Por María Jimena Duzán
Iván Márquez, das FARC,
fala em exclusiva com María Jimena Duzán, da revista SEMANA.
María Jimena Duzán:
Dura a carta que enviou Timochenko ao presidente Santos. Por que lhes
incomodou tanto que ele recordasse em El Caguán que vocês também
são despojadores?
Iván Márquez: Veja,
as coisas vão bem e nessa carta que você menciona o próprio
Timochenko afirma que se tem feito avanços. Temos construído pelo
menos umas duas ou três folhas de papel de acordo e isso é um
avanço que não se havia conseguido em anteriores processos. Em
Tlaxcala, por exemplo, a discussão girou em torno à política
econômica e daí não avançamos nem um centímetro. Por isso,
porque vamos bem, nos incomodou que o presidente Santos houvesse ido
ao Caguán a comparar-nos com os verdadeiros despojadores e que, em
cima disso, não tenha feito menção aos avanços que temos
conseguido em La Habana. Nessa atitude, vemos uma manobra para
distrair a atenção do país sobre o verdadeiro problema, que é o
latifúndio, o primeiro gerador de desigualdade no campo. Por que não
falou dos hectares que o paramilitar Don Berna entregou em El Caguán
nem dos que tem Victor Carranza?
M.J.D.: Porém, não pode
negar que têm terras em El Caguán. Convido-o a que leia um
documento elaborado por Luis Jorge Garay, membro da Comissão de
Seguimento à Lei de Restituição, na qual documenta essa
concentração de terras em mãos das FARC.
I.M.: Eu
não sei como fazem para fazer esses informes, porque a maioria
dessas terras nem sequer tem títulos. E sem estes é muito difícil
falar de despojo. Por isso, queremos fazer uma comissão com o
propósito de estudar o tema. Estava lendo, antes de vir aqui, uma
entrevista que se lhes faz a uns campesinos do Recreo – que é uma
das terras que, segundo o governo, é expropriada pelas FARC – e
ali só havia campesinos. O grande temor que temos é que, com a
mentira de que são terras das Farc, se façam novos despojos.
M.J.D.: Por que não lhes
agrada o marco jurídico para a paz, que é a janela que o governo
abriu para que possam reincorporar-se à política?
I.M.: Porque
consideramos que o Congresso não tem a autoridade moral nem ética –
e não estou falando de todos os congressistas – para legislar num
assunto tão complicado. O que se necessita é uma reforma integral
ao sistema eleitoral, que é corrupto e trapaceiro. Aqui votam até
os mortos.
M.J.D.: Muitos dirão o
contrário. Que os que não têm autoridade moral para falar de ética
são vocês. Não se esqueça que há uma opinião pública que é
avessa a suas práticas e seus desmandos.
I.M.: Se
há desmandos, não são intencionais. Quando nós desdobramos alguma
atividade militar, não o fazemos contra a população civil, mas sim
contra um objetivo militar e, às vezes, lamentavelmente resulta
afetada a população.
M.J.D.: Não lhes dá
temor confrontar-se com um país que não os quer?
I.M.: O
que queremos é falar com esse país. Para nós é muito importante
que o povo nos queira. Os campesinos voltam todos os seus afetos a
esta guerrilha porque nos protegem e nos ajudam. Nos fornecem
informação e se não fosse por este apoio não existiríamos. Há
umas camadas médias que estão sendo duramente golpeadas por temas
como o da nova reforma tributária. Não creia que nós somos
quadrados. Nós temos pontes com esse país que você assinala.
M.J.D.: Porém, e a
explosão no clube El Nogal?
I.M.: Não
disponho de informação sobre esse tema. Sei que foi um caso
estremecido. Não sei em que estado se encontra a investigação,
porém, sim, lhe digo o seguinte: a nível do secretariado esse tema
nunca se discutiu.
M.J.D.: À luz das novas
disposições do direito internacional, para ser beneficiários dos
mecanismos que brinda a Justiça transicional, o primeiro requisito é
ressarcir as vítimas. No entanto, vocês insistem em que não são
vitimários e sim vítimas. Vão ou não ressarcir as suas vítimas?
