Novamente
no Hotel Sevilla, me encontrei – encontro marcado previamente –
com os negociadores das FARC en Havana: Pablo Catatumbo, Iván
Márquez, Jesús Santrich e Marco León Calar.
Por:
Alfredo Molano Bravo
Num canto da grande sala
começou a conversação. A delegação do Governo havia chegado na
tarde e Sergio Jaramillo havia ditado uma polêmica conferência na
Universidade Externado na noite anterior. Creio que boa parte dos
temas que os comandantes desenvolveram tem que ver com essa
conferência, que, confesso, não havia lido, encantado com a
arquitetura e a afabilidade do povo de Santiago de Cuba, onde fui,
quase como um peregrino, conhecer o quartel Moncada, onde começou a
história do Movimento 26 de Julho e a Revolução Cubana.
Alfredo Molano Bravo:
Falemos da pequena história da aproximação secreta com o governo
de Santos.
Pablo Catatumbo:
Os primeiros passos da negociação que hoje se desenvolve em Havana
estão agasalhados por um pacto de confidencialidade que não podemos
divulgar. No entanto, há uns antecedentes que devem ser conhecidos
ou relembrados.
AMB: Como, quais?
PC: Há
fatos que o país não conheceu em seu momento e que hoje devem ser
contados para ir abrindo campo à verdade histórica.
No começo dos anos ’90,
no governo de Gaviria, estivemos muito próximos de um arranjo de
verdade, um “acordo no fundamental”, como disse Álvaro Gómez.
Convocada por meios irregulares uma Assembleia Constituinte, as Farc
se mostraram interessadas em participar, entre outras coisas porque
Jacobo Arenas havia lançado a iniciativa desde os acordos da La
Uribe com Belisario. Mais ainda, para dar espaço à União
Patriótica, propusemos a eleição popular de prefeitos e
governadores.
Nós estávamos preparados
para a constituinte, e o governo de Gaviria, sem opor-se publicamente
a nossa participação, embaralhava suas cartas. Com uma delas no
bolso chegaram altos funcionários do Governo a conversar com
Marulanda um mês antes da eleição de constituintes; buscavam
definir o número de constituintes da Coordenadora Guerrilheira Simón
Bolívar [CGSB], composta por ELN, EPL, FARC e M-19 na assembleia
constituinte. Conversaram com Marulanda e com Alfonso em muito bons
termos, até que se tratou do número de constituintes da
Coordenadora. Dias antes, se haviam reunido seus chefes Francisco
Caraballo, o padre Manuel Pérez, Carlos Pizarro com Marulanda para
definir nossa participação. As cifras eram muito diferentes e a
diferença muito grande. Gaviria oferecia cinco lugares e a
Coordenadora pedia 20. Uma vez postos os números sobre a mesa, os
delegados disseram: “Os tomam ou os deixam”.
Marulanda não respondeu nem
sim nem não, disse somente: “Necessitamos um tempo para consultar
com todos os membros da CGSB”. Não há tempo, responderam em forma
peremptória os funcionários, o helicóptero não pode voar depois
das 5 da tarde. Vocês devem tomar a decisão já. Marulanda não
podia tomá-la e lhes disse: “Fiquem esta noite aqui e amanhã
encontramos uma solução”. Responderam: Não, não temos tempo.
Marulanda lhes respondeu: se não têm uma noite para conversar, que
tempo vão dedicar à paz? Assim que o helicóptero saiu naquela
tarde sem uma resposta. Um mês depois, no dia da eleição de
constituintes, o Exército bombardeou os acampamentos do rio Duda.
Foi a chamada Tomada de Casa Verde, que nem foi em Casa Verde nem foi
tomada; o coronel Alfonso Velázquez reconheceu depois num escrito
que o alto comando militar admitiu que a operação havia sido um
grande erro militar. A realidade é simples e franca: Não nos
liquidaram, lá seguimos. Digo-o agora: Os ultimatos não servem com
as Farc.
Foi o momento em que mais
perto estivemos de um acordo de paz. É óbvio que, se nós
participamos numa constituinte e compartilhamos sua redação, de
fato, nos acolhemos a ela sem reservas e fica sem fundamento o
levantamento armado. A insurgência não pode seguir alçada em armas
contra uma Constituição que subscreveu.
O erro de Gaviria e do M-19
foi pretender que se podia fazer uma paz parcial, uma paz oportunista
sem que estivéssemos todos. A arrogância de dirigentes distanciados
do povo e desconhecedores da realidade histórica, como César
Gaviria, impediu um acordo que era muito possível e que haveria sido
muito sólido.
