"A LUTA DE UM POVO, UM POVO EM LUTA!"

Agência de Notícias Nova Colômbia (em espanhol)

Este material pode ser reproduzido livremente, desde que citada a fonte.

A violência do Governo Colombiano não soluciona os problemas do Povo, especialmente os problemas dos camponeses.

Pelo contrário, os agrava.


sábado, 31 de outubro de 2015

Paz, referenda e implementação dos Acordos



Por Horacio Duque Giraldo
A degradação política registrada nas recentes competições eleitorais em que, como sempre, prevaleceu a corrupção, a compra e venda de votos, o clientelismo, a manipulação midiática e com as pesquisas; e o aprofundamento da crise econômica, externa e fiscal com suas consequências na situação social de milhões de colombianos pelos ajustes, cortes e aumentos de preços que se implementarão, faz cada vez mais prioritária a firma de um acordo para deixar para trás a violência e construir a paz que permita a mobilização democrática das novas forças políticas que surjam com a implementação dos acordos de Havana.
O processo de paz para deixar para trás o conflito social e armado continua sua marcha e avança em temas importantes que o tornam irreversível.
Colômbia e sua sociedade necessitam urgentemente superar a violência para resolver muitos dos problemas que a afligem em todos os campos. Os limites de seu sistema político e no funcionamento da democracia têm muita importância por suas graves incidências na participação popular. As recentes eleições locais confirmaram novamente as deformações e os vícios do sistema eleitoral e da representação.
De novo se fez sentir a compra e venda de votos, o clientelismo, a corrupção, a manipulação com os orçamentos oficiais, as maquinações com os principais meios de comunicação e a contaminação política com as pesquisas que jogaram um papel crucial na canalização do “voto útil” para favorecer os candidatos das camarilhas oligárquicas, como no caso de Bogotá.
À esquerda de pouco serve se queixar pela enésima vez sobre a natureza oportunista e trapaceira do sistema eleitoral. Essa é uma realidade super conhecida. Igual sucede no campo econômico no qual o feudalismo e o capitalismo neoliberal continuam intactos.
Nada novo no sucedido. É tendência crônica e inveterada. Pouco se descobre nesse degradado mundo da politicagem e da corrupção eleitoral.
A lamentar, isso sim, o nefasto papel do Prefeito de Bogotá, Gustavo Petro, cujo governo de supostas bandeiras progressistas propiciou, com sua generalizada corrupção, mediocridade gestora, nepotismo e caudilhismo próprio de uma “arrogante relíquia do militarismo rojaspinillista do M19”, o retorno neoliberal de Peñalosa. Petro fez um enorme dano à esquerda colombiana com seu fracasso administrativo e mediocridade à frente da Prefeitura da Capital. Com seus chefetes que agora saem com os bolsos cheios, fruto da contratação fraudulenta e ilegal, particularmente na Secretaria de Integração Social, na de Desenvolvimento Econômico, na de Governo, no Aqueduto e no IDEPAC.
Todas as suas irregularidades terminarão sendo processadas pelo sistema judicial e disciplinar com as correspondentes sanções penais, penitenciárias e políticas.
Este negro panorama faz mais urgente agilizar o processo de diálogos de Havana e a firma de um acordo geral para iniciar a construção da paz com a presença de novas forças políticas mais honestas e comprometidas com os direitos fundamentais dos trabalhadores e campesinos. O importante, de acordo com o comandante Timoleón Jiménez, é que as guerrilhas possam adiantar seu acionar político sem a ameaça da morte e do extermínio. Por isso é de tanta transcendência erradicar o fenômeno do paramilitarismo.
Nesse sentido, a decisão de iniciar o cessar-fogo bilateral a partir do próximo 16 de dezembro é um avanço muito importante. O cessar-fogo unilateral ordenado há meses pelas FARC e a desescalada do conflito com diversos atos do governo devem encerrar com a ação que se porá em marcha no fim deste ano, uma vez se definam mecanismos de verificação e se deem as garantias correspondentes aos integrantes da insurgência revolucionária, que se prepara para suas atividades agrárias pacíficas nas zonas de influência.
Adicionalmente já se debatem outros temas da agenda que têm a ver com a referenda e a implementação dos diferentes acordos alcançados.
O governo, segundo as explicações do Doutor Humberto de La Calle, privilegia para os efeitos da referenda os mecanismos constitucionais e legais vigentes: referendo, consulta popular e plebiscito, de acordo com os procedimentos fixados na Lei de mecanismos e instituições de participação cidadã. Desde logo, como produto de um acordo com as Farc na Mesa de conversações.
As Farc mantêm sem alteração sua proposta de convocar uma Constituinte soberana e popular que deve regulamentar-se conjuntamente para que dessa maneira se legitimem os acordos e se prevejam as seguranças jurídicas necessárias.
O debate está aberto nesses termos e recentemente se apresentou através do Senador Álvaro Uribe Vélez uma ideia para convocar uma Constituinte que se ocupe somente dos temas da Agenda de Paz de Havana.
Em relação à implementação dos acordos, a administração do Presidente Santos disse que o Ato legislativo para a paz, atualmente em trâmite, criará uma Comissão legislativa especial e outorgará faculdades especiais ao Chefe de Estado para que dite as normas e leis que façam efetivos os pactos alcançados.
Este é o estado atual das negociações de paz que não deve ser afetado pelas apreciações políticas sobre os resultados eleitorais recentes, que nada de novo apresentam, e pelos fenômenos da crise econômica que a cada dia cobra maior forma e se sentirá com as medidas de austeridade e cortes que se anunciam para 2016.



sexta-feira, 30 de outubro de 2015

Os arquivos wikileaks da América Latina



Alexander Main & Dan Beeton - Jacobin - Tradução de Alejandro Garcia para o Diario Liberdade

No início deste Verão, o mundo viu a Grécia a tentar resistir a um desastroso “diktat” neoliberal e a receber uma sova dolorosa no processo. Quando o governo de esquerda grego decidiu fazer um referendo nacional sobre o programa de austeridade imposto pela “troika”, o Banco Central Europeu retaliou restringindo a liquidez dos bancos gregos. Com isso acarretou um fechamento prolongado dos bancos e submergiu a Grécia ainda mais na recessão.

Apesar dos eleitores gregos terem rejeitado em massa a austeridade, a Alemanha e o cartel de credores europeu foi capaz de subverter a democracia e obter exatamente o que queria: submissão total à sua agenda neoliberal. Na última década e meia, uma luta similar contra o neoliberalismo vem sendo travada em toda a extensão de um continente e maioritariamente fora do olhar do público. Ainda que Washington inicialmente tenha procurado anular toda a dissidência e frequentemente utilizando táticas mais violentas que as utilizadas contra a Grécia, a resistência da América Latina à agenda neoliberal tem sido parcialmente bem sucedida. É um conto épico que gradualmente vem vindo a ser conhecido graças à contínua exploração do massivo tesouro de telegramas diplomáticos dos Estados Unidos e difundidos pela WikiLeaks.

O neoliberalismo foi firmemente implantado na América Latina bem antes da Alemanha e as autoridades da zona euro terem imposto ajustes estruturais à Grécia e a outros países periféricos endividados. Através da coerção (e.g., condições anexadas a empréstimos do FMI) e endoutrinação (e.g., treinamento de “chicago boys” regionais apoiados pelos Estados Unidos), os Estados Unidos tiveram êxito, em meados dos anos 80, em difundir o evangelho da austeridade fiscal, desregulação, “mercados livres”, privatização e cortes draconianos no setor público por toda a América Latina.

O resultado foi incrivelmente parecido ao que vimos na Grécia: crescimento estagnado (quase nenhum crescimento per capita durante vinte anos de 1980-2000), aumento da pobreza, declínio do nível de vida para milhões e muitas novas oportunidades para os investidores internacionais e empresas fazendo dinheiro em pouco tempo. Começando nos finais dos anos 80, a região começou a ter convulsões e a levantar-se contra as políticas neoliberais. No início a rebelião era maioritariamente espontânea e desorganizada — como foi no caso venezuelano das revoltas do “Caracazo” no início de 1989.

Mas depois, candidatos anti-neoliberais começaram a ganhar eleições e, para choque do establishment da política externa dos EUA, um número crescente destes manteve as suas promessas de campanha e começou a implementar medidas anti-pobreza e políticas heterodoxas que reafirmavam o papel do estado na economia. De 1999 a 2008, candidatos com inclinação de esquerda ganharam eleições presidenciais em Venezuelana, Brasil, Argentina, Uruguai, Bolívia, Honduras, Equador, Nicarágua e Paraguai. Muita da história das tentativas dos governos dos EUA para conter e reverter a onda anti-neoliberal pode ser encontrada nas dezenas de milhares de telegramas diplomáticos dos EUA na região, difundidos pela WikiLeaks e datados desde os primeiros anos de George W. Bush até aos primeiros anos da administração do Presidente Obama.

Os telegramas — que analisamos no novo livro, The WikiLeaks Files: The World According to US Empire — revelam os mecanismos do dia-a-dia da política de intervenção de Washington na América Latina (e fazem do mantra do Departamento de Estado de que “os EUA não interfere na política interna de outros países” uma farsa). Apoio material e estratégico é providenciado aos grupos de oposição de direita, alguns dos quais são violentos e anti-democráticos. Os telegramas também pintam uma imagem vívida da mentalidade ideológica de Guerra Fria dos emissários mais velhos e os expõem a tentar usar medidas coercivas que fazem lembrar o recente estrangulamento aplicado à democracia grega.

De forma nada surpreendente, os principais meios de comunicação ignoraram ou falharam em grande medida em expor estas perturbadoras crônicas de agressão imperial, preferindo focalizar os relatos potencialmente embaraçosos dos diplomatas ou as ações ilegais de oficiais estrangeiros. Os poucos especialistas que deram uma análise de fundo aos telegramas afirmaram que não havia uma disparidade significativa entre a retórica oficial dos EUA e a realidade descrita nos telegramas. Nas palavras de um analista de relações internacionais dos Estados Unidos, “não obtemos uma imagem dos Estados Unidos como sendo esse todo poderoso mestre das marionetas a tentar puxar as cordas dos vários governos à volta do mundo para servir os seus interesses corporativos.” No entanto, uma leitura atenta dos telegramas desmente claramente esta afirmação.

Isto Não é Chantagem”

No final de 2005, na Bolívia, Evo Morales teve uma vitória esmagadora nas eleições presidenciais com base em uma reforma constitucional, direitos indígenas e a promessa de lutar contra a pobreza e o neoliberalismo. No dia 3 de Janeiro, apenas dois dias após a sua tomada de posse, Morales recebeu uma visita do embaixador David L. Greenlee. O embaixador foi direto ao assunto: O visto dos EUA sobre a ajuda multilateral à Bolívia dependeria do bom comportamento do governo de Morales. Podia ser uma cena do Poderoso Chefão.

[O embaixador] mostrou a importância crucial das [instituições] financeiras internacionais, das quais a Bolívia dependia para assistência, tais como o Banco Interamericano de Desenvolvimento (BID), Banco Mundial e o Fundo Monetário Internacional. “Quando pensar no BID, deve pensar nos EUA,” disse o embaixador, “isto não é chantagem, é a simples realidade.”

No entanto, Morales aferrou-se à sua agenda. Durante os dias seguintes forjou planos para regular novamente o mercado de trabalho, renacionalizar a indústria dos hidrocarbonetos e estreitar a cooperação com o arqui-inimigo de Washington, Hugo Chavez. Em resposta, Greenlee sugeriu um menu de opções para forçar Morales a curvar-se perante a vontade do seu governo. Estas incluíam; vetar empréstimos multilaterais de vários milhões de dólares, adiar os já agendados alívios multilaterais da dívida, desencorajar os fundos da Millennium Challenge Corporation (que a Bolívia nunca recebeu até hoje, apesar de ser um dos países mais pobres do hemisfério) e cortar o “apoio material” às forças de segurança bolivianas.

Infelizmente para o Departamento de Estado, em pouco tempo, ficou claro que este tipo de ameaças seriam devidamente ignoradas. Morales já tinha decidido reduzir drasticamente a dependência da Bolívia nas linhas de crédito multilaterais que requisitassem uma habilitação do Departamento do Tesouro dos Estados Unidos. Poucas semanas depois de tomar posse, Morales anunciou que a Bolívia já não estaria dependente do FMI, e deixaria o acordo de empréstimos com o Fundo expirar. Anos mais tarde, Morales, aconselharia a Grécia e outros países endividados da Europa a seguir o exemplo de Bolívia e a “libertarem-se da ordem do Fundo Monetário Internacional.”

Não conseguindo forçar Morales às suas jogadas, o Departamento de Estado começou, então, a centrar-se no fortalecimento da oposição boliviana. A região controlada pela oposição, Media Luna, começou a receber cada vez mais assistência dos Estados Unidos. Um telegrama de Abril de 2007, discute “um maior esforço da Agência dos Estados Unidos para o Desenvolvimento Internacional (USAID) para fortalecer os governos regionais como contrapeso ao governo central.”

Um relatório da USAID de 2007 mencionava que o seu Office of Transition Initiatives (OTI) tinha aprovado 101 bolsas por US$4.066.131 para ajudar os governos departamentais a operar mais estrategicamente.” Também se fez chegar fundos aos grupos indígenas que se opunham à visão de Morales para as comunidades indígenas.”

Um ano mais tarde os departamentos de Media Luna, iriam empenhar-se na rebelião contra o governo de Morales, primeiramente com um referendo sobre a autonomia, apesar destes terem sido considerados ilegais pelas autoridades judiciais; e posteriormente apoiando os protestos violentos pró-autonomia que tiveram como consequência pelo menos 20 simpatizantes do governo mortos.

