do socialismo.

O longo discurso do Ministro das Relações Exteriores do Equador no Congresso do PCE foi muito importante para compreender o significado da expressão “revolução cidadã”, usada pelo governo Rafael Correa. Trata-se de um reformismo assumido. Baseia-se no que chamam de “socialismo do bem viver”, que basicamente propõe a harmonia do homem com a natureza (a Pacha Mama), com fundamento em princípios éticos e humanistas, conceitos como “comércio justo”, defesa das cooperativas, pequenas e médias empresas, agricultura familiar etc. Apresentam este processo como um socialismo novo, o socialismo do século XXI. Na Bolívia, o discurso é semelhante, se bem que Evo Morales verbaliza a luta pelo fim do capitalismo e não subestima a base de sustentação política que lhe assegura o movimento de massas.

Mas o que chama atenção no Equador é a violência da direita política contra o governo. Como na Venezuela, a mídia burguesa é o maior partido de oposição, coadjuvado pelas associações empresariais, partidos conservadores e ONGs financiadas pela USAID, sob a direção da embaixada norte-americana.

Afinal de contas, Rafael Correa, apesar de limitações, promoveu algumas mudanças. Começou com uma auditoria da dívida externa, que reconheceu apenas 30% do total até então cobrado pelos credores. Através de uma Constituinte livre e soberana, independente do parlamento, propiciou uma nova constituição (promulgada em julho de 2008), avançada em termos de direitos sociais. Determinou a retirada da grande base militar dos EUA que era localizada em Manta. Não se curvou ao estado terrorista colombiano quando este invadiu o espaço aéreo do Equador para assassinar covardemente o comandante Raul Reys (das FARC) e outros militantes, numa ação em parceria com a CIA e a Mossad.

Correa também vem estatizando gradualmente a indústria petroleira, com a criação de um novo marco regulatório, em que o Equador retoma sua soberania sobre parte de suas riquezas e usufrui de seus rendimentos. Isto levou empresas estrangeiras a se retirarem do país, inclusive a Petrobrás, que passa a falsa ideia de se tratar de uma empresa estatal brasileira, mas que tem a maioria de suas ações em mãos privadas, vendidas na Bolsa de Nova Iorque, e que se comporta como qualquer multinacional.

Neste novo marco, a atual estatal PETROEQUADOR vai se dedicar apenas à gestão da política governamental para o setor. Estão sendo criadas mais duas estatais, a PETROAMAZONAS - que vai operar os campos de petróleo, inclusive na área que resultou da expulsão da empresa norte-americana OXY – e a PETROPACÍFICO, que ficará responsável pelo refino e comercialização dos derivados do petróleo.

No mesmo sentido, o Equador mudou a forma subalterna e corrupta com que os políticos burgueses tradicionais se relacionavam com empreiteiras estrangeiras, o que levou inclusive à expulsão do país da Odebrecht, a mais famosa empreiteira brasileira na América Latina, alavancada pelo governo Lula, através de um banco de fomento estatal.

Mas a mais grave transgressão aos ditames e interesses do imperialismo foi o país ter sido um dos fundadores da ALBA (Alternativa Bolivariana para as Américas), juntamente com Cuba, Venezuela, Bolívia, Nicarágua. Para se ter uma ideia, a adesão à ALBA – que vem promovendo uma integração soberana e anti-imperialista entre os países da região – foi o principal motivo do golpe em Honduras.

Agora mesmo o governo vem sendo violentamente atacado por ter convocado um plebiscito que será realizado no próximo mês de abril, uma consulta popular com dez perguntas, entre elas sobre medidas contra a corrupção, a evasão fiscal, os monopólios da mídia e do capital financeiro e a morosidade e cumplicidade da justiça com os interesses do capital.

Uma grande polêmica que se instalou na sociedade equatoriana é se houve ou não uma tentativa de golpe e de assassinato de Rafael Correa, em 30 de setembro do ano passado. Tudo leva a crer que, mesmo que houvesse um plano pré-estabelecido, a direita se aproveitou de uma rebelião de policiais para tentar promover o golpe de estado e o assassinato. Por outro lado, a impressão é de que a mobilização de setores populares que apóiam o Presidente foi decisiva para frustrar o intento golpista.

Ao que tudo indica, Rafael Correa, carismático e midiático, soube extrair do episódio um grande ganho político, que lhe assegurou o maior índice de aprovação popular desde a posse e, principalmente, melhores condições de governabilidade.

