Lucía Ruiz Sepúlveda
Punto Final
Fonte: Rebelión.org
O Arcebispo de Concepción, Ricardo Ezzati, intervirá como mediador entre os Mapuches em greve de fome contra a lei antiterrorista e o governo, segundo anúncio do ministro do Interior, Rodrigo Hinzpeter no começo da semana chave das comemorações do bicentenário. "Nada a comemorar", advertiam há um ano, os Mapuches, mas a palavra de ordem se incorporou em 34 ativistas Mapuches – dois deles menores de idade – em estado crítico em prisões e hospitais de Concepción, Temuco, Lebu, Angol e Valdivia. O governo apresentou Ezzati a 64 dias do início da greve de fome e a algumas horas do oferecimento do argentino Adolfo Perez Esquivel, Prêmio Nobel da Paz, para mediar, visto favoravelmente por Maria Tralcal, porta-voz dos presos políticos Mapuches em greve de fome.
Já faz algumas semanas que os grevistas solicitaram ao Monsenhor Ezzati a sua intervenção, mas a porta-voz Natividad Llanquileo permanece cautelosa. Estão em curso jejuns solidários em massa na FECH e jornadas de mobilização em nível nacional e internacional programadas para às quartas-feiras assim como ações de protesto na nação Mapuche.
Da Argentina chegou uma delegação de "Povos Originários" junto com Nora Cortiñas, integrante do grupo das Mães da Praça de Maio - Linha Fundadora – e Osvaldo Bayer, para dar apoio às demandas Mapuches. Deputados do Parlamento Europeu acusaram o governo do Chile de “não aplicar o sistema de julgamentos duplos e simultâneos em tribunais civis e militares, e, portanto, não aplicar a chamada ‘Lei Antiterrorista’ aos mapuches detidos em atos de protesto social; e de reformar em profundidade o Código de Justiça Militar”. Tudo aponta para empurrar o governo para a mesa de diálogo já acordada entre os presidentes do Senado e da Câmara dos Deputados – Jorge Pizarro e Alejandra Sepúlveda – e os porta-vozes. Dois destes, o lonko de Temucuicui, Victor Queipul e Maria Tralcal, deslocaram-se para a capital como convidados especiais das celebrações, para intervir nos esforços para o diálogo.
Segundo as porta-vozes Maria Tralcal e Natividade Llanquileo, os ativistas permanecem firmes em sua decisão de luta em todas as prisões e permanecem estáveis dentro de própria fraqueza de mais de 65 dias em greve de fome. Mas, em Angol, dois ativistas, Felipe Huenchullan e Fernando Millacheo, permanecem no Hospital de Victoria em estado delicado. Em Valdivia, o estudante mapuche, Andrés Coña recebeu a solidariedade de visitas dos Lonko Francisco Huichaman Tripayante, e Efrain Cheuquefilo Paillalef, moradores dessa região. Na prisão de menores infratores de Cholchol, os adolescentes Luis Marileo Cariqueo e Jose Ñirripil Perez informam que, depois de 12 dias greve de fome, os seus pesos diminuíram entre 6 e 7 quilos, “e, segundo relatórios médicos, perda de massa muscular e principio de arritmia cardíaca, de modo que, a qualquer momento, seremos transferidos para centros médicos".
O despertar da solidariedade cidadã, a ressonância da greve a nível internacional e em organizações internacionais de direitos humanos, as manifestações nas capitais de países europeus e da América Latina em apoio às reivindicações dos grevistas finalmente quebraram o prolongado blackout de notícias sobre a greve de fome. Uma grande mobilização realizada por historiadores do Arquivo Nacional, em Santiago, "para deter as ações repressivas do Estado no sul do Chile e reconhecer o legitimo direito dos povos originários à restituição das suas terras usurpadas e à sua autonomia social e política”. Cientistas sociais e acadêmicos de quatro universidades do sul do Chile afirmaram que “uma situação histórica tão complexa não pode ser resolvida através do uso de instrumentos jurídicos, como a lei antiterrorista, que não são adequados nem para a sociedade chilena nem para as demandas dos povos indígenas”. Em Santiago criou-se uma Frente Ampla de Apoio à greve composta de intelectuais, estudantes e artistas. Na frente das diversas prisões, os familiares dos grevistas levantaram acampamentos onde realizam orações.
