"A LUTA DE UM POVO, UM POVO EM LUTA!"

Agência de Notícias Nova Colômbia (em espanhol)

Este material pode ser reproduzido livremente, desde que citada a fonte.

A violência do Governo Colombiano não soluciona os problemas do Povo, especialmente os problemas dos camponeses.

Pelo contrário, os agrava.


sexta-feira, 27 de junho de 2008

"... O fim das FARC..."


Rios de tinta, resmas de papel, milhões de bits, milhares de palavras, foram gastas, impressas, gravadas e lançadas ao ar, através dos diferentes meios de informação, por conta das recentes mortes, em circunstâncias e com poucos dias de diferença, dos camaradas Manuel, Raúl e Iván, os três, membros do Secretariado do Estado Maior Central das FARC-EP.

O denominador comum da imensa maioria –para não dizer a totalidade- de tudo que foi dito e escrito pode-se resumir em uma frase que já parece senso comum: “...o fim das FARC...” e os importantes analistas se apóiam, para apontar os argumentos, em todo tipo de racionamentos: Que as FARC estão desmanteladas, que com a morte de Marulanda desaparece o mito fundacional (?), que a nomeação do novo Comandante em Chefe desatou uma luta interna, se seria Cano, se seria Jojoy; que as deserções, que chega uma geração de comunistas ortodoxos, seguida por uma de narcos puros; que perderam o apoio de Chávez, por conta da marcha do 4fev., por conta da do 6mar.; que porque agora os guerrilheiros vestem moleton e não se camuflam; que porque perderam o controle territorial, que porque há muito perderam o norte ideológico, que porque é inverno, que porque é verão; que porque patatí, patatá...
Ignorantes!

Ou melhor, ignorantes uns poucos, oportunista e mal intencionados os demais.

A verdade é que alguém que possui um pouco de cultura política e tenha mínimos conhecimentos acerca da história recente do nosso país, não se atreveria a dizer besteiras como essas, a menos que tenha, como está claro, algum interesse ideológico, político ou econômico. Que existem muitos; mercenários ideológicos dedicados à tarefa de desinformar em troca de uns quantos milhões mensais.

Se nos ocupássemos –como exercício de aquecimento mental- em comparar os argumentos dos desinformadores de profissão, com os apresentados, por exemplo, em seguida à morte do camarada Jacobo, em agosto de 1990; ou meses mais tarde, quando teve o ataque à Casa Verde, acampamento sede do Secretariado, ordenado pelo então presidente, Cesar Gaviria, veremos que são os mesmos argumentos, com os quais prognosticaram nosso desaparecimento, mas além disso; coisa curiosa, são os mesmos personagens e os mesmos meios de desinformação. Por acaso não foi um tal Rafael Pardo, então Ministro da Defesa, quem diagnosticou nosso desaparecimento em 18 meses? Se esqueceram, por acaso, de todos aqueles que nos chamaram de dinossauros, para convidar-nos seguidamente a abandonar nossos princípios e ideais, diante do fracasso do modelo socialista europeu? E assim, poderíamos nos extender ao longo de todos esses 44 anos de confrontação, citando exemplos concretos; mas para bom entendedor, meia palavra basta.

Para vossa desgraça, senhores agoreiros de então e de agora, para vossa desgraça, senhores desinformadores de sempre, sempiternos servos do regime, para vosso desdém, devemos dizê-los: mais uma vez, vocês erraram.

Mais uma vez, estão equivocados, para a sorte do povo colombiano. Para a sorte do povo colombiano, aqui tem FARC, e muito.

Nem derrotadas, nem desmoralizadas, nem desmanteladas. Uma organização político-militar como as FARC, produto histórico do grave conflito social e armado que afeta nosso país; uma organização político militar fundamentada ideologicamente em uma teoria científica, como é o marxismo-leninismo, inspiradas no projeto político do Libertador – hoje novamente a galope pelos Andes sulamericanos, convocando a unidade de seus filhos-; uma organização político-militar, com uma proposta política para a formação de um governo patriótico, pluralista e democrático, que se ponha à frente da solução dos problemas mais urgentes que demanda o atual momento histórico que a Colômbia vive, começando pela solução política do conflito; uma organização político-militar forjada nos campos da guerra de guerrilhas mais longa e prolongada que jamais teve que enfrentar povo algum, para conquistar sua independência; uma organização político-militar com uma raiz popular tão profunda como as FARC-EP, não será derrotada, por uma razão muito simples: As causas econômicas, políticas e sociais que a deram origem, e a nutrem, não foram resolvidas, pelo contrário, cada vez foram se agravando mais, como conseqüência do caráter violento e a leviandade da oligarquia colombiana. Se não acreditam, analizem o que aconteceu nessas quatro décadas com a propriedade da terra. Para mencionar apenas um elemento.

Senhores, oráculos do regime, talvez, em algo estejamos de acordo. Aqui, algo cheira mal, também chega a nós o fedor de um corpo em decomposição, algo que apodrece e ameaça desaparecer. Quem sabe seja o regime virulento, o regime de terror e morte instaurado pela oligarquia pro imperialista e mafiosa que vocês encarnam e defendem?


http://www.frentean.co.nu/


quinta-feira, 26 de junho de 2008

Entrevista com Piedad Cordoba



“Eu não estou privilegiando a guerra. Eu sou uma democrata, jamais empunhei um fuzil. Mas não posso continuar fazendo o jogo de uma direita e um stablishment desse país que quer que o mundo acredite que o problema da Colômbia são as FARC. E isso não é correto. As FARC, o ELN e os paramilitares são conseqüência de um modelo de desenvolvimento injusto, excludente”.



por Jorge Ramos Avalos/El Nuevo Herald


Não foi fácil localizá-la. Durante meses a estive perseguindo para entrevistá-la. Em Miami. Em Washington. Em Caracas. Nada. Até que um belo dia a encontramos em sua casa, em Bogotá, e foi ali, via satélite, que finalmente pude conversar com a senadora Piedad Córdoba. É, sem dúvida, uma das figuras mais controversas da Colômbia e, como pude comprovar, nunca foge de uma briga.

