"A LUTA DE UM POVO, UM POVO EM LUTA!"

Agência de Notícias Nova Colômbia (em espanhol)

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A violência do Governo Colombiano não soluciona os problemas do Povo, especialmente os problemas dos camponeses.

Pelo contrário, os agrava.


domingo, 11 de novembro de 2012

Brasil, país dos contrastes


Por Frei Betto*
Fonte: Adital

Stefan Zweig intitulou Brasil, país do futuro seu livro de ensaios
lançado em 1941, quando veio conhecer o país que o acolheria e no qual
morreria no ano seguinte. Ora, pode ser aplicado ao futuro o que diz
Eduardo Galeano a respeito da utopia: como o horizonte, está sempre
ali na frente, mas não se pode alcançá-la, por mais que se caminhe em
sua direção.

Prefiro afirmar que o Brasil é um país de contrastes. Com população de
192 milhões de habitantes (dos quais 30 milhões na zona rural, onde
predomina o latifúndio com grandes extensões de terras improdutivas),
apenas 6,6 milhões de brasileiros se encontram na universidade. E dos
92 milhões de trabalhadores, quase a metade não tem carteira assinada.

Temos a maior área fundiária da América Latina e nunca se fez aqui uma
reforma agrária. Somos o principal exportador de carne e temos a
segunda maior frota de helicópteros das Américas, e convivemos com a
miséria de 16 milhões de habitantes (dos quais 40% têm até 14 anos de
idade e 71% são negros e pardos).

As marcas de 350 anos de escravidão no Brasil ainda são visíveis no
fato de a maioria da população negra ser pobre e, com frequência,
discriminada. O Brasil, considerado hoje a 6ª economia do mundo, ocupa
a vergonhosa posição de 84º lugar no IDH da ONU (2012).

Embora 65% da renda nacional se concentrem em mãos de apenas 10% da
população, o país experimenta sensíveis melhoras nesses primeiros anos
do século 21. Graças aos programas sociais dos governos Lula e Dilma,
30 milhões de pessoas deixaram a miséria. O controle da inflação, o
crédito facilitado e a redução dos juros ampliam o segmento da classe
média. A desoneração da indústria automobilística e dos produtos de
linha branca (geladeiras, máquinas de lavar etc.) dão acesso a bens de
consumo.

No entanto, 4 milhões de menores de 14 anos de idade ainda se
encontram fora da escola e submetidos a trabalhos indignos. Cinco
milhões de agricultores sem-terra se abrigam em precários acampamentos
à beira de estradas ou habitam assentamentos com baixo índice de
produtividade. Dos domicílios, 47,5% carecem de saneamento básico.
Isso abrange um universo de 27 milhões de moradias nas quais vivem 105
milhões de pessoas.

Há cerca de 25 mil pessoas submetidas ao trabalho escravo, sobretudo
nos Estados da Amazônia, cujo desmatamento, provocado pelo agronegócio
e a exploração predatória feita por empresas mineradoras, não cessa de
despir a floresta de sua exuberância natural.

Na ponta mais estreita da pirâmide social, os brasileiros gastam, em
viagens no exterior, US$ 1,8 bilhão por mês! O rombo nas contas
externas atingirá, este ano, a cifra recorde de US$ 53 bilhões. Nos
últimos anos, a baixa cotação do dólar em relação ao real afetou a
indústria nacional e favoreceu a entrada de produtos estrangeiros.

Como a economia brasileira está ancorada principalmente na exportação
de commodities, a crise financeira mundial reduz progressivamente as
encomendas, tornando pífio o crescimento do PIB, previsto este ano
para 1,2%.

Considerado o segundo maior consumidor de drogas no mundo (atrás
apenas dos EUA), o Brasil convive com expressiva violência urbana. Os
homicídios são a principal causa de mortes de jovens entre 12 e 25
anos.

Embora a situação social do Brasil tenha melhorado substancialmente na
última década (a ponto de europeus afetados pela crise financeira
migrarem para o nosso país em busca de emprego), falta ao governo
implementar reformas estruturais, como a agrária, a tributária e a
política.

O sistema de saúde pública é precário e somente neste ano os deputados
federais propuseram dobrar para 10% do PIB o investimento federal em
educação. Convivemos com 13,6% de adultos analfabetos literais e 29%
de adultos analfabetos funcionais (sabem ler e assinar o nome, mas são
incapazes de escrever uma carta sem erros ou interpretar um texto).

Segundo o Instituto Pró-Livro, o brasileiro lê apenas 4 livros por
ano. E apenas 5% da população é capaz de se expressar em inglês, dos
quais a maioria sem domínio do idioma.

O poder público brasileiro, com raras exceções, é avesso à cultura. O
orçamento 2012 do Ministério da Cultura é de apenas R$ 5 bilhões (o
PIB atual do Brasil é de R$ 4,7 trilhões). O que explica o país dispor
de apenas 3 mil livrarias, a maioria concentrada nas grandes cidades
do Sul e do Sudeste do país.

Apesar das dificuldades que o Brasil atravessa, somos um povo viciado
em otimismo. Temos, por hábito, guardar o pessimismo para dias
melhores...

Agora o nosso horizonte de felicidade se coloca na Copa das
Confederações em 2013; na Copa do Mundo em 2014; e nas Olimpíadas do
Rio de Janeiro, em 2016.

Como o nosso país estará no centro das atenções mundiais, o governo
apressa obras, reforma estádios, aprimora a infraestrutura e promete
festas que nos farão esquecer que ainda somos, socialmente, uma das
nações mais desiguais do mundo.

* Frei Betto é escritor, autor do romance "Minas do Ouro” (Rocco),
entre outros livros