"A LUTA DE UM POVO, UM POVO EM LUTA!"

Agência de Notícias Nova Colômbia (em espanhol)

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A violência do Governo Colombiano não soluciona os problemas do Povo, especialmente os problemas dos camponeses.

Pelo contrário, os agrava.


quinta-feira, 10 de março de 2011

Países Árabes – o vento que agita o rio

As rebeliões ocorridas em alguns países do norte da África e na Península Arábica têm sido como um siroco, vento do deserto que enlouquece, queima e destrói.

Por Moisés Saab, em Prensa Latina*

Essas mudanças que estão ocorrendo desde dezembro passado transformaram o cenário político, desintegrando regimes que pareciam imutáveis, e fazendo tremer as bases de outros.

Mas elas também têm servido ao propósito de agitar o rio em que o peixe vai ser presa fácil – o cobiçado petróleo árabe.

O caso mais representativo é a situação na Líbia, cuja população goza de algumas das maiores níveis educacionais e renda per capita da África e um dos poucos países do continente que não está ameaçado pela fome.

Até há algumas semanas, não havia informações de aparentes conflitos internos e o regime era saudado pelos governos que hoje procuram o seu extermínio.

Ao contrário da revolta no Egito, significativa se se observam a magnitude dos protestos e a falta de resultados práticos, na Líbia não havia elementos de ebulição na população e que, desde novembro do ano passado, serviram de alerta para as autoridades no Cairo de que a situação interna estava prestes a explodir.

E mesmo antes, em junho do ano passado, quando uma tentativa de rebelião surgiu na cidade de Alexandria, pouco divulgada e esmagada em sangue e fogo, sem que vozes de protesto fossem ouvidas nas capitais europeias ou nas instituições conhecidas por proceder ao acompanhamento do respeito aos direitos humanos.

Em novembro passado, os resultados das eleições legislativas, manipulados pelo partido no poder, provocaram sérios protestos, que as autoridades reprimiram em uma reação rápida e violenta e, durante os quais, também, não se ouviram protestos no exterior.

É por isso que as reações à primeira notícia sobre os protestos e ataques contra delegacias e unidades militares na Líbia foram mais inesperadas do que os acontecimentos na terra das pirâmides, uma circunstância que, pelo menos, levanta suspeitas.

Outro motivo para desconfiança, ressalvados os problemas que possam existir neste país por causa de sua cultura histórica, tribalismos e insatisfação com a liderança de Muamar Kadafi, foi a disponibilidade das potências ocidentais para exigir medidas extremas, incluindo as militares.

Desde o início dos protestos na Líbia, também se destacou a falta de espontaneidade e ficou evidente que havia coisas manipuladas.

Superficialmente se pareciam com as marchas na Tunísia, que derrubaram o governo de Zine El Abidine Ben Ali (e, no mês seguinte, com as que derrubaram Hosni Mubarak), consideradas o estopim para a atual crise no norte da África e nos países do Golfo Pérsico, mas, olhando bem, haviam diferenças profundas.

A primeira delas é que se impôs a noção de que a explosão foi provocada pelos protestos na Tunísia, que se espalharam pelo mundo árabe.

Há, porém quem refute esta tese. A origem deve ser buscada mais atrás, na rebelião do final do ano passado no campo de refugiados saharauis Ezeik Gdeim, na cidade de Laayoune, no Sahara Ocidental ocupado pelo Marrocos, onde reina uma das monarquias mais repressivas da vida moderna, capaz de eliminar seus oponentes, mesmo os que estão distantes.

Tal foi o caso de El Mehdi Ben Barka, famoso por seu carisma em círculos progressistas marroquinos. Ele foi sequestrado em Paris por agentes secretos de Rabat e seu destino é desconhecido.

Outro fato marcante é que cada caso tem suas peculiaridades, um fator ignorado nos relatórios provenientes de vários cenários.

