Desmontar a mentira para combater a alienação e dinamizar a luta
Por Miguel Urbano Rodrigues
Talvez nunca antes a insistência em iluminar o óbvio oculto tenha
sido tão importante e urgente porque a falsificação da História e a
manipulação das massas empurra a humanidade para o abismo.
Essa
tarefa assume um carácter revolucionário porque as forças que controlam o
capitalismo utilizam as engrenagens do sistema mediático para criar uma
realidade virtual que actua como arma decisiva para a formação de uma
consciência social passiva, para a robotização do homem.
A compreensão pelos povos da estratégia exterminista do imperialismo
que os ameaça é extremamente
dificultada pela ignorância sobre o funcionamento do sistema de poder
dos Estados Unidos e a imagem falsa que prevalece a respeito da
sociedade norte-americana não apenas na Europa mas em muitos países
subdesenvolvidos.
UM MITO ROMÂNTICO
Não obstante serem inocultáveis os
crimes cometidos pelos EUA nas últimas décadas em guerras de agressão
contra diferentes povos, uma grande parte da humanidade continua a ver
na pátria de Jefferson e Lincoln uma terra de liberdade e progresso. O
mito romântico dos pioneiros do Mayflower é difundido por uma propaganda
perversa que insiste em apresentar o povo e o governo dos EUA como
vocacionados para defender e liderar a humanidade. Os males do
capitalismo seriam circunstanciais e a grande república, presidida agora
por um humanista, estaria prestes a superar a crise que a partir dela
alastrou pelo mundo.
Não basta afirmar que estamos perante uma perigosa
mentira. Desmontar o mito estado-unidense é, repito, uma tarefa
prioritária na luta contra a alienação das maiorias. O político negro
cuja eleição desencadeou uma vaga de esperança entre oprimidos da Terra
engavetou os compromissos assumidos com o povo e ao longo do seu mandato
deu continuidade a uma estratégia de dominação mundial, ampliando-a
perigosamente.
Diferentemente de Bush júnior, Obama soube construir uma máscara de
estadista sereno e progressista. A sua reeleição, não tenhamos dúvidas,
será facilitada porque o candidato republicano que o enfrentará, Mitt
Romney, é um político ultra reaccionário, sem carisma.
AS GUERRAS IMPERIAIS
No Iraque a violência tornou-se
endémica, milhares de mercenários substituíram as tropas de combate e um
governo fantoche actua como instrumento das transnacionais do
petróleo.
No Afeganistão a guerra está perdida. Após onze anos
de ocupação, as forças da NATO e as dos EUA somente controlam Cabul e
algumas capitais de província. Todas as ofensivas contra a Resistência
(que vai muito alem dos Talibãs) fracassaram e nos quartéis e nos
Ministérios os recrutas matam com frequência os instrutores
estrangeiros, americanos e europeus.
A retirada antecipada das tropas francesas do país colocou um
problema inesperado ao Pentágono. Em Washington poucos acreditam que o
presidente cumpra o acordo sobre a evacuação do exército de ocupação
antes do final de 2014.
Em declarações recentes, Obama, já em campanha eleitoral, retomou o
tema da defesa dos "interesses dos EUA no mundo". Essa política implica a
existência de centenas de bases militares em mais de uma dezena de
países. Na Colômbia, por exemplo, foram instaladas mais oito.
Numa inflexão estratégica, o presidente informou que está em curso
uma deslocação para Oriente do
poder militar norte-americano. O secretário da Defesa esclareceu que
dois terços da US Navy serão deslocados para o Pacifico. Ficou
transparente que o objectivo inconfessado é cercar por terra e mar a
Rússia e a China.
Vladimir Putin interpretou correctamente a mensagem. Consciente de
que na sua escalada agressiva os EUA teriam de reforçar a sua hegemonia
no Médio Oriente, abatendo o Irão, antes de definirem aqueles países
como "inimigos" potenciais, o presidente russo num discurso firme
advertiu Washington de que está a ultrapassar a linha vermelha.
Contrariamente ao que afirmam alguns analistas que cultivam o
sensacionalismo, a iminência de uma terceira guerra mundial é, porém,
uma improbabilidade. Mas isso graças à firmeza da Rússia. Putin não
esqueceu Munique. Usou palavras duras, recordando a agressão ao povo
líbio, para lembrar a Obama que já foi longe demais e que não tolerará
uma intervenção
militar USA--União Europeia na Síria, qualquer que seja o pretexto
invocado.
ASSASSINAR À DISTÂNCIA
O belicismo de Obama é, alias, tão ostensivo que até um jornal do establishment, o New York Times (que
o tem apoiado), sentiu a necessidade de revelar que a lista de
"terroristas" e dirigentes políticos a aniquilar pelos aviões sem piloto
(os famosos drone) é submetida à aprovação do chefe da Casa Branca.
Matar a longa distância, numa guerra electrónica de novo tipo, tornou-se
uma rotina graças aos progressos da ciência. Leon Panetta, o actual
secretário da Defesa, não somente a aprova como a elogia, assim como o
general Petraeus, o director da CIA.
