A Colômbia popular, a verdadeiramente digna
ANNCOL
Ler sobre as Farc é conhecer a verdadeira história da Colômbia.
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Por: Gabriel Ángel, guerrilheiro das Farc
Não é extraordinário escutar a leitura do ex-presidente conservador Belisario Betancur do comunicado em que a Comissão Assessora de Relações Exteriores confere seu voto de aprovação e respaldo à política internacional do governo de Álvaro Uribe. Sabíamos que o pronunciamento da tal Comissão não poderia ter outro sentido. E não por que o manejo das relações diplomáticas por parte da atual Administração seja a mais adequada e conveniente, mas pelo simples fato, demonstrado mil vezes na história nacional, de que se algo caracteriza a política colombiana, é a convergência plena de todos os setores oligárquicos quando percebem algum elemento perturbador que possa pôr em perigo seus interesses comuns.
Isso sim o Presidente Uribe entende bem. No fim das contas todo esse caudal denominado uribismo não é outra coisa que a soma de facções liberais e conservadoras que souberam compreender que somente sob uma nova aparência poderiam continuar desfrutando impunemente das benesses do poder. O então ministro do interior e justiça, Carlos Holguín Sardi, reconheceu de forma natural quando o escândalo da Yidispolítica manifestou que a aprovação da reeleição presidencial havia sido obtida através do tráfico de cargos oficiais e de influência. Ele não via nada de errado nisso, a política no nosso país, sempre e para todos os efeitos, foi feita dessa forma. Quiçá a que interesses poderia obedecer o escândalo que agora estava se formando. Pois é, Uribe, o homem que encabeçou o messiânico movimento anti-políticos, resultou ser o mestre-mor do mais vulgar clientelismo.
Quem poderia acreditar que por trás dos chiliques do ex-presidente Gaviria acerca de que o país se encontra nas mãos do paramilitarismo, na verdade se esconde uma posição liberal de denuncia e rechaço dessa forma de exercício do poder. No mesmo momento em que Gaviria formulava suas graves acusações, preparava documento favorável ao governo na Comissão Assessora de Relações Exteriores. Ainda mais, já o ouviramos respaldando de maneira enfática o estabelecimento de bases norteamericanas na Colômbia, e o tinhamos ouvido solidarizar-se, de corpo e alma, com a atitude assumida pelo governo nacional diante da inconformidade expressa pelos governos do Equador e Venezuela por esse mesmo motivo. Por trás da farsa teatral que configura a política tradicional em nosso país, é possível perceber a manobra do Presidente Uribe para conseguir que toda a classe dominante se concentre em torno da sua nova reeleição.
Os estrategistas da ação política uribista estão encarregados de mover os pauzinhos de tal forma que o assunto das bases militares, independentemente do seu conteúdo e significado, se converta numa questão de dignidade e decoro nacional. Na Colômbia somos livres para assinar os convênios que tivermos vontade e com quem quisermos. Só faltava que a opinião de governos estrangeiros, ou de todo um continente inclusive, tivesse que ser observada para tomar nossas próprias decisões. É assim como os grande meios de informação se encarregaram de mostrar as coisas, esses sim são os verdadeiros nigromantes, capazes de fazer aparecer como certas e verdadeiras as coisas mais falsas e distantes da verdade. Basta ter um pouco de disernimento para entender que nenhum governante terá uma política internacional belicosa ou que contrarie de alguma forma os interesses que pratica no plano interno. E isso, justamente isso, é que se quer ocultar, ou enrolar, da imensa maioria dos colombianos.
A confiança dos investidores, a segurança que Álvaro Uribe subministra aos grandes capitais transnacionais no sentido de que poderão extrair o maior índice possível de ganhos com seus investimentos baratos no país, constitui a expressão concentrada do neoliberalismo econômico que mantém o mundo inteiro à beira do caos. A forma cínica e despreocupada com a que se fala nos altos escalões do governo das urgentes privatizações de ISAGEM ou de ECOPETROL, mantém uma relação intima e indissolúvel como a militarização e a guerra, com o incremento da intervenção norteamericana, com as tais bases da polemica. Essa é a política imperial de pilhagem, favorecida de forma abjeta pelo uribismo, a que pretendem enfrentar em seus países os atuais governos da Venezuela, Equador ou Bolívia, para dar apenas alguns exemplos, muito mais interessados na sorte dos seus próprios compatriotas e cidadãos do que nas dos acionistas dos grandes consórcios internacionais.