No caso do Egito, é óbvio que, com o passar do tempo, a rebelião perdeu o esplendor de suas origens e a impressão que prevalece é que há uma manipulação que conduz o país para um mubaraquismo sem Mubarak, mediante a satisfação de certas exigências elementares e periféricas da população, concentrando-se mais sobre os valores do antigo regime, do que no retorno ao nacionalismo de Gamal Abdel Nasser, esquecido pelos governos de Anuar Sadat e pela reforma do regime estabelecida pelos últimos dirigentes do país.

Prova disso é que um dos primeiros atos do Conselho Supremo Militar, que tomou o poder na saída de Mubarak, foi o anúncio de que o governo de transição vai respeitar os compromissos internacionais do país, ou seja, os acordos de Camp David com Israel.

Isso implica a preservação do status quo criado na região pelos Estados Unidos com o emprego de vastos recursos econômicos e os esforços da sua diplomacia por considerá-la essencial à preservação do controle de recursos cada vez mais vitais.

De quebra, isto enfraqueceu a resistência árabe ao expansionismo de Israel, que ficou com as mãos livres para se concentrar na repressão aos palestinos na Faixa de Gaza e Cisjordânia e, como benefício colateral inesperado, assestou um golpe no Movimento dos Países Não-Alinhados, que hoje é presidido precisamente pelo Egito.

Há várias semelhanças entre os fatos ocorridos na Tunísia e no Egito: os presidentes dos dois países eram as cabeças visíveis de dois regimes de força, com experiência na repressão e próximos aos interesses das potências ocidentais.

Mas, também, eram substituíveis e sua defenestração não implica o surgimento de governos que possam se tornar uma pedra no sapato dos poderes interessados em manter a região tranquila, com os países beligerantes cercados por forças hostis ou indiferentes, por assim dizer.

Talvez em algum momento no futuro, um Wikileaks, ou que nome venha a ter nesse momento hipotético, revele o conteúdo da longa conversação, mais de meia hora, realizada entre os presidentes Barack Obama e Mubarak, quando o segundo ainda declarou que permaneceria no poder a todo custo.

O mesmo se aplica aos casos da Jordânia, Iêmen, Barein e Omã, que também têm profundas relações com Washington e Londres, mas sujeitos à força de atração da Arábia Saudita, cujo monarca acaba de declarar que "não permitirá manifestações."

Embora os acontecimentos nas principais cidades egípcias tenham surpreendido as potências ocidentais, é evidente que para o poder neste mundo unipolar o pragmatismo prevalece.

Os americanos têm um ditado que retrata o pragmatismo de sua filosofia: “If you can´t beat them, join them” (“Se não pode derrotá-los, una-se a eles”). Nisso pode estar baseada a conduta de Washington, quando for remodelar a sua imagem manchada no mundo árabe e, por sua vez, reforçar o seu controle na área.

No caminho desse pragmatismo se insere a possibilidade de remover do poder o líder líbio, notório por suas mudanças de rumo, como evidenciam as suas até recentemente boas relações com as potências ocidentais.

O aparecimento no Egito de um governo comprometido com este estado de coisas na área e outro com características semelhantes, na Líbia, cria um novo mapa político, no qual a Argélia, onde a rebelião prevista não ocorreu, fica colocado em um ambiente se não hostil, desfavorável, e reforça uma zona tampão que Washington quer estabelecer relativamente ao Irã.

O mesmo se aplica à Síria, que tem parte do seu território, as Colinas de Golã, ocupadas por Israel pela força das armas.

Agora só temos de esperar a passagem do tempo e o desenrolar dos acontecimentos para clarificar algumas questões. O que acontecerá se Kadafi for capaz de manter o controle sobre a Líbia? Será que as potências ocidentais o considerarão um segundo Saddam Hussein? Surgirá outra coalizão árabe para defenestrar a liderança da Líbia?

*Chefe da Redação de África e Oriente Médio da Prensa Latina.