Jesús Santrich: Se
bombardeou uma possibilidade de paz. Em lugar de fechar o terrível
capítulo da guerra, Gaviria e seu comissionado, Rafael Pardo,
preferiram negociar com Carlos Pizarro – um homem a quem
respeitamos porque deu sua vida pelos ideais –, porém ao que, cabe
recordá-lo, lhe facilitamos os meios econômicos dos quais carecia o
M-19 para que pudesse pôr Álvaro Gómez em liberdade, quando o
retiveram. A história dessa verdade não está escrita. Como diz
Pablo: Conosco não valem ultimatos. Essas bravatas definitivamente
não servem, e o dizemos sem arrogâncias. Por outro lado, se perdeu
a oportunidade de poupar-se ao país milhares de mortos, de dor e de
sofrimento.
MB: Por que as FARC não
negociaram com Samper?
Iván Márquez:
O governo de Samper não tinha legitimidade suficiente para adiantar
uma negociação de paz. Os militares o tinham bloqueado. Bedoya
brandia o sabre cada vez que o presidente falava de paz. Quando se
começou a falar de uma desocupação de La Uribe, uma zona
desocupada de fato porque o Governo não sabia nem onde ficava esse
município, Bedoya se insubordinou e pediu a Samper dar a ordem por
escrito com o objetivo de legitimar um golpe militar. Samper não
tinha com que fazer frente ao poder dos militares. Carlos Holmes,
agora pré-candidato de Uribe, era um simples lagarto. Propôs ao
Secretariado, em seu desespero e sua impotência, unir os rios do Sul
Oriente para desenvolver o país. Uma coisa absurda, pura e simples.
Samper propôs negociar em meio ao conflito, o que para nós sempre
foi um erro que custa muito. Algum dia se conhecerá a
correspondência desprezível que sustentou nessa época Carlos
Holmes Trujillo com Jacobo e Alfonso.
AMB: Por acaso, a trégua
bilateral não dá uma vantagem militar a vocês?
JS:
Não nos dá vantagens, nós demos uma trégua unilateral e o Governo
não a interpretou como um gesto de boa vontade senão como um
sintoma de fraqueza. Quisemos mostrar que, suspendendo as ações
militares ofensivas, não se fortalecia o Exército. Não o
entenderam. Talvez o país e a comunidade internacional, sim, o
compreenderam.
AMB:
E como foi
o rolo com Pastrana?
Marco León Calarcá:
Pastrana
confessa em seu calhamaço de 800 páginas que o Caguán foi uma
estratégia para poder armar o Exército, que jamais teve uma real
vontade de paz. O reconheceu Víctor G. Ricardo: as FFAA não tinham
nem apetrechos, nem botas, nem gasolina para os aviões. Se as Farc
houvessem advertido para este fato, não se haveriam sentado a
conversar com o Governo. Ademais, Pastrana se havia comprometido,
como recordou há pouco Felipe Lópéz na reportagem, excelente
diga-se depassagem, que lhe faz Juan Carlos Iragorri, a combater o
paramilitarismo, o que nunca fez. Esse foi o fracasso do Caguán.
Hoje, o presidente Santos
deveria ler o livro, quem, devido a suas múltiplas ocupações,
certamente não teve oportunidade de olhá-lo. Marulanda, que era um
especialista em emboscadas, sabia o que o governo de Pastrana buscava
e, por isso, deixou a cadeira vazia. Porém, era um guerreiro nobre e
lhe fez saber a Pastrana que não assistiria a abertura formal das
negociações em San Vicente. Pastrana se apresentou para fazer ficar
mal a Marulanda. Ainda que a cadeira ficou vazia, não caiu no vazio
seu discurso, um discurso que se deve voltar a ler com cuidado. Não
se tratava de que se pagassem umas galinhas e umas mulas. Quando
Eastman, o pequeno, lhe perguntou: “Comandante, você não queria
voltar a Marquetalia e ter uma fazenda cafeeira grande com gado e
mulas?” Marulanda lhe disse, sem ofender-se: “Sim, quero, meu
filho, uma fazenda grande chamada Colômbia, não com mulas, mas sim
com caminhões-tratores para mover tudo o que se produz”.
AMB: E com Uribe, houve
aproximações?