Muitos acreditavam que se estava a desenvolver uma tentativa de golpe de estado. A situação apenas se acalmou com a pressão de todos os outros presidentes da América do Sul, que emitiram uma declaração conjunta de apoio ao governo constitucional do país. Mas enquanto que a América do Sul se unia em apoio a Evo, os Estados Unidos seguiam em comunicação regular com os líderes da oposição do movimento separatista, mesmo quando estes falavam em “rebentar com as condutas de gás” e usar a “violência como uma probabilidade de forçar o governo a levar a sério qualquer diálogo.”

Contrariamente à posição oficial durante os eventos de Agosto e Setembro de 2008, o Departamento de Estado, levou muito a sério a possibilidade de um golpe de estado ou assassinato do presidente boliviano, Evo Morales. Um telegrama revela planos da Embaixada dos EUA em La Paz para tal caso: “[o Emergency Action Committee] irá desenvolver, com [o US Southern Command Situational Assessment Team], um plano de resposta no caso de uma urgência repentina, i.e. um golpe de estado ou a morte do Presidente Morales,” lê-se no telegrama.

Os acontecimentos de 2008 foram o maior desafio até agora da presidência de Morales e a situação em que ele esteve mais perto de ser derrubado. As preparações para uma possível saída da presidência de Morales revelam que os Estados Unidos, pelo menos, acreditaram que a ameaça a Morales era bastante real. O fato de não ter dito nada publicamente apenas sublinha de que lado Washington se posicionava durante o conflito e qual desfecho provavelmente preferiria.

Como Funciona

Alguns dos métodos de intervenção usados na Bolívia foram emulados de outros países com governos de esquerda ou com movimentos fortes de esquerda. Por exemplo, após o regresso dos Sandinistas ao poder, em Nicarágua, no ano 2007, a embaixada dos EUA em Manágua trabalhou “a toda a velocidade” para reforçar o apoio ao partido de oposição de direita, o Alianza Liberal Nicaraguense (ALN). Em Fevereiro de 2007, a embaixada reuniu com o coordenador estratégico do ALN e explicou-lhe que os EUA “não providenciavam assistência direta a partidos políticos,” mas — de maneira a ultrapassar esta restrição — sugeriu que o ALN estivesse mais estreitamente coordenado com ONGs amigas que pudessem receber fundos dos EUA.

A líder do ALN disse que “avançaria com uma lista extensiva da lista ONGs que, de fato, apoiam os esforços do ALN” e a embaixada proporcionou-lhe “encontros com os diretores para o país do IRI [Instituto Republicano Internacional] e NDI [Instituto Internacional Democrata para os Assuntos Internacionais].” O telegrama também faz notar que a embaixada iria “dar seguimento ao incremento de angariação de fundos” para o ALN.

Telegramas como este deveriam ser de leitura obrigatória para estudantes da diplomacia dos EUA e aqueles que querem perceber como o sistema de “promoção de democracia” realmente funciona. Através do USAID, Fundação Nacional para a Democracia (NED), NDI, IRI e outras entidades para-governamentais, o governo dos EUA fornece uma ampla assistência aos movimentos políticos que apoiem os objetivos econômicos e políticos dos EUA.

Em Março de 2007, o embaixador dos EUA na Nicarágua pediu ao Departamento de Estado que providenciasse aproximadamente 65 milhões de dólares acima dos níveis de base recentes nos próximos quatro anos — ao longo das próximas eleições presidenciais de maneira a financiar o “fortalecimento dos partidos políticos, ONGs “democráticas” e “pequenas e flexíveis subvenções de decisão rápida a grupos comprometidos em desenvolver esforços críticos que defendam a democracia em Nicarágua, que façam avançar os nossos interesses e se contraponham a aqueles que se mobilizam contra nós.”

No Equador, a embaixada dos EUA opôs-se ao economista de esquerda, Rafael Correa, vencedor destacado nas eleições de 2006 e o levaram ao cargo presidencial. Dois meses antes dessas eleições, o conselheiro político da embaixada alertou Washington que “se podia esperar que Correa se juntasse ao grupo Chavez-Morales-Kirchner de líderes sul americanos nacionalistas-populistas,” e fazia notar que a embaixada tinha “avisado os nossos contatos políticos, econômicos e midiáticos da ameaça que Correa representa para o futuro de Equador e desencorajou as alianças políticas que podiam equilibrar a percepção de Correa com o radicalismo.” Imediatamente após a eleição de Correa, a embaixada enviou um telegrama ao Departamento de Estado com o seu plano de jogo:

Não mantemos ilusões de que as tentativas do Governo dos Estados Unidos possam influenciar a direção do novo governo ou do Congresso, mas esperamos maximizar a nossa influência junto com outros equatorianos e grupos que partilham os nossos pontos de vista. As propostas de reformas de Correa e atitude perante o Congresso e partidos políticos tradicionais, se não for controlada, pode prolongar o período atual de conflitos e instabilidade.

Os maiores medos da embaixada foram confirmados. Correa anunciou que fecharia a base aérea dos EUA em Manta, aumentaria os gastos sociais, e avançaria uma assembleia constituinte. Em Abril de 2007, 80 porcento de eleitores equatorianos validaram a proposta de uma assembleia constituinte e em 2008, 62 porcento aprovaram a nova constituição que consagrava uma série de princípios progressistas, incluindo a soberania alimentar, direito à habitação, saúde e emprego e controle governamental sobre o banco central (um enorme não-não à cartilha neoliberal).

No início de 2009, Correa anunciou que o Equador cumpriria parcialmente com a sua dívida externa. A embaixada estava furiosa com esta decisão e outras ações recentes, como a decisão de Correa de alinhar Equador mais estreitamente com a Aliança Bolivariana para os Povos da Nossa América (ALBA) de esquerda (que tinha sido iniciada pela Venezuela e Cuba em 2004 como contrapeso à Área de Comércio Livre das Américas (ALCA), naquela altura promovida pela administração Bush. Mas o embaixador estava também consciente de que tinha pouca influência sobre ele:

Estamos a transmitir a mensagem em privado de que as ações de Correa irão ter consequências na sua relação com a nova administração de Obama, enquanto evitamos comentários públicos que seriam contraproducentes. Não recomendamos que se termine qualquer programa do Governo dos Estados Unidos que sirvam os nossos interesses uma vez que essa opção apenas enfraqueceria os incentivos de Correa de retroceder para uma posição mais pragmática.

O incumprimento parcial teve sucesso e aforrou ao governo equatoriano aproximadamente 2 bilhões de dólares. Em 2011, Correa recomendou o mesmo tratamento para os países europeus endividados, particularmente Grécia, aconselhando-os a não cumprir os pagamentos da dívida e 'ignorar o conselho do FMI.'

As Ruas Estão Quentes

Durante a Guerra Fria, a suposta ameaça do avanço soviético e cubano serviu para justificar um sem número de intervenções para remover governos de inclinação de esquerda e apoiar regimes militares de direita. De maneira similar, os telegramas do WikiLeaks mostraram como, nos anos 2000, o espectro do “Bolivarianismo” foi usado para validar intervenções contra novos governos de esquerda anti-liberais, como o da Bolívia, representado como tendo “caído sem reservas no abraço venezuelano;” ou do Equador, visto como um “testa-de-ferro” para Chávez”

As relações com o governo de esquerda de Hugo Chávez amargaram desde o início. Chávez eleito presidente pela primeira vez em 1998, rejeitando amplamente as políticas econômicas neoliberais, desenvolveu uma relação estreita com Cuba de Fidel Castro e criticou, bem alto, o assalto da administração Bush ao Afeganistão após os ataques de 9/11 (os EUA retiraram o seu embaixador de Caracas após Chavéz ter proclamado: “Não podes lutar contra o terrorismo com terrorismo”).

Mais tarde fortaleceu o controle governamental do setor petrolífero, aumentando os valores de royalties pagos pelas empresas estrangeiras e usou as receitas do petróleo para financiar o sistema público de saúde, educação e programas alimentares para os pobres.

Em Abril de 2002, a administração Bush validou publicamente um golpe de estado, de pequena duração, que removeu Chávez do poder por quarenta e oito horas. Os documentos da Fundação Nacional para a Democracia, obtidos através da Freedom of Information Act [Lei pela Liberdade de Informação], mostraram que os EUA forneceram fundos para a “promoção da democracia” e treinamento a grupos que apoiassem o golpe de estado e que mais tarde viriam a estar envolvidos em esforços para remover Chávez através de “greves” administrativas que paralisaram a indústria petrolífera, nos finais de 2002 e mergulharam o país em recessão. Os telegramas da WikiLeaks mostram que após essas tentativas falhadas de derrubar o governo eleito venezuelano, os EUA continuaram a apoiar a oposição venezuelana através da NED e USAID.

Em um telegrama de Novembro de 2006, William Brownfield, embaixador naquela altura, explicava a estratégia de USAID/OTI para debilitar a administração de Chávez:

Em Agosto de 2004, o embaixador delineava os 5 pontos estratégicos da sua equipe para o país neste período [2004-2006] que serviriam de guia para a embaixada... o foco da estratégia é: 1) Fortalecimento das Instituições Democráticas, 2) Penetrar na Base Política de Chávez, 3) Dividir o Chavismo, 4) Proteger os negócios vitais dos EUA, e 5) Isolar Chávez internacionalmente.

Os laços apertados que existem entre a embaixada dos EUA e os vários grupos de oposição são evidentes em numerosos telegramas. Um telegrama de Brownfield relaciona a Súmate — uma ONG que teve um papel central nas campanhas de oposição — aos “nossos interesses na Venezuela.” Outros telegramas revelam que o Departamento de Estado fez pressão internacional para que se demonstrasse apoio à Súmate e encorajou apoio financeiro, político e legal dos EUA a esta organização, muito dele canalizado através da NED.

Em Agosto de 2009, a Venezuela foi atingida por protestos violentos de oposição (como tinha ocorrido um variado número de vezes sob Chávez e depois com o seu sucessor Nicolas Maduro). Um telegrama secreto de 27 de Agosto cita o contratante Development Alternatives Incorporated (DAI) referindo-se a “todas” as pessoas protestando naquele momento como “nossos beneficiários”:

[O empregado da DAI] Eduardo Fernandez disse que “as ruas estão quentes” referindo-se aos cada vez maiores protestos contra as tentativas de Chávez de consolidar o poder e que “todas estas pessoas (organizando os protestos) são nossos beneficiários.”

Os telegramas também revelam que o Departamento de Estado providenciou treinamento e apoio a um líder estudante que reconhecidamente tinha liderado multidões com a intenção de “linchar” um governador Chavista: “Durante o golpe de estado de Abril de 2002, [Nixon] Moreno participou nas manifestações no estado de Merida, liderando multidões que marcharam na capital do estado para linchar o governador Florencio Porras do MVR.”

No entanto, uns anos depois disto, outro telegrama mostra: “Moreno participou no International Visitor Program [do Departamento de Estado] em 2004.” Moreno viria mais tarde a ser procurado por tentativa de homicídio e ameaças a uma polícia, além de outras acusações. Também na linha da estratégia dos cinco pontos, como delineava Brownfield, o Departamento de Estado priorizava os seus esforços no isolamento internacional do governo venezuelano e em contrabalançar a sua influência em toda a região. Os telegramas mostram como os chefes das missões diplomáticas na região desenvolveram estratégias coordenadas para contrabalançar a “ameaça” regional.

Assim como a WikiLeaks inicialmente revelou em Dezembro de 2010, os chefes de missão para 5 países sul americanos encontraram-se no Brasil em Maio de 2007 para desenvolver uma resposta conjunta aos alegados “planos agressivos” do Presidente Chávez… de criar um movimento unificado Bolivariano por toda a América Latina.” Entre as áreas de ação que os chefes de missão havia um plano de “continuar a fortalecer laços com aqueles líderes militares na região que partilham a nossa preocupação com Chávez.” Um encontro similar dos chefes de missão dos EUA da América Central — focada na “ameaça” de “atividades políticas populistas na região” — realizou-se na embaixada dos EUA em El Salvador em Março de 2006.

Os diplomatas dos EUA fizeram grandes esforços para tentar prevenir que os governos das Caraíbas e América Central se juntassem à Petrocaribe, um acordo regional de energia de Venezuela que providencia petróleo aos seus membros em termos extremamente preferenciais. Telegramas vindos a público mostram que os oficiais norte-americanos reconheciam, de forma privada, os benefícios econômicos do acordo para os países membros, assim como mostravam preocupação que a Petrocaribe fosse aumentar a influência daVenezuela na região.

No Haiti, a embaixada trabalhou de forma estreita com grandes empresas de petróleo para tentar prevenir que o governo de René Préval se juntasse à Petrocaribe, apesar de reconhecerem que “liberaria 100 milhões de dólares por ano,” como foi reportado por Dan Coughlin e Kim Ives na Nation. Em Abril de 2006 a embaixada “telegrafou” de Porto Príncipe: “Continuaremos a pressionar [o presidente René do Haiti] Preval contra a sua adesão à PetroCaribe. O embaixador verá hoje o conselheiro chefe de Preval, Bob Manuel. Em reuniões anteriores este compreendeu as nossas preocupações e está consciente que um acordo com Chávez iria provocar problemas conosco.”

O Histórico da Esquerda

Devemos ter em conta que os telegramas do WikiLeaks não mostram vislumbres das atividades mais secretas das agências de informação dos EUA e são provavelmente apenas a ponta do icebergue no que toca às interferências políticas de Washington na região. No entanto os telegramas fornecem evidências alargadas da persistência e dos esforços determinados dos diplomatas dos EUA em intervir contra os governos de esquerda na América Latina, usando a alavancagem financeira e os múltiplos instrumentos disponíveis na caixa de ferramentas para a “promoção da democracia” — e às vezes até através de meios violentos e ilegais.

