Caso das ações da Lan Chile: Piñera ganhou por um nariz, mas de mentiroso
O jornal El Mercurio busca incessantemente a absolvição pública de Sebastián Piñera, no caso da multa milionária imposta pela Superintendência de Valores e Seguros, por ter utilizado informação privilegiada na compra de um pacote acionário da Lan Chile. O relatório veio a público quando Eduardo Frei o divulgou no dia do debate presidencial da TVN o que fez arder Tróia, no sentido midiático. Desde então, não se tem passado quase literalmente um dia em que El Mercúrio não tenha deixado de contestar o relatório da Transparência Internacional.
Por: Francisco Herreros
Através daquelas montagens de marketing que são a sua especialidade, o Jornal El Mercúrio busca incessantemente a absolvição pública de Sebastián Piñera, no caso da multa milionária imposta pela Superintendência de Valores e Seguros, por ter utilizado informação privilegiada na compra de um pacote acionário da Lan Chile, através do obliquo expediente de vitimar o candidato da direita e transformá-lo em pouco menos que o objeto de uma campanha maliciosa de Transparência Internacional.
Para compreender o problema, não se pode deixar de lembrar que, em 24 de julho de 2006, sendo simultaneamente o diretor da Lan Chile e o acionista majoritário de Inversiones Santa Cecilia, Sebastián Piñera, através desta empresa de investimento e de outra chamada Minera Mar Cantábrico, comprou um pacote de 3.250.000 ações da companhia aérea, minutos depois de ter participado na reunião do Conselho que deu a conhecer o Estado de Resultados do primeiro semestre de 2006.
Segundo a resolução da SVS, Piñera pagou 9,84 bilhões de pesos, ou cerca de $ 18 milhões de dólares da época, o que significa que pagou 3.280 pesos por cada ação. Em 26 de julho, quando foi negociado no mercado de ações o título da LAN com seu balanço já divulgado, o preço chegou aos 3.520 pesos por ação, o que significa que Piñera auferiu lucro com uma diferença que oscilou entre 3 e 4,88% por ação. A resolução do Superintendente de Valores e Seguros acrescenta: “considerando o diferencial de preço entre a abertura do mercado aberto, uma vez conhecido o estado financeiro da LAN, isto é, 3.390 pesos por ação, e o preço de compra efetiva de 3.280 pesos, pode estimar-se razoavelmente um custo menor associado com a falta de cerca de 330 milhões de dólares”.
Esse é, e não outro, o âmago da questão.
Mas aconteceu que, em 21 de setembro passado, a Transparência Internacional publicou o Relatório Global da Corrupção 2009, que incluiu uma breve referência ao caso de Piñera. “O valor das ações disparou quando as demonstrações financeiras foram tornadas públicas no dia seguinte, o que rendeu a Piñera um benefício extraoridinário de $ 700.000”, informa o relatório que, entre suas conclusões, aponta que o abuso de informação privilegiada “permite que os acionistas majoritários enriqueçam às custas dos investidores minoritários”, o que, “a longo prazo, incrementa o custo do capital, desestimula os investidores, fomenta a especulação e aumenta a volatilidade da bolsa de valores”.
E como o relatório veio a público, pois Eduardo Frei o divulgou no dia seguinte ao debate presidencial de TVN, Tróia ardeu, no sentido midiático. Desde então, não passou literalmente um dia sem que El Mercúrio não tenha deixado de contestar o relatório de Transparência Internacional e, por meio deste, ao capítulo chileno de Chile Transparente, manobra que concluiu há alguns dias com a publicação das conclusões de uma comissão de “homens bons”, na linguagem do jornal, que tomou para si a tarefa de analisar o relatório da Transparência Internacional.
Acontece que nesta manobra, o centro de gravidade da questão não é que Sebastián Piñera obteve num só lance quase 700 mil dólares por ter utilizado de informação privilegiada, mas que o relatório “contem imprecisões factuais em áreas sensíveis, que poderiam ter sido evitadas se os redatores tivessem sido mais prolixos na seleção das fontes”, sem prejuízo de fazer aumentar a “falta de diligência da direção de Chile Transparente na supervisão indicação dos responsáveis e na elaboração e divulgação do Relatório”, “a falta de imparcialidade e de aberta intencionalidade dos redatores do relatório”, ou os “conflitos de interesses“ dos mesmos.
A operação termina com uma admoestação típica com a marca de El Mercúrio: “os erros cometidos em um assunto de tal importância, e em tantos aspectos diferentes, sugerem que a única maneira para que esta instituição recupere sua a credibilidade é renovar completamente sua direção”, mas não antes deslizar que o “relatório acusa que um terço da receita de Chile Transparente provem da Presidência”. (El Mercurio, 02/12/2009, p. 3.).
Leva a crer que o editor não leu, ou não entendeu, a consideração n º 3 da resolução da Superintendência de Valores e Seguros, datada de 6 de julho de 2007, que aplicou a Piñera uma multa de 19.470 UF, ligeiramente inferior a 400 milhões de pesos de hoje, por violação do dever de abstenção descrito no artigo 165 da Lei n º 18.045, e que assim que diz textualmente:
“Que, por ocasião dos antecedentes precedentemente, esta Superintendência de Valores e Seguros formulou encargos ao Sr. Sebastián Piñera Echenique, mediante oficio reservado N.º 003 de 10 de Fevereiro de 2007, por não respeitar o dever de abstenção que pesa sobre quem tem acesso a informações privilegiadas, transgredindo o disposto na parte final do inciso 1º do artigo 165 da Lei n.º 18.045, que dispõe que qualquer pessoa que por motivo de seu, cargo, posição, atividade ou relação, tenha acesso a informação privilegiada, deverá guardar estrita reserva e não poderá utilizá-la em beneficio próprio ou alheio, nem adquirir para si ou para terceiros, direta ou indiretamente, os valores sobre os quais tenha informação privilegiada”.
Dessa forma, cabe deduzir que o editor não soube, ou omitiu, que em 9 de janeiro de 2009, o juiz da 27 ª Vara Cível, Javier Torres, confirmou o obrado pelo Superintendente Guillermo Larraín, no caso de Juan Cueto Sierra, multado pelo mesmo delito, perpetrado no mesmo dia que Piñera.
Ocorre que Cueto, ao contrário de Piñera, contestou judicialmente a resolução do Superintendente. Mas, além de demitir os seus argumentos e de confirmar a resolução de Larraín, o juiz Torres o condenou a pagar as custas judiciais. Obviamente, Piñera pagou discretamente a multa de 360 milhões de pesos com a intenção de evitar os respingos do caso em plena campanha eleitoral, o que impediu o relatório de Transparência Internacional.
Daí tanta virulência e a contumácia da manobra de El Mercurio.