"A LUTA DE UM POVO, UM POVO EM LUTA!"

Agência de Notícias Nova Colômbia (em espanhol)

Este material pode ser reproduzido livremente, desde que citada a fonte.

A violência do Governo Colombiano não soluciona os problemas do Povo, especialmente os problemas dos camponeses.

Pelo contrário, os agrava.


segunda-feira, 31 de março de 2014

Assinemos um cessar-fogo, Sr Santos



Com relação ao mais recente comunicado do Secretariado Nacional das FARC-EP e aos fatos que o motivaram, expressaram-se um sem número de afirmações. Embora o que tenhamos tomado conhecimento de primeira mão chega sempre via grandes meios de comunicação, campeões universais da falsificação e da argúcia, não nos deixa de causar impressão a notícia sobre a nova avalanche mal intencionada contra nós.

Tratamos de explicar a situação que resultou na morte do major e patrulheiro da polícia na zona rural do município de Tumaco. E advertimos de antemão quão grande seria a reação de certos setores interessados na ruptura do processo de paz que desenvolvemos com o governo nacional. O general Palomino, da mesma forma que o candidato presidencial Uribe, entre outros, encabeçaram outra vez a cruzada contra as FARC, invocando com uivos ferozes a guerra total.

Chamam-nos de cínicos porque expressamos nossas condolências aos familiares e companheiros das vítimas, como se compreender a dor alheia e solidarizar-se com ele fosse uma atitude mesquinha. É doloroso para nós a vida de cada colombiano ou estrangeiro que morre em conseqüência desta guerra que nunca quisemos que fosse desencadeada. Que primeiro os matemos e em seguida enviemos nossos pêsames, como sugerem os nossos detratores, não é exatamente um modo objetivo de ver as coisas.

Todo o país e o mundo é testemunha de como o Presidente Santos chorou de felicidade após a morte de nosso comandante Alfonso Cano, e nenhum membro do establishment ou dos meios de comunicação pensou em repudiá-lo por isso. Nem sequer quando um bispo católico expressou seu desconcerto pelo fato de que ao invés de tê-lo feito prisioneiro, tivessem preferido assassiná-lo ao encontrá-lo só de noite, quase cego e inerme com seus mais de sessenta anos de idade.

Nem privadamente, durante os necessários intercâmbios que levaram ao início dos diálogos de paz em Havana, recebemos do senhor Presidente a menor mostra de pesar, apesar de os primeiros contatos de seu governo ocorreram exatamente com o Comandante que ordenou matar. Nunca teríamos considerado um gesto de cinismo se ele tivesse feito esse gesto, talvez tivéssemos interpretado como a sincera generosidade de quem se prepara para falar de paz e reconciliação. A atitude costuma ser diferente de acordo com o lado em que se esteja do conflito sangrento.

Após o rompimento do processo de diálogos de San Vicente del Caguán (1998-2002), uma conseqüência da implementação do Plano Colômbia definido pelos Presidentes Bill Clinton e Andrés Pastrana, e levado à prática muito antes de 20 de fevereiro de 2002, militares norte-americanos e colombianos desencadearam todas as formas possíveis de violência contra as FARC e a população das zonas onde era exercida nossa influência. Hoje se fala do conflito como se nada disso tivesse acontecido.

Nem os horrores do paramilitarismo descontrolado e reconhecido social e politicamente no governo de Andrés Pastrana, e intensificados até o extremo do terror do Estado durante a primeira gestão de Álvaro Uribe, nem os milhões de refugiados internos durante essa etapa, nem a repressão generalizada, nem os crimes e a perseguição judicial, nem as milhares de execuções batizadas de ‘falsos positivos’, nem a morte de centenas de moças e rapazes das guerrilhas em mãos de soldados profissionais que, em troca, ganhavam um frango no almoço ou uma folga, guarda, segundo nossos críticos a menor relação com o conflito de hoje.
Sendo assim, nenhuma análise pode ser séria. As forças militares executam um plano de guerra chamado de Espada de Honra II, continuidade do Espada de Honra I, que fracassou tanto como o Plano Patriota ou o Plano Vitória que os precederam com a intenção de aniquilar a insurreição guerrilheira e a dissidência. Desde os tempos de Marquetalia e do Plano Laso, todos estes planos contra-guerrilheiros combinaram a ofensiva militar com uma suposta ação social marginal e precária, que lhes serve ao mesmo tempo para reduzir a influência das guerrilhas e construir redes de informação para a guerra.

O major e o patrulheiro, no exercício de suas tarefas oficiais, vestiam trajes civis, o que inclusive poderia ser interpretado como mais perigoso ainda em uma zona de guerra. Ao detê-los, os milicianos pensaram em conduzi-los até um comando responsável para que decidisse o que fazer com eles, ou comunicasse isso a uma instância superior. Só atuaram contra eles ao se sentirem rodeados por uma agressiva operação de forças inimigas.

O que se passou em suas mentes nesses momentos difíceis não é um mistério. O inimigo vinha arrebatar-lhes os prisioneiros pela força. Como agiriam os militares, policiais ou guardas em uma hipotética situação semelhante? Por que não se considera selvagem matar com uma rajada de fuzil, como fizeram com Alfonso Cano, e, ao contrário, se considera assim se não se emprega armas de fogo, em um momento em que ao empregá-las se coloca em risco a própria vida?

Seja qual for a resposta, se os milicianos tivessem que responder pela comissão de um delito, teriam que fazer isso perante a juridicidade guerrilheira, de acordo com nossos regulamentos. Em nenhum caso se faria sua entrega a autoridades inimigas. É assim que nós vemos as coisas, de acordo com as próprias normas do direito de guerra. Muitos especialistas nos dariam razão. O problema, na verdade, é de outra natureza, é político, corresponde a interesses de momento.

No fim de semana passado morreram oito policiais no helicóptero afetado pelo terreno minado ativado por guerrilheiros da Frente 33 das FARC em Sardinata, estado Norte de Santander. O fato sequer mereceu uma manchete de imprensa simplesmente porque o Ministério da Defesa sabe que não pode usar contra nós uma ação militar que desprestigia a Força de Tarefa Vulcano e coloca em sobressalto a arrogante presença militar na região do Catatumbo.

Foi isso que aconteceu também com os militares que morreram no helicóptero derrubado em 22 de fevereiro na região de La Uribe, estado do Meta. Eles não são mortos atribuídos à suposta vileza gratuita das FARC, mas são sim considerados mortos de menor categoria, daqueles que não merecem sequer que a população colombiana e mundial seja informada. Apesar de tudo, a propaganda oficial mostra um Exército que está ganhando a guerra, enquanto esses fatos colocam isso em dúvida, sendo melhor omiti-los.

Quando graças a um bombardeio aéreo a uma unidade guerrilheira surpreendida a altas horas da noite na escuridão da selva, ocorre a morte de uma ou duas dezenas de combatentes, o ministro da defesa lança fogo pelas fossas nasais ao comunicar exultante o resultado. Mesmo que se trate de colombianos, de gente pobre do povo. Não falemos de não permitir impunidades por fatos de guerra. Assinemos um cessar-fogo, senhor Santos, e tornemos a paz possível.

TIMOLEÓN JIMÉNEZ

CHEFE DO ESTADO MAIOR CENTRAL DAS FARC-EP

Montanhas da Colômbia, março de 2014


América Latina: insurgência, lutas populares e revolução


 


Desde a morte natural de Manuel Marulanda Vélez, em 26 de março de 2008, o Movimento Continental Bolivariano (