Apesar do restabelecimento das relações diplomáticas com Cuba por parte da administração Obama, não há indicações de que as políticas em relação à Venezuela e outros governos de esquerda da América Latina tenham mudado significativamente. Não há dúvida que a hostilidade da administração em relação ao governo eleito da Venezuela é inexorável. Em Junho de 2014, o Vice Presidente Joe Biden deu início à Caribbean Energy Security Initiative, visto como um “antídoto” à Petrocaribe. Em Março de 2015, Obama declarou Venezuela como “ameaça extraordinária à segurança nacional” anunciado sanções contra oficiais venezuelanos, uma atitude criticada de forma unânime por outros países na região.

Mas, apesar das agressões incessantes dos EUA, a Esquerda, em grande medida, tem prevalecido na América Latina. Com a excepção de Honduras e Paraguai, onde golpes de estado de direita derrubaram líderes eleitos, quase todos os movimentos de esquerda que chegaram ao poder nos últimos quinze anos mantêm-se ainda hoje no poder.

Principalmente como resultado destes governos, de 2002 a 2013 a taxa de pobreza da região baixou de 44% para 28% após ter, de fato, piorado nas duas décadas anteriores. Estes sucessos e vontades dos líderes de esquerda de correr riscos de maneira a se libertarem do diktat neoliberal, deve hoje ser uma fonte de inspiração para a esquerda anti-austeridade da Europa. É certo que alguns dos governos estão hoje a passar por dificuldades significativas, em parte devido à recessão econômica regional que afetou os governos de direita e de esquerda de igual maneira. Mas visto através das lentes dos telegramas, há boas razões para questionar se todas estas dificuldades são fomentadas internamente.

Por exemplo, em Equador — onde o presidente Correa está sob ataque da Direita e de alguns setores da Esquerda — os protestos contra as novas propostas de impostos progressivos envolve os mesmos homens de negócios, alinhados com a oposição, com quem os diplomatas dos EUA são vistos a definir estratégias nos telegramas.

Em Venezuela, onde um sistema de controlo monetário disfuncional gerou uma enorme inflação, protestos violentos de estudantes de direita desestabilizaram seriamente o país. As probabilidades são extremamente altas de que alguns destas pessoas que protestam tenham recebido financiamentos e/ou treinamento da USAID ou NED, que viram o seu orçamento para Venezuela aumentar 80 porcento de 2012 para 2014.

Ainda há muito mais a aprender dos telegramas da WikiLeaks. Para os capítulos América Latina e as Caraíbas” do “The WikiLeaks Files”, examinamos atentamente centenas de telegramas e fomos capazes de identificar distintos padrões de intervenção dos EUA que descrevemos em maior profundidade no livro (alguns destes já previamente reportados por outros). Outros autores do livro fizeram o mesmo para outras regiões do mundo. Mas há mais de 250,000 telegramas (quase 35,000 só da América Latina) e há sem dúvida muitos outros aspectos referenciáveis da diplomacia dos EUA na atualidade que estão à espera de ser desmascarados.

Tristemente, após a excitação inicial, na altura que os telegramas foram inicialmente divulgados, poucos jornalistas e acadêmicos têm mostrado grande interesse no assunto. Até que isto mude, não teremos uma discrição completa de como os EUA se vêem a si mesmos no mundo e como o seu braço diplomático responde aos desafios à sua hegemonia. 


PT vê 'sabotagem política' que quer difamar Lula


O país permanece, um ano após a reeleição da presidenta Dilma Rousseff, sob intensa ofensiva conservadora. As forças mais reacionárias, dentro e fora das instituições, ainda que sem coesão ou alternativa que as unifique, se empenham para sabotar e tentar derrotar o governo, se possível levando à sua derrubada através de expedientes golpistas.
Este contra-ataque do conservadorismo, embora esteja enraizado nas condições internas da disputa entre classes e projetos, espelha também a
mudança de cenário na América Latina. As correntes progressistas, que desde a virada do século acumularam importantes vitórias eleitorais nos principais países do continente, encontram-se atualmente sob fogo cerrado das elites locais e sua tradicional aliança com os centros imperialistas.

O pano de fundo do aprofundamento dos conflitos políticos e sociais está no prolongamento da crise mundial do capitalismo. As distintas burguesias locais buscam, por todas as formas, reduzir custos de produção, manter e/ou aumentar suas margens de lucro. Trata-se, nesta lógica, de impor salários menores aos trabalhadores, cortar gastos sociais dos Estados, aliviar cargas tributárias das corporações e acionistas, ampliar espaços do capital através de novas privatizações, eliminar ou mitigar direitos públicos, disputar mercados, entre outras medidas. 
Esta mesma dinâmica leva ao recrudescimento da pressão das grandes potências sobre países que se deslocam de sua órbita hegemônica ou
transitam por experiências que constituam obstáculos às políticas de recuperação capitalista marcadas tanto pelo aumento da exploração direta e indireta do trabalho quanto pela limitação da soberania nacional.

Mesmo sem que os governos dirigidos pelo PT tenham reunido condições para reformas de caráter estrutural, que alterassem o sistema de produção e apropriação da riqueza, numerosas frações das classes dominantes brasileiras se deslocaram para uma empreitada que busca recuperar o controle do Poder Executivo para as mãos de seus principais agentes políticos, liderados pelo PSDB e os monopólios da mídia.
A escalada da direita representa o desejo de retomar as rédeas do Estado para implementar, sem mediação ou concessão, um programa que
realinhe o país aos fundamentos neoliberais, anulando conquistas sociais que marcaram o processo brasileiro desde 2003. O governo liderado pela companheira Dilma é o anteparo que precisa ser removido para a consumação da política sustentada pelos setores mais retrógados.

Para além de impor seus interesses programáticos, as forças conservadoras desejam destruir a esquerda e os movimentos sociais, interditando o campo popular como alternativa de poder. Não é à toa que sua ofensiva incorpora manobras de criminalização, operando setores do aparato policial e judiciário com o objetivo de desestabilizar o governo, deslegitimar o PT e desgastar lideranças históricas como o ex-presidente Lula.
Denunciamos a campanha de perseguição política contra a esquerda, o PT e lideranças populares. Essa campanha visa eliminar da cena política
brasileira e latino americana as vozes que defendem a igualdade, a liberdade e a superação do neoliberalismo. É por isso que agora Lula é
vítima de perseguição da direita. 

A legítima mas apertada vitória progressista nas eleições presidenciais de 2014, associada à ampliação da influência dos partidos de centro e direita no parlamento, animou o conservadorismo a confiar que poderia apostar suas fichas em uma rota de sabotagem e golpismo.
A queda de popularidade do governo acabou por dificultar a manutenção da base parlamentar depois da posse, criando clima mais favorável para a atração de segmentos centristas pela oposição de direita.

A situação congressual agravou-se também pela preponderância, dentro da bancada do PMDB na Câmara dos Deputados, de sua ala mais
reacionária, capitaneada pelo deputado Eduardo Cunha. Depois de conquistada a presidência da casa, o parlamentar rapidamente pactuou
com o bloco PSDB-DEM-PPS e assumiu a liderança de uma agenda para contrarreformas, além de flertar com o impeachment presidencial.

O Diretório Nacional do Partido dos Trabalhadores, nestas circunstâncias, considera que o principal objetivo tático é derrotar a escalada golpista,
isolar a oposição de direita e recuperar as condições plenas de governabilidade. Este movimento tem mais chances de êxito se acompanhado por mudanças na política econômica que o PT vem sugerindo desde a realização do 5o.Congresso, em Salvador. Tais mudanças podem reagrupar as forças populares e democráticas ao redor de um programa de desenvolvimento sustentado pela expansão do mercado interno, pela ampliação dos investimentos estatais, pela defesa do emprego e a majoração contínua da renda dos trabalhadores.

A recuperação fiscal do Estado deve ser encaminhada, como tem reafirmado o PT, com medidas que aumentem a tributação sobre a renda,
a riqueza e a propriedade dos extratos mais abastados, ao mesmo tempo em que o governo reduza seus gastos financeiros, através do rebaixamento paulatino da taxa de juros.

Cortes nos gastos sociais ou nos investimentos públicos, posição defendida pelos porta-vozes do capital financeiro, são incapazes de enfrentar o
problema central dos cofres estatais e expressam interesses de setores rentistas em preservar margens de lucratividade, às custas de enormes
transferências de recursos fiscais para os fundos privados de capital. 

A oposição de direita, com importantes adesões ao centro conservador, busca pressionar o governo, por todos os lados, para enterrar o sistema de bem-estar social previsto na Constituição de 1988, cuja construção efetiva tem sido a principal conquista dos governos dirigidos pelo PT.
Faz parte da ofensiva conservadora, portanto, o acirramento da luta de classes, sob a forma de conflito distributivo, com o objetivo de reduzir
drasticamente as despesas sociais e preservar os ganhos financeiros, sob a lógica de que essas garantias de rentabilidade seriam alavanca primordial para atração de investimentos, eventualmente complementada com privatizações e desregulamentações, em contraposição aos estímulos prioritários para o mercado interno e o fortalecimento do papel dirigente do Estado.

O Partido dos Trabalhadores refuta abertamente estas concepções e mobilizará todas as energias, ao lado de seus aliados dentro e fora das
instituições, para impedir qualquer retrocesso aos tempos neoliberais e à agenda maldita que antecedeu o governo do presidente Lula.
O Diretório Nacional, neste sentido, considera extremamente positiva a proposta de reintrodução da CPMF, entre outras iniciativas governamentais que buscam reformar progressivamente o sistema de tributação e preservar os programas sociais estabelecidos desde 2003. Do mesmo modo, apoia a pauta de projetos apresentada pela nossa Bancada, que aponta soluções para o crescimento da arrecadação.

A direção partidária também saúda, por retomar a melhor tradição do debate econômico e colaborar para enfrentar a dominância do
pensamento conservador, o documento “Por um Brasil Justo e Democrático”, elaborado por iniciativa da Fundação Perseu Abramo e das
entidades: Brasil Debate, Fórum 21, Centro Internacional Celso Furtado, Plataforma Política Social, Le Monde Diplomatique e Rede
Desenvolvimentista. As várias contribuições ali apresentadas podem servir de referencial para a formulação de uma nova agenda de
desenvolvimento econômico sustentável, que deve presidir o conjunto das políticas macroeconômicas do país.

Neste sentido, consideramos fundamental a retomada do funcionamento pleno do Conselho de Desenvolvimento Econômico e Social da Presidência da República, que já se mostrou importante espaço de diálogo social e formulação de políticas para o crescimento econômico do país.
Nesse ambiente, é fundamental a criação de espaços de diálogos setoriais, para que trabalhadores, empresários e governo busquem o fortalecimento das cadeias produtivas, visando o crescimento do emprego, incentivando a inovação, agregando valor à produção com o aumento da qualidade e produtividade.
A afirmação deste rumo programático e a derrota do golpismo não podem se escorar apenas na atual política de alianças e nos atuais métodos de governabilidade. É fundamental construir uma governabilidade mais ampla, enraizada na sociedade. Contribui para isso, também, a intensificação das conferencias temáticas governamentais (Juventude, Mulheres, LGBT, Igualdade Racial, dentre outras), legitima aspiração de participação popular dos movimentos sociais e populares.
Por isso, o PT deve dar todo o apoio à consolidação de uma aliança orgânica dos movimentos sociais, partidos progressistas e defensores da
democracia, atualmente encarnada na Frente Brasil Popular (FBP), que possa ser a força propulsora para a renovação do bloco histórico no qual se insere o petismo e demais correntes de esquerda.

Todos os militantes do PT devem se engajar plenamente, em suas cidades e estados, locais de trabalho, estudo ou moradia, para construírem a FBP como espaço organizativo e de mobilização contra o golpismo, por mudanças na política econômica e por um programa de reformas
estruturais que permita novo ciclo de avanços para o povo brasileiro.

O Diretório Nacional igualmente conclama toda a militância petista e todos os democratas a defenderem o legado e o papel histórico do ex-presidente Lula, transformado em alvo prioritário de armações que se multiplicam em núcleos da Policia Federal, do Ministério Público e do Poder Judiciário vinculados a operações supostamente anticorrupção.
Vazamentos seletivos, prisões abusivas, investigações plenas de atropelo e denúncias baseadas em delações arrancadas a forceps e sem provas
comprobatórias, desrespeito ao devido processo legal , ao amplo direto de defesa dos acusados e prerrogativas no exercício profissional de seus
defensores, entre outros eventos, revelam a apropriação de destacamentos repressivos e judiciais por grupos subordinadas ao antipetismo, que atuam com o intuito de extinguir o Partido dos Trabalhadores e difamar o maior líder popular da história brasileira.

O Partido dos Trabalhadores, por respeito às instituições republicanas, em defesa da Constituição, e com o intuito de combater efetivamente a
corrupção, repele todos os procedimentos que ferem o devido processo legal, ofendem garantias democráticas e representam práticas de
exceção. O PT considera essas situações como abomináveis e destinadas à sabotagem política, sempre em aberto conluio com grupos monopolistas de comunicação.

Ataques ao ex-presidente Lula fazem parte da escalada contra conquistas de nosso povo e devem ser rechaçados com o máximo vigor. O combate a estas incursões de ódio, intolerância e mentira, nas ruas e nas instituições, é componente essencial da resistência ao golpismo e ao retrocesso.