Comecei perguntando-a sobre sua denúncia de que o governo do presidente colombiano, Álvaro Uribe Vélez, tinha um fundo para resgatar, à força, a ex-candidata presidencial Ingrid Betancourt e outros seqüestrados. De onde tirou tal informação? “Eu soube por um informante desmobilizado”, me disse. “E é uma informação muito séria de que o presidente vem buscando a possibilidade de oferecer 100 milhões de dólares a qualquer pessoa do secretariado (das Forças Armadas Revolucionárias da Colômbia, FARC), ou muito próxima do secretariado, que lhes forneça informações exatas, as coordenadas exatas, onde poderiam encontrar Ingrid Betancourt e resgatá-la em uma operação militar similar à que fizeram quando invadiram o território equatoriano”. Ela acredita que uma operação dessa seriedade seria muito perigoso e poderia culminar com a morte dos seqüestrados.

Piedad Córdoba está convencida de que tanto o comandante guerrilheiro Raúl Reyes como o líder das FARC Manuel Marulanda, Tirofijo, que morreram recentemente, tinham “boa vontade e a intenção de (liberar) os reféns por parte das FARC”. De fato, ao falar sobre Marulanda, a senadora me disse textualmente que “necessitamos de pessoas como ele, que podiam fazer a paz, para que Colômbia possa sair de todo esse poço profundo no qual está”.

Apesar do anterior, a senadora me disse estar “totalmente segura de que as ações da guerrilha são responsáveis por mortes e seqüestros”. E logo matizou. “Eu não estou privilegiando a guerra. Eu sou uma democrata, jamais empunhei um fuzil. Mas não posso continuar fazendo o jogo de uma direita e um stablishment desse país que quer que o mundo acredite que o problema da Colômbia são as FARC. E isso não é correto. As FARC, o ELN e os paramilitares são conseqüência de um modelo de desenvolvimento injusto, excludente”.

Córdoba reconhece que as FARC seqüestram –“todo mundo sabe”- e que “aquele que seqüestra, não somente pode ser classificado como terrorista [mas também] é um violador do direito internacional humanitário”. No entanto, ela resiste em qualificar as FARC como “terroristas”. “Nunca vai escutar isso de mim”, me disse, “porque meu objetivo não é simplesmente dizer coisas que agradem a uns e outros pra ficar bem. Olhe, eu penso que o conflito colombiano é muito complexo, leva 60 anos... Isso não significa que eu esteja do lado das FARC ou que esteja contra o governo”.

A senadora acredita que com o novo líder das FARC, Alfonso Cano, e “com a ajuda e a cooperação internacional, pode-se conseguir reabrir o acordo humanitário e os contatos para a liberação [dos seqüestrados]”. Mas para ela, o principal obstáculo para isso é o próprio presidente Álvaro Uribe, cujo governo descreveu como o de um “regime mafioso”.

“Eu não me arriscaria a falar de um processo de paz com o presidente da república”, me assegurou, “porque acredito que ele prefere a saída militar, a saída da guerra, e não acredito que na agenda do presidente esteja um processo de paz”. Logo me disse que 6.5 por cento do produto interno bruto está “dirigido para a guerra” e que ela acredita que a única saída é “política e negociada”.

A senadora Córdoba, junto com o presidente da Venezuela, Hugo Chávez, ajudaram na libertação, há alguns meses, de vários seqüestrados em poder da guerrilha. Para ela, Chávez é “um homem generoso, um homem socialista, que privilegia a paz e que luta, ainda por cima, para que muitos homens e mulheres não morram de fome”.

Ela rechaça a recente afirmação do subsecretário de Estado estadunidense, John Negroponte, que assegurou que “não existem dúvidas que revolucionários das FARC se refugiam na Venezuela”. “Eu não acredito nisso”, me disse, “eu acredito que isso é parte de uma estratégia bem desenhada, não somente por parte do próprio governo colombiano, mas também com a ajuda e cooperação do Departamento de Estado estadunidense”. Tampouco dá credibilidade às informações faladas no computadores do assassinado líder guerrilheiro Raúl Reyes. “Eu cada vez acredito menos... e quando ouço o fiscal geral da nação dizer que eu mandei 900 correios [eletrônicos, a Raúl Reyes], isso para mim é prova suficiente de que isso é uma armação, uma mentira”.

Córdoba, que foi seqüestrada por paramilitares, se reconhece como uma mulher “absolutamente controvertida” e ameaçada de morte. Quem quer te matar?- a perguntei. “Eu penso que o stablishment”, respondeu. “Um setor muito importante do poder estabelecido desse país não quer matar somente a mim; quer matar todos que pensem diferente. [Mas] não nos deixaremos amedrontar pelas acusações. Não nos assusta que nos chamem de terroristas, que nos chamem de guerrilheiros ou guerrilheiras, e que nos submetam permanentemente ao escárnio público.”

