[Por Bruno Matapay, Agencia de Prensa Rural]
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“Lênin se definia, antes, durante e depois da Revolução Russa, como jornalista.
Dedica ao tema grande parte de sua obra. O “Que fazer?”, pubicado em 1902, estabelece quais são as tarefas da imprensa; de fato, o livro é, entre outras coisas, uma reflexão acerca da importância da imprensa como instrumento para a construção de um partido. Porém, as reflexões não se reduzem às publicações, mas, sim à sua própria intervenção como fundador de jornais, como jornalista, escritor ou publicista. Neste sentido, Lênin desenvolve reflexões muito pontuais. Delineava, por exemplo, a necessidade de que um jornal deveria contar com um comitê de cinco jornalistas profissionalizados e uma rede de mil, cinco mil, dez mil correspondentes ativistas que comunicassem os fatos de modo menos elaborados possível para poder recuperar o mais vivo dos conflitos. Essa vitalidade podia manifestar-se nas correspondências enviadas pelos operários diretamente desde seu lugar de trabalho. Preocupava-se, ademais, em como eleger o título mais surpreendente ou por qual tem que ser o ângulo do ataque em uma nota, etc. Quer dizer, por um conjunto de questões que demandavam a sua tarefa como jornalista. Desde a postura de Lênin o jornalismo é uma suerte de bisagra entre a teoria e a ação política”. Santiago Gándara.
Uma arma poderosa com que contava o partido bolchevique para fortalecer suas organizações e conquistar influência entre as massas foi o diário bolchevique “Pravda” (a verdade), que se editava em Petersburgo. Este periódico havia sido fundado, segundo as indicações de Lênin, por iniciativa de Stalin, Olminski e Poletaiev. Era um jornal operário de massas que nasceu com o novo auge do movimento revolucionário. Seu primeiro número veio à luz em 22 de abril (5 de maio do novo calendário) de 1912. Foi um acontecimento verdadeiramente memorável para os proletários. Em homenagem ao aparecimento do primeiro número do “Pravda”, concordou-se declarar a data de 5 de maio jornada de festa da imprensa operária.
Antes de aparecer “Pravda”, publicava-se um semanário bolchevique com o título de “Sviesdá” (A estrela), destinado aos operários mais conscientes. “Sviesdá” desempenhou um importante papel durante as jornadas do Lena. Em suas colunas veio à luz uma série de artigos políticos combativos de Lênin e Stalin que mobilizaram a classe operária para a luta. Porém, nas condições que criava a marcha ascendente da revolução, ao partido bolchevique já não lhe bastava um jornal semanal. Necessitava um diário político destinado às grandes massas operárias. E isto é o que era “Pravda”.
Durante este periodo, “Pravda” desempenhou um papel extraordinariamente importante. “Pravda” atraiu para o bolchevismo as grandes massas da classe operária. Numa situação como aquela, de incessantes perseguições policiais, de multas e de seqüestros do jornal pela publicação de artigos e correspondências que não agradavam à censura, “Pravda” so podia existir graças ao apoio ativo de dezenas de milhares de operários avançados. Somente as grandes coletas feitas entre os operários é que permitia fazer frente às enormes multas que lhe impunham. Não poucas vezes, uma parte considerável da tiragem dos números que se havia ordenado seqüestrar chegava, apesar de tudo, aos seus leitores, graças a que os operários mais conscientes se apresentavam pela noite na tipografia e sacavam os pacotes do jornal.
Em dois anos e meio, o governo Tzarista suspendeu por oito vezes a publicação do “Pravda” que, entretanto, com o apoio dos operários, reaparecia sempre com um novo título semelhante ao proibido, por exemplo: “Por la Pravda”, “O caminho da Pravda”, “A Pravda do Trabalhador”.
Ao tempo em que o “Pravda” vendia, em média, 40 mil exemplares diários, a tiragem média do diário menchevique “Luch” (o Ráio) não passava de 15 a 16 mil.