Cárcere e castigo para proteger o regime


Por Milena Reyes, integrante da Delegação de Paz das FARC-EP
O sistema penitenciário é um tema que socialmente os colombianos não assumiram como uma realidade que dia a dia se alimenta de desigualdades, porque há algo que joga um papel muito importante na política estatal, a linguagem e a manipulação da consciência do indivíduo, no momento de tomar uma postura crítica e social ante este fenômeno.
Para o caso colombiano, está demonstrado que a crise social carcerária que impera no território nacional é fruto da política da segurança democrática que se encarregou de manter o controle da miséria por meio do cárcere e do castigo, para resguardar uma economia que produziria vítimas e perseguições políticas e assim gerar grandes desigualdades sociais.
Com a greve de fome que os mais de 9.500 prisioneiros políticos e de guerra promoveram dois dias antes de se comemorar o dia do prisioneiro político em Colômbia, os prisioneiros exigiam ao Estado solucionar as difíceis condições às quais estão sendo submetidos desde o momento em que pisam as masmorras projetadas para atentar contra a vida de qualquer preso, como as violações aos direitos humanos, as torturas psicológicas e físicas, a superlotação, a falta de atenção médica aos prisioneiros que se encontram em estado de saúde crítico, entre outras.
Agora, com a nova cultura penitenciária, nossos camaradas estão sendo submetidos a todo tipo de humilhações e abandono, como consequência da aplicação desses modelos copiados dos cárceres norte-americanos, com o objetivo de submeter e subjugar a moral do revolucionário. Ainda que em Colômbia não exista a pena de morte, os prisioneiros e prisioneiras morrem dentro do regime penitenciário em diferentes formas e nas piores condições.
Para as FARC-EP é pilar fundamental a situação das e dos prisioneir@s polític@s e sobretudo a situação das e dos prisioneir@s de guerra; de nossos camaradas que chegaram ao ponto de coser-se a boca como protesto, após o maltrato e o amontoamento a que são submetidos constantemente, só pelo fato de ser um guerrilheiro ou uma guerrilheira que se levantou em armas contra o regime e a desigualdade.

Recomendo este vídeo que mostra e complementa o dito nestas linhas: Vá para o link do vídeo de prisioneiros: https://goo.gl/voa6tz


quarta-feira, 28 de outubro de 2015

O obstáculo paramilitar



Por Carlos Antonio Lozada
Integrante do Secretariado do Estado-Maior das FARC-EP
Superado o impedimento com a firma do acordo sobre a criação de uma Jurisdição Especial para a Paz, aparece no horizonte da Mesa o seguinte obstáculo a ultrapassar: o paramilitarismo.
A Agenda que se discute em Havana compromete ao Governo Nacional no combate contra as organizações criminais e suas redes de apoio, a luta contra a corrupção e a impunidade e todo tipo de organização responsável por homicídios, massacres, atentados contra defensores de direitos humanos, movimentos sociais ou movimentos políticos; e de maneira expressa com o esclarecimento e desmantelamento do paramilitarismo.
Ao pensar no 23 de março de 2016 como possível data para a firma do acordo final, a pergunta lógica que ronda na cabeça dos guerrilheiros e em geral de todos aqueles colombianos golpeados e martirizados por estas estruturas criminais, que são milhões, é se nesse curto prazo o Estado está em capacidade de cumprir estes compromissos já firmados, sem o qual pensar numa paz estável e duradoura é apenas uma quimera.
Por isso é pertinente assinalar alguns elementos a levar em conta ao abordar este complicado assunto:
O primeiro tem a ver com superar o histórico negacionismo estatal frente a existência do monstro e sua paternidade em relação ao mesmo. É apenas lógico que, enquanto não se reconheça sua existência, pouco ou nada se poderá atuar contra ele.
O segundo, consequente com o primeiro, é aceitar que o dito fenômeno não se reduz aos denominados Bandos Criminais, que sem dúvida existem se entendemos por esta denominação aqueles destes grupos ligados de maneira direta com o narcotráfico; para ver mais além e reconhecer que o paramilitarismo é algo muito mais complexo e multidimensional que compreende pelo menos 3 vertentes superpostas e estreitamente inter-relacionadas no transcurso de nosso longo e histórico conflito político, social e armado.
Uma primeira dimensão do fenômeno que poderíamos chamar histórica, ligada ao latifúndio pela forma violenta que o despojo da terra adquiriu em Colômbia desde as primeiras décadas do século XX, através de bandos de ‘pássaros’ [pájaros] armados; uma segunda dimensão, de ordem ideológica, que tomou corpo em setores das Forças Armadas e do estabelecimento, bebendo da fonte norte-americana da doutrina contra insurgente de segurança nacional e do inimigo interno, na época da guerra fria; e uma terceira dimensão, ligada ao caciquismo regional, à corrupção dos poderes locais, todos os tipos de economia ilegal que se dá nos territórios e o mercenarismo através de empresas de segurança a serviço de companhias transnacionais e monopólios nacionais.
Pelo acima exposto, no nosso modo de ver, qualquer política realmente séria que busque acabar com este flagelo, ademais do combate frontal aos bandos armados, necessariamente tem que partir de uma mudança no modelo de Estado contra insurgente; o que se deve traduzir em medidas dirigidas a desarticular e desestimular o fenômeno nas três dimensões já mencionadas.
Acabar com o paramilitarismo na raiz passa por erradicá-lo das mentes das elites econômicas e políticas, que veem na continuação da guerra uma garantia para a perpetuação de seus privilégios.
Só assim poderá haver realmente garantias de não repetição e segurança plena para as forças sociais e políticas alternativas, incluídas aquelas que surjam a partir da insurgência, aos cenários da política aberta, para entrar a disputar com nossas propostas e visão de país o favor das maiorias.
Só assim se poderá tornar realidade o sonho de paz, a reconciliação e a reconstrução da Colômbia.






segunda-feira, 26 de outubro de 2015

Delegações da Irlanda do Norte e do Congresso Nacional Africano se reúnem com a Delegação de Paz das FARC


A visita de três dias está sendo organizada pela ONG, com sede em Londres, Justice for Colombia, e forma parte de uma iniciativa que lá leva três anos em brindar apoio internacional e compartilhar experiências com os Delegados do Governo da Colômbia e das FARC. O grupo inclui Ebrahim Ebrahim e Mohammed Bhabha, do CNA, e será a primeira vez que representantes do partido CNA viajam para se reunir com a Delegação de Paz das FARC. A comitiva também conta com parlamentares de diferentes partidos da Irlanda do Norte – Paul Maskey, representante pelo partido Sinn Fein; Mark Durkan, representante pelo Partido Social-Democrata e Trabalhista [SDLP]; Jeffrey Donaldson, representante pelo Partido Unionista Democrático e anterior membro do Exército Britânico; e o Reverendo Harold Good, quem verificou a deixação de armas do IRA e quem tem sido celebrado internacionalmente por seu papel no Acordo de Sexta-Feira Santa.

Mariela Kohon, Diretora de Justice for Colombia, disse:
"Sabemos da importância do apoio internacional para o processo de paz que pôs fim ao conflito na Irlanda do Norte, e por isso Justice for Colombia foi construindo iniciativas para brindar apoio moral e prático para os diálogos de paz. Centenas de milhares de pessoas perderam suas vidas nesta guerra e agora estamos mais perto que nunca de um acordo de paz. Esperamos que esta delegação e a importante experiência de seus integrantes possa continuar aproximando a Colômbia da paz.”
A visita vem depois de um giro de três dias também organizado por Justice for Colombia em que advogados britânicos e irlandeses se reuniram em Havana com membros da Comissão Jurídica assessorando a Delegação das FARC.


La Habana Cuba, 23 de outubro de 2015






quinta-feira, 22 de outubro de 2015

10 revelações sobre o programa norte-americano de assassinatos seletivos



Damien Leloup, do Le Monde

Milhares de ataques de mísseis e de mortes, em apenas meia dúzia de operações. O programa de assassinato seletivo conduzido pelos Estados Unidos no Afeganistão ou no Iêmen, como parte de sua luta contra o terrorismo é extenso – e muito sigiloso. A investigação do site The Intercept, "The Drone Papers", revela muitos aspectos desconhecidos do programa, e confirma outros já conhecidos, no momento em que a França também começa a realizar ataques direcionados na Síria, com a ajuda dos órgãos de inteligência dos EUA.
 
1) Até nove em cada dez pessoas mortas não eram alvos

A primeira constatação a partir dos documentos do exército norte-americano é a ineficiência do caráter "seletivo" dos assassinatos por drones. Em uma análise detalhada dos resultados da operação Haymaker, no norte do Afeganistão, os relatórios militares revelam que o número de "jackpots" – morte da pessoa visada por um ataque – é baixo: em fevereiro de 2013, a operação tem 35 "jackpots", e 200 "EKIA" – inimigos mortos em combate – no mesmo período.

Os militares dos EUA usam este termo para designar as pessoas mortas que eles identificam como insurgentes ou soldados inimigos não diretamente visados – para estabelecer esta classificação, o exército se baseia em suas próprias fontes, como imagens captadas, também, por drones. Contas que tende a subestimar o número de vítimas civis, diz a interceptação. Durante um período de cinco meses no Afeganistão, o site descobriu que nove em cada dez pessoas mortas não eram os alvos dos ataques.

O The Intercept também cita um estudo realizado pelo acadêmico Larry Lewis, que analisou os resultados das operações americanas no Afeganistão durante vários anos. Segundo seus cálculos, os ataques realizados por drones na região mataram muito mais civis que os bombardeios da aviação: ele conclui que os drones matam, em média, dez vezes mais civis do que os aviões norte-americanos. Uma diferença explicada em parte pela baixa qualidade das informações em que se baseiam os ataques por drones.
 
2) A ordem para matar é validada pelo presidente dos Estados Unidos

Para determinar quem pode ser alvo de um ataque de um drone, o exército dos EUA segue uma complexa cadeia de comando, com alguns aspectos não detalhados nos documentos publicados pelo Intercept.

Tudo começa com a criação de um "dossiê", chamado "Cartão de Beisebol", que estabelece o perfil da pessoa, as razões pelas quais o seu assassinato é solicitado, e que segue um processo de validação em sete etapas. Em média, leva-se dois meses para obter todas as aprovações necessárias; em seguida, começa um período de sessenta dias, durante o qual o ataque é autorizado.

Na última cena do documentário Citizen Four, sobre as revelações do informante Edward Snowden, Glenn Greenwald, fundador do Intercept, já sugeria possuir documentos secretos sobre o programa de drones americanos, transmitido a ele por outro informante. No filme, podemos vê-lo desenhar uma pirâmide em um pedaço de papel, mostrá-la a Edward Snowden e dizer: "vai até o presidente" – o diagrama que aparece rapidamente na tela se assemelhava bastante ao publicado agora pelo Intercept.
 
3) Os assassinatos são decididos, essencialmente, com base em espionagem eletrônica

Os "Cartões de Beisebol" e os dossiês compilados pelas forças americanas são, em grande parte, elaborados com base em fontes de inteligência eletrônica – programas de vigilância em massa da NSA e escutas, como explica o Intercept. Os próprios drones são utilizados para coletar grande quantidade de dados: armados ou de observação, a maioria dos drones utilizados pelos militares americanos dispõe de uma antena de retransmissão, que os permite triangular a posição de um telefone celular com grande precisão.

De acordo com uma fonte anônima citada pela reportagem, o sistema "conta com máquinas muito potentes, capazes de coletar uma quantidade incrível de dados", mas "comporta, em muitos níveis, riscos de erros de análise e de atribuição". De acordo com a mesma pessoa, "é incrível o número de casos em que um seletor (uma identificação com login e senha, por exemplo) é atribuído à pessoa errada. E só várias semanas ou meses depois você percebe que a pessoa que você está seguindo não é o seu alvo, porque você está na verdade rastreando o telefone da mãe daquela pessoa, por exemplo".
 
4) Os critérios para entrar na "lista de morte" são vagos

Oficialmente, a política dos Estados Unidos é a de atirar para matar apenas em casos em que o alvo "represente um risco contínuo e iminente para a segurança dos americanos". Os documentos publicados pelo Intercept, no entanto, mostram que apenas um critério é analisado para determinar se uma pessoa pode ou não ser incluída na lista de alvos potenciais: o fato de "representar uma ameaça para as tropas dos EUA ou para os interesses americanos".

Este critério particularmente vago tem pouco sentido em algumas regiões do mundo onde os militares dos EUA só realizam ataques direcionados por drones – no Iêmen, por exemplo, a presença dos EUA é quase inexistente. Os ataques de drones, no entanto, já mataram 490 pessoas no país, segundo dados do próprio exército.
 
5) "Capturar ou matar" tornou-se "Matar"

As campanhas direcionadas do exército americano são chamadas de "Capture/kill" – capturar ou matar. Mas, no caso de ataques de drones, "a expressão é enganadora - "Capturar" se escreve em minúsculas: nunca capturamos ninguém", reconheceu o tenente-general Michael Flynn, ex-chefe da agência de inteligência do exército.

A escolha de se concentrar em ataques letais por drones, em vez de operações de captura, de maior risco, tem implicações para o tipo de informações coletadas. Sem interrogatórios, os militares se fiam cada vez mais na inteligência eletrônica, em detrimento da inteligência humana, considerada, no entanto, essencial.
 
6) "Exploração e análise" são os primos pobres das operações

A doutrina do exército americano sobre terrorismo é resumida em uma sigla: FFFEA. Find, fix, finish, exploitation and analysis – “achar, consertar, dominar, explorar e analisar". Mas os documentos mostram que a última parte do processo é quase inexistente em ataques de drones, particularmente no Leste da África e no Iêmen.

Na maioria dos casos, depois de um ataque mortal, não há soldados no local para recuperar documentos, computadores ou telefones celulares, nem para interrogar os sobreviventes. O que leva a "becos sem saída" em matéria de inteligência.
 