Ela sabe que pelo “desgaste que sofri politicamente” não pode aspirar a presidência da Colômbia. Ainda que pareça mais importante para ela trabalhar pelo “processo de paz”.
Terminei a entrevista, que foi filmada originalmente para a televisão, perguntando-a sobre os turbantes que usa. O que escondem? “Uma cabeça cheia de idéias”, me respondeu com um sorriso, para logo explicar que o turbante, para ela, “significa meu orgulho total por pertencer à afrodescendência da América Latina e Colômbia”. Afinal, tive que reconhecer que a senadora respondeu todas e cada uma de minhas perguntas e que acreditei no que ela disse. “A luta continua”, concluiu.


quinta-feira, 12 de junho de 2008

As guerrilhas não são uma moda, são uma resposta à repressão e ao fechamento político

por Pedro Echeverría V. [*]

1. Incrível! Será que Hugo Chávez entrou num estado de desespero ou alguém imitou a sua voz para que os meios de informação do mundo, ao serviço do império ianque, divulgassem jubilosamente as suas declarações ? Obviamente, as FARC e as demais guerrilhas do mundo não vão fazer caso desse apelo formulado, aparentemente, domingo passado às guerrilhas colombianas para que libertem, "em troca de nada", reféns em poder dos rebeldes. Além disso, disse que "a guerra de guerrilhas passou à história... e vocês nas FARC devem saber uma coisa: que se converteram numa desculpa do império (o governo dos Estados Unidos), para ameaçar-nos a todos nós". Chávez recebeu o aplauso dos governos que estão ao serviço os EUA e, mais ainda, agora exigem que cumpra sua palavra. O passo seguinte dos cães do império será agora exigir-lhe que extermine os terroristas, os lutadores radicais e os rebeldes.

2. Hugo Chávez sabe perfeitamente que os ianques não necessitam de desculpa alguma para ameaçar. O governo dos EUA ameaça e submete a quem lhe dê na gana. Bush dividiu o mundo em aliados e terroristas. Invadiu o Afeganistão porque, segundo disse, ali se ocultava Bin Laden. Depois invadiu o Iraque com o argumento de que escondia um grande armamento, mas os enviados da ONU informaram que este nunca existiu. Chávez sabe que os EUA não precisam qualquer pretexto porque há vários anos seleccionaram os países que fazem parte, segundo seus critérios, do "Eixo do mal" e iniciaram uma série de agressões contra eles e seus vizinhos. Quando os EUA decidem dar um passo, pretextos não lhe faltam. Durante décadas, de modo permanente, disse que suas repetidas intervenções armadas eram para apoiar os interesses dos seus cidadãos e salvar seus investimentos. Chávez sabe-o melhor do que ninguém, por isso parece-me estranha a sua posição e até tive dúvidas que fosse dele.

3. Que corrente de esquerda pode negar ou regatear o enorme papel que Chávez desempenhou nos últimos oito anos na Venezuela e na América Latina frente ao saqueador e assassino governo Bush? Mais ainda, foi considerado o aluno com mais peso e, ao mesmo tempo, o herdeiro das lutas anti-imperialistas de Fidel Castro no continente. O que se passou então na cabeça de Chávez ou na dos seus conselheiros ao pensar que as condições políticas venezuelanas são idênticas às do México, Haiti, Guatemala, El Salvador ou Colômbia? No México, quando se dá esse tipo de mudanças intempestivas ou que não nos damos conta, perguntamos: O que fumaste? Ou advertimos: "estás a urinar fora do bacio". Chávez sabe muito bem que as guerrilhas e outras formas de luta como os movimentos de massas, as greves gerais, os piquetes bloqueando avenidas e praças, bem como outras mais batalhas dos explorados, não podem estar fora de tempo.

4. Os empresários e governos, em todo o mundo, desejariam controlar absolutamente tudo: monopolizar a economia, a política, a propriedade, a cultura. Assim o fizeram durante séculos apesar das débeis oposições e protestos. Contudo, essa classe social dominante teve de dar passos atrás, fazer concessões e por em prática reformas agrárias, laborais, eleitorais, só devido à pressão das lutas dos trabalhadores. Hoje talvez nuns 20 por cento dos países, sobretudo na Europa, por lutas que duraram séculos, a burguesia teve que ser "inteligente" para respeitar as lutas legais da oposição. Mas nos outros 80 por cento dos países a repressão contra os trabalhadores foi aberta e brutal. Inclusive em países como o México, onde os processos eleitorais foram implantados em 1824, 70 por cento da população continua a viver na pobreza e na miséria. Basta apenas esse dado para demonstrar até que grau a população é exploradas e oprimida.

5. A guerrilha na América Latina não pode sair de moda porque as condições económicas e políticas do continente, prejudiciais à maioria da população, continuam em vigor. Registaram-se enormes mudanças nas cidades, a tecnologia cresceu sem paralelo, os automóveis multiplicaram-se nas cidades e 80 por cento da população tem pelo menos uma televisão, mas para os explorados e oprimidos, para os milhões de desempregados e marginalizados de sempre, parece que não passaram os séculos. Para aproveitar e dar continuidade a este estado de coisas a burguesia submeteu com grande sanha o mais mínimo protesto ou oposição. Se Chávez não houvesse utilizado a força, ou certo grau de força, na Venezuela estariam a governar os partidos burgueses tradicionais, os meios de informação continuariam a idiotizar a população e os ianques continuariam a saquear os recursos naturais. Talvez o próprio Chávez estaria a ser defraudado no aspecto eleitoral.