Os operários consideravam o “Pravda” como algo próprio, tinham grande fé nele e escutavam atentamente sua voz. Cada exemplar de “Pravda”, passando de mão em mão, servia para dezenas de leitores, formava sua consciência de classe, educava-os, organizava-os, chamava-os à luta.
De que falava o “Pravda”?
Em cada um dos seus números se publicavam dezenas de correspondências de operários, em que se descrevia a vida dos proletários, a brutal exploração e os múltiplos abusos e vexames de que lhes faziam objeto os capitalistas e seus gerentes e capatazes. Eram condenações marcantes e precisas do regime capitalista. Nas notícias do “Pravda” apareciam freqüentemente casos de suicídios de operários parados, mortos de fome e já desesperados por não encontrar trabalho.
O “Pravda” falava das necessidades e das reivindicações dos operários das distintas fábricas e ramos industriais, e descrevia como lutavam os operários por suas reivindicações. Em quase todos os números se informava acerca das greves planejadas nas diferentes empresas. Quando se desenvolviam greves importantes e longas, o jornal organizava os operários de outras empresas e ramos industriais para que ajudassem com coletas aos grevistas. As vezes, nestas coletas para o fundo de ajuda aos grevistas se reunia dezenas de milhares de rublos, somas enormes para aqueles tempos em que a maioria dos operários ganhava de 70 a 80 centésimos de rublo por dia. Isto educava os operários no espírito da solidariedade proletária e da consciência de unidade de intreresses entre todos os operários.
Não havia acontecimento político, não havia triunfo ou derrota ante o qual os operários não reacionassem enviando ao “Pravda” cartas, saudações, protestos, etc. Em seus artigos, o “Pravda” esclarecia as tarefas do movimento operário desde um ponto de vista conseqüentemente bolchevique. Seu caráter de jornal legal não lhe permitia propagar diretamente a derrocada do tzarismo. Tinha que se expressar por meio de alusões que os operários conscientes compreendiam perfeitamente e se encarregavam de explicar às massas. Assim, por exemplo, quando o “Pravda” falava das “reivindicações íntegras e completas do ano 1905”, os operários sabiam que se tratava das palavras de ordem revolucionárias dos bolcheviques: derrocada do tzarismo, república democrática, confisco das terras dos terratenentes e jornada de oito horas.
O “Pravda” organizou os oprários avançados em véspera das eleições para a quarta Duma. Desmascarando a posição traidora dos partidários de um acordo com a burguesia liberal, dos defensores do “Partido Operário Stolypiniano” – dos mencheviques , chamava os operários a votar pelos partidários das “reivindicações íntegras do ano 1905”, ou seja, pelos bolcheviques. As eleições eram de terceiro grau. Primeiro, os operários elegiam em assembléia seus delegados, Estes logo designavam aos compromissários que eram os encarregados de votar nos deputados operários da Duma. No dia das eleições, o “Pravda” publicou a lista dos compromissos bolcheviques cuja candidatura recomendava aos operários. Nem foi possível publicar essa lista antes, para não expor aos candidatos recomendados o perigo de ser detidos.
O “Pravda” ajudava a organizar as ações do proletariado. Com motivo de um grande lockout planejado em Petersburgo, na primavera de 1914, em condições que não eram coveniente declarar uma greve de massas, o “Pravda” aconselhou aos operários que recorressem a outra formas de luta, a comícios de massas nas fábricas e manifestações nas ruas. O jornal não podia fazer abertamente semelhante indicação. Porém, o chamamento do “Pravda” foi compreendido pelos operários conscientes que leram suas colunas o artigo de Lênin, publicado sob o modesto título de “Sobre a formas do movimento operário”, em que dizia que , naquele momento, era necessário substituir a greve por outra forma mais elevada do movimento operário, o que equivalia a preconizar a organização de comícios e manifestações.
