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Agência de Notícias Nova Colômbia (em espanhol)

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A violência do Governo Colombiano não soluciona os problemas do Povo, especialmente os problemas dos camponeses.

Pelo contrário, os agrava.


sábado, 17 de outubro de 2009

Os 'interinos' e a Constituição

Por Pedro Estevam Serrano*

A análise dos documentos que conformaram a ruptura da normalidade democrática em Honduras, conforme vão se dando ao conhecimento público, a nosso ver, não deixa margem a muitas dúvidas quanto a seu caráter golpista. Manifestações de juristas que participaram dos fatos vão denunciando a usurpação. Dentre elas, merecem destaque os pareceres do professor Ángel Edmundo Orellana Mercado, catedrático da Faculdade de Direito da Universidade Nacional Autônoma de Honduras e ex-ministro da Defesa de Manuel Zelaya, que com ele rompeu logo no início da crise que traria o golpe.

O decreto parlamentar que determinou a destituição de Zelaya se utiliza abusivamente de sua competência de censurar a gestão administrativa do Executivo para julgar a conduta pessoal do presidente, atribuindo-lhe a prática de delitos, quando a Constituição local diz, nos artigos 303, parágrafo primeiro, e 304, que compete exclusivamente ao Judiciário fazê-lo. Trata-se, portanto, de usurpação da competência de outro poder. Mas o pior é que realizou tal aplicação de sanção definitiva, qual seja, a perda do mandato de presidente, sem oferecer qualquer direito de defesa ao acusado, sem considerá-lo presumivelmente inocente e sem qualquer observância do devido processo legal, em desacordo com o disposto nos artigos 82, 89 e muitos outros da Constituição hondurenha.

Articulistas têm partido da suposição, em alguma medida veiculada no noticiário, que a destituição de Zelaya se deu por ato jurisdicional da Corte Suprema de Honduras. No mínimo, tal informação é imprecisa. Em verdade, o que ocorreu é que, em 25 de junho do ano corrente, o procurador-geral da República hondurenha, Luis Alberto Rubi, apresentou requerimento fiscal – no Brasil, chamado denúncia criminal – contra o presidente por crimes de desobediência à ordem judicial e usurpação de poderes que implica traição à pátria.

O fato ensejador da propositura é a manifestação de Zelaya de que não obedeceria ordem do Tribunal de Julgados Administrativos, que determinou, em essência, a não realização de enquete pública, perguntando à população se desejava realizar um plebiscito sobre a convocação de Assembleia Nacional Constituinte. Em tal denúncia, houve o pedido de detenção provisória do réu Zelaya, com sua apresentação ao Juízo, e a tomada de seu depoimento em audiência. Em 26 de junho, foi expedida ordem de captura contra Zelaya, por ordem do juiz Tomás Arita Valle, deferindo o pedido formulado pelo Ministério Público e determinando sua detenção provisória e apresentação ao Juízo.

Nos termos do artigo 41 da Carta hondurenha, o afastamento do cargo deveria ser temporário, não definitivo. O afastamento seria consequência de ordem judicial válida de prisão temporária de Zelaya, não seu objeto principal. Ocorre que tal ordem foi cumprida de forma absolutamente contrária aos termos em que foi expedida e em total desacordo com diversos dispositivos da Constituição de Honduras, o que ocasiona sua invalidade.

A invalidade de ordens judiciais de detenção por abuso no seu cumprimento não é nenhuma novidade em qualquer regime democrático do mundo, inclusive o brasileiro, observe-se a súmula do STF quanto ao uso indevido de algemas, por exemplo.

O primeiro aspecto inconstitucional na ordem judicial de detenção de Zelaya é que o juiz que a deferiu convocou as Forças Armadas para seu cumprimento, contrariando o disposto no artigo 293 da Carta que estabelece a Polícia Nacional como instituição competente para tanto. O segundo aspecto é o fato de Zelaya ter sido aprisionado em sua casa de madrugada, antes das 6 horas, o que contraria o disposto no artigo 99, parágrafo segundo, da Constituição.

Conforme relata Edmundo Orellana em seus pareceres, tal fato já motivou a anulação de ofício de um sem-número de ordens de prisão temporária em Honduras. Por último, e mais grave, o artigo 102 da Carta proíbe a todos os Poderes de Estado que realizem a expatriação de qualquer hondurenho. Logo, a ordem foi executada de forma abusiva, causando sua nulidade insofismável, por não observar o direito fundamental de Zelaya como pessoa nascida em Honduras e não inerente ao seu cargo de presidente.

Mas, além de todo esse cipoal de inconstitucionalidades, o procedimento judicial adotado contra Zelaya traz o grande vício de ter acabado por condená-lo, sem defesa e sem presunção de inocência, à pena definitiva de expatriação.

O que se lê na ordem de prisão de Zelaya é que se deveria realizar sua detenção, o que não aconteceu. Houve, sim, expatriação. Deveria ser uma restrição temporária a seu direito de ir e vir, o que não ocorreu também, pois sua expatriação implica impedimento definitivo de seu direito de ir e vir no território nacional. Zelaya deveria ser apresentado ao Juízo, o que se tornou impossível. Portanto, não apenas se ofendeu o direito de Zelaya como cidadão de Honduras em não ser expatriado, mas inviabilizou integralmente o pleno exercício de seu direito de defesa. O caráter permanente que as expatriações têm implica a condenação de Zelaya sem defesa, sem presunção de inocência e a inviabilização física de seu comparecimento ao Juízo e, por consequência, inexistência do devido processo legal.

Articulistas da imprensa brasileira têm alegado a incidência de um artigo da Constituição de Honduras, o 239, como fundamento da não observância do devido processo legal no caso. Em verdade, tal dispositivo nem sequer é apontado como fundamento jurídico, tanto no Decreto Parlamentar de destituição de Zelaya quanto na petição do Ministério Público e na decisão jurisdicional que levaram à expatriação do presidente eleito.

Inexiste, por conseguinte, como dado jurídico adequado para avaliarmos a legitimidade da conduta de destituição presidencial. De qualquer forma, admitir a incidência do crime previsto no artigo 239, sem direito de defesa e de presunção de inocência, além de contrariar todo o sistema constitucional hondurenho, que é pródigo em dispositivos garantidores de tais direitos, significa comprazer com formas medievais de direito e julgamento. Algo próprio da Inquisição ou de tribunais de exceção – sejam eles nazistas, comunistas, fascistas falangistas ou islâmicos. E não de um Estado Democrático de Direito, como Honduras deveria ser por sua Constituição.

Os atos de destituição parlamentar de Zelaya e de sua expatriação judicial, ambos sem direito a defesa, sem presunção de inocência e sem a observância do devido processo legal, não deixam margem a dúvidas, em nosso entender, do caráter golpista que findaram por assumir.

* Pedro Estevam Serrano é mestre e doutor em Direito do Estado, professor da Faculdade de Direito da PUC-SP