7) Os ataques de drones fortalecem os adversários dos EUA

Devido à falta de precisão dos ataques e aos erros de informação que levam a atingir as pessoas "erradas", as campanhas de drones ajudam a fortalecer os adversários americanos, explica o Intercept. O site menciona o exemplo de Haji Matin, morto por um ataque em 2012: este comerciante de madeira tinha sido denunciado como militante talibã por rivais nos negócios. O exército dos EUA bombardeou sua casa, matando vários membros de sua família... e transformou-o em líder local da militância antiamericana.
 
8) O número de ataques se multiplicou no governo Obama

Antes da posse de Barack Obama, apenas um ataque de drone havia ocorrido no Iêmen, em 2002. Em 2012, houve um ataque a cada seis dias naquele país. Desde agosto de 2015, estes ataques já mataram 490 pessoas.

Um ex-funcionário dos serviços de inteligência do governo dos Estados Unidos disse que o uso de drones "foi a escolha política mais vantajosa: de baixo custo, não faz vítimas americanas. É bem recebida nos EUA, sendo impopular apenas no exterior. Os danos desta política aos interesses americanos só serão visíveis a longo prazo".
 
9) A distância e o "efeito canudo" reduzem bastante a eficácia dos drones

Apesar da tecnologia avançada, e da impressão de que podem intervir em qualquer lugar e a qualquer momento, os drones não são eficazes em todas as situações. Para conseguir identificar, rastrear e abrir fogo contra um suspeito, é preciso manter contato visual por um longo período. No entanto, em algumas áreas, especialmente no Iêmen, a longa distância que os drones precisam percorrer torna esta cobertura permanente muito difícil, pois eles muitas vezes gastam mais tempo de vôo para chegar a sua posição do que na "ação" propriamente dita.

Além disso, os operadores de drones são vítimas de um "efeito canudo" (como se estivessem avaliando o todo observando através de um canudo): o alcance das câmeras é limitado, o que leva a dificuldades para seguir os "suspeitos" e aumenta o risco de erros de identificação.

10) Para ampliar o programa de drones, o exército americano multiplicou o número de bases na África

Para reduzir as distâncias percorridas pelos drones, o comando americano discretamente aumentou o número de bases, especialmente na África. Estas bases secretas complementam o sistema criado pelo U.S. Africa Command, cuja base principal está no acampamento Lemonnier, antigo posto avançado da Legião Estrangeira da França.


Tradução de Clarisse Meireles

quarta-feira, 21 de outubro de 2015

Paz e "poder dual" na transição.


Por Horacio Duque Giraldo

Sem que seja fruto de um suposto maquiavelismo revolucionário, como o elucubra a ultra direita fascista do uribismo, na transição para a paz surge um poder dual embrionário no qual toma forma o poder das massas populares com sua potência transformadora. É um poder nascente que se desdobra em diversas esferas do campo político nacional.


1.  Considerações preliminares.
Os diálogos de paz entre o governo do Presidente Santos e as Farc; entre o Estado colombiano e a insurgência campesina revolucionária na Mesa de Havana, têm perfilado um momento fundacional da nação. Porque, queira-se ou não, as conversações para terminar a guerra e assentar as bases de uma paz estável e duradoura se convertem num divisor de águas histórico que traça uma fronteira no vir a ser da sociedade e da nação.
A potência desdobrada pelos sujeitos sociais e políticos, configurados no inexorável acontecer dos anos recentes, promoveu a configuração de novos horizontes sociais, culturais, institucionais e internacionais. A capacidade democratizadora da multidão, a força transformadora das massas populares demole as obsoletas estruturas oligárquicas de dominação e subordinação de milhões de seres humanos submetidos ao tratamento arbitrário, à exploração, à mentira, à manipulação e à humilhação.
Gradualmente, o velho estabelecimento se desmorona. Se derruba, e com ele os dispositivos de controle e prevalência das camarilhas organizadas [nacionais, internacionais, regionais, locais e setoriais] no monopólio da riqueza, das rendas, do trabalho e dos dispositivos da hegemonia dominante: aparelhos armados, meios de comunicação, sistemas de educação, regimes jurídicos, redes institucionais e infraestruturas políticas de diverso alcance.
Quem queira ler que leia. Quem tenha a lucidez para entender que entenda. Quem queira interpretar à sua maneira, que o faça, que proceda a conveniência, designando as coisas de acordo com seus interesses, egoístas ou comunais. A delirante ultra direita dirá que caminha um golpe de Estado comunista, Castro-chavista, em suas recentes palavras. Que acabarão com o Exército; que se eliminará a propriedade privada; que se fulminará a democracia liberal; que a liberdade de imprensa morrerá para implantar a verdade comunista; que a família se dissolverá etc. Enfim, qualquer quantidade de ocorrências como as que costuma repetir o caudilho de marras no plano de meter medo e não perder vigência com seu discurso de guerra e violência.
Porém, a realidade verdadeira cobra forma. Estamos numa transição do velho e esgotado domínio oligárquico para uma democracia ampliada, para uma sociedade em paz com justiça social[1]. Estamos num momento da democracia como autodeterminação das massas[2].
Estamos ante a possibilidade de construir um poder independente, paralelo, autônomo; isto é, uma dualidade de poder, encontrar um caso sui generis em que, através do próprio Estado e da conquista da estrutura constitucional superior do país, se pode consolidar e constituir um poder popular. A questão da dualidade de poderes deve ser abordada no teórico com a urgência que apresenta a proximidade no tempo ou no entrecruzamento entre o reformismo burguês santista e a mudança radical determinada pela insurgência revolucionária. Há que atuar prevendo guinadas surpreendentes, inesperadas, que, obviamente, é preciso estimular ou prevenir. Não se pode viver no vaivém dos acontecimentos e da rotina.
Colapsam os velhos poderes das rançosas elites patrimonialistas e emergem os novos poderes populares, os poderes dos movimentos sociais, os poderes da democracia avançada, ampliada, de autêntica participação, na gramática dos consensos alcançados nos diálogos de Havana.
Não se necessita de muita ciência para perceber que a oligarquia não cumprirá o pactuado em matéria agrária, política, de cultivos de uso ilícito e jurídico. Isso o temos por sabido os revolucionários. A elite irá atirando no cesto de lixo cada documento que se firme. Neles tudo isto é um simulacro; seu interesse essencial, na luta de classes substancial em curso, é subjugar, destruir o adversário. Massacrá-lo. Exterminá-lo. Impedir que avancem as conquistas populares. Seu objetivo principal é recauchutar o regime social de acumulação, reforçá-lo, oxigená-lo, relegitimá-lo. Não pouparão recursos. Nem manobra. Nem manipulação. Virão novos paramilitarismos noutras aparências e apresentações. Virão montagens judiciais e penitenciárias. Prosseguirá o jogo midiático. O Exército, como síntese exacerbada e razão última do Estado, se reorganizará para acoplá-lo às novas incumbências da geopolítica imperial: apropriação, saqueio e despojo dos recursos naturais, das matérias-primas, da riqueza amazônica, da água, do petróleo, do ouro, da força de trabalho, da riqueza social. A projetada reforma da doutrina da segurança do Exército corresponde mais a um contexto continental de reafirmação da hegemonia norte-americana, apropriação dos recursos naturais e desestabilização de governos não afins à Casa Branca, tais como Venezuela, Bolívia e Equador. Esta situação exige umas Forças Militares preparadas para combater com exércitos regulares e não com guerrilhas agrárias.
A mudança da doutrina militar que se anunciou há alguns dias pelo comandante do Exército não responde aos interesses da paz interna, e sim a uma lógica global pensada e impulsada pelos Estados Unidos.
Durante o pós-conflito os inimigos identificáveis da paz e do progresso não serão as guerrilhas comunistas mas sim os campesinos, indígenas, afrodescendentes e movimentos sociais que se mobilizarão pela defesa da terra ancestral, da água e do território, tal como passa agora no Cauca, em Cali, Sumpaz, Putumayo e La Guajira.
Para desqualificar a estes atores sociais, há que ligá-los com o discurso da ameaça “castro-chavista”, um discurso hoje mais comum que nunca devido ao conflito fronteiriço com Venezuela e a proximidade do acordo com as FARC. A suposta ideologia cubano-venezuelana serve para encontrar inimigos dentro e fora das fronteiras[3].
Avançar, aprofundar, consolidar o conquistado nos diálogos é um desafio permanente para as forças revolucionárias da mudança. Nisso não há trégua. Não se pode fazer pausa. Já quisera a elite dominante que se renunciasse, a partir de baixo, à luta pela mudança radical do sistema imperante.
Tudo se remete, enfim, às correlações de força. O que ocorreu até o momento encarna essa realidade política.
Por isso, há que determinar e construir a correlação de forças dentro da “dualidade de poderes” mediante a política de alianças entre as classes subalternas e intermediárias durante a fase de transição. Para isso é vital caracterizar: a) a quantidade de força; b) a Localização da quantidade de forças; c) o movimento da quantidade; d) a quantidade do poder efetivo que varia segundo a fase ou momento do processo de poder dual: não é uma construção acumulativa e unilinear, senão que tem retrocessos e avanços que dependem da tática e da autonomia do político.
Não exageramos se sugerimos identificar a construção de um poder dual na conjuntura. Não descobrimos nada novo sem querer insinuar que se trata de um vulgar decalque de outros processos.
Obviamente, há que entender que essa dualidade de poderes ocorre no seio de um Estado democrático burguês de alto desenvolvimento institucional num contexto econômico subdesenvolvido. Num país de desenvolvimento intermediário ou subdesenvolvimento intermediário, porém com uma grande capacidade de desenvolvimento institucional e de relações participativas em que uma burguesia emergente na década dos ’60 construiu uma grande aliança intradominante, superando conflitos internos mediante o consociacionalismo e, por conseguinte, capaz de criar estruturas de dominação muito estáveis num país que durante 60 anos não tem golpes de Estado porém, sim, uma cruenta guerra interior.
Isso para dizer que no enigma da psicologia das nações e no que se pode chamar o ‘temperamento’ dos Estados, há sempre uma causalidade decifrável, um ciclo de dados reconhecíveis e situáveis. Pois bem, para os que estudam o Estado na América Latina, aquela continuidade ou eixo autoridade-legalidade-democracia que tem se dado em Colômbia, ainda em meio a mais feroz guerra, foi sempre, pelo menos em sua aparência preliminar, uma espécie de ‘mistério dado’ da história regional.
Poder dual se apresentou na revolução inglesa do século XVII: existem ali fases de reprodução do poder dual: 1) Londres [burguesia presbiteriana v/s Oxford) [rei]; 2) Burguesia presbiteriana [fração no exército parlamentar] v/s Parlamento presbiteriano [burguesia acomodada e rica]; 3) Levellers v/s Cromwell.
Na revolução francesa de 1789. Na revolução americana do século XVIII. Na revolução europeia de 1848. Na Comuna proletária de Paris. Na revolução soviética de 1917.
Poder dual ocorreu na revolução mineira boliviana de 1952, na Assembleia popular de 1971, em La Paz. No Chile de Salvador Allende, em 1973. Se registra nos processos bolivariano e equatoriano.
O poder dual não está referido nem a um tempo determinado nem a um lugar histórico preciso definido. Se fala de “dualidade de poderes” em toda transição política, de um fenômeno peculiar de toda crise social e não próprio e exclusivo de alguma revolução passada.
A dualidade de poderes não existe necessariamente e em todos os casos; se produz somente lá onde, no momento da crise histórica, as classes básicas se veem obrigadas a aceitar uma fase de poder dual, porque não puderam impor ao ponto seu próprio poder global. É uma falácia falar por isso, em geral, do poder dual como algo que deveria existir necessariamente em certo momento; é uma falácia, além disso, falar de sua construção imprescindível, como prenúncio do poder global.
O poder dual é uma realidade política e sociológica nos processos de transformação revolucionária e mudança radical do Estado e da sociedade civil. Não obstante, há que evitar a dissolução do conceito de “dualidade de poderes”, en tanto que sobre generalización.
De todas as maneiras, todo poder dual é breve. A temporalidade ou precariedade é o caráter natural e inevitável deste fato anômalo porque a unidade é a vontade principal de todo Estado.
As perguntas que queremos formular-nos a propósito desta fenomenologia são as seguintes: Emerge, de maneira embrionária, um poder dual na atual conjuntura auspiciada com os diálogos de paz entre o Estado e a guerrilha das Farc? O campo de conflito delineado, ademais de incluir uns sujeitos em tumulto, promove a emergência e existência de novos poderes sociais, políticos e estratégicos? Se derruba e colapsa o anacrônico Estado oligárquico e sua velha maquinaria governamental?
Para responder a estas perguntas, para sugerir e propor algumas hipóteses de trabalho político recorro à reflexão e análise de René Zavaleta Mercado, o pensador marxista boliviano, que, desde sua experiência na revolução boliviana de 1952 e no governo de Salvador Allende, em inícios dos anos ’70, abordou este importante aspecto em sua obra El poder dual.[1979] Problemas de la teoría del Estado en América Latina. [4]
Como o que se pretende é a identificação de um poder dual na presente conjuntura e suas potenciais implicações, incorporo ademais a explicação de Boaventura de Sousa Santos sobre o poder e as características que apresenta nestes momentos. Sua construção teórica a respeito ocorre no debate com as teorias liberais clássicas do poder e seu enfoque institucional do mesmo e com as formulações de M. Foucault sobre o tema. De Sousa Santos nos explica este campo analítico na perspectiva da luta pela emancipação e a construção de um Estado democrático que coincide com o fim da guerra civil colombiana e a construção da paz.
Em tal sentido, há que considerar que o conhecimento da natureza e estrutura de poder é um passo muito grande para a aquisição de uma tática correta, de umas palavras de ordem adequadas ao momento.
Sugiro, adicionalmente, para tratar deste tema, recorrer a uma nova andaimaria teórica, a qual nos parece mais oportuna para abordar o contexto de transformações que se apresenta em Colômbia nos anos recentes; o que supõe ampliar, evidentemente, a visão do político e do poder a partir do conceito de “campo político” e também incorporar a noção de “campo de conflito” como o lugar em que se dirime a disputa pelo poder.
Dussel[5], a partir de uma análise teórica minuciosa dos momentos do político, suas dimensões e esferas, expõe uma aproximação ao concreto, conflitivo e crítico da realidade política e suas possibilidades de desconstrução e paralela construção de uma ordem política alternativa. Assume o conceito de campo político, próximo ao de P. Bourdieu[6], para delimitar o objeto da e do político e diferenciá-lo dos outros campos do mundo cotidiano. Daí que, para Dussel, “o campo político é o espaço de interações, cooperação, coincidências e conflitos, que remete à esfera das lutas hegemônicas pelo poder”. Acrescenta que: “Todo campo político é um âmbito atravessado por forças, por objetos singulares com vontade, e com certo poder. Essas vontades se estruturam em universos específicos [...] cada sujeito, como ator, é agente que se define em relação aos outros”.
O conceito de campo político desloca, ou melhor, amplia a análise para a sociedade civil e permite identificar a rede de relações de força ou nodos, em que cada cidadão, cada representante ou cada organização operam.
Resulta pertinente ampliar a noção de poder, que não se restringe aos espaços convencionais de gestão e ação política, senão que abarca todos os interstícios da vida social. Como sustenta Foucault[7], e aprofunda criticamente de Sousa Santos, o poder não se localiza numa instituição ou no Estado, não se possui, senão que se exerce, e se encontra disseminado nas distintas dimensões da vida social e política, em suas casas moleculares. Em todo lugar onde há poder, o poder se exerce. Ninguém é dono ou possuidor; no entanto, sabemos que se exerce em determinada direção; não sabemos quem o tem, porém sabemos, sim, quem não o tem.[8]
O certo é que a política e a luta pelo poder envolvem uma disputa sobre o conjunto de significações culturais, e o questionamento às práticas dominantes relacionadas tanto com os universos simbólicos como com a redistribuição dos recursos. Com efeito, remete à constituição de uma nova gramática social capaz de mudar as relações de gênero, de raça, de etnia e da apropriação privada dos recursos públicos, e implica uma nova forma de relação entre o Estado e a sociedade, sustenta de Sousa.
Em seu caráter potencial, o poder reside no povo [potentia]. De acordo com Dussel, através da rede de interações e nodos –recorrendo a um conceito de Manuel Castells-, é capaz de gerar um processo de tomada de consciência do poder em si e de constituir organizações para ter acesso ao controle do poder político institucional [potestas], isto é, orientar-se para a objetivação do poder. De acordo com o autor, o poder se tem ou não se tem, em nenhum caso se toma. Para uma aproximação mais perto do funcionamento da ordem política vigente, o autor recorre ao conceito de sistema, a partir do qual propõe caracterizar aos sistemas como liberais, socialistas ou de participação crescente.
Nesse marco, se situa o conceito de campo de conflito como operador metodológico[9]. Em primeiro lugar, para discernir entre os conflitos de caráter estrutural ou hegemônico que implicam situações de crise estatal e implicam a possibilidade de uma transformação das relações, daqueles corporativos ou meramente conjunturais cujo impacto e alcances são limitados, e não afetam a estrutura do poder. Em segundo lugar, o campo de conflito constitui sujeitos, em episódios de conflitividade os sujeitos se agregam, articulam, constroem discursos, podem mudar a qualidade e o alcance da ação coletiva, enquanto que, em situações históricas em que não existe conflitividade, ou esta se reduz a questões pontuais, os sujeitos coletivos tendem a inibir-se e inclusive a desaparecer. Isso permite abordar aos movimentos em sua multiplicidade e variabilidade, em seus deslocamentos entre os diversos âmbitos do sistema e do campo político; assim, sua identidade não é uma essência mas sim o resultado de “intercâmbios, negociações, decisões e conflitos entre diversos atores”, afirma Melucci.
Em todo caso, no do poder dual en ciernes, metodologicamente existe a necessidade de deslocar-se do âmbito político-institucional e situar-se no espaço das relações, articulações e trânsitos entre Estado e sociedade civil.