Assim era como os bolcheviques combinavam a atuação revolucionária clandestina com a agitação e a organização legal das massas operárias através do “Pravda”.
Porém, o “Pravda” não se ocupava somente da vida dos operários, das greves e das manifestações operárias. Em suas colunas se tratava sistematicamente da vida campesina, da fome que passavam os campesinos, da exploração dos campesinos pelos proprietários feudais, do roubo das melhores terras dos campesinos para ampliar os casarios dos kulaks, por obra da “reforma” stolypiniana. O “Pravda” fazia ver aos operários conscientes a grande quantidade de material inflamável que se ia acumulando no campo. Punha em relevo ante o proletariado que as tarefas da revolução de 1905 não haviam sido resolvidas e que surgiria uma nova revolução. E ensinava que, nesta segunda revolução, o proletariado teria que atuar como o verdadeiro chefe, como dirigente de povo, e que nesta revolução contaria com um aliado tão forte como os campesinos revolucionários.
Os mencheviques lutavam para tirar da cabeça do proletariado a idéia da revolução. Aconselhavam aos operários que deviam deixar de se preocupar com o povo, com os campesinos famintos e com o império dos proprietários feudais das centúrias negras, para lutar somente pela “liberdade de associação”, dirigindo, para isso, “petições” ao governo do tzar. Os bolcheviques faziam ver aos operários que estes conselhos mencheviques, em que lhes exortava a renunciar à revolução e à aliança com os campesinos, serviam ao interesse da burguesia, que os operários venceriam com toda segurança o tzarismo se soubessem atrair para o seu lado os campesinos, como seus aliados, e que deviam voltar as costas aos maus conselheiros, inimigos da revolução, do tipo dos mencheviques.
De que tratava o “Pravda” na seção intitulada “A vida dos campesinos”?
Tomemos como exemplo algumas das correspondências pulicadas no ano de 1913. Em uma informação enviada por um correspondente de Samara e que apareceu sob o título de “Um pleito agrário”, comunicava-se que dos 45 campesinos da aldeia de Novojasbulat, no distrito de Bugulmá, acusados de haver feito resistência ao funcionário encarregado de praticar a demarcação das parcelas dos que se separavam da comunidade, grande parte havia sido condenada a longas penas de cárcere.
Em uma breve notícia enviada por um correspondente da provícia de Pskov, dizia-se: “Os campesinos da aldeia de Psitsa (nas imediações da estação de Sa vale) se alçaram em armas contra os guardas rurais. Há vários feridos. As causas do choque foram conflitos agrários. Em Psitsa foram concentrados guarda rurais; sairam para esse povoado o vice-goverrnador e o fiscal”.
Um correspondente da província de Ufá informava acerca da venda dos lotes de terras dos campesinos e expunha que a fome e a lei sobre a separação da comunidade rural haviam vindo reforçar o processo de privação de terras dos campesinos. Veja-se, por exemplo, o ocorrido no casario de Borisovka. Ali haviam 27 casas que possuiam 543 hectares de terras agricultáveis. Na época da fome, cinco lavradores venderam definitivamente 31 hectares a razão de 25 a 33 rublos cada uma; ou seja, três a quatro vezes menos do que a terra valia. Sete lavradores hipotecaram 177 hectares, obtendo em troca 18 a 20 rublos por hectare, a pagar em seis anos e a 12% de juros anuais. Tendo em conta o empobrecimento da população campesina e o brutal tipo de vantagens, podia-se afirmar com segurança que dos 177 hectares a metade passaria para mãos do agiota, pois era muito pouco provável que num prazo de seis anos pudessem pagar uma soma tão grande nem a metade dos devedores.
