O segundo turno e a revolução democrática no Brasil
Por Emiliano José *
O resultado do primeiro turno indica que toda a nossa militância política, a do PT e de todos os partidos aliados, teremos que ir à luta para garantir a continuidade da revolução democrática em andamento no Brasil, elegendo Dilma contra Serra. O governo Lula colocou em marcha essa revolução, depois da eleição de 2002. Não foi até agora um processo simples. Não o será daqui para frente. É, no entanto, uma revolução inédita no Brasil, e que, levada adiante, pode assegurar a construção de uma nação não só poderosa economicamente, como já o somos, como também, e sobretudo, uma nação justa, que modifique nossas tradicionais estruturas voltadas à concentração de renda e à desigualdade, ainda das maiores do mundo entre nós. Uma nação que democraticamente incorpore em profundidade a presença do povo brasileiro, que pense o desenvolvimento sempre em razão da maioria, e não voltado a atender aos interesses de uma minoria. Por tudo isso, será essencial que nos coloquemos todos em campo, insistindo na importância de levar adiante tal revolução.
Essa revolução, que será de longo curso, já quebrou alguns paradigmas. O primeiro deles, talvez, o de imaginar o glorioso dia da revolução, como muitos de nós imaginávamos acontecer, dia em que o paraíso se estabeleceria, e as estruturas antigas desmoronariam como que por encanto. Não pensávamos a longo prazo. Não pensávamos como Gramsci na guerra de posição. Imaginávamos sempre a guerra de movimento, a conquista do Palácio de Inverno. Advogávamos, muitos de nós, o corte abrupto, súbito, a tomada do poder, a ditadura do proletariado, e então, tudo se faria, com violência se fosse o caso, e sem democracia. Sob a democracia, então denominada burguesa, não seria possível promover transformações na vida do povo.
O governo Lula provou o contrário. A guerra de posição, se me permitem a metáfora, foi caminhando, e promovendo conquistas extraordinárias. E essas conquistas levaram sempre em conta as necessidades, os direitos do nosso povo, especialmente do nosso povo mais pobre. Depois de Vargas, este foi o primeiro governo a novamente pensar no povo brasileiro mais pobre, e o governo Lula, para ser verdadeiro, foi muito mais amplo no esforço de garantir a presença do povo brasileiro, e insista-se, do povo mais pobre, na dinâmica de desenvolvimento do País, à Celso Furtado, que é sempre bom lembrar os grandes pensadores, e Celso é um dos maiores deles. Aqui, a revolução democrática derrotava outro paradigma – o paradigma tecnocrático e com origem nas classes dominantes, de que era primeiro necessário crescer para depois então distribuir renda.
Vargas, para não sermos injustos, pensou um projeto de nação, e desenvolveu economicamente o País à base da idéia da inclusão dos trabalhadores urbanos, e não seria justo dizer, à FHC, que toda aquela experiência deveria ser negada sob o rótulo simplista de populismo. O governo Lula, no entanto, no leito da revolução democrática, foi muito além, e por isso incorporou à vida, à cidadania coisa de mais de 30 milhões de pessoas, retiradas da miséria absoluta, retiradas da condição do não ser. Incorporou com políticas públicas ousadas, enfrentando o apetite da grande burguesia, das classes dominantes, e até os preconceitos do esquerdismo infantil, que não aceita a melhoria das condições de vida do povo senão pelo processo do corte abrupto, como se esse corte fosse possível nas condições brasileiras. E enquanto ele não se dá, essa esquerda permanece imobilizada. A idéia, tão acalentada pela esquerda, da criação de um mercado de massas, concretizou-se sob o governo Lula, sob a revolução democrática em andamento.
Claro que essas transformações, efetivadas pelas políticas públicas em andamento, que vão do Bolsa Família à recuperação do salário mínimo, e passam pelo Luz para Todos, pelo Pronaf, pelo Prouni, para lembrar alguns aspectos dessas políticas, foram feitas à base da extraordinária coragem e determinação do presidente Lula e, também, de sua fantástica capacidade de negociação. E Lula, aqui, quebrava outro paradigma nosso, da esquerda: o de que tudo se conquista pelo confronto. Lula aprendeu, na vida sindical, e depois levou esse ensinamento para a política, que é sempre melhor uma boa negociação do que uma greve. Que a greve pela greve não interessa. Na política, nunca perdeu o rumo, nunca deixou de olhar para os mais pobres, em momento algum. Mas, soube dar um passo adiante, dois atrás, depois três adiante, tendo como objetivo a melhoria de condições de vida do nosso povo.