  1. O poder dual.
Zavaleta define o “poder dual” como a ruptura da unidade de poder natural do Estado moderno, o qual se caracteriza por essa capacidade de geração de uma estrutura de dominação, não só institucional como também social e cultural; isto é, uma estrutura de poder completa. O poder dual, por conseguinte, é uma forma de romper essa unidade de poder a partir de formas de luta que vão conformando um contrapoder ao poder da burguesia. Zavaleta destaca a concepção leninista sobre a capacidade das forças revolucionárias para construir um governo suplementar e “paralelo” ao governo formal da burguesia, dando lugar a um segundo poder.
A dualidade de poderes consiste em que o que devia ocorrer sucessivamente ocorre, no entanto, de uma maneira paralela, de um modo anormal; é a contemporaneidade qualitativa do anterior e do posterior.


A dualidade de poderes:
  • Assinala um tipo de contradição estatal ou conjuntura estatal de transição;


  • Anomalia que se apresenta no seio do poder do Estado [e, às vezes, no seio do aparelho de Estado];


  • Se produz em circunstâncias determinadas devidamente circunscritas;


  • Falamos de uma metáfora, um signo trópico; usamos a designação como símbolo de situações que são mais complexas do que o que pode caber numa frase;


  • Não é um poder dual [um único poder com duas caras, uma espécie de Jano], e sim uma dualidade de poderes: dois tipos de Estado que se desenvolvem de um modo coetâneo no interior dos mesmos elementos essenciais anteriores; sua mera unidade é uma contradição ou incompatibilidade.
O duplo poder se manifesta na existência dos dois governos: um é o governo principal, o verdadeiro, o real governo da burguesia, que tem em suas mãos todos as molas do poder; o outro, que não tem em suas mãos nenhuma mola do poder, porém que descansa diretamente no apoio das massas populares, agrárias e operárias.
O poder dual se descreve como um fato de facto e não como um fato legal.
Não é um poder dividido, mas sim dos poderes contrapostos e enfrentados [cada polo está ocupado por uma classe social, já é o poder de uma classe organizada].
Existem seis formas de Poder dual, de dualidade de poderes:
  1. Na esfera da economia.
  2. Territorial ou geográfica.
  3. Intraclasse dominante.
  4. Semifantasmal ou falsa dualidade. Serve somente como aparência para esconder uma dualidade de poderes “verdadeira”, que não pôde se expressar ainda. Porém, é algo que só se pode conhecer a posteriori; de outro modo, a encontraríamos em cada contradição aparente, como o anúncio de um duplo poder todavia inédito.
  5. Nos órgãos políticos periféricos.
  6. Nos órgãos políticos superiores (dualidade estatal propriamente dita).
Características distintivas de toda situação de dualidade de poderes são, a saber: o fato de ser uma fase transitória por definição, que supõe a emergência, no marco de um processo revolucionário, de dois poderes com vocação estatal: um de caráter principal, o outro embrionário e surgido de baixo a partir da iniciativa das massas, ambos alternativos e incompatíveis entre si, onde o que devia se produzir sucessivamente em termos temporários –revolução democrático burguesa primeiro, revolução socialista tempos depois-, acontece de uma maneira paralela/simultânea, gerando, portanto, uma dinâmica de contemporaneidade qualitativa do anterior e do posterior.


  1. Poder dual, contra hegemonia e emancipação.
Avançando nesta indagação do poder dual na transição à paz, recorremos à reflexão teórica de Boaventura de Sousa Santos sobre o fenômeno do poder para entender seu complexo emaranhado. [10]
O autor constrói uma teoria política de caráter crítico-emancipatório que propõe uma ampliação dos limites e o alcance da noção de «poder», pondo em questão a natureza do poder político público tradicionalmente privilegiado pela teoria política dominante. Este enfoque lhe permite adiantar uma radiografia que identifica os múltiplos poderes políticos em circulação e descobre as opressões estruturais entrelaçadas que se produzem nas atuais sociedades neoliberais.
Desde há algum tempo, vem identificando em seus trabalhos as bases para a elaboração de uma nova teoria política capaz de fundar, na época da globalização neoliberal e sua ressaca social e econômica mundial, um novo contrato social global mais solidário e inclusivo que o hoje em crise contrato social da modernidade ocidental.
A teoria política desenvolvida por este constitui uma opção teórico-prática contra hegemônica por dois motivos fundamentais. O primeiro, porque parte da análise crítica da realidade mundial contestando a liderança da teoria política liberal dominante; o segundo, porque apresenta caminhos alternativos para a transformação pessoal e social a partir de posições que se inscrevem no horizonte de ação política e social de inspiração socialista, que tem como centro de gravidade a busca dos valores de justiça, igualdade e solidariedade, que ele complementa com o da diversidade. Seu objetivo principal é o de criar um «novo sentido comum político» baseado na potencialização da dimensão participativa da política e na repolitização global da vida social, contra as dinâmicas despolitizadoras estimuladas pela teoria política neoliberal hegemônica.
Da teoria política contra hegemônica de De Sousa Santos se pode afirmar, em geral, que é portadora de uma constituição «genética», que se pode qualificar de crítica, emancipadora e utópica. É crítica, em primeiro lugar, porque foge das posturas passivas e conformistas que assumem –e inclusive celebram- a realidade dada e suspeita daquelas atitudes dominadas pelo fatalismo histórica, a crença conservadora e resignada segundo a qual as coisas são como são e não se pode mudar. Em lugar disso, sua teoria política crítica assume uma posição de denúncia ao examinar as condições de vida e pôr em evidência as numerosas relações de poder incrustradas na crosta das sociedades neoliberais contemporâneas, busca alternativas viáveis de pensamento e ação, e contribui para a formação de sujeitos políticos rebeldes, solidários e participativos que exigem transformações sociais estruturais em sentido progressista.
É emancipadora, em segundo lugar, porque está radicalmente comprometida com os diferentes projetos de luta contra hegemônicos embandeirados pelos distintos movimentos sociais e políticos que ao redor do mundo impulsam a posta em marcha de múltiplos processos de libertação dos grupos subordinados. A finalidade principal destes processos é a de combater e erradicar o agravamento das injustiças econômicas, políticas e sociais existentes, fomentando o melhoramento global da condição humana, e não só o de uma minoria social privilegiada e o de um reduzido grupo de países. De fato, uma das principais aspirações que contém sua teoria política contra hegemônica é a de resgatar as vozes silenciadas que resistem ou, em palavras do sociólogo, «dar voz aos que não a têm e esclarecer teoricamente muitas das causas do sofrimento humano neste mundo globalizado e injusto em que vivemos ».[11].
A teoria política crítico-emancipatória de Boaventura de Sousa Santos pode ser considerada, em terceiro lugar, uma teoria política que desempenha uma função utópica, porque restitui o valor de conceitos tão insultados pelo realismo político como «esperança», «imaginação utópica», «mudança» ou «futuro aberto», entre outros, e está fundada em anseios de uma mudança de rumo que contêm uma dupla dimensão: a crítico-descritiva, ao desafiar a ordem de coisas existente e a propositivo-transgressora, que se concretiza na apresentação de alternativas críveis que funcionam como horizonte mobilizador da ação coletiva e individual. Para o filósofo alemão Ernst Bloch, o teórico contemporâneo mais importante da esperança, o fenômeno utópico é uma característica constitutiva do pensamento humano que remete, em todo tempo e condição, à construção de outro mundo possível mais justo e decente. No pensamento filosófico de Bloch, a utopia, em seu significado positivo, está relacionada com categorias como «o novo», o que «ainda não» é, «sonho diurno» e «consciência antecipadora», entre outras, que adquirem um papel relevante na sociologia crítica de Boaventura de Sousa Santos. Tal e como a define formalmente, por «utopia», o pensador português entende: a exploração, através da imaginação, de novas possibilidades humanas e novas formas de vontade, e a oposição da imaginação à necessidade do que existe, só porque existe, em nome de algo radicalmente melhor pelo que vale a pena lutar e ao que a humanidade tem direito. Agora, bem, em rigor terminológico, a sua particular forma de entender a utopia, Santos a chama de heteretopia, noção cunhada originalmente pelo filósofo francês Michel Foucault. Com este conceito, que etimologicamente significa «outro lugar», Santos se refere à descentralização, dentro de um mesmo lugar, dos projetos e das práticas emancipadoras.
A originalidade do conceito está no rechaço da ideia de um lugar único considerado a sede por excelência da emancipação social, senão que põe o acento numa concepção múltipla e plural da utopia. Segundo esta visão, no presente existem experiências concretas –algumas plenamente disponíveis, outras tão somente em estado latente- que têm possibilidades reais de se desenvolver na direção de uma sociedade melhor. Porém, estas experiências se encontram socialmente descentradas, localizadas no centro, ainda que também nas margens da sociedade. Convém matizar, a fim de evitar erros de interpretação, que a teoria política contra hegemônica de Santos não defende, na linguagem de Bloch, uma «utopia abstrata», a qual está carregada de tons idealistas e se entrega a uma ilusão atemporal e ilusória situada mais além do porvir histórico. Pelo contrário, de Sousa Santos advoga pelo que Bloch chama utopia concreta, a qual não se refere a um sonho impossível nem irrealizável, senão que está relacionada com o provável ou, melhor dizendo, com a busca «do real-possível». A utopia concreta de Santos se refere, pois, a direções, caminhos e tendências alternativas que são empiricamente realizáveis, porém que ainda estão amadurecendo, de modo que remetem a um futuro aberto pelo qual vale a pena lutar.
Os eixos sobre os quais se articula a teoria política contra hegemônica de Boaventura de Sousa Santos podem se dividir em cinco, que se sintetizam do seguinte modo. O primeiro é a elaboração de um marco analítico amplo que examina de maneira crítica as diferentes e entrecruzadas relações de poder que se dão nas sociedades do centro, da periferia e da semiperiferia do sistema mundial capitalista.
O segundo é a proposta de reconfigurar a capacidade reguladora do Estado no contexto da globalização neoliberal. Esta ideia implica o restabelecimento do debilitado poder regulador do Estado em matéria econômica e social mediante diferentes linhas de ação, como a recuperação da função redistributiva da riqueza e dos recursos públicos, assim como a transformação teórico-prática do Estado num «novíssimo movimento social», explicação segundo a qual o Estado é concebido como uma organização política híbrida formada por um conjunto heterogêneo de fluxos, redes, movimentos e organizações em que interacionam atores e interesses estatais e não estatais, tanto em escala local como global, dos quais o Estado é o elemento coordenador.
O terceiro eixo temático é o desenvolvimento de uma concepção substantiva e contra hegemônica da democracia. Esta adquire a forma de uma democracia radical ou de alta intensidade como complemento enriquecedor –e democratizador- da democracia representativa liberal, pela qual toma opção a teoria política hegemônica. O objetivo principal da democracia radical apresentada por Santos é o de converter as relações de poder em relações de autoridade compartilhada.
O quarto eixo de análise aponta para a crítica das concepções etnocêntricas dos direitos humanos e sua reconstrução num projeto intercultural e cosmopolita subalterno através do diálogo horizontal de culturas.
Em quinto e último lugar, a transformação da universidade numa instituição acadêmica e social de caráter intercultural e inclusiva, regida pelo conhecimento como fator de emancipação e promotora ativa da democracia epistêmica e da justiça cognitiva. Todos estes eixos da teoria política de Santos desembocam, por sua vez, num objetivo comum: a reinvenção no século XXI do danificado valor da emancipação social.