6. O que fariam as FARC frente a um governo abertamente assassino, como o de Álvaro Uribe (apoiado pelo governo Bush) que se refreia um pouco em bombardear acampamentos pela existência de presos trocáveis? Esquece-se por acaso que muitos desses presos actuaram contra o povo e foram uma moeda necessária de troca com os heróicos presos guerrilheiros detidos pelo governo? É compreensível o desespero de Chávez e a pressão que sofre da parte dos familiares desses presos, mas a guerrilha surgiu há 44 anos para lutar pelos interesses dos explorados e dos mais pobres e é ela que tem de decidir o que fazer. Chávez não pode usar o seu prestígio, a sua grande autoridade, para pedir o desaparecimento da guerrilha. Certamente na Venezuela, na Bolívia e no Equador não é necessária a guerrilha porque os pobres, os explorados, agora estão a experimentar um novo governo que lhes deu espaços para encaminhar as suas petições e as suas lutas, mas não no México, na Guatemala e demais.

7. Fidel Castro assumiu o poder em Cuba em Janeiro de 1959 depois de encabeçar uma guerrilha e com ela tornar possível o triunfo da Revolução contra o ditador Batista. Depois Castro, como presidente, apoiou mais de cinco movimentos guerrilheiros que lutavam contra governos pro-norteamericanos no continente. Não foram apoios materiais porque Cuba carecia de meios para concedê-los, mas Fidel nunca deixou de analisar nos seus longos discursos a pobreza e o desespero dos povos perante um império ianque associados às burguesias nacionais de cada país. Hugo Chávez não assumiu o poder pela via guerrilheira e sim pelo processo eleitoral; mas teve de enfrentar a violência com o apoio do exército quando se rebelou contra o governo Carlos Andrés Pérez e quando, em 2002, foi "derrubado" por 48 horas. Os explorados nunca foram violentos por gosto, utilizaram a violência para defender-se da classe dominante que nunca os deixou viver em paz.

8. No México os movimentos guerrilheiros estiveram presentes em toda a sua história. Durante o colonialismo espanhol a guerrilha indígena foi permanente. A própria luta de Independência iniciou-se como um levantamento que logo se tornou uma resistência guerrilheira. As invasões ianques e europeias do México no século XIX sofreram os permanentes fustigamentos de guerrilheiros heróicos. Durante o Porfiriato e a Revolução os guerrilheiros, talvez mais que os exércitos formais, desempenharam um papel importantíssimo. O que foram as guerrilhas mexicanas de Ciudad Madera (Chihuahua), de Jenaro Vázquez e Lucio Cabañas do estado de Guerrero, as guerrilhas urbanas de princípios dos 70 e por que são actuais as guerrilhas hoje encabeçadas pelo EPR? Cada guerrilha responde a condições concretas: injustiças, miséria, fechamento, repressão, desespero, perseguição, ameaças. Ninguém poderá exterminar as guerrilhas se não se transformam as relações sociais. Chávez sabe-lo, por isso não creio no que ouvi.

[*] Analista mexicano.

O original encontra-se em http://www.resumenlatinoamericano.org/

Este artigo encontra-se em http://resistir.info/ .

quarta-feira, 4 de junho de 2008

Homenagem a Manuel Marulanda - por James Petras


Escrito por James Petras
02-Jun-2008


Pedro Antonio Marín Marín, mais conhecido como Manuel Marulanda Vélez e "Tirofijo", era o líder máximo das Forças Armadas Revolucionárias da Colômbia (FARC). Foi, sem dúvida alguma, o maior campesino revolucionário da história do continente americano. Durante sessenta anos organizou movimentos campesinos e comunidades rurais e, quando todas as vias democráticas legais se lhe fecharam de forma brutal, criou o exército guerrilheiro mais poderoso da América Latina e as milícias clandestinas que o sustentavam. Em sua época de maior apogeu, entre 1999 e 2005, as FARC contavam com quase 20.000 combatentes, várias centenas de milhares de campesinos ativistas e centenas de unidades de milícias comunais e urbanas.

Inclusive hoje, apesar do deslocamento forçado de três milhões de campesinos como resultado das políticas de terra arrasada e os massacres do governo, as FARC têm entre 10.000 a 15.000 guerrilheiros em suas numerosas frentes, distribuídas por todo o país.

O que faz tão importantes as conquistas de Marulanda são suas habilidades organizativas, sua agudeza estratégica e suas intransigentes posições programáticas, baseadas no apoio às exigências populares. Mais que qualquer outro líder guerrilheiro, Marulanda tinha uma compenetração sem par com os pobres das zonas campesinas, os sem-terra, os cultivadores pobres e os refugiados rurais durante três gerações.

Após começar, em 1964, com dúzias de campesinos que haviam fugido de povoados devastados por uma ofensiva militar dirigida pelos EUA, Marulanda construiu metodicamente um exército guerrilheiro revolucionário sem contribuições econômicas ou materiais estrangeiras. Mais que qualquer outro líder guerrilheiro, Marulanda foi um grande mestre político rural. Os extraordinários dotes organizativos de Marulanda se foram refinando através de sua íntima vinculação com o campesinato. Como havia crescido numa família de campesinos pobres, viveu entre eles cultivando e organizando-os: falava sua mesma linguagem, se ocupava de suas necessidades diárias mais básicas e de suas esperanças de futuro. De maneira conceitual, porém também através da experiência cotidiana, Marulanda realizou uma série de operações políticas e militares estratégicas baseadas em seu brilhante conhecimento do terreno geográfico e humano.

Desde 1964 até sua morte, Marulanda derrotou ou escapou de, ao menos, sete importantes ofensivas militares financiadas com mais de sete bilhões de dólares de ajuda militar americana, que incluía milhares de "boinas verdes", corpos especiais, mercenários, mais de 250.000 militares colombianos e 35.000 paramilitares integrados em esquadrões da morte.