O governo Lula teve a coragem de colocar na agenda política brasileira as questões da luta pela igualdade racial, pela emancipação feminina, pelos direitos humanos e por um meio ambiente equilibrado, temas caros a uma esquerda renovada e democrática. Temas da revolução democrática. Recentemente, os direitos humanos, abrigados no Plano Nacional de Direitos 3, sofreram um bombardeio de setores conservadores, como se tal plano fosse apenas uma iniciativa do governo, e não resultado de uma ampla e democrática conferência nacional. E por falar nisso, outro aspecto colocado na agenda política pelo governo Lula foi o da participação popular. Contribuiu decisivamente para a realização de conferências nacionais que mobilizaram milhões de pessoas e que contribuem decisivamente para a elaboração das políticas públicas do governo. Na democracia atual, reclama-se o crescimento da participação direta. Não é mais possível pensar apenas no seu caráter representativo.
Quando falo da capacidade de negociação do presidente Lula, não desconheço sua ousadia quando necessário. Esses temas todos não são fáceis de serem apresentados à sociedade. Quando Lula vai, por exemplo, a uma conferência de LGBT, não só legitima o direito à diversidade, quanto enfrenta o pensamento conservador, que ainda tem força em nossa sociedade. Lula, mesmo que não tenha tido uma formação clássica de esquerda, foi ao longo da vida, e do governo, assumindo posições da esquerda contemporânea, tomando atitudes próprias de uma esquerda renovada. Foi ao longo do governo um extraordinário dirigente da revolução democrática em curso, que orgulhou a todos nós. Sobretudo porque, insisto, em momento algum vacilou em relação à prioridade das políticas públicas, que deveriam estar voltadas, como estiveram, para a melhoria das condições de vida do povo brasileiro.
Essa não é, como se sabe, como já disse, uma caminhada fácil. Chegar a isso exigiu muita luta. Confesso que alimentei ilusões de um debate de bom nível sobre o Brasil nessas eleições. Especialmente porque olhava para o passado de Serra, e imaginava que ele tentasse ser digno dele. Penso no passado de resistência à ditadura e de seu papel como ex-presidente da UNE. Até de sua capacidade de formulação intelectual. Enganei-me. Serra assumiu no primeiro turno posições próprias da extrema-direita, lamentavelmente. E escondeu o seu programa neoliberal, como escondeu o próprio Fernando Henrique Cardoso. Preferiu ser um udenista tardio, um Lacerda do novo milênio. Lacerda foi a tragédia, Serra a triste, melancólica farsa.
Quem sabe, no segundo turno ele consiga travar um debate de melhor nível. A mídia hegemônica, outra vez, aquela das três famílias, ou das poucas, reduzidas famílias, fez o que podia e o que não podia para desacreditar Dilma Rousseff, para apresentá-la como uma candidata sem condições, tentando sempre envolvê-la em escândalos. Dilma cresceu durante a campanha, desenvolveu sua capacidade de argumentação, enfrentou bem o seu principal adversário. Apresentou o programa da revolução democrática, baseada naquilo que foi realizado pelo governo Lula Agora é enfrentar o segundo turno com muita firmeza. Em duas eleições demonstramos nossa capacidade. E vamos também demonstrar nas deste ano.
O segundo turno permitirá uma discussão mais aprofundada do nosso projeto. Devemos dizer que a revolução democrática deve caminhar mais. Sempre e sempre com base na democracia, na participação cada vez mais consciente do nosso povo, e não apenas nas eleições, mas também nestas, sempre. Insistir que nosso projeto pretende garantir mais e mais a distribuição de renda. Combater a desigualdade social profunda que ainda nos afeta. Ir fundo na revolução educacional iniciada nos primeiros oito anos. Assegurar o desenvolvimento sustentável. Crescimento econômico a taxas altas não pode nos inebriar e nos levar a uma política que não leve em conta a importância da preservação do meio ambiente. Enfrentar de peito aberto, com firmeza e capacidade, a questão urbana brasileira, especialmente a das médias e grandes metrópoles, que condensam nossos principais problemas nos dias de hoje.
Segundo turno é outra eleição, costuma se dizer, e com razão. Não está posto que os votos dados a Marina, mesmo que eventualmente o PV venha a apoiar Serra ou que Marina também o faça, se transfiram para o candidato tucano. Seguramente, tais votos têm um claro pendor progressista, ao menos uma grande parcela deles. E penso tendem a migrar em sua maioria para a candidatura Dilma. Ou, dito de outra forma, tendem a optar pela revolução democrática em andamento no Brasil. Claro que isso pode parecer apenas expressão do meu pensamento desejoso, e de alguma forma o é. Mas, também, é parte da análise de outras situações de segundo turno.
O povo brasileiro adiou a sua decisão, quem sabe para avaliar melhor o quadro, como o fez nas duas eleições de Lula. E agora, como agiu em relação a Lula, penso, no segundo turno também elegerá Dilma para não perder tudo que conquistou ao longo dos oito anos de governo Lula. Nossa militância, no entanto, sabe que deverá estar nas ruas, defendendo com toda firmeza o nosso projeto, a revolução democrática que está mudando a vida do povo brasileiro.
(*) Jornalista, escritor, militante político, filiado ao PT.