Em um artigo intitulado “A grande propriedade dos terratenetes e a pequena propriedade campesina na Rússia”, publicado no “Pravda”, Lênin fazia ver de um modo tangível aos operários e aos campesinos quão fabulosa era a riqueza de terras possuidas pelos parasitas terratenentes. Entre 30 mil terratenentes dos mais fortes açambarcavam cerca de 70 milhões de hectares de terras. Enquanto isso, os campesinos tinham que se contentar com uma extensão equivalente, repartida entre 10 milhões de famílias. Cada um daqueles grandes terratenentes detinha, em média, 2.300 hectares de terra; em contrapartida, a cada família campesina, incluindo os kulaks, correspondiam, em média, 7 hectares; Entretanto, ademais, havia cinco milhões de famílias campesinas pobres: ou seja, a metade da população campesina, que não possuia, por toda a fazenda, mais que um ou dois hectares. Estes fatos demonstravam de um modo tangível que a raiz da miséria e da fome dos campesinos estava no regime dos grandes terratenentes, na sobrevivência do feudalismo, de que os campesinos somente podiam se liberar mediante a revolução, dirigida pela classe operária.
Por meio dos operários relacionados com o campo o “Pravda” penetrava na aldeia despertando a luta revolucionária aos campesinos mais conscientes.
No período em que se fundou o “Pravda” as organizações social-democratas clandestinas estavam inteiramente em mãos dos bolcheviques. Em troca, as formas legais de organização – a fração da Duma, a imprensa, as mutualidades operárias, os sindicatos – não haviam sido ainda resgatados inteiramente das mãos dos mencheviques. Os bolcheviques tiveram que empreender uma enérgica luta para desalojar os liquidadores das organizações legais da classe operária. Esta luta foi coroada de êxito, graças ao “Pravda”.
O “Pravda” ocupava um lugar central na luta em prol da causa do Partido, em prol da reconstituição de um Partido operário revolucionário de massas. Suas campanhas faziam com que as organizações legais se agrupassem estreitamente em torno dos centros clandestinos do partido bolchevique e encaminhavam o movimento operário para uma meta definida: a preparação da revolução.
O “Pravda” contava com uma quantidade enorme de correspondentes operários. Mais de 11 mil correspondências operárias foram publicadas em suas colunas em um só ano. Porém, não eram as cartas e a colaboração de seus correspondentes o único meio pelo qual mantinha contato com as massas operárias. Sua redação era visitada diariamente por numerososs operários das fábricas. Nela se concentrava uma parte considerável do trabalho de organização do partido. Celebravam-se, ali, reuniões com os representantes das células de base do partido, ali chegavam os informes sobre o trabalho do partido nas fábricas e empresas industriais e dali se transmitia as instruções do comitê de Petersburgo e do comitê central do partido.
Como fruto de dois anos e meio de lutas tenaz contra os liquidadores pela reconstituição de um partido operário revolucionário de massas, os bolcheviques conseguiram que, para o verão de 1914, o partido bolchevique, a tática “pravdista”, contassem com quatro quintas partes dos operários ativos da rússia. Assim o atesta, por exemplo, o fato de que 5.600 grupos operários, dos 7.000 que em 1914 organizaram coletas para a imprensa operária, recolhessem dinheiro para os jornais bolcheviques, e somente 1.400 para os mencheviques. Em troca, estes dispunham de muitos “amigos ricos” entre a burguesia liberal e os intelectuais burgueses que lhes aportavam mais da metade do dinheiro necessário para sustentar seu jornal.
Aos bolcheviques se costumava conhecer, por esta época, com o nome de “pravdistas”. Com o “Pravda” se desenvolveu toda uma geração do proletariado revolucionário que mais tarde haveria de se colocar à frente da revolução socialista de outubro. Atrás do “Pravda” marchavam dezenas e centenas de milhares de operários. Durante os anos do auge revolucionário (1912 a 1914) se lançaram os sólidos cimentos de um partido bolchevique de massas, contra o qual havia de despedaçar todas as perseguições do tzarismo no período da guerra imperialista.