"A LUTA DE UM POVO, UM POVO EM LUTA!"

Agência de Notícias Nova Colômbia (em espanhol)

Este material pode ser reproduzido livremente, desde que citada a fonte.

A violência do Governo Colombiano não soluciona os problemas do Povo, especialmente os problemas dos camponeses.

Pelo contrário, os agrava.


domingo, 30 de setembro de 2012

SAUDAÇÃO DE DESMOND TUTU AO INICIO DO PROCESSO DE PAZ




“Queridas irmãs e irmãos colombianos,

Escrevo-lhes com imensa alegria, depois de saber que um processo de paz foi iniciado em seu pais, para desejar-lhes o melhor no emocionante caminho que se lhes apresenta à frente.

O fato de que na sua terra, que por muitos anos, tem sido golpeada pelo conflito, tenham acordado falar sobre um compromisso de paz e reconciliação envia uma mensagem de esperança para o mundo inteiro. Se os colombianos podem aproximar-se entre si e conciliar suas diferenças, também o podem fazer os membros da nossa família que vivem em Israel e Palestina, na Síria e Líbia, no Tibet e  China, em Burna, no Zimbábue e na África do Sul

Há muitos paralelos entre o conflito colombiano e nossa experiência na África do Sul. Em 1948, quando o período da Violência tomou conta de um país, se introduzia o Apartheid no outro. E mesmo que o apartheid acrescentava um enorme fator racial ao conflito, na essência, as duas lutas confrontaram os que tinham o poder e recursos e os que não. Em ambos países, milhares de cidadãos foram deslocados à força. Os dois países se converteriam em sinônimo de divisão violenta e foram rechaçados no mundo.  

“Há mais repressão da liberdade individual aqui do que em qualquer outro país que estivemos; a polícia patrulha as ruas com seus rifles e pede documentos a toda hora... O ambiente é tenso e parece que se está gestando uma revolução. O campo está submerso numa luta aberta e o exército não tem capacidade para reprimi-la”. Esta poderia ter sido uma descrição do apartheid na África do Sul, mas, de fato, é um extrato do diário de “Ché” Guevara sobre a sua visita à Colômbia em julho de 1952.

A violência gera violência e esta, por sua vez, gera mais violência; e tanto os sulafricanos como os colombianos tem pago um preço terrível, não só fisicamente como também em suas almas e corações feridos.

O que temos aprendido e continuamos a aprender na África do Sul é que, em muitos aspectos, fazer a paz é mais difícil do que fazer a guerra. Reconciliar-se com os antigos inimigos é muito duro. Ser magnânimo, apesar das lembranças amargas, é extremamente difícil. O perdão não pode se dar por feito; tem que ser ganho. Mas, frequentemente, o oferecemos, generosa e abertamente, a quem não o merece. Sarar feridas não é algo que ocorra de forma instantânea; pode ser um processo longo e sinuoso. E para que este seja exitoso é necessário que todos os indivíduos sejam melhores pessoas, para ver o mundo não somente do nosso ponto de vista mas também desde o do outro.

A nossa experiência na África do Sul nos ensinou que, sem importar de que lado do conflito se estava, chegava um momento em que devíamos nos arriscar em deixar nossas diferenças de lado, para criar oportunidades em que pudéssemos nos sarar. Os primeiros passos foram falar e escutar; falar uns com os outros ao invés de falar com outro, e escutar-nos.

Na Colômbia, tanto para aqueles que apóiam grupos paramilitares de direita como os que apóiam os guerrilheiros de esquerda, aos grandes donos de terras e os que foram deslocados para as cidades, inclusive aqueles que estão ou não ativamente envolvidos com os cultivos ilícitos, que abastecem o conflito, ou com sua erradicação, chega o momento de reconhecer ao outro pelo que no fundo somos todos: membros de uma família, a família humana, a família de Deus.  

Na África do Sul, quando os lideres dos diferentes partidos que estiveram em guerra se sentaram a falar, literalmente não podíamos acreditar no que estava ocorrendo diante dos nossos olhos. Ali haviam antigos inimigos declarados! Ontem, eles queriam causar danos físicos; hoje estão falando com irmãos e irmãs!

Que nós tivéssemos conseguido a democracia fala do fato de que não podemos permanecer isolados uns dos outros. Na África do Sul chamamos esse tipo de confiança no outro de ‘Ubuntu’ (filosofia africana baseada nas relações entre as pessoas): meu destino está relacionado com o teu. Somos quem somos através do outro. Eu não posso ser sem ti.

Convidamos os representantes de todas as agremiações políticas para participar do nosso projeto nacional. Tivemos a primeira eleição democrática da nossa história. Depois, os representantes desses partidos que foram eleitos democraticamente sentaram-se para escrever uma constituição e uma declaração de direitos. Trabalharam por um propósito comum, com vistas à meta comum de construir uma nação na que todos os cidadãos tivessem as mesmas oportunidades de prosperar.

Percebemos que não podíamos esconder a nossa dor embaixo do tapete e se criou um mecanismo para incentivar os perpetuadores da violência a procurar um perdão legal (anistia da perseguição), sempre e quando suas ações tivessem uma motivação política e que estivessem dispostos a contar a verdade.

Chamamos este mecanismo de Comissão para a Verdade e Reconciliação, instituição e processo que tive a honra de liderar. Apreendemos sobre a especial relação entre verdade e perdão, quão importante é, para as vitimas e perpetuadores, contar e escutar suas historias e que estas sejam reconhecidas pelos outros.

Sempre chega o momento para reconhecer o nosso papel no conflito quando há dificuldades no processo, de deixar de culpar os outros e de endireitar as coisas para o benefício das nossas crianças, do nosso país e do nosso mundo compartilhado, que é o nosso lar

Parabéns Colômbia. Que Deus abençoe o caminho que esta pela frente.


Com amor,
ARZOBISPO EMÉRITO DESMOND TUTU
Cidade do Cabo

O ‘pai’ da Nação do arco-íris, DESMOND TUTU nasceu na África do Sul em 1931. No fim dos anos 60, depois de ser ordenado padre, começou a denunciar a situação precária em que vivia a população negra com o ‘apartheid’. Liderou a Comissão para a Verdade e Reconciliação em seu país e, em 1984, recebeu o Premio Nobel da Paz. A ele se atribui a criação do apelativo ‘nação do arco-íris’ para falar da África do Sul como um país de diversidades.