"A LUTA DE UM POVO, UM POVO EM LUTA!"

Agência de Notícias Nova Colômbia (em espanhol)

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A violência do Governo Colombiano não soluciona os problemas do Povo, especialmente os problemas dos camponeses.

Pelo contrário, os agrava.


sexta-feira, 9 de agosto de 2013

Sobre um Marco Jurídico fora de contexto


La Habana, Cuba, sede dos diálogos de paz, 6 de agosto de 2013

(Primeira reflexão)

A definição de um Marco Jurídico para a Paz é assunto que vem sendo debatido há vários meses por diversas instâncias dos poderes do Estado, inclusive apresentando-se esclarecimentos às vezes contraditórios entre uns e outros, os quais, por ser de tão recente publicação e propagação, não é o caso de relembrar no presente pronunciamento.

O ponto é que, aparentemente, a Corte Constitucional deixou entrever que se pronunciará sobre o mencionado “Marco” em fins de agosto. Porém, vale precisar que jamais nossa contraparte na confrontação considerou levar em conta os esclarecimentos que tem a insurgência sobre o tema da juridicidade ou dos parâmetros da chamada transição a um estágio posterior à assinatura de um Acordo final de paz ou, mais ainda, para a antessala dessa época.
Se, em realidade, se busca a paz, o mero sentido comum indica que uma conceituação para tal construção deve ser produto de análises e decisões conjuntas, sobretudo se levamos em conta que os diálogos que se adiantam em Havana sem que a guerra houvesse culminado, não são de nenhuma maneira um processo de submissão à institucionalidade vigente, nem muito menos uma passagem da insurgência para a capitulação.

Imaginamos que, como agora, de haver um pronunciamento da Corte a favor do governo, se apresentaria imediatamente – outra vez passando por alto que existe uma contraparte na guerra –, o projeto de lei estatutária que desenvolveria a nova norma constitucional. Vale dizer, então, que:

O Marco Jurídico para a Paz é um instrumento de justiça transicional ao qual acorreram muitos países em todo o mundo, ocorrendo que, geralmente, os vencedores numa confrontação impuseram suas normas aos perdedores, ou situações em que, a partir do estabelecimento de novos regimes ou ordenamentos constitucionais, se derivaram renovados poderes públicos aos quais se lhes encarregou reordenar um país. Por exemplo, com nova constituição e novo órgão judicial foi que na Argentina se agarrou os ditadores e seus sequazes.

Na Colômbia não houve derrota da contraparte, nem se vislumbra. O aceitar a existência de um conflito interno, ademais, tem implicações concretas que não se pode evitar, sobretudo se não perdemos de vista que em nenhuma das experiências mais conhecidas, nas quais se aplicou justiça transicional, se falou ou aceitou previamente a existência de um conflito interno. Para nosso caso, o Presidente Juan Manuel Santos aceitou a existência do conflito interno, todo o qual indica que as normas do Direito Internacional Humanitário [DIH] e as normas de guerra se aplicam a ambas as partes por igual, porém não perdendo de vista que haveria que adaptar, complementar e aperfeiçoar as referidas normas, atendendo às experiências e particularidades concretas que tem uma confrontação tão prolongada e repleta de assimetrias como a da Colômbia, assim ao menos o sugere o Comitê Internacional da Cruz Vermelha.

Em todos os casos onde se aplicou justiça transicional ou marcos jurídicos como o que se pretende na Colômbia, o conflito ou as ditaduras foram superados primeiro; o conflito chegou a seu fim com um vencedor e, reiteramos, geralmente os ganhadores aplicaram suas regras do jogo com seus novos governos e seus novos aparelhos jurisdicionais. Porém, na Colômbia não só se declarou oficialmente que há um conflito entre duas partes com responsabilidades para cada uma delas, como também que se dá a circunstância terrível de que o conflito continua. Uma das duas partes [o Governo em representação do poder do regime], ademais, insiste em que há que seguir na guerra. Isto é prova indiscutível de que a contenda continua. Não obstante, por mais que desboque seu belicismo, não é a via militar a que dará a vitória ao regime, porém, sim, é certo que tal caminho gerará mais vitimação e atraso para nosso país. Meio século de história assim o corrobora.

Sublinhemos que, em meio a estas realidades, o Presidente Santos como Presidente da República, Chefe de Estado e cabeça da administração pública [assim batiza a Constituição ao Presidente], aceitou frente aos que têm – dentro das regras do jogo que ele acata e jurou cumprir – a guarda da integridade e da supremacia da Constituição [Corte Constitucional], que o Estado tem responsabilidade no sucedido durante o conflito armado interno ainda existente após várias décadas de combate. Esta é uma aceitação pública que pode bem ter alcance de ato administrativo e que, em todo caso, tem implicações, como:
  1. A aceitação de responsabilidade pelo conflito tira do Estado a legitimidade necessária para ser juiz. Não se pode ser juiz e parte, sobretudo quando se trata de um Estado responsável; e muito mais quando a guerra interna persiste sem vencedor nem vencido.
  2. Levemos em conta que o chamado jus puniendi equivale ao direito do Estado a aplicar a lei penal e a justiça em geral. Esse direito se deriva do chamado princípio de legalidade. O princípio de legalidade é a fonte ou a base de todo Estado de direito. A legitimidade do princípio de legalidade, por sua vez, é a fonte da segurança jurídica. Então, como pode produzir um Estado atribuível de responsabilidade um princípio de legalidade e a necessária segurança jurídica?

Pelo demais, o magistrado Pretelt não deveria entregar à imprensa apartes e o sentido de sua palestra antes da audiência convocada para conhecer o pensamento dos que se inscreveram para referir-se ao tema do marco jurídico para a paz. O fez desde a véspera, o qual tira legitimidade e seriedade a seu pronunciamento. Faltou com seus colegas, com a boa-fé da opinião pública em geral e deixou um mau sabor de prevaricação. Houve um evidente assalto ao devido processo.

Em conclusão, essa iniciativa unilateral do governo que a Corte Constitucional debate hoje, nenhum papel positivo jogará no processo de paz em que se comprometeram as FARC-EP.