PC:
E muito sérias, apesar de sua gritaria bélica. Uribe não é um
guerreiro, é um fanfarrão. Antes de terminar o segundo governo,
quando sua candidatura estava fazendo água, um empresário com quem
as duas partes tínhamos confiança – um verdadeiro facilitador –
fez uma ponte com Luis Carlos Restrepo e por aí com Uribe. A
embaixada americana e a Igreja estiveram informadas do passo, segundo
nos inteiramos por Wikileaks. Passaram uns dias até quando recebemos
uma carta muito amável e bem escrita assinada por Frank Pearl, nesse
momento conselheiro de Uribe, que propunha um diálogo secreto no
Brasil com Alfonso Cano ou comigo.
Nós analisamos com
seriedade a iniciativa e concluímos que, estando por finalizar o
governo, não tinha sentido abrir um processo sem saber quem poderia
ser o novo mandatário. Assim que se respondeu com um “Não, grato;
por agora, não”.
De todas as maneiras, ficou
no ambiente o ânimo da iniciativa para encontrar-nos na zona onde eu
operava – Barragán, Santa Lucía, La Mesa –. O Exército
desocupou, com efeito, a área, apesar do que o ministro de Defesa
declarava em público. Nos mandaram dizer que essa era uma prova da
vontade de conversar, porém o Governo estava já de saída e nós
lemos o que era certo: Uribe necessitava de nosso apoio.
AMB: Ou seja, que durante
o governo de Uribe, sim, houve uma desocupação?
PC:
Sim senhor, assim foi. Se pode verificar pelas datas.
IM:
Mais ainda, houve outro antecedente por lá na metade de Uribe. O
presidente nos fez saber que estaria disposto a desocupar os
municípios de Florida e Pradera se Marulanda estava disposto a
conversar, porém que o único problema era que essa desocupação
incluía os engenhos açucareiros de Ardila Lulle. Álvaro Leiva lhes
fez cair na conta do erro. Se tratava de um encontro com o Bloco
Ocidental das Farc e já estávamos prontos para viajar ao lugar com
Caliche, Pacho Chino, Leonel Páez, Reinel, melhor dizendo, o alto
comando.
AMB: E por que razão não
se levou a cabo o encontro?
JS:
Porque, quando as coisas estavam prontas, explodiu uma bomba na praça
da Universidade Militar. Puro barulho. Não houve feridos nem mortos,
porém o Governo concluiu que nós a havíamos posto e se cancelou o
encontro. Como não fomos nós, sabíamos o que buscava quem a pôs.
Os meios de comunicação deram um grande desdobramento ao fato e
alguns – os de sempre – disseram que o ato mostrava a hipocrisia
das Farc, seu jogo duplo. Depois enredaram tudo com uma mulher que
sacaram da manga e que diz que nos fazia inteligência. Uma falsa
Mata Hari crioula.
AMB: Agora, falemos das
relações com Santos.
IM: Depois
do desencontro com Uribe, veio o “ruído de chaves” que fez
Santos no discurso de posse. O interpretamos como uma boa mensagem e
não nos equivocamos, porque um dia nos chegou um texto autorizado
por ele, porém sem sua assinatura, dizendo que o Governo poderia
estar interessado em explorar uma solução política ao conflito
armado. Já o Governo falava de conflito armado e não de ameaça
terrorista, o que era um passo significativo.
Alfonso Cano respondeu, em
meio a um intenso assédio militar, com uma conferência gravada que
deu ao que ele chamava a “guerrilheirada” e que difundimos
amplamente. Alfonso dizia mais ou menos: “Sim, exploremos”.
Depois enviou outra mensagem mais clara: “Conversemos”.
Há que dizer – acrescenta
Iván Márquez – que o papel do presidente Chávez nas aproximações
foi definitivo. Depois de oito anos de guerra sem quartel, de guerra
a morte, nós desconfiávamos de tudo. Chávez aclimatou com
paciência e sabedoria a necessária confiança numa saída
negociada. Todos os primeiros passos se deram na Colômbia com sua
ajuda.
AMB:
Houve
alguma condição prévia?
PC: Por
nossa parte, a única condição foi que a classe dirigente,
representada nos dois partidos tradicionais, estivesse disposta a
reconhecer sua responsabilidade histórica na violência desde suas
origens até o presente; esse simples fato abriria uma perspectiva,
uma avenida de paz, porque se restabeleceria a verdade histórica.
Santos, há que destacar, esteve de acordo. As únicas condições
que nós pusemos foram as de ter essa disposição de ânimo para
conversar e que as Farc nunca aceitariam um acordo que não incluísse
a reforma agrária e a justiça social.