Isso, tendo em vista que o Presidente se recusou ao diálogo, apesar do pedido formal da Conferência Episcopal dos Bispos Católicos e da Igreja Evangélica no Te Deum de 11 de setembro, feito na sua presença, e rejeitado também a proposta do presidente do Senado, até o inicio da semana das comemorações das festas pátrias. Além disso, onze familiares dos presos foram detidos por desordem em incidentes ocorridos em 11 de setembro no Hospital Regional de Concepción. A Sra. Emilia Pilquimán, mãe dos irmãos Llanquileo em greve de fome, atingida na cabeça pelos carabineiros, resultou com ferimentos de gravidade média. Os detidos, incluindo os porta-vozes, presos na rua, foram formalizados e liberados. Natividad Llanquileo, porta-voz dos presos de Concepción, informou que dois dos grevistas transferidos para o hospital para a realização de exames, retornarão para a prisão de El Manzano após uma avaliação positiva dos seus estados de saúde.
Não aos agentes encobertosDesde a prisão de Temuco, os 13 grevistas, em declaração pública, rejeitaram o projeto que seria votado no Congresso, em resposta à “pressão da direita econômica para fortalecimento do Estado policial contra os movimentos sociais, especialmente com o movimento Mapuche”. Eles acreditam que as propostas de manter as testemunhas sem rosto e incorporar a figura do “agente encoberto” legalizarão a infiltração nas comunidades Mapuches e suas organizações. Enfatizam que o conceito de incêndio terrorista permanece. Acrescentam que “qualquer ação feita no âmbito da nossa luta é descrita como terrorista, assim, a nossa greve de fome também deveria sê-lo, pois, segundo o artigo 1º desta Lei, seria ‘um delito cometido para obter resoluções da autoridade e de lhe impor exigências”.
Rodrigo Curipan, porta-voz dos dez grevistas da prisão de Angol, disse: “Estamos decepcionados porque nós colocamos a questão da lei antiterrorista e, mesmo assim, o governo pretende alterar a lei e, mais uma vez, não podemos opinar nada. Para nós, ninguém comunicou formalmente quais são as mudanças que seriam feitas”.
Parentes dos prisioneiros políticos de Concepción declararam que “o governo tem desviado a atenção das demandas centrais da greve de fome: a não aplicação da lei antiterrorista e a justiça militar” e repudiaram a decisão da Corte de Apelações de Concepción.
Tribunal de Justiça contra o devido processoCompletados mais de dois meses de greve, os processos judiciais se encontram postergados, já que em Temuco, o ativista Pedro Cheuque desmaiou em plena audiência e teve de ser hospitalizado. O Tribunal de Apelações de Concepción, por outro lado, na sexta-feira 10, dissipou as esperanças de um sinal positivo. Em decisão unânime, reintegrado 36 testemunhas protegidas retiradas do processo em Cañete, revertendo a decisão do juiz John Landeros em favor do devido processo. A decisão dos ministros Eliseo Araya e Freddy Vásquez e a advogado integrante Gabriela Lanata, apenas cautela a segurança das testemunhas protegidas ignorando os direitos dos acusados. A prática do uso de tortura para recrutar testemunhas não comoveu este tribunal.
Testemunha fabricada na ponte Lanalhue Os fatos de tortura, em que um menor foi pendurado de uma ponte, para forçá-lo a depor, foram denunciados à Corte de Apelações de Concepción pelos advogados de defesa dos Mapuches na alegação de apoio à exclusão de 36 testemunhas protegidas. Punto Final teve acesso à declaração juramentada da testemunha protegida, o menor Rodrigo Viluñir Calbul, realizada em 19 de fevereiro de 2010 perante Marcel Mathieu Pommiez, tabelião conservador de Cañete. Ele relata que após ter sido pendurado na ponte Lanalhue e ameaçado de morte, assinou sem ler uma declaração redigida pela polícia. Rodrigo tinha 17 anos naquela época, por isso, seu pai, que morreu mais tarde, acompanhou-o quando ele foi preso e levado para assinar.
