"A LUTA DE UM POVO, UM POVO EM LUTA!"

Agência de Notícias Nova Colômbia (em espanhol)

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A violência do Governo Colombiano não soluciona os problemas do Povo, especialmente os problemas dos camponeses.

Pelo contrário, os agrava.


domingo, 11 de novembro de 2012

Samuel Pinheiro: O Mercosul, a América do Sul e o Mundo

Há uma compreensão insuficiente, nos dois principais países da América
do Sul, quanto à urgência da construção de um processo político e de
instituições de integração que permitam o desenvolvimento econômico e
político regional a partir do Mercosul.

Por Samuel Pinheiro Guimarães, em Carta Maior


1. O mundo enfrenta extraordinária crise econômica, social e política,
um processo silencioso de degradação ambiental e uma disputa (ainda
surda) pela hegemonia mundial.

2. A crise econômica, que emergiu como financeira em 2008 com a
falência da firma Lehman Brothers, em Nova York, se transformou
rapidamente em uma crise social, com a propagação e a persistência de
altos níveis de desemprego dentro e fora dos Estados Unidos, e com
efeitos sobre o sistema político e os Governos de diversos países
altamente desenvolvidos.

3. Na Europa, políticos conservadores foram eleitos e tecnocratas
foram escolhidos para chefiar vários Governos, mas todos eles sob o
controle e a orientação da Troika, integrada pelo Banco Central
Europeu (BCE), pelo Fundo Monetário Internacional (FMI) e pela
Comissão Européia.

4. A Troika, para liberar recursos para “salvar” os Governos devedores
dos megabancos e em situação fiscal cada vez pior devido à recessão,
exige a execução de políticas de austeridade fiscal, cujo resumo
poderia ser o seguinte: salvem-se os bancos (e seus acionistas) com
recursos publicos e para tal que se elevem os impostos sobre os
trabalhadores e a classe média, que se reduzam os salários, que se
cortem os programas sociais e os benefícios previdenciários. Estas
medidas, que tem uma natureza pró-cíclica, ao reduzir a demanda
agravam a recessão, aumentam o desemprego e as tensões e revoltas
sociais, em especial nos países que se encontram na periferia da
Europa, muitas vezes chamados, de forma irônica e depreciativa, pelo
acrônimo de suas iniciais, em inglês PIIGS: Portugal, Irlanda, Itália,
Grécia e Espanha (Spain).

5. Enquanto isto, nos Estados Unidos da América, país devoto,
patrocinador e promotor do neoliberalismo, o embate entre os
republicanos, de direita e ultra direita, e os democratas, de centro e
ultra centro, impede a execução de uma política contra cíclica efetiva
de superação da crise. As medidas até agora adotadas têm beneficiado
bancos, banqueiros, executivos e investidores com a compra dos títulos
tóxicos e uma derrama de trilhões de dólares enquanto os trabalhadores
continuam a sofrer com o desemprego e o subemprego e a estagnação, há
mais de 20 anos, do salário médio real.

6. A crise econômica e financeira, que permanece (em parte) devido à
resistência das instituições financeiras a serem regulamentadas
(inclusive quanto aos fundos nos paraísos fiscais) e, de outro lado, à
reduzida expectativa de lucros que leva à aversão ao risco de novos
investimentos de parte dos capitalistas, se encontra nas economias
desenvolvidas tradicionais, mas não nas novas economias capitalistas
da República Popular da China, da Índia e de outros países emergentes
tais como Brasil, onde os lucros são extraordinários e os incentivos
aos investidores, especulativos ou não, ainda maiores.

7. Quando se toma a economia capitalista como um todo, isto é quando
se considera a economia mundial, ela pode ser comparada a uma economia
nacional onde, enquanto certas regiões (países) se expandem, outras
regiões (países) se contraem. Os capitalistas e suas megaempresas
sabem onde estão as oportunidades de lucros, em especial onde se
encontram as oportunidades de lucros extraordinários e nestes casos
não exibem nenhuma aversão ao risco.

8. Mas, os efeitos da crise sobre os sistemas políticos nacionais e
internacionais são enormes. Há extraordinária preocupação nas classes
hegemônicas dos países capitalistas tradicionais, os Estados Unidos da
América e as Potências européias significativas, que são a Alemanha, a
França, a Inglaterra e a Itália (os demais países europeus são, em
realidade de pouca monta política e econômica) com a profunda
insatisfação política e social que coloca em risco o seu controle
político em especial na União Européia. Se, por um lado, investidores,
capitalistas e megaempresas lucram com a expansão econômica na
periferia de países emergentes, no centro do sistema mundial outros
integrantes das classes hegemônicas, tais como políticos, intelectuais
orgânicos e tecnocratas das instituições internacionais, se preocupam
com a sobrevivência de sua hegemonia e do sistema.

9. Depois, porque a crise nos países capitalistas centrais acaba por
afetar os países emergentes devido aos vínculos estreitos que unem
emergentes a desenvolvidos, em especial no campo do comércio. Assim,
temem que a crise econômica venha a se propagar para toda a economia
mundial, fazendo com que os lucros e as expectativas de lucros se
esvaeçam e a crise política se globalize, inclusive com a exacerbação
das disputas por mercados e pelo acesso a recursos naturais.