I.M.: O
governo nos convocou a que lhes demos a cara às vítimas e o vamos
fazer. Timochenko o disse em sua carta com nitidez. Porém, isso sim:
queremos que se aborde o tema em toda sua dimensão. Queremos que se
fale sobre os responsáveis da época da Violência, dos autores
materiais e intelectuais do massacre da União Patriótica, de como
vai a investigação em torno dos falsos positivos.
M.J.D.: E no caso das
vítimas das Farc?
I.M.: Temos
dito que o Estado é o último ponto de imputação e que as vítimas
são vítimas do conflito. Porém, lhe quero dizer uma coisa mais:
creio que o Estado colombiano está enredado com o Estatuto de Roma.
Dizem que têm temor de que se venham demandas se não se cumpre com
uns requisitos mínimos de Justiça, porém cremos que isso não é
assim e que, pelo contrário, esses temores infundados estão sendo
usados para impor a nós uns ritmos com o propósito de que saiamos
disto ligeiro.
M.J.D.: Você, que diria
a essas mães de soldados e policiais que pedem que lhes deem
notícias de seus filhos? Não sabem se estão sequestrados ou com
vida.
I.M.: Maria
Jimena, nós já o dissemos: não temos retidas pessoas com fins
econômicos. Dissemos que íamos abandonar essa prática e temos
cumprido. Tampouco temos soldados e policiais em nosso poder. Agora,
bem, há que ter em conta que num combate se produzem muitos momentos
que escapam de nosso controle. Porém, para tratar de resolver esse
problema, estamos dispostos a integrar comissões com o Exército de
Colômbia, as Farc e a Cruz Vermelha internacional para ir aonde se
produziram esses combates para ver se conseguimos uma resposta a esta
situação dramática dos desaparecidos.
M.J.D.: O ex-presidente
Uribe também é uma vítima das Farc que vocês vão ter que
ressarcir. Sequestraram seu pai, quem morreu em meio do fogo cruzado
no dia em que o libertaram.
I.M.: As
Farc não sequestraram o pai de Uribe. Isso lhe asseguro.
M.J.D.: Não lhes agrada
o marco para a paz, porém sim uma assembleia constituinte. Por que
insistem nessa proposta?
I.M.: Acreditamos
que o povo tem mais força e legitimidade que o poder constituído.
M.J.D.: Coincidem vocês
com o uribismo, que também busca uma constituinte...
I.M.: Porém,
é que nós queremos a constituinte para referendar o acordo de paz e
Uribe a quer para uns fins egoístas que não somente têm que ver
com sua volta ao poder, mas sim com o fato de que busque blindar-se
para não ter que responder por todos os seus desmandos.
M.J.D.: Falando do
governo do presidente Uribe, vocês foram contatados para iniciar
diálogos secretos de paz? Lhe pergunto porque Uribe negou estas
aproximações.
I.M.: Sim,
como não. Nós recebemos uma carta do governo de Uribe na época em
que se nomeou a Frank Pearl negociador de paz. Nessa carta, se nos
convidava a conversações secretas. Alfonso [Cano] a pôs em
consideração do secretariado das Farc e acordamos dar uma resposta
ao senhor Uribe, porém tivemos um mal-entendido e uma carta que
deveria circular de maneira confidencial resultou tornando-se pública
por conta de nós outros. Isso foi no final do mandato de Uribe.
M.J.D.: E me pode
refrescar a memória sobre o que diziam nessa carta?
I.M.: Nessa
carta dizíamos que, de todas as maneiras, estávamos dispostos a
conversar, ainda que fizéssemos restrições à conduta assumida por
Uribe durante seu mandato. Não sei porque agora Uribe nega essas
aproximações. Acaso é um delito buscar a paz em Colômbia?
M.J.D.: No outro dia após
a morte de Alfonso Cano, as Farc fazem saber ao governo que seguem
adiante. Deve ter sido difícil essa decisão.