Diferentemente de Cuba ou Nicarágua, Marulanda construiu uma base massiva organizada e treinou uma direção, em grande parte, rural; declarou abertamente seu programa socialista e nunca recebeu apoio político ou material dos denominados "capitalistas progressistas". Ao contrário dos corruptos e ambiciosos gângsteres de Batista e Somoza, que saqueavam e se retiravam sob pressão, o exército da Colômbia era um formidável aparato repressor, altamente treinado e disciplinado, reforçado, ademais, por homicidas esquadrões da morte.

Distintamente de outros famosos guerrilheiros "de pôsteres", Marulanda foi um autêntico desconhecido entre os elegantes editores esquerdistas de Londres, os nostálgicos sessenta-e-oitistas parisienses e os socialistas eruditos de Nova Iorque. Marulanda passou seu tempo exclusivamente na "Colômbia profunda"; preferia conversar e ensinar aos campesinos e inteirar-se de suas queixas a conceder entrevistas a jornalistas ocidentais ávidos de aventura. Em lugar de escrever manifestos grandiloqüentes e adotar poses fotogênicas, preferia a pedagogia popular dos deserdados, estável e pouco romântica, porém sumamente eficaz.

Marulanda viajou desde vales praticamente inacessíveis a cordilheiras, desde selvas a planícies, sempre organizando, lutando, recrutando e treinando novos líderes. Evitou apresentar-se nos "foros de debate do mundo" ou seguir a rota dos turistas esquerdistas internacionais. Nunca visitou uma capital estrangeira e contam que jamais pôs os pés em Bogotá, a capital da nação. Porém, tinha um amplo e profundo conhecimento das exigências dos afro-colombianos costenhos; dos indo-colombianos das montanhas e da selva; dos desejos de terra de milhões de campesinos deslocados; dos nomes e endereços dos terra-tenentes maltratadores que brutalizavam e violavam os campesinos e seus familiares.

Durante as décadas dos 60, 70 e 80, numerosos movimentos guerrilheiros se levantaram em armas, lutaram com maior ou menor capacidade e logo desapareceram assassinados, derrotados (alguns, inclusive, se converteram em colaboradores) ou se integraram nas partilhas e repartilhas eleitorais. Pouco numerosos, lutavam em nome de inexistentes "exércitos populares"; a maioria era de intelectuais, mais familiarizados com os discursos europeus que com a micro história, a cultura popular e as lendas dos povos aos quais tratavam de organizar. Foram isolados, cercados e arrasados; deixaram, talvez, uma herança bem divulgada de sacrifício exemplar, porém não mudaram nada sobre o terreno.

Pelo contrário, Marulanda encaixou os melhores golpes dos presidentes contra-insurgentes de Washington e Bogotá e se os devolveu em 100%. Por cada povo arrasado, Marulanda recrutou dúzias de campesinos lutadores, enfurecidos e desamparados e os treinou com suma paciência para que fossem quadros e comandantes. Mais que qualquer exército guerrilheiro, as FARC chegaram a ser um exército de todo o povo: um terço dos comandantes eram mulheres, mais de setenta por cento eram campesinos, se bem que se associaram intelectuais e profissionais, que foram treinados por quadros do movimento.

Marulanda foi um homem venerado por seu estilo de vida excepcionalmente simples: compartilhou a chuva torrencial sob cobertas de plástico. Milhões de campesinos o respeitavam profundamente, porém nunca praticou o culto à personalidade: era demasiado irreverente e modesto, preferia delegar as tarefas importantes a uma direção coletiva, com muita autonomia regional e flexibilidade tática. Aceitou um amplo leque de opiniões sobre táticas, inclusive se discrepava profundamente delas. Em princípios dos 80, muitos quadros e líderes decidiram testar a via eleitoral, firmaram um "acordo de paz" com o presidente colombiano, criaram um partido – a União Patriótica – e fizeram eleger a numerosos prefeitos e deputados. Inclusive, obtiveram numerosos votos nas eleições presidenciais.

Marulanda não se opôs publicamente ao acordo, porém não abandonou as armas nem "baixou desde as montanhas às cidades". Muito mais lúcido que os profissionais e os sindicalistas que se postulavam nas eleições, Marulanda compreendia o caráter extremamente autoritário e brutal da oligarquia e seus políticos. Sabia que os governantes da Colômbia não aceitariam nunca uma reforma agrária justa só porque uns "poucos campesinos analfabetos os derrotassem nas urnas". Em 1987, mais de 5.000 membros da União Patriótica haviam sido assassinados pelos esquadrões da morte da oligarquia, entre eles três candidatos à presidência, uma dúzia de congressistas e mulheres e prefeitos e vereadores. Os sobreviventes fugiram para a selva, se reincorporaram à luta armada ou marcharam para o exílio.

Marulanda era um mestre na hora de romper os cercos e evitar as campanhas de aniquilação, sobretudo as que elaboraram os melhores e mais brilhantes estrategistas do centro de contra-insurgência dos Corpos Especiais do US Fort Bragg e da Escola das Américas. Em fins dos 90, as FARC haviam ampliado seu controle a mais da metade do país, bloqueavam autopistas e atacavam bases militares situadas a apenas 65 quilômetros da capital. Muito debilitado, o então presidente Pastrana terminou por aceitar negociações sérias de paz, nas quais as FARC exigiram uma zona desmilitarizada e um programa que incluía mudanças estruturais básicas no Estado, na economia e na sociedade.

Ao contrário das guerrilhas centro-americanas, que trocaram as armas por cargos eleitorais, antes de depor as suas Marulanda insistiu na redistribuição da terra, no desmantelamento dos esquadrões da morte, na destituição dos generais colombianos implicados nos massacres, numa economia mista baseada em boa medida na nacionalização dos setores econômicos estratégicos e no financiamento em grande escala dos campesinos para o desenvolvimento de colheitas alternativas à coca.