  1. A teoria liberal clássica do poder e o enfoque de Foucault.
Para elaborar sua análise do poder, Boaventura de Sousa Santos entra em diálogo e discussão com duas grandes concepções sobre o poder e a política provenientes de orientações epistêmicas e ideológicas diferentes: a teoria política liberal clássica e o pensamento político de Foucault.
Uma cartografia crítica do poder.
As considerações de Boaventura de Sousa Santos sobre a mecânica e as formas de poder existentes nas sociedades capitalistas contemporâneas lhe levam a construir uma teoria política contra hegemônica que inclui uma nova cartografia do poder político e de seus modos de produção. Esta análise estrutural do poder tem um duplo objetivo: o primeiro, na linha de Foucault, consiste em revelar e criticar as ocultações que produzem os discursos políticos [neo]liberais dominantes sobre o político; o segundo é o de amplificar os conceitos de «poder político» e «direito» mais além dos reduzidos limites que a teoria política liberal clássica estabelece. A análise cartográfica dos poderes políticos que circulam nas sociedades capitalistas contemporâneas permite a Santos identificar distintos sistemas de opressão e elaborar, como proposta alternativa, um mapa da emancipação social fundado em processos de democratização radical.
Mais que do poder, em abstrato, como se fosse uma substância externa, transcendente e autônoma, Santos fala habitualmente, adotando uma perspectiva contextual e relacional, de relações intersubjetivas e intergrupais de poder.
A partir de uma perspectiva geral, Santos define o conceito de «poder» como «qualquer relação social regulada por um intercâmbio desigual». Estes intercâmbios desiguais englobam de maneira virtual todas aquelas condições –bens materiais, recursos, oportunidades, símbolos, valores, entre outras- que afetam, e inclusive determinam, nossa vida pessoal e social. As relações de poder, segundo a definição anterior, constituem processos de intercâmbio desigual entre indivíduos ou grupos sociais; são, em outros termos, conjuntos de relações sociais entre sujeitos iguais na teoria porém desiguais na prática.
Sob a influência do pensamento de Foucault, Santos distingue duas dimensões distintas do poder. Por um lado, o exercício do poder cósmico, aquele centrado no Estado, hierarquicamente organizado e que tem uns limites formais estabelecidos por relações burocráticas e institucionalizadas. Em termos comparativos, se corresponde com o poder estatal teorizado por Foucault. Pelo outro, e em contraposição, está o poder caósmico, o poder descentralizado e informal que não tem uma localização específica, emerge de intercâmbios sociais desiguais, se exerce desde vários microcentros de poder de maneira caótica e não tem uns limites predefinidos. É outra maneira de se referir ao poder disciplinar foucaultiano.
A cartografia estrutural que Santos desenvolve tem como foco prioritário de atenção analisar as formas de desigualdade social que produzem as relações de poder. A ideia chave sobre a qual se sustenta a análise é que as relações de poder não existem nem ocorrem de maneira isolada, senão que se produzem em sequência ou cadeias, de maneira que o poder atua através de complexas redes políticas e sociais. É o que Santos chama constelações de poder, definidas como «conjuntos de relações entre pessoas e entre grupos sociais». Tendo em conta a definição anterior do poder oferecida por Santos, convém advertir-se de que as constelações de poder não se baseiam na solidariedade, na cooperação ou no reconhecimento mútuo entre as pessoas, senão que constituem relações sociais assimétricas nas quais uma das partes tem a capacidade para tratar as necessidades e interesses da outra de maneira desigual. Em seu funcionamento, as constelações de poderes combinam componentes cósmicos com uma pluralidade de componentes caósmicos.
Santos tenta encontrar uma via de análise que não reproduza as deficiências da teoria liberal do poder nem as da concepção foucaultiana. A respeito da primeira, critica o que denomina a «ortodoxia conceitual» da teoria política liberal: a ideia segundo a qual o Estado, em comparação com a vida espontânea e pré- política própria do estado de natureza, guiada pela conservação dos direitos naturais individuais e a satisfação dos interesses privados, é uma construção artificial. É, com efeito, a explicação que legitima a dicotomia entre o público e o privado, núcleo duro da ortodoxia conceitual liberal. Dela formam parte outras importantes dicotomias e ideias, como a cisão entre o coletivo e o individual, a tensão entre o direito natural e o direito positivo, a que se estabelece entre a lei e o contrato, a despolitização da sociedade civil, o confinamento da democracia ao âmbito público, a redução dos poderes políticos ao poder político liberal e a do direito ao direito legal estatal.
Com relação à análise foucaltiana do poder, Santos apresenta duas críticas. A primeira se refere à visão extremamente fragmentária e homogeneizante que Foucault tem do poder disciplinar. Para Santos, o poder caósmico-disciplinar não é tão disperso nem carente de centro como acreditava Foucault. Se, como afirmava o filósofo, o poder impregna todos os lados, na realidade não está em nenhuma parte, daí a necessidade de estabelecer um princípio de estruturação e hierarquização que sirva como instrumento de diferenciação interna do poder disciplinar, porque nem todos os poderes sociais são iguais, nem são idênticas suas lógicas de ação: o poder caósmico não se exerce da mesma maneira na fábrica, na família ou na escola. A conceituação de Foucault não distingue, portanto, as condições específicas de cada um dos poderes sociais em circulação. A segunda crítica está relacionada com a concepção monolítica e pura que Foucault tinha do poder jurídico. O erro de Foucault, na opinião de Santos, está em identificar equivocadamente o jurídico com o estatal, já que em multidão de sociedades se pode encontrar corpos normativos não reconhecidos formalmente pelo Estado, como a legalidade indígena ou a lei gitana, ordens jurídicas em competição com a lei oficial estatal. Para Santos, o poder jurídico não é um corpo isolado e impermeável, mas sim flexível e heterogêneo que estende vínculos estáveis com outros tipos de poder social. Sustenta, de fato, que uma das características fundamentais da modernidade ocidental é o chamado isoformismo estrutural entre o direito e a ciência: a ideia segundo a qual a ordem social tem que ser o reflexo da ordem científica, premissa que levou o direito a converter-se numa espécie de alter ego da ciência moderna. Se trata de fazer ver a inter-relação que há entre o poder jurídico e o poder disciplinar, aspecto que a análise de Foucault tinha descuidado. Critica, ademais, que na teoria foucaultiana do poder é possível encontrar uma certa desvalorização do poder jurídico estatal, reduzido a uma forma mais de poder entre a multiplicidade de poderes sociais, quando, segundo Santos, o Estado continua tendo uma posição central na configuração das relações de poder.
O marco analítico que Boaventura de Sousa Santos constitui trata de cartografar aquelas relações sociais estruturais de poder que geram injustiça e desigualdade. Este mapa, cuja lente de enfoque abarca as sociedades capitalistas que formam parte do sistema mundial, não adotar uma perspectiva nortecêntrica de análise, no sentido de prestar atenção às dinâmicas globais que afetam não só aos países do centro do sistema capitalista mundial como também, e especialmente, as margens do sistema mundial, nos quais se encontram os países periféricos e semiperiféricos.


5. Seis espaços/tempo do poder.
Fazendo uso de uma metáfora espaço-temporal, Santos distingue seis espaços-tempo estruturais. Internamente, cada um dos espaços-tempo estruturais está constituído por seis elementos que determinam seu sentido e alcance: o primeiro é uma unidade de prática ou agência social, a dimensão ativa do espaço-tempo que organiza a ação coletiva e individual a partir de um critério principal de identidade; o segundo se refere a uma forma institucional privilegiada, que se encarrega de criar pautas, estruturas, modelos e procedimentos de normalização, assim como de organizar as relações sociais em sequências rotineiras até conseguir que os modelos estabelecidos se naturalizem e formem parte do sentido comum; o terceiro, o forma uma dinâmica de desenvolvimento, que é o princípio de racionalidade que imprime a orientação da ação social e define o pertencimento das relações sociais a um ou outro espaço estrutural; o quarto elemento concerne a um mecanismo de poder, relativo a formas de intercâmbio desigual entre indivíduos ou grupos. As diferentes formas de intercâmbio desigual originam diferentes formas de poder e, ainda que cada uma delas possua um lugar de ação privilegiado, podem estar presentes em todos os espaços-tempo. O quinto elemento é uma forma de direito, referente aos marcos legais e normativos que contribuem para a prevenção e solução de conflitos; a sexta e última dimensão dos espaços-tempo das sociedades neoliberais é uma forma de conhecimento que inclui estilos específicos de lógicas e aspectos retóricos e argumentativos.
Cada um dos ditos espaços constitui uma constelação de relações de poder que [re]produzem intercâmbios desiguais. Estes espaços-tempo estruturais integram as formas de sociabilidade e hábitos relacionais hegemônicos na vida cotidiana, daí seu caráter estrutural, pois desempenham o papel de núcleos configuradores da ordem social e política imperante nas atuais sociedades capitalistas do sistema mundial, condicionando o tipo de relações de família, trabalho, consumo e vizinhança, entre outras. Ainda que entre os espaços-tempo se estabelecem articulações mútuas, cada um deles tem uma lógica própria e apresenta um funcionamento autônomo. Assim, para Santos, as sociedades neoliberais podem ser definidas como séries de constelações políticas formadas por seis modos específicos de produção de poder. Além disso, as sociedades neoliberais também são conjuntos de constelações jurídicas e de constelações epistemológicas.
Vejamos o exame das constelações políticas e dos seis modos básicos de produção de poder, ficando pendente o estudo dos modos de produção de direito e dos modos de produção de conhecimento.
O primeiro dos espaços-tempo estruturais que conformam o modelo de análise da organização das sociedades neoliberais proposto por Santos é o espaço doméstico, que se pode definir como o conjunto de relações sociais que se dão entre os membros da família: entre os cônjuges, entre estes e seus filhos e entre os próprios filhos, principalmente. O objetivo destas relações é o produzir e recriar o âmbito do doméstico e do parentesco: a divisão sexual do trabalho, a gestão dos bens e das responsabilidades familiares, entre outros aspectos. Neste espaço-tempo, as relações entre sujeitos se organizam em torno do patriarcado, a forma de poder dominante. É o sistema de controle e dominação dos machos sobre a reprodução social, as mulheres enquanto sujeitos individuais e coletivos. A dominação patriarcal, no entanto, baseada na autoridade masculina, não se circunscreve ao espaço doméstico, senão que se estende e invade o resto de espaços por meio de instituições econômicas, políticas, midiáticas, legais, culturais, religiosas e militares que desqualificam, discriminam ou excluem as diferentes maneiras de significar, conhecer e sentir das mulheres. A unidade de prática social característica deste espaço é a diferença sexual e geracional.
As instituições privilegiadas são o matrimônio e a família —entenda-se a família nuclear, formada por cônjuges de sexo diferente com filhos legítimos—. O princípio de racionalidade operativo é a maximização da afetividade. A forma de conhecimento própria é o familismo ou cultura familiar. Por último, a forma hegemônica de direito é o direito doméstico.
Em segundo lugar, se encontra o espaço da produção, no qual se desenvolvem relações sociais em torno de valores econômicos de mudança derivados de processos produtivos. As relações que se dão neste espaço-tempo são de dois tipos: relações de produção —relações capital-trabalho— e relações na produção —relações trabalho-trabalho—. O modo de poder próprio é a exploração, entendida no sentido que lhe atribuía Marx, isto é, como o intercâmbio desigual de trabalho humano por um salário que está abaixo de seu valor real. À exploração humana há que acrescentar a exploração da natureza, concebida pelo capitalismo como res extensa cartesiana: matéria passiva, inerte, quantitativa, desprovida de dignidade alguma, que pode ser manipulada e explorada ao bel-prazer [do depredador].
A unidade de prática social, formam-na a classe social e a natureza. A dimensão institucional se materializa na fábrica e na empresa. A dinâmica de desenvolvimento atuante é a otimização do lucro e a maximização da degradação da natureza. O corpo normativo que rege estas relações é o direito de produção e a forma epistemológica que desponta no produtivismo ou, de maneira mais geral, na cultura empresarial.
O terceiro lugar é ocupado pelo espaço de mercado, constituído por relações sociais que têm como base a distribuição e o consumo de valores de câmbio no livre mercado. A modalidade de poder, adotando uma perspectiva marxista, é o fetichismo das mercadorias, que guarda relação direta com a exploração. Com este conceito, Marx fazia referência à coisificação dos seres humanos e à personificação dos objetos que se produz na sociedade capitalista. Nos intercâmbios mercantis, as mercadorias aparecem dotadas de um caráter autônomo, isto é, não evidenciam as forças produtivas e as relações sociais de produção necessárias para fabricá-las. Como resultado disso, o trabalhador percebe o objeto produzido como algo estranho à sua atividade: é a sensação de alienação que lhe provoca o fato de ser um mero instrumento alugado para a elaboração de um objeto que não lhe pertence e que no mercado se relaciona como se fosse uma pessoa, enquanto as pessoas, na esfera produtiva, o fazem como se fossem objetos. O fetichismo das mercadorias alude também à falta de liberdade da qual, segundo Marx, o consumidor padece, já que as possibilidades de quem compra estão condicionadas pela posição que ocupa na organização social. Neste espaço-tempo, a unidade de prática social é o cliente ou consumidor. A instituição social central é o mercado. O princípio de racionalidade se traduz na maximização da utilidade e na mercantilização total das necessidades. A forma jurídica é o direito do intercâmbio e a forma epistemológica relevante é o consumismo ou cultura de massas.
O quarto espaço-tempo estrutural é o espaço da comunidade, definido como a série de relações sociais desenvolvidas em torno da produção de territórios físicos e universos simbólicos que favorecem a identificação coletiva. O dispositivo de poder ativo é a diferenciação desigual, mediante a qual se identifica diferença com inferioridade: o sujeito ou grupo percebido socialmente como diferente com relação aos códigos socioculturais imperantes de regulação é, em virtude de sua diferença empírica —de gênero, etnia, orientação sexual, biológica, entre outras—, classificado como inferior. Os processos de diferenciação desigual funcionam criando mecanismos de identidade —ou inclusão— e diferença —ou exclusão— utilizados para discriminar entre membros externos e internos à comunidade. Nesta constelação política, jurídica e epistemológica, a unidade de prática social é a etnicidade, a raça, a nação, o povo ou a religião. As instituições de normalização adotam a forma da comunidade, do bairro, da região, das organizações populares de base e das igrejas. A racionalidade que guia a ação é a maximização da identidade. O corpo de leis que regula estas relações é o direito da comunidade e as formas dominantes de saber são a cultura local e o conhecimento da tradição.
O espaço da cidadania, em quinto lugar, é aquele no qual predominam as relações de obrigação política vertical, entre o Estado e os cidadãos. O mecanismo específico de poder é a dominação. Enquanto está centrada no Estado e é exercida por ele, a dominação é a modalidade de poder mais fortemente institucionalizada, daí que seja a única forma de poder que a teoria política liberal clássica considere como poder político. Na teoria política crítica de Boaventura de Sousa, por outro lado, o espaço cidadão é uma das várias formas de poder social. Sua unidade de prática social é a cidadania. O aparelho institucional é o Estado. O modo de racionalidade a maximização da lealdade. O marco legal, o proporciona o direito territorial e as formas de conhecimento são o nacionalismo educacional e cultural e a cultura cívica.
Em sexto e último lugar, se encontra o espaço mundial, definido como o conjunto de relações sociais que a divisão internacional do trabalho produz nas sociedades nacionais.
A forma própria de poder é o intercâmbio desigual, no sentido mais estrito do termo, e se refere às relações de intercâmbios econômicos desiguais realizados entre o centro, a periferia e a semiperiferia do sistema mundial. É uma forma de poder muito estudada pelos teóricos do sistema mundial, do imperialismo comercial e das teorias da dependência. O Estado-nação é a unidade de prática social. O emaranhado institucional é formado pelo sistema interestatal, pelos organismos internacionais e as organizações supra estatais. O princípio de racionalidade é a maximização da eficácia. O padrão normativo que regulamenta os intercâmbios no sistema mundial é o direito sistêmico e a forma epistemológica que sobressai é a ciência.