O prémio Nobel Obama aprova previamente os alvos humanos seleccionados cujas biografias lhe são enviadas . A esse nível se situa hoje o
seu conceito de ética.
Os homens do presidente chegaram à
conclusão de que essa modalidade de assassínio não tem suscitado grandes
protestos internacionais e evita a perda de pilotos.
O
principal inconveniente é a imprecisão desses ataques. No Paquistão,
dezenas de aldeões foram mortos em bombardeamentos dos drones nas áreas
tribais da fronteira afegã. O erro (assim lhe chamam no Pentágono) gerou
uma crise nas relações com o Paquistão quando 26 soldados daquele país
foram abatidos por um avião assassino. O governo de Islamabad proibiu a
partir de então a travessia da fronteira pelos caminhões que carregam
alimentos e armas para as tropas dos EUA e da NATO.
Não obstante os "inevitáveis danos colaterais", os generais do
Pentágono definem como revolucionária a guerra barata na qual basta
carregar num botão, por vezes a centenas de quilómetros de distância,
para atingir alvos humanos
seleccionados em gabinetes nos EUA e aprovados pelo Presidente.
A
esmagadora maioria dos estado-unidenses tem um conhecimento muito
superficial do que se passa nas guerras asiáticas do seu país. Mas no
Exército alastra um difuso mal-estar. No ano corrente registou-se um
record de suicídios de militares.
O FANTASMA DA AL QAEDA
São qualificados de
especialmente satisfatórios os bombardeamentos frequentes a tribos
"terroristas" do Iémen e da Somália. Se a CIA informa que uma tribo
perdida nas montanhas da outrora chamada Arábia Feliz é acusada de
ligações suspeitas com a Al Qaeda, envia-se um drone da base de Djibuti
para liquidar o seu chefe. Obama dá o seu aval à operação.
O New York Times, no editorial citado, reconhece com pesar
que o actual poder decisório presidencial de assassinar "terroristas" em
regiões remotas "não tem precedentes na história
presidencial". Monstruoso, mas real: Obama comporta-se como um
ciber-guerreiro.
Nessa estratégia criminosa, a invocação da Al Qaeda como a grande ameaça à segurança dos EUA é permanente, obsessiva.
Somente em Março pp. o Google registou 183 milhões de entradas em busca de informações sobre a organização.
Os
EUA planearam e executaram a morte de Ben Laden numa operação obscura
de forças especiais, violadora da soberania do Paquistão. Mataram já ou
afirmam ter assassinado os principais dirigentes da Al Qaeda. Mas o
fantasma da Al Qaeda sobreviveu, e é esse dragão, invisível, medonho,
que motiva os bombardeamentos dos drones, a guerra electrónica
assassina.
O mito da Al Qaeda, o inimigo número 1, tornou-se um pilar da estratégia "anti-terrorismo" dos EUA.
Quantas pessoas, mundo afora, sabem que Ben Laden foi um aliado íntimo dos EUA durante a guerra contra a
Revolução Afegã? Poucas.
E poucas são também as que têm
conhecimento das relações estreitas que a CIA e a inteligência militar
dos EUA mantiveram e mantêm com organizações fundamentalistas
islâmicas.
A necessidade de aniquilar a Al Qaeda foi o argumento
básico que Bush filho brandiu para justificar o Patriot Act e a invasão
e ocupação do Afeganistão, numa cruzada "antiterrorista" em defesa "da
liberdade, da democracia, da paz…"
Obama, usando um discurso diferente, muito mais hábil, aprofundou a estratégia de poder dos EUA.
Ao
assinar a lei da Autorização da Segurança Nacional, o presidente dos
EUA tripudiou sobre a Constituição, transformando o país num Estado
militarizado que exibe uma fachada democrática. Internamente subsistem
algumas liberdades e direitos, mas a politica externa é a de um estado
terrorista.
RÚSSIA E CHINA AMEAÇADAS
A
engrenagem imperial está em movimento. Primeiro foi o Iraque, depois o Afeganistão, depois a Líbia. Agora o alvo é a Síria.
A
máquina mediática trituradora das consciências repete o método
utilizado na campanha que precedeu o ataque armado à Líbia. A CIA e o
Pentágono prepararam e financiaram grupos de mercenários que instalaram o
caos nas grandes cidades sírias. O presidente Bachar al Asad foi
demonizado e, inventada uma realidade virtual – uma Síria imaginária –
uma campanha massacrante tenta persuadir centenas de milhões de pessoas
de que intervir militarmente naquele pais seria "uma intervenção
humanitária" exigida por aquilo a que chamam "a comunidade
internacional". Mas o projecto de repetir a tragédia líbia está a
esbarrar com a oposição, até hoje inultrapassável, da Rússia.
Insisto: compreender o funcionamento da monstruosa engrenagem
montada pelo imperialismo para anestesiar a
consciência social e criar um tipo de homem robotizado é uma exigência
no combate dos povos em defesa da liberdade, da própria continuidade da
vida.
Não exagero ao definir como tarefa revolucionária essa luta.
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