Em Washington, o presidente Clinton assistia histérico àquele espetáculo e se opôs às negociações de paz, em especial ao programa de reformas, assim como aos debates públicos abertos e aos foros de debate organizados pelas FARC na zona desmilitarizada, aos quais assistia numerosamente a sociedade civil colombiana. A aceitação, por parte de Marulanda, do debate democrático, a desmilitarização e as mudanças estruturais desmascaram a mentira dos social-democratas ocidentais e latino-americanos e dos universitários de centro-esquerda que o acusaram de "militarista". Washington tratou de repetir o processo de paz centro-americano enganando os chefes das FARC com a promessa de cargos eleitorais e privilégios em troca de que vendessem aos campesinos e aos colombianos pobres. Ao mesmo tempo, Clinton, com o apoio dos dois partidos do Congresso, fez aprovar um projeto de lei de apropriação de dois bilhões de dólares para financiar o maior e mais sangrento programa de contra-insurgência desde a guerra da Indochina, denominado "Plano Colômbia". O presidente Pastrana deu por terminado, de forma abrupta, o processo de paz e enviou soldados à zona desmilitarizada para que capturassem a cúpula das FARC. Porém, quando estes chegaram, Marulanda e seus companheiros já se haviam ido dali.

Desde 2002 até agora, as FARC têm alternado os ataques ofensivos e as retiradas defensivas, em especial desde finais de 2006. Com um financiamento sem precedentes e um apoio tecnológico ultramoderno dos EUA, o novo presidente Álvaro Uribe – sócio de narcotraficantes e organizador de esquadrões da morte – adotou uma política de terra arrasada para enfurecer-se com o campo colombiano. Entre sua eleição em 2002 e sua reeleição em 2006, mais de 15.000 campesinos, sindicalistas, trabalhadores de direitos humanos, jornalistas e outros críticos foram assassinados. Regiões inteiras do campo foram esvaziadas: da mesma maneira que na Operação Fênix americana no Vietnã, se contaminou a terra de cultivo com herbicidas tóxicos. Mais de 250.000 soldados e seus amigos paramilitares dos esquadrões da morte dizimaram amplas zonas do campo colombiano controladas pelas FARC. Helicópteros proporcionados por Washington bombardearam a selva em missões de busca e destruição (que não tinham nada a ver com a produção de coca ou com o envio de cocaína aos EUA). Ao destruir toda a oposição popular e as organizações campesinas e ao deslocar milhões de colombianos, Uribe logrou empurrar as FARC para regiões mais remotas. Assim como havia feito no passado, Marulanda assumiu uma estratégia de retirada tática defensiva, abandonando território para proteger a capacidade de luta dos guerrilheiros no futuro.

Diferentemente de outros movimentos guerrilheiros, as FARC não receberam nenhum apoio material do exterior: Fidel Castro repudiou publicamente a luta armada e buscou laços diplomáticos e comerciais com governos de centro-esquerda, inclusive melhores relações com o brutal Uribe. Depois de 2001, a Casa Branca de Bush rotulou as FARC de "organização terrorista", pressionando Equador e Venezuela para que restringissem os movimentos fronteiriços das FARC em busca de abastecimentos. A "centro-direita" da Colômbia se dividiu entre os que prestavam um "apoio crítico" à guerra total de Uribe contra as FARC e os que protestavam infrutiferamente contra a repressão.

É difícil imaginar que um movimento guerrilheiro possa sobreviver frente a um financiamento tão massivo da contra-insurgência, um quarto de milhão de soldados armados pelo império, milhões de deslocados de suas terras e um presidente psicopata vinculado diretamente com uma cadeia de 35.000 membros de esquadrões da morte. No entanto, sereno e resoluto, Marulanda dirigiu a retirada tática; a idéia de negociar uma capitulação nunca lhe passou pela cabeça, nem a ele nem à cúpula das FARC.

As FARC não têm fronteira contígua com um país que as apóie, como o Vietnã com a China; tampouco gozam, como o Vietnã, do fornecimento de armas da URSS e do apoio massivo internacional dos grupos ocidentais de solidariedade, como os sandinistas.

Vivemos numa época em que apoiar aos movimentos campesinos de libertação nacional não está "na moda"; em que reconhecer que o gênio de líderes campesinos revolucionários que constroem e mantêm a autêntica massa dos exércitos populares é tabu nos pretensiosos, loquazes e impotentes Foros Sociais Mundiais, cujo "mundo" exclui regularmente aos campesinos militantes e para os quais "social" significa o constante intercâmbio de mensagens eletrônicas entre fundações financiadas por ONGs.

É neste ambiente tão pouco promissor frente às pírricas vitórias dos presidentes de EUA e Colômbia onde podemos apreciar o gênio político e a integridade pessoal de Manuel Marulanda, o maior campesino revolucionário da América Latina. Sua morte não gerará cartazes ou camisetas para estudantes universitários de classe média, porém viverá eternamente nos corações e nas mentes de milhões de campesinos da Colômbia.

Recordar-se-á dele sempre como "Tirofijo", um ser de legenda ao qual mataram uma dúzia de vezes e, apesar disso, regressou aos povos para compartilhar com os campesinos suas vidas simples. Tirofijo foi o único líder que era realmente "um deles", que durante meio século enfrentou o aparato militar e mercenário ianque e nunca foi capturado ou derrotado.

Desafiou-os a todos em suas mansões, seus palácios presidenciais, suas bases militares, suas câmaras de tortura e suas burguesas salas de redação. Morreu de morte natural, depois de sessenta anos de luta, nos braços de seus queridos companheiros campesinos.