Ele e seu irmão, Jose Viluñir Cabul, figuram como testemunhas protegidas no processo contra Eduardo César Painemil Peña (27 anos), da região de Huentelolén, Cañete. Painemil é um dos três mapuches em greve de fome na prisão de Lebu, acusado de provocar três incêncios “terrorista” e de associação ilícita “terrorista”. O Ministério Público pede mais de 20 anos de cadeia para ele. Viluñir implicou também aos ativistas Marco Millanao, em greve de fome em Temuco (condenado a 70 anos de cadeia); e a Juan Carlos Millanao e Simon Millas.
No seu depoimento juramentado, Rodrigo Viluñir assinala que os fatos ocorreram ao meio-dia na estrada que liga Cañete a Tirúa, em maio de 2009. Foi detido e o colocaram em uma camionete vermelha, e seu pai em uma branca. Na ponte Lanalhue, “dois policiais me penduraram da ponte pelos braços, me apontaram uma escopeta e me diziam ‘fala a verdade ou vamos te matar filho da... Depois de estar pendurado por algum tempo, comecei a chorar e me levantaram. Mais uma vez apontaram a escopeta e me disseram para que falasse a verdade do que eu sabia e eu disse que não sabia de nada”.
Posteriormente, foi levado para a delegacia de Cañete, onde ele deu seu nome, e outra pessoa também o ameaçado. Ainda acrescentou: “Eu contestei que não sabia de nada e me dizeram 'inventa qualquer m... filho da...’”. Também lhe perguntaram se tinham armas. Cerca das nove horas da noite lhe entregaram um documento que assinou sem ler. Então, ele se juntou a seu pai e pegaram o último ônibus para Tirúa. Declarou que viu o fiscal Andrés Cruz duas vezes, a primeira vez quando “confirmei a primeira declaração sem ler e, a segunda, faz um mês, em Talcahuano”. O promotor disse que ele tinha que assinar porque se não o fizesse, iria para a cadeia e outros ficariam em liberdade.
A declaração juramentada conclui: "Conto isto para o conselho da minha comunidade Caupolicán porque quero que se saiba a verdade do que acontece e porque confio neles para fazer as coisas direito. Nessa ocasião, meu pai, Don José Viluñir Millapi, não me acompanha devido a que se encontra internado no hospital de Cañete em delicado estado de saúde. Junto com meu irmão, Jose, nos aproximamos da direção da comunidade voluntariamente”. Assinam a declaração: Patrício Cona Millanao, presidente da comunidade Caupolicán; David Claudio Santi, secretário; José Sebastián Santi Cona, Tesoureiro; e Agustin Santi Millapi, conselheiro.
A direção da Comunidade Caupolicán, também deu aval a uma declaração semelhante de José Abraham Viluñir Calbul, em Cañete, no mesmo cartório, em 19 de fevereiro de 2010. Relatos de que duas camionetes chegaram a sua casa depois da prisão de seu irmão para prestar depoimento em Cañete. “Diziam-me que Rodrigo já havia dito tudo, que estava na sala ao lado e que tinha que falar ou se não ficaria vinte na cadeia e a rapaziada seria libertada. Eu respondi que não tinha a menor ideia de nada. Assinei um papel, pedi para lê-lo e não o permitiram. Vi o procurador quando viajamos para Talcahuano, aproximadamente há um mês atrás, com meu irmão e meu pai. Naquele momento assinei uma ratificação e tampouco li o que dizia”.
Conclui a declaração afirmando que: “quero que me ajudem a sais disto e que se saiba a verdade”.
Um suicídio em Puerto Choque Richard Ñegüey, o mais novo dos processados pela lei antiterrorista em Cañete, de 19 anos, enforcou-se no mês passado, somente após três dias da abertura do julgamento oral no qual era acusado, assim como seu pai. Permaneceu longos meses na cadeia de Lebu, em condições extremas de confinamento - sem direito a pátio e sem luz – mas estava livre através de medidas cautelares, quando cometeu suicídio. Seu caso faz parte das dramáticas consequências da lei antiterrorista na vida das comunidades.
A lei antiterrorismo permite utilizar como prova valida as declarações de testemunhas protegidas, cuja identidade é desconhecida para a defesa assim como seus depoimentos, somente revelados no início do julgamento, criando obstáculos ao processo. A greve de fome exige a não aplicação desta lei antiterrorista por delitos contra a propriedade, relacionados com a recuperação de terras ancestrais.