AMB: E das armas, quê?
JS:
Nós temos uma disposição sincera e serena para participar nas
mudanças que o país requer se há democracia. Nunca dissemos que só
com as armas se chega ao poder. Marulanda disse: “Se as mudanças
se fazem pela via democrática, as armas serão desnecessárias”.
Nós não estamos apegados a elas. Porém, não aceitamos a pax
romana que querem impor-nos. Na hora da verdade, se há boa vontade
das partes, as armas são um assunto secundário. O IRA não entregou
uma só pistola e hoje há governo e democracia na Irlanda do Norte.
O pacto, convertido em texto constitucional, as tornaria inúteis.
Inclusive poderíamos dar cumprimento a um preceito constitucional
lógico: Na Colômbia há um só Exército. Porém, há muitos casos
que estão vivos, como a morte de Guadalupe Salcedo. Desmitifiquemos
a entrega de armas. As armas não se disparam sozinhas, se tornam
inúteis. Se os compromissos são cumpridos, são desnecessárias; se
há uma vontade de paz verdadeira, tudo se ajeita. Acaso não é bom
para eles reduzir o PIB “de armas” de quase 6% para, digamos, 4%?
Quantos quilômetros de rodovias se poderiam fazer com esses 2%?
Quantos subsídios de moradia se poderia dar? Quanta saúde não se
poderia dar? Não se lhe pode arrancar o corpo ao problema da saúde.
É, hoje em dia, o assunto que mais preocupa o povo. O Governo põe
paninhos de água morna a um enfermo moribundo, como é a Lei 100.
AMB: Vocês adiantaram,
segundo parece, um bom trecho no tema agrário com as Zonas de
Reserva Campesina. Em que ponto vão?
IM:
Falemos claramente. Nós não estamos pedindo que sejam soberanas,
mas sim que sejam autônomas, como o são os municípios que têm um
conselho, uma administração eleita, que fazem seus planos de
desenvolvimento e cuidam de seu meio ambiente; que podem planejar o
uso de regalias e manejar as transferências, que podem chegar a
votar uma decisão que considerem põe em perigo sua estabilidade
ambiental. Esse conto das “republiquetas independentes” é uma
falácia inventada pelos militares para desconhecer um programa
originado no campesinato e regulamentado por uma lei da república.
Quiséramos dizer que, sobre o primeiro ponto da agenda, levamos
redigidas em limpo como acordo dez folhas de papel. Avançamos.
Viemos meter o acelerador a fundo. Já entramos hoje, quarta-feira 15
de maio, no tema da laborização do trabalho rural para que os
campesinos tenham direito a férias, gratificação, seguro
desemprego, saúde, pensão.
MLC:
É paradoxal, o que o campesinato e as Farc estão pedindo em matéria
agrária é que se cumpram duas leis fundamentais, a Lei 200 de 36,
que dá direito de propriedade aos possuidores de melhorias – que é
o que se pede quando se fala dos nove milhões de hectares – e a
Lei 160 de 1994, que cria as Zonas de Reserva Campesina. Ou seja, que
se atendam as solicitações feitas pelos campesinos de reconhecer
suas melhorias e convertê-las em Zonas de Reserva Campesina. É
simples: que se cumpram as leis que eles mesmos redigiram na
Constituição.
JS: Se
o Governo não cumpre suas próprias leis, como poderemos confiar em
que cumpra os acordos que se firmariam?
AMB: Vocês pedem
mudanças sociais, porém onde está a linha entre o possível e o
que não se pode pedir sem cair no irrealizável?
MLC: Nós
estamos dispostos a um acordo de paz com justiça social. Não
estamos pedindo a “revolução por contrato”, mas sim uma
reestruturação política sólida que nos permita participar na
construção de uma verdadeira democracia; poderíamos pactuar uma
longa trégua, uma trégua de vários anos para compartilhar a
responsabilidade de tirar o país da pobreza e da injustiça.
AMB: O Governo tem dito
que nem a política econômica nem a doutrina militar são
negociáveis, e vocês assinaram o acordo que exclui esses temas.