Tirofijo presente!

Publicado no Rebelión.

James Petras é sociólogo, nasceu em Boston a 17 de janeiro de 1937, de pais gregos, originários da Ilha de Lesbos. Publicou mais de sessenta livros de economia política e, no terreno da ficção, quatro coleções de contos.

Não temos tempo para o luto

Não temos tempo para o luto
(os yanquis querem carregar consigo ao abismo
todos os povos rebeldes ao seu caduco imperialismo)
e te prestamos homenagem em plena luta.
Comandante guerrilheiro Marulanda, em teu nome juramos:

Jamais o temor do inimigo usurpador
dominará nossa bravura combatente.
Viva a guerrilheira insolência!

O sacrifício de cada guerrilheiro libertador
formará com rebeldia milhares de jovens valentes!
Viva a comunista permanência!

Comandante Marulanda, camarada fariano,
não temos tempo para o luto
(os yanquis perderam o rumo e estão em queda livre
mas tentam agarrar nossos pés antes de tocar o timbre)
e te prestamos homenagem no ringue da luta.
Juramos seguir no último combate do povo sofredor
contra o moribundo império terrorista decadente.
Viva a proletária resistência!

Em cada novo militante se forjará um historiador
e dos heróis de carne ficará aceso o fogo ardente!
Viva a popular reminiscência!

Comunista Marulanda, comandante insurgente,
não temos tempo para o luto
(os yanquis estão se afogando com tanto bélico sangue
e querem transformar todo mundo neste pantanoso mangue)
e te prestamos homenagem avançando na luta.

Sentimos ainda mais viva a esperança e superamos a dor;
com a moral guerrilheira te sentimos sempre presente.
Viva a heróica transcendência!

Desde Marquetalia surge semeando ao povo o amor
e persiste pelas décadas como a armada insurgente.
Viva as FARC em vigência!

Camarada Manuel, guerrilheiro bolivariano,
não temos tempo para o luto
(os morcegos yanquis não podem suportar o sol nascente
e insistem em provocar, entre povos irmãos, uma guerra latente)
e te prestamos homenagem alertas à luta:

Comandante Manuel Marulanda Vélez,

morrer pelo povo é viver para sempre!

Otávio Dutra – 27.05.08
Juventude Avançando

As guerrilheiras das FARC - por Miguel Urbano


Fala-se e escreve-se muito dos guerrilheiros das Forças Armadas Revolucionárias da Colômbia – quase sempre para os caluniar – e pouco das guerrilheiras. A maioria dos europeus ignora que milhares de mulheres combatem nas 60 frentes em que as FARC lutam naquele país. Conheci muitas em 2001, nas semanas vividas num acampamento amazônico da organização revolucionária. Como transmitir no breve espaço de uma crônica o que em mim ficou do contato com essas guerreiras de novo tipo?

Encontrei ali moças tão diferentes que seria redutor o esforço para esboçar o choque emocional provocado pelo descobrimento das combatentes das FARC. De comum entre elas apenas a coragem, a capacidade de adaptação a condições de vida duríssimas e uma confiança total na justiça da luta das FARC e na vitória final, sem data.

No meu acampamento somente uma não tinha companheiro. Apenas Eliana ultrapassara os 40. A maioria não atingira os 25 anos. A ética da guerrilha impunha normas que eram respeitadas. Se dois namorados pretendiam estabelecer uma relação amorosa informavam o comandante. A infidelidade não era tolerada pelo código da guerrilha. A pareja era autorizada a dormir na mesma caleta, o estrado-cama que, sob um toldo de plástico, na grande floresta fazia as vezes de casa. O regulamento proibia também que os guerrilheiros, homens ou mulheres, mantivessem relações sexuais com hóspedes das FARC.

Mas não havia moralismo. Se um casal decidia pôr termo à relação comunicava essa decisão ao comandante. O gesto consumava a separação.

As mulheres realizavam os mesmos trabalhos que os homens, desde o treino militar à abertura das latrinas. Iguais direitos, tarefas idênticas.

O cotidiano dos acampamentos não permitia a privacidade a que hoje estamos acostumados na vida diária. Na selva, infestada por transmissores de doenças perigosas, o banho diário é imprescindível à defesa da saúde. As mulheres banhavam-se no rio ao lado dos homens, numa atmosfera de camaradagem e respeito que me impressionou. As normas do pudor, tal como as conhecemos, não podiam funcionar ali. Mas nunca, nem nos olhares nem nas palavras, testemunhei atitude da qual transparecesse um comportamento machista.

Elas, tal como eles, tinham diferentes origens sociais. Algumas tinham vindo de grandes cidades, outras dos llanos ou dos vales quentes, outras ainda das terras frias da cordilheira. A origem social transparecia mais no diálogo do que no comportamento, porque raparigas de famílias camponesas haviam adquirido uma sólida formação ideológica. Para surpresa minha, quase todas eram bonitas.

Na Aula – o lugar onde à noite o coletivo da guerrilha se reunia para assistir a palestras e debater o tema com o professor convidado – tive a oportunidade de falar mais demoradamente com algumas que mal conhecia, como a Adriana e a Jenny.

Um exército de heróis

O meu trabalho exigiu contatos muito freqüentes com quatro: a Glória, a Eliana, a Yurleni e a Isabel.

Glória era a secretária sem título do comandante Raul Reyes. De origem pequeno- burguesa, adquirira uma formação marxista ampla, pouco comum. Era a responsável pelos computadores e pelas transmissões por rádio, serviços instalados num "escritório", que se diferenciava das caletas apenas pela sua maior dimensão. Enviava mensagens codificadas e decifrava as recebidas. A sua intimidade com o mundo da informática fazia de mim um aprendiz bisonho.