I.M.: Tivemos
que fazer das tripas coração e seguir no processo porque Alfonso
assim o havia exigido. Ele dizia que isto havia que prosseguir até
que culminasse a paz para a Colômbia. Foi uma decisão difícil. Se
tratava do assassinato do comandante que mais estava impulsionando a
possibilidade de um diálogo de paz com o governo de Santos. Alguém
diz que uma pessoa não pode matar a quem está falando de paz. Eu
digo que se não houvesse ocorrido o que ocorreu com Alfonso,
estaríamos numa etapa mais avançada.
M.J.D.: Você se senta
todos os dias com o general Mora, quem o teve na mira mais de uma
vez. Que sente quando o vê?
I.M.: Primeiro,
um profundo respeito. Em Oslo, relembro, me dirigi ao general Mora
dizendo-lhe que Manuel Marulanda Vélez nos havia ensinado o respeito
ao adversário. E o general me disse que quase todas as guerras
haviam terminado num acordo. E creio que ele tem razão.
M.J.D.: Como explicar a
um país que, se se firma a paz, os guerrilheiros poderão fazer
política e percorrer as ruas, porém os militares que os combateram
terminem pagando penas nas prisões?
I.M.: Eu
prefiro deixar esses assuntos ao Estado. Não queremos nos meter
nisso.
M.J.D.: Você aspira a
fazer política neste país?
I.M.: Porém,
claro...! Esse é meu propósito. Eu fui representante pelo Caquetá
e voltei ao monte porque iam me matar. Desejo fazer política de
maneira aberta e legal.
M.J.D.: É a Marcha
Patriótica o partido que vocês estão impulsionando para poder
fazer política se deixam as armas e se reincorporam à sociedade?
I.M.: Estamos
impulsionando partidos e movimentos. Um é o Partido Comunista
Clandestino e outro o Movimento Bolivariano pela Nova Colômbia, que
também é clandestino. Quanto à Marcha Patriótica, saudamos que,
por iniciativa popular, se esteja construindo um movimento dessas
características. Oxalá consigam aliar-se com outros setores sociais
e políticos afins para apresentar uma alternativa política que mude
o rumo deste país.
M.J.D.: Essa foto sua em
cima de uma Harley-Davidson não deve ter agradado à guerrilha.
I.M.: Essa
foto foi uma mamadeira
de galo,
porque lhe conto que não sei pilotar moto. No entanto, já dizem que
percorro as rodovias de Venezuela e Cuba numa Harley-Davidson. Essa
foto foi feita quando estive falando em Caracas com Chávez. Me
armaram um escândalo, crendo que iam gerar descontentamento no
interior das fileiras guerrilheiras, porém lá sabem que Márquez
está sempre com sua tropa.
M.J.D.: Finalmente, vocês
tampouco aceitam que estão metidos no narcotráfico. Todas essas
histórias que os vinculam em alianças com Los Rastrojos e Los
Urabeños é também propaganda mentirosa?
I.M.: Nós
não temos laboratórios de cocaína nem somos a Polícia anti
narcóticos de ninguém. Obviamente, muitos não entendem que não
reprimamos ao campesino cultivador. Atualmente, em Colômbia se lavam
uns 12 bilhões de dólares. Grande parte desse montante provém do
narcotráfico que os move através de circuitos financeiros e isso
não gera maior questionamento moral. Com dinheiros do narcotráfico
se elegeram presidentes desde Turbay Ayala.
M.J.D.: Dizem que você é
o mais duro na delegação das Farc e que sua dureza se deriva do
fato de que há tempos não está na frente de batalha, mas sim que
vive comodamente em Venezuela.
I.M.: Isso
não é certo. Nenhum comandante das Farc está distante de sua
tropa. A mim me nomeou Timo como chefe da delegação em La Habana e
aqui estou. E nosso desejo é poder chegar a Bogotá numa mobilização
política com Pablo Catatumbo, Pastor Alape, Joaquín Gómez,
Mauricio Jaramillo e Timochenko. Maria Jimena, esta possibilidade de
paz é muito especial e não podemos deixá-la escapar.