IM:
O governo de Santos nos fecha esta porta ao impedir-nos negociar a
política econômica. Como vamos falar de justiça social com os TLCs
que estão arruinando aos cafeicultores, aos arrozeiros, aos
agricultores de batata e de milho, aos produtores de lácteos, que,
como temos visto, estão hoje protestando e organizando-se? Como
vamos passar por alto a política econômica que permite o roubo do
ouro e do carvão que estão fazendo as grandes mineradoras? Como
vamos falar de justiça social vendo como arrasam a altiplanura,
acabam com sua gente e com seus recursos hídricos? É necessário
recordar que o Acordo firmado com Santos diz muito claramente que “o
desenvolvimento econômico com justiça social e em harmonia com o
meio ambiente é garantia de paz e progresso”. Como, então, falar
de construção da paz sem falar do desenvolvimento econômico com
justiça social? O Governo alega que o preâmbulo do acordo firmado
não faz parte do acordo. É como dizer que o preâmbulo de uma
constituição, seu marco geral, seu espírito, não são
vinculantes! Absurdo! Um preâmbulo não é uma nota decorativa!
JS: A
discussão do modelo de desenvolvimento se está dando na rua, o
questionamento aos TLCs é tema de discussão em toda reunião. Os
editoriais de imprensa o trazem a conto. Acaso a crise de Grécia,
Itália, Espanha não estão impugnando o chamado Consenso de
Washington? Porém, aqui está proibido discutir um modelo que
demonstrou ser o motor da injustiça social e da exclusão econômica.
JS:
Mais ainda, se vamos falar de paz e vamos falar de armas, como
podemos passar agachados ante uma doutrina militar que tem tolerado o
paramilitarismo? Agora nos querem vender a mentira de que os
militares – alguns, muitos, não importa – nada têm que ver com
a formação de um exército que chegou a ter – e tem – vários
milhares de homens armados. Como podemos aceitar que semelhante força
que cometeu os crimes mais atrozes que o país já conheceu se
formou, cresceu e se fortaleceu às costas dos generais, sem que em
mais de 20 anos de tivesse produzido um só combate com a Polícia e
o Exército? Que classe de generais temos, então? A doutrina militar
vigente deve ser discutida pelo país porque seus efeitos estão à
vista de todo o mundo. Basta ler os jornais, basta contar os mortos e
os desaparecimentos registrados pelas ONGs. Como sabe o Exército
quantos homens e mulheres temos, suas idades, seu lugar de
nascimento, e não diz quantos homens, mulheres e crianças morreram
no país durante os 60 anos de confrontação armada? A simples cifra
é um argumento para que se discuta uma doutrina militar que tem
favorecido tal quantidade de mortos e desaparecidos, de falsos
positivos, de massacres, de torturas. Saquemos os trapos ao sol,
todos os trapos, e que isto seja, em vez de um varal de mortos, um
varal de confissões francas e valentes. Não temamos a verdade da
guerra, uma guerra em que estão comprometidas duas partes e não uma
somente.
AMB: Como destravar o
novelo em que estamos metidos?
PC:
O país está maduro para escutar com serenidade uma declaração de
responsabilidade histórica no desastre que temos vivido durante 60
anos. Esse simples sinal sincero por parte do Governo permitirá
avançar em transformar o acordo firmado num tratado de paz. Que se
reconheçam as vítimas do conflito, as vítimas das duas partes. Que
se ponham sobre a mesa todos os componentes do quebra-cabeças, que
se tragam à mesa todas as vítimas e todos os vitimários, sempre e
quando se reconheça que nós nos armamos em legítima defesa e que
em legítima defesa temos sustentado uma longa guerra sem ser
derrotados.
Quero dizer uma coisa em voz
alta: Este Secretariado está disposto a buscar de uma vez por todas
a dar um jeito. Propendemos por uma participação ativa de todo o
povo, e a fórmula histórica é uma assembleia constituinte.
AMB:
Estão
vocês tão certos de ter nela maioria, ou melhor, de não ser uma
minoria que possa ser massacrada?
PC:
Cremos que o povo nos ouve. Porém, se o povo decide por maioria
colocar-nos de lado, aceitamos seu veredito. São as regras do jogo.
Nós apostamos numa assembleia constituinte com caráter legislativo
para que não volte a passar o que passou com a de 1991, na qual, por
exemplo, o princípio de ordenamento territorial não pôde sair do
limbo. Agora, com a proposta de Zonas de Reserva Campesina, pode
tomar vida.
Por último, digo para que
se ouça: A Santos lhe falta governabilidade. Não se pode negar.
Necessita uma maioria forte para poder assinar a paz e nós estamos
dispostos a ajudar a construí-la sempre e quando tenha esse único
objetivo: a paz, a reconciliação política definitiva entre
colombianos.