6. Mapa dos lugares da produção e reprodução do poder.
A partir de suas reflexões sobre a natureza do poder político e sua dinâmica de funcionamento nas atuais sociedades capitalistas, Boaventura de Sousa Santos elabora um complexo mapa em que identifica os lugares estruturais que produzem e reproduzem relações políticas de poder. É um marco analítico proposto como alternativa teórica que resulta, por um lado, de uma crítica à teoria liberal do poder que intenta desativar a dicotomia entre Estado e sociedade civil e seus corolários —ancoragem do direito e da política no nicho do Estado, profissionalização da política, distinção entre o público e o privado et cetera— e, por outro, da adesão crítica à concepção foucaultiana do poder. Num esforço por superar, entre outras deficiências, o caráter fragmentário e disperso da teoria política de Foucault, Santos localiza e distribui, de maneira mais específica e detalhada que aquele, o poder social em seis espaços-tempo estruturais: o doméstico, o produtivo, o mercantil, o comunitário, o cidadão e o mundial. Isso lhe permite mostrar que «a natureza política do poder não é o atributo exclusivo de uma determinada forma de poder, porém, sim, o efeito global de uma combinação de diferentes formas de poder e de seus respectivos modos de produção».
Uma das contribuições mais interessantes da análise do poder que explica a teoria política contra hegemônica de Boaventura de Sousa Santos é a ideia segundo a qual as sociedades capitalistas não devem ser consideradas formações sociais articuladas em torno a um direito único, o direito estatal, nem a uma política única, a expressada na relação entre o Estado e a sociedade civil por via da representação política democrática. Ao contrário, são concebidas como uma pluralidade de constelações jurídicas, políticas e epistemológicas relacionadas entre si. Este jogo de poderes políticos, jurídicos e epistemológicos em relação recíproca permite a Santos adotar uma perspectiva relacional que dilui a dicotomia jurídico-política liberal entre o público-político e o privado-pessoal, evitando assim cair tanto na «hiperpolitização do Estado» como em seu reverso, a «despolitização da sociedade civil» causada pela teoria política liberal.
Ao assumir como natural a divisão entre o público e o privado, a teoria política liberal menosprezou a ideia de uma pluralidade de poderes políticos em circulação social e investiu suas energias em levar a cabo uma certa democratização do poder estatal enquanto única forma reconhecida de poder político-público. No entanto, e como contrapartida, não reconhecer que o poder, mais além do exercido pelo Estado sobre a cidadania, atua em múltiplos espaços e se reproduz de muitas maneiras —mediante discursos e práticas que abarcam desde a violência física até mecanismos simbólicos e institucionais mais sutis, tais como as leis vigentes, os costumes herdados e a mentalidade em voga—, conduziu a uma teoria política cega e conservadora que deixava numa situação de vulnerabilidade aqueles que no âmbito considerado privado padeciam de atos discriminatórios. A teoria política liberal não é, neste sentido, crítica nem emancipatória, pois não denuncia as injustiças de formações sociais que atormentam aos coletivos mais frágeis, invisibiliza e legitima as discriminações sexistas, econômicas, étnicas e culturais e não apresenta elementos para enfrentar as várias formas de opressão —discriminação, abusos, exploração, exclusão, falta de oportunidades, entre outras— que condicionam a vida cotidiana de milhões de pessoas em todo o mundo. Não é, definitivamente, uma teoria política solidária com os que sofrem relações políticas de sujeição. Por esta razão, uns dos méritos mais notáveis da teoria política crítica de Santos é o de ampliar os limites do poder político e da opressão.
Quando uma determinada construção social ou relação de poder é despolitizada, isto é, privatizada e não sujeita a responsabilidade política, até o ponto de se converter numa realidade naturalizada, se está evitando que quem a sofre possa emancipar-se de uma situação injusta.
Desterrar do âmbito do poder político estatal fenômenos socioculturais hoje dominantes, como o patriarcado heterossexista ou a produção e o consumo capitalistas, só contribui para aumentar as desigualdades entre pessoas, naturalizar relações de subordinação e desarticular o privado como espaço político para a reivindicação cidadã. Pode-se dizer que Santos, neste aspecto, apresenta um conceito de liberdade que conecta com a tradição política republicana, para a qual a liberdade não é a liberdade liberal como ausência de interferência, mas sim a emancipação das relações de dominação despótica ou, como a entende o filósofo Philip Pettit[12], a ausência de dominação arbitrária. Chama a atenção, a este respeito, como o Estado de direito democrático-liberal é capaz de conviver comodamente com formas despóticas de poder isentas de qualquer controle democrático. É o que de Sousa Santos conceitua como fascismos sociais.
São relações sociais que, ainda que estão formalmente incluídas no marco do Estado e do contrato social, se regem pela arbitrariedade e pelo autoritarismo do forte sobre o fraco: «A vulnerabilidade do indivíduo no fascismo social não resulta [...] da imposição de um poder estatal tirânico frente ao indivíduo, e senão que, pelo contrário, do abandono total do indivíduo —muitas vezes propiciado pelo próprio Estado— de tal maneira que qualquer poder, de qualquer tipo, pode aspirar a regular o comportamento individual e a usar os bens públicos a seu bel- prazer». Desde logo, uma teoria política que convive tranquilamente com uma abundância de despotismos e escravidões sociais cotidianas é dificilmente transformadora e deficitariamente democrática.


À maneira de conclusão.
Digamos, para concluir, que o debate sobre o poder dual na transformação sociopolítica alavancada pelos diálogos de paz deve incluir estas considerações de ordem analítica abordadas ao longo do presente trabalho. Não é possível avançar na construção de um pacto final de paz em março de 2016 se não se identificam claramente os elementos da referida realidade que, evidentemente, a delegação santista tenta conduzir nos termos de uma mudança política monitorada em função dos interesses da elite dominante no Estado.


Notas.
 
[1] La transición que actualmente ocurre en el campo político a raíz del proceso de paz bien puede interpretarse a la luz de las elaboraciones teóricas de Leonardo Morlino, reunidas en el texto “Cómo cambian los regímenes políticos?” (1985), donde plantea un modelo de reformas políticas promovidas desde las elites dominantes en el Estado, las que advertidas de una crisis estructural en el funcionamiento del Estado implementan procesos de reformas y ajustes institucionales para no perder el control de la sociedad y las instituciones. Ver en el siguiente enlace electrónico dicho texto http://bit.ly/1K4Gplm Este enfoque no es el que se comparte este trabajo pero hay que abordarlo para entender cómo y en qué piensa la clase directiva colombiana a propósito del proceso de paz.
[2] El concepto de la democracia como autodeterminación de las masas elaborado por René Zavaleta Mercado es ampliado por Luis Tapias en su texto “Cuatro conceptos de la democracia” al que se puede acceder en el siguiente enlace electrónico http://bit.ly/1OxB6kT
[3] Ver al respecto el siguiente texto con comentarios a la obra de Atilio Boron sobre Geopolítica e imperialismo en America Latina http://bit.ly/1LK4t4F
[4] Sobre la obra de René Zavaleta Mercado ver el siguiente enlace electrónico http://bit.ly/1G1U1Dj
[5] Ver texto de Dussel en el siguiente enlace electrónicohttp://www.ceapedi.com.ar/imagenes/biblioteca/libros/282.pdf
[6] Ver texto de Bourdie en el siguiente enlace electrónico http://bit.ly/1LFxf00
[7] Ver al respecto el siguiente enlace electrónico http://bit.ly/1Pb5YZW
[8] Ver el siguiente enlace electrónico http://bit.ly/1N9i6HQ
[9] Ver en el siguiente enlace electrónico el planteamiento de Melucci al respecto http://bit.ly/1QlSE2l
[10] El análisis del pensamiento de Boaventura de Souza Santos que recogemos en este trabajo lo recogemos desde la aproximación hecha por Antoni Jesús Aguilo Bonet  en su trabajo El concepto de poder en la teoría política contra hegemónica de Boaventura de Souza Santos: una aproximación analítico-critica ver en el siguiente enlace electrónico http://bit.ly/1GECFqI
[11] Sobre la obra de Boaventura de Souza Santos citada por Antoni Jesús Aguilo Bonet en  el texto referido en la anterior nota,  ver la siguiente relación de textos
- «O Estado e os modos de produção do poder social», Oficina do Centro de Estudos Sociais, núm. 7, Universidad de Coimbra, 1-32.
«La transición postmoderna: derecho y política», Doxa: cuadernos de filosofía del derecho, 6, 223-264.
Estado, derecho y luchas sociales, Instituto Latinoamericano de Servicios Legales y Alternativos (ILSA), Bogotá.
Toward a new common sense. Law, science and politics in the paradigmatic transition, Routledge, Nueva York.
De la mano de Alicia: lo social y lo político en la postmodernidad, Siglo del Hombre Editores/Facultad de Derecho Universidad de los Andes, Bogotá.
y GARCÍA VILLEGAS, M. (eds.), El caleidoscopio de las justicias en Colombia, tomo I, Siglo del Hombre Editores, Colciencias, Universidad de los Andes, Universidad de Coimbra-CES, Universidad Nacional de Colombia, ICANH, Bogotá.
(Toward a new legal common sense: law, globalization, and emancipation, Butterworths LexisNexis, Londres.
Crítica de la razón indolente. Contra el desperdicio de la experiencia, Desclée de Brouwer, Bilbao.
El milenio huérfano. Ensayos para una nueva cultura política, Trotta/ ILSA, Madrid.
[12] Ver el siguiente enlace electrónico http://bit.ly/1MnE6fe

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