Era muito bonita e nem o uniforme lhe afetava a feminilidade. Foi durante as lentas viagens para El Caguan, através de uma estrada imprevisível que rompia as matas da região – ela guiava carros pesados como uma profissional -, que do seu passado soube aquilo que me contou. O suficiente para eu entrever nela uma personagem de novela que irradiava uma intensa alegria de viver.

Em Eliana encontrei uma revolucionária de outro tipo. Responsável pela intendência, ocupava-se com zelo de tudo o que se relacionava com o abastecimento do acampamento. A sua beleza não era física. De meia idade, entroncada, brusca nos movimentos, alcançara o grau de subcomandante e o seu currículo de combatente dissipava dúvidas sobre os méritos da guerrilheira. Era de poucas falas, mas ao volante de um caminhão, respondia com rapidez e segurança às perguntas que eu formulava sobre a história das FARC e a organização do acampamento.

Yurleni, a rancheira, projetava a imagem de uma jovem camponesa desinibida, faladora, com uma espontaneidade tocante. Passava o dia na cozinha preparando as refeições dos convidados. Quando apreciávamos um prato de caça ou uma especialidade colombiana, reagia tão efusivamente que até comunicava o fato ao seu papagaio palrador, empoleirado num arbusto, ao lado do galão de água no terreiro por onde deambulavam galinhas e o quati, mascote da guerrilha. Yurleni tinha um companheiro, John, e dizia ser mais feliz do que algum dia pudera imaginar. Menina, tinha uma obsessão: ser soldado. Mas acabou nas FARC quando percebeu que era mentira o que delas contavam e que a guerrilha era, essa sim, um exército de heróis, como outro não existia.

Em Isabel, a historiadora, descobri uma romântica. Foi a ideologia, absorvida na universidade, que a empurrou para as FARC. Encontrava-se no umbral de uma vida de comodidades, já com um mestrado e trabalhando numa organização internacional que lhe garantia um salário mensal de quase 2000 dólares quando....

Ela hesitava ao chegar aí e eu interrompia, tentando descer às raízes da opção que a fizera mudar de rumo. "O tempo de reflexão foi breve", respondia. "Eu sentia um nojo crescente pelo tipo de vida que se abria para mim. Não queria ser triturada pelo sistema. O apelo foi irresistível. Ajudada por amigos, vim para as FARC, que eu admirava sem as conhecer...".

Comovida admiração

Isabel mantinha longas conversas comigo. Os temas ideológicos fascinavam-na e encontrou em mim um interlocutor. Após um ano, sentia-se ainda uma iniciada. Cumpria exemplarmente todas as tarefas, verifiquei que atirava muito bem, mas a insegurança atormentava-a.

A beleza de Isabel chamava a atenção pela suavidade. Tinha uma pele muito branca, uns olhos enormes, luminosos e um corpo onde tudo parecia certo pela forma e a proporção. Do conjunto desprendia-se irrealidade.

Um dia perguntei-lhe porque, sendo tão bela, não tinha companheiro.

Levou tempo a responder. "Sabe, isso me faz sofrer, mas não pelo que possas pensar. Alguns camaradas já me perguntaram por que os recusei. Pensam que é uma atitude de classe, mas o motivo é outro. Eu tenho uma idéia muito grande do amor e ainda não encontrei alguém que me abra ao amor"...

Naturalmente Gloria, Eliana, Jenny, Adriana, Yurleni e Isabel eram nomes de guerra. Desconheço os nomes reais.

Na sede das FARC, em San Vicente del Caguan, conheci outra guerrilheira, a Nora, da qual conservo nítida na memória a lembrança de alguém que me apareceu como símbolo das mulheres das FARC.

Ela estava então na legalidade relativa da época e por isso publiquei-lhe o retrato numa reportagem. O companheiro tinha caído em combate pouco antes.

Nora atendia na recepção todos os estrangeiros que chegavam à Zona Desmilitarizada. Apareciam ali muitos jornalistas que pretendiam entrevistas com os dirigentes mais destacados das FARC, incluindo Manuel Marulanda, o legendário Tirofijo, cuja morte fora anunciada vinte vezes por sucessivos governos. Era difícil a tarefa, mas Nora resolvia os problemas mais delicados. A voz e a doçura da guerrilheira desarmavam o protesto quando os visitantes não obtinham o que pretendiam. Fundia uma suavidade tocante numa firmeza de combatente veterana.

Fechava-se quando as minhas perguntas incidiam sobre o seu mundo interior. Nunca me falou do companheiro perdido, mas a palavra tristeza subia na minha memória quando a escutava. No dia em que me despedi dei-lhe um par de botas e uma lanterna. Indispensáveis na selva, não teriam mais utilidade para mim.

"Podem ser úteis para algum camarada", comentei, quase envergonhado.

Nora abraçou-me, sem uma palavra, e o seu ‘gracias, compañero’ chegou acompanhado do único sorriso que vi esboçar naqueles dias.

Hoje, quando leio ou escuto calúnias sobre as FARC, o meu pensamento viaja para as selvas e montanhas da Colômbia. No turbilhão de imagens que então me envolve, não é sem comovida admiração que revejo as guerrilheiras que ali conheci. Aquelas mulheres aparecem-me como símbolo da confiança na transformação revolucionária da vida.


Enlace original: http://www.correiocidadania.com.br/content/view/1873/59/
Miguel Urbano Rodrigues é escritor, jornalista e membro do Partido Comunista Português.