Diretor da Cruz Vermelha Internacional na Colômbia afirma que o fim da guerra não se dará através da rendição da guerrilha
O suíço Christophe Beney deixa, depois de três anos e meio, suas atividades à frente do escritório na Colômbia do Comitê Internacional da Cruz Vermelha (CICV) afirmando, antes de terminar sua missão, que tem a “convicção” de que nesse país “a paz será conseguida através de um diálogo e não da rendição da guerrilha”.
Beney assegurou que, com a chegada de Juan Manuel Santos à Presidência, deu-se “uma mudança de tom”, o que lhe permitiu se convencer de que “tanto o governo como as guerrilhas querem a paz”.
-Que idéias o senhor leva do país?
Fazer balanços é sempre uma questão complicada e acho que quem mais poderia fazer um balanço de nossas ações são as vítimas do conflito armado. O importante em um país como a Colômbia é poder manter em todos os níveis os contatos com todos os atores armados, incluída as Forças Armadas. É algo que devemos cuidar muitíssimo.
-Mas, com três anos e meio na Colômbia, o senhor deve ter uma percepção do país...
Existem várias Colômbias. Como pessoa que vivi neste país pude ver muitos avanços que estão ocorrendo em todos os âmbitos como, por exemplo, no econômico. Mas nós vemos a outra Colômbia e temos que reconhecer que fica muito por ser feito. É preciso reconhecer os avanços jurídicos que ocorreram.
-O senhor vê diferenças entre o governo do ex-presidente Uribe e o do presidente Santos?
Uma organização como a nossa se acomoda a todo tipo de situação política que exista em um país. Reconhecemos que com este novo governo há uma mudança de tom e houve o reconhecimento político do conflito armado, esclarecendo que para nós era óbvio que havia um conflito armado na Colômbia. Os avanços legislativos, como a lei de vítimas e de terras, são uma mudança valiosa que se conseguiu em um ano.
-A mudança de tom do atual governo facilita a tarefa de interlocução do CICV?
Em se tratando de terreno, se a gente trabalha em regiões como a parte rural dos estados de Nariño, Arauca, Putumayo, do baixo Cuca antioquenho ou do sul do estado de Córdoba, o importante é a interlocução que mantemos aí com os diferentes atores do conflito armado: Forças Armadas, autoridades civis e os grupos armados. Obviamente, pode haver uma influência do tom no mais alto nível, mas o mais importante para nós que estamos no terreno é a interlocução com as partes do conflito.
-Muda alguma coisa que haja reconhecimento político do conflito armado?
Para nós não muda nada porque foi muito claro e evidente, na interlocução com o governo, que existe um conflito armado, mas facilita sim as coisas para a situação. Acho que o corpo diplomático e outras organizações podem falar hoje do conflito armado e todo o arcabouço jurídico o reconhece junto à aplicação do Direito Internacional Humanitário (DIH). Neles se encontram as tensões, preocupações e o temor de falar das coisas com seu nome. Em um país como a Colômbia é importante ter um diagnóstico claro sobre os fatos para depois o governo aplicar suas políticas.
-Com o governo Santos as bases para um cenário de paz estão sendo construídas?
São necessários vários atores para criar essas bases, mas acho que se está caminhando bem. E estaremos sempre dispostos a facilitar as coisas, aproveitando a muito particular situação que temos neste país e sendo quase os únicos com presença no terreno e com contacto com todos os atores do conflito.
-Insisto: está sendo criado um cenário de paz?
O famoso desarme da palavra e a maneira como se fala neste governo me fazem acreditar que se está criando um ambiente favorável junto à opinião pública para que esta última entenda que muito provavelmente a paz se conseguirá neste país pela via de discussões e não com baionetas.
Depois de três anos e meio de ter acompanhado a situação na Colômbia e conhecendo o país, estou convencido de que tanto o governo como as guerrilhas querem a paz. O desafio é como se assegurar que estas duas convicções podem se juntar.
-Sua convicção de que ‘com baionetas’ não se consegue a paz o leva a pensar que os grupos ilegais realmente a querem?
A história demonstra que a intensidade do conflito não tem nada a ver com a proximidade ou não de diálogos de paz. E acho que isso foi demonstrado em muitos outros países. O que continuamos fazendo no terreno é insistir em que o Direito Internacional Humanitário tem que ser respeitado e continuaremos fazendo este trabalho religiosamente. É difícil avaliar o impacto desta tarefa, mas vale a pena manter esta linha com todos os atores armados em relação ao direito que podia algum dia facilitar-lhes debates e discussões que vão ter que acontecer sobre o que ocorre com o conflito armado.
-Acha que as Farc e outros grupos ilegais estão dispostos a deixar as armas?
Continuo mantendo a convicção de que a paz se consegue através de um diálogo e não da rendição. Todos os membros da guerrilha com quem falamos dizem que querem a paz e isso não é nenhuma novidade. Os mecanismos para se chegar a ela são o desafio principal e serão conseguidos, não através de uma rendição, e sim através de mecanismos de discussão que obviamente têm que ser definidos pelo governo e pelos membros das guerrilhas.
-Qual é o impacto dos bandos criminosos (BACRIM) no conflito armado?
Mantivemos sempre contatos com os chamados bandos criminosos com vários propósitos, como por nossa segurança, pela transparência e pela aceitação. A gente não pode trabalhar em uma região sem que a pessoa que tem uma pistola esteja de acordo com o trabalho. Devido a estes contatos pudemos ver uma consolidação destes grupos e procuramos influenciá-los para que eles também ajam de uma maneira que não se prejudique tanto a população civil porque é claro que são sim atores no panorama da violência no país e devem ser levados em conta.
-Na busca da paz se deve levar em conta os bandos criminosos ou bacrim?
Podem ocorrer acordos de paz com a guerrilha, mas isso não quer dizer que a violência acabe. (...) É preciso verificar todos os parâmetros do país com os problemas fundamentais que se colocam para que as negociações de paz com os atores armados sejam importantes, sem deixar de lado todo o ambiente de violência.
Mediação
'Sem a Piedad Córdoba não teria havido as libertações’
-Qual deve ser o papel de Piedad Córdoba em matéria de paz na Colômbia?
As três libertações das quais participei ocorreram com um papel muito claro e evidente de Piedad Córdoba sem a qual as libertações não teriam ocorrido. Trabalhamos muito junto com ela e sua equipe nessas libertações e será assim provavelmente nas futuras.
-Ela ainda tem protagonismo em questões da paz?
Tem, com seu grupo, uma posição muito clara em relação à paz, mas não é a única. Existem muitas organizações no país que promovem a paz. Obviamente Piedad Córdoba e os Colombianos pela Paz têm um perfil importante nessa questão.
-A comunidade internacional deve estar nas libertações ou em processos de paz?
Trata-se de um assunto sumamente político sobre o qual nós não temos que opinar. Mas são o governo e as guerrilhas que, se chegarem a se sentar em torno da mesa, decidirão que tipo de mediação ou apoio querem, quer seja utilizando experiências como a contribuição de outros países quer seja com o próprio CICV.
DANIEL VALERO
Redator de EL TIEMPO
Domingo 18 de setembro de 2011