10. Neste processo, há a emergência da China (os demais países
emergentes em realidade não contam ou por serem apenas supridores de
matérias primas ou por terem de enfrentar desafios colossais, como é o
caso da Índia devido ao sistema de castas, (inconstitucional mas que
sobrevive) ao seu complexo sistema político, à multiplicidade de
idiomas e culturas e a sua base industrial menor). Os estrategistas
americanos veem a emergência da China como o grande desafio para o que
eles mesmos chamam, com toda a clareza e sinceridade, de hegemonia
americana, o que significa na prática um sistema mundial que resulta
em benefícios políticos e econômicos para os Estados Unidos, e que,
segundo eles, beneficiaria a toda a “comunidade internacional”, ou
pelo menos o Ocidente central e periférico.

11. Neste panorama internacional, a América do Sul se encontra em
situação marginal. Sua capacidade política de influir sobre a grande
crise e sobre a reorganização do sistema mundial é diminuta pela
insignificância relativa de sua indústria, devido à sua não autonomia
já que é constituída em extensa parte por megaempresas multinacionais,
e pela vulgaridade (no sentido de comum) de suas matérias primas, que
têm numerosos concorrentes tradicionais e futuros, que resultarão da
investida chinesa na África, e pela sua desunião política.

12. Na América do Sul, há três Estados vinculados à evolução da
economia e à estratégia econômica dos Estados Unidos pelos acordos de
livre comércio que celebraram (e que limitam gravemente sua autonomia
de política econômica) que são o Chile, o Peru, e a Colômbia, esta
dilacerada pela guerra civil e vinculada pelo Plano Colômbia e pelos
acordos militares aos Estados Unidos.

13. As tentativas de união sul-americana e ainda mais latino-americana
como a CELAC (Comunidade de Estados Latino-Americanos e Caribenhos)
enfrentam este enorme desafio. São Estados assimétricos em extremo,
frágeis, vinculados à esfera de influência econômica e política
americana. É uma tarefa de Sísifo, que pode, se não houver o devido
cuidado, desviar a atenção da tarefa prioritária de fortalecimento,
expansão e aprofundamento, do Mercosul.

14. Brasil e Argentina, núcleo do Mercosul, têm mais de 50% do
território, da população, do comércio exterior da América do Sul e de
sua indústria. São Estados que retiveram sua capacidade de planejar e
executar política econômica e política externa. Tudo o que os
estrategistas norte-americanos, aliás, com razão, não desejam é ver
uma união mais estreita entre o Brasil, a Argentina e a Venezuela, com
suas extraordinárias reservas energéticas e minerais.

15. Se adicionarmos o Paraguai e o Uruguai, o Mercosul atinge números
extraordinários, decantados nas manifestações mais utópicas que
comparam o bloco sul-americano com outros blocos de países.

16. Os países do Mercosul têm enfrentado suas extraordinárias
desigualdades sociais e econômicas com políticas firmes (no caso
social) para sua redução. A Venezuela foi o país na região que
alcançou maior progresso na redução das desigualdades e do
analfabetismo; o Brasil, com seus programas sociais inovadores, tem
feito grandes progressos na redução da pobreza absoluta e a Argentina
também alcançou notáveis resultados neste campo.

17. Todavia, há uma compreensão deficiente ou, talvez melhor,
insuficiente, nos dois principais países da América do Sul, quanto à
urgência e à prioridade da construção de um processo político e de
instituições de integração que permitam o firme desenvolvimento
econômico e político regional a partir do Mercosul. Exemplos disto são
as relutâncias em fortalecer a Secretaria do Mercosul, em expandir o
FOCEM (Fundo para a Convergência Estrutural do Mercosul), em organizar
o comércio intrarregional das megaempresas multinacionais, em
desenvolver programas concretos de ciência e tecnologia, em promover,
de forma mais intensa e constante, a articulação política entre
Presidentes e Ministros.

18. Ficam eles, em especial o Brasil, enleados no mito do livre
comércio, sem reconhecer que este levaria a uma hegemonia industrial
brasileira, indesejável e perigosa, e sem reconhecer o papel das
megaempresas multinacionais em suas economias, em seu comércio
exterior e em sua falta extraordinária de dinamismo tecnológico.

19. Sem desprezar, sem esquecer, sem menosprezar a tarefa de
fortalecer o Mercosul para enfrentar a crise e a reorganização mundial
no século XXI, devem os Estados do Mercosul procurar estreitar seus
laços com os países vizinhos da América do Sul e procurar fazer com
que venham eles a participar como membros plenos do Mercosul, a
começar pela Bolívia, pelo Equador e, em seguida pela Guiana e pelo
Suriname, levando em conta, com toda a seriedade e realismo, as
assimetrias existentes e suas necessidades de desenvolvimento
econômico e industrial que o livre comércio, não praticado pelas
Grandes Potências, jamais poderá trazer.