Por acaso ainda existem ingênuos que engolem o conto da imparcialidade e da objetividade dos grandes meios de comunicação? Não são eles propriedade de poderosos conglomerados multinacionais ou monopólios locais? O paradigma que nos apresentam como modo de vida, essa eterna canção, hoje em El Líbano, Tolima, ontem em Santa Marta e amanhã quem sabe onde, na qual os colombianos podem desfrutar o fim de semana com suas famílias, está fora do alcance da imensa maioria. É uma ilusão, uma viagem mental coletiva que nos afasta da realidade. Do mesmo modo que a pretendida dignidade nacional que alegam os altos escalões, não passa de ser a entrega mais canalha da soberania e do bem-estar nacional, em prol de consolidar uma forma de dominação econômica e política que cambaleia para todos os lados em razão da sua injustiça e crueldade.
É claro que a chamada opinião pública, essa orientação editorial que os donos do capital designam aos seus porta-vozes para que expressem com seus teclados, seus microfones ou suas câmeras a sua vontade e a imponham ao coletivo à força pela repetição, atualmente tem um único propósito. Caluniar, difamar, desprestigiar, arrastar, pisotear e anular qualquer posição dissidente ou contestatória ao modelo de saque universal que apregoam os grandes conglomerados econômicos mundiais, apoiados na fúria violenta das maiores potencias militares. Assim são satanizados e condenados ao escárnio os Estados mais justiceiros, os projetos econômicos, políticos e sociais mais progressistas e avançados, as organizações mais nobres e humanistas, as pessoas mais decentes que caminham sobre a Terra. São postas a caminhar pela borda dos códigos penais nacionais ou internacionais.
Ao mesmo tempo em que o Presidente Uribe adverte que as FARC não vão se converter na interlocutoras do país, acrescentando como sempre todo tipo de epítetos contra nos, jornalistas de todos os calibres, desde os mais ridículos bufões até os mais prestigiados analistas, encarregam-se de despedaçar as declarações do Comandante Alfonso Cano a uma revista semanal que se atreveu a divulgar uma entrevista com ele. Há quem afirme orgulhosamente que essa publicação constitui um ato de cooperação com atividades terroristas, esquecendo-se dos seus sacros discursos sobre a liberdade de imprensa e dando a exata idéia do que entendem por ela. De maneira simultânea e encarregam de aplaudir a integridade do Presidente Uribe porque, apesar de tudo, se prepara para assinar o acordo com o Pentágono e a acudir a Bariloche para denunciar o tráfico internacional de armas. Como se não fossem os EUA os maiores fabricantes e compradores de armas do mundo.
Enfim, Uribe armou toda essa tramóia com o propósito de anunciar, num ambiente midiático mais favorável a ele, sua próxima candidatura presidencial. Lá apontava tudo. Os partidos tradicionais, o uribismo e a grande mídia o aclamam em uníssono. Ninguém leva a sério o que se diz sobre o paramilitarismo, falsos positivos, deslocamentos forçados, crimes seletivos, terror generalizado, interceptações e perseguições. Todos esqueceram uma corrupção que supura deste governo, a crise econômica, a ditadura constitucional, a guerra fratricida que assola o território nacional, os números sobre o crescimento da pobreza e miséria, ou seja, o completo fracasso do espelhismo econômico, a delicada situação internacional com os vizinhos e tudo o mais. O que conta são os fabulosos ganhos do setor financeiro, as piscadelas de Washington, o carisma do Presidente.
Por sorte existe outra Colômbia. A que não engole tudo inteiro. A que é consciente do que a querem acusar. A que vai se pôr de pé para aguar a festa do regime. Ao astuto Obama. A que entende bem o que significa a atual sacudida dos povos da América Latina. A que compreende a enorme diferença entre a mina que arrebenta a perna de um soldado mercenário e as bombas de mil libras que os aviões da força aérea jogam a granel. A que por sua própria experiência conhece o que representa a intervenção gringa no conflito. A que tem perfeita idéia de quem são e onde estão os verdadeiros terroristas. Essa Colômbia que nunca é consultada para fazer pesquisas de opinião. Essa que sente sua e apóia a luta das FARC. A que é ignorada pela mídia, a invisível, a que quando se dêem conta, vai-lhes dar o maior susto das suas vidas. A que se encarregará de virar o bolo. A Colômbia digna, a Colômbia popular.