Dos diversos informes e opiniões diferentes a que tive acesso, é certo que não foram todos os segmentos populares que deram solidariedade ao Presidente naquele momento. As razões residem nas limitações de uma revolução nacional e democrática hegemonizada por setores da pequena e média burguesia e não pelo proletariado. As mudanças não chegam às relações entre capital e trabalho o que, compreensivelmente, desilude segmentos populares em relação à “revolução cidadã”, em que os cidadãos são portadores de direitos formalizados na constituição, mas não sentem qualquer mudança em suas condições de vida.

Além do mais, o Estado não sofre mudanças significativas, funcionando como aparato repressor das classes dominantes e fundamentalmente a serviço delas.

A maior virtude de um processo como este é que torna evidente a luta de classes, contrapondo os interesses do capital aos do proletariado, dos trabalhadores e de setores das camadas médias. Isto não ocorre em processos mitigados, de conciliação de classe, como no Brasil, em que os governos e os partidos ditos de esquerda que lhes apóiam não mobilizam as massas e não enfrentam ideologicamente o capitalismo, até porque têm como objetivo principal fazer do Brasil uma potência capitalista mundial.

A maior debilidade do processo equatoriano é a falta de um instrumento político e de uma organização de massas que impulsione as mudanças no sentido de uma revolução verdadeiramente socialista, que vá na direção do poder popular e da ruptura gradual com o estado burguês.

Aqui reside o “tendão de Aquiles” do processo. O Presidente se comporta como um caudilho de esquerda, numa relação direta com as massas, subestimando a importância da organização e mobilização popular e a construção de uma frente revolucionária.

A tomada do poder político por parte da maioria do povo nunca foi nem será uma concessão generosa das classes dominantes. O sistema de exploração que funde os interesses das chamadas burguesias nacionais com os do imperialismo não “cai de podre” nem pelo passar do tempo. Os exploradores não entregam voluntariamente o poder aos explorados, nem mesmo quando setores representativos destes últimos ganham uma eleição, nos marcos da democracia burguesa. Às vezes, são obrigados, a contragosto, a entregar o governo a setores populares, mas estes só alcançarão o poder popular com lutas muito duras, acumulando forças e golpeando o estado burguês, utilizando-se de métodos e formas de luta as mais variadas (institucionais e insurgentes), adaptadas às circunstâncias, tendo principalmente em conta a correlação de forças entre as classes em luta.

Seja qual for a via da conquista do governo, o caminho ao socialismo só pode ser pavimentado na mobilização e ação das massas e sob a direção de uma vanguarda revolucionária, não através de um partido único, mas de uma frente.

O PCE está atento às limitações e aos desafios do processo. Na última nota política do Comitê Central anterior ao Congresso, o Partido defendia, para a atual etapa do processo equatoriano, “RADICALIZAR, APROFUNDAR E PINTAR DE POVO O PROCESSO”, levantando várias bandeiras, como dinamizar a reforma agrária, consolidar a política externa soberana, desmontar as instituições burguesas do aparelho estatal e fortalecer a unidade de todas as forças sociais e políticas revolucionárias.

Nas Teses ao XV Congresso do PCE, neste particular aprovadas pelo Plenário, se diz no item A ESTRATÉGIA DA REVOLUÇÃO EQUATORIANA que “a luta do povo equatoriano é contra o imperialismo, as oligarquias e os latifundiários”.

Na citação de parte das teses ao Congresso, com a qual encerro esta singela contribuição, fica claro que o PCE não se ilude com a revolução nacional libertadora, em aliança com a burguesia dita nacional. Colocam claramente que a contradição fundamental da sociedade equatoriana “se expressa em duas formas: a contradição entre nossa nação, nosso povo e o imperialismo, em particular o norte-americano, e a crescente contradição entre o capital e o trabalho, entre as forças produtivas que lutam por se desenvolver e as relações sociais de produção baseadas na exploração dos trabalhadores da cidade e do campo”.

“A luta entre os beneficiários da atual ordem de coisas e as massas empobrecidas do povo equatoriano nos conduz a definir como tarefa histórica do momento atual um processo de liberação social e nacional que nos leve através de mudanças ininterruptas ao estabelecimento do regime socialista no Equador, como parte integrante da etapa histórica do trânsito do capitalismo ao socialismo.”

* Ivan Pinheiro é Secretário Geral do PCB (Partido Comunista Brasileiro) – março de 2011