"A LUTA DE UM POVO, UM POVO EM LUTA!"

Agência de Notícias Nova Colômbia (em espanhol)

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A violência do Governo Colombiano não soluciona os problemas do Povo, especialmente os problemas dos camponeses.

Pelo contrário, os agrava.


quarta-feira, 26 de fevereiro de 2014

“Não nos matem, por favor, não nos matem”


Por Armando Neira



A democracia é uma mentira se à esquerda não se lhe respeita a vida. Análise de Semana.com
Muitos colombianos se assustaram ao escutar o temido chefe guerrilheiro ‘Iván Márquez’ na quinta-feira 18 de outubro de 2012 em Oslo, Noruega, no início formal dos Diálogos de Paz entre o governo da administração Santos e as FARC. O que devia ser um simples ato protocolar se converteu numa baixada de ânimo geral pelo tom desafiante do insurgente.


Muitos anos atrás, este mesmo homem, com seu nome real – Luciano Marín Arango – suplicava, na Plaza de Bolívar, desde sua cadeira de congressista que não os assassinassem, que a ele e a todos os militantes da União Patriótica [UP] lhes respeitassem a vida, que o que queriam fazer, juravam, era política legal: “Não nos matem, por favor, não nos matem”.


Também anos atrás o jovem vereador de La Plata, Huila, Luis Édgar Devia Silva abandonou a cadeira ante as ameaças de morte. Diferentemente de seus pais, que igualmente haviam saído fugindo de sua casa pelo cerco dos violentos por serem liberais, este militante do Partido Comunista [PC] decidiu envolver-se com as FARC, com o pseudônimo de ‘Raúl Reyes’. Terminou morto num bombardeio no Equador.


Em sua juventude, o nome de Juvenal Ovidio Ricardo Palmera corria de boca em boca pelas terras de Cesar, pois Diomedes Díaz o havia incluído em seu vallenato intitulado ‘El mundo’. Naquela época, ele era um querido gerente do Banco do Comércio de Valledupar, que vivia com sua família na exclusiva rua Santo Domingo, adjacente à praça Alfonso López, , e que havia crescido num ambiente de privilégios. Apaixonado pela política, optou pela esquerda com a ilusão de um sonhador.


Logo começou a ver como assassinavam, desapareciam ou feriam a seus companheiros de militância. “O extermínio da burguesia contra nós me obrigou a ir às montanhas”. Entrou nas FARC com o nome de ‘Simón Trinidad’. Foi capturado e extraditado aos Estados Unidos. Hoje está preso lá, enquanto os negociadores desta guerrilha exibem sua imagem fotográfica em Havana.


Não nos matem, por favor, não nos matem”, suplicavam. Porém, seguiram matando-os. Não a um, nem a dez, nem a cem, nem a mil. Mas sim a 4.000. Todo um partido político desaparecido da face da Terra numa das páginas mais vergonhosas da nossa história.


Mataram-nos sob o sol ardente de Barrancabermeja, como a Leonardo Posada; ou numa morna rodovia de Cundinamarca, como a Jaime Pardo Leal; ou no lotado aeroporto El Dorado, como a José Antequera; ou numa Ponte Aérea, cercado de dezena de escoltas, como a Bernardo Jaramillo.


Os que ficaram? Uns poucos, que se contavam com os dedos das mãos e que tiveram que sair para o exílio. Entre eles, Aída Avella.


Há que contar aos menores de 20 anos que esta mulher foi uma das sobreviventes desta coletividade que passou 17 anos sem vir à Colômbia. Exatamente 17 anos, seis meses e quatro dias. Toda uma geração.


Se foi porque, como a seus companheiros de militância, a ela também iriam matar e porque já não suportava tanta dor: “Quando saímos da Constituinte, em dezembro de 1991, me elegeram presidente da UP e aí foi Tróia”, disse à Semana.com numa entrevista. “As ameaças não deixavam descansar”. Na época, era vereadora de Bogotá, onde chegavam as notícias de um país banhado em sangue. “Foi quando apareceram os ‘corta cabeças’ em Urabá, arrancavam a cabeça dos nossos companheiros, penduravam-nas em estacas, sobretudo na diagonal San José de Apartadó”, relembra.


A alguns que iam para suas chácaras bananeiras, lhes cortavam as cabeças e as mandavam em bandejas para os centros dos trabalhadores na hora do almoço, com a mensagem de que, se continuavam no sindicato, as cabeças rolariam. Jogavam futebol com as cabeças das pessoas que assassinavam, e esperavam que viessem as aves de rapina a comer os corpos”. O auge do horror em todo seu esplendor.


Em 17 de maio de 1996, quando se deslocava pela autopista Norte para seu gabinete da Câmara de Bogotá, atacaram-na com um rocket. “A morte nos acariciava. Recordo que havia um estranho congestionamento, não podíamos avançar. Vi um carro ao lado do qual saía um tubo, era como uma bazuca. Depois nos dispararam três revólveres ao mesmo tempo, o carro ficou com 40 impactos de bala”. Assustada, com as poucas lágrimas que lhe restavam, foi para longe.


Após a decisão do Conselho de Estado de restituir a personalidade à UP, voltou à Colômbia e decidiu-se lançar à Presidência da República. E no sábado, 22 deste mês, numa de suas primeiras jornadas, por Arauca, foi objeto de um atentado.


Vários comentaristas radiais relataram o fato, ainda que atenuassem a gravidade porque, segundo eles, nas “pesquisas” [ela] só tem 1% na intenção de voto, o que matematicamente faz com que não tenha opções reais de ganhar as eleições. É ao contrário. O assunto é de extrema gravidade pela mesma circunstância. Há que protegê-la porque a democracia é a garantia absoluta dos direitos das minorias.


Inclusive, porque se a esquerda legal na Colômbia não obtém a absoluta certeza de que nunca jamais lhes vai passar nada, a armada em Havana não firmará a paz. Porque Aída Avella é o símbolo vivo de uma tragédia que nunca deveria ocorrer. E porque assim, valente, honesta e, apesar de tudo, jamais empunhou uma arma. A democracia é uma mentira se a ela ocorre algo.


E não se trata só dela, de sua família e de seus seguidores, como também daqueles jovens inconformistas que nasceram na Colômbia enquanto ela estava no exílio e hoje querem mudar o país, fazer política com seus ideais e suas propostas. Temos que dar-lhes as garantias absolutas a todos os Luciano Marín Arango, Luis Édgar Devia Silva, Juvenal Ovidio Palmera, para que não haja ‘Iván Márquez’, Raúl Reyes’ nem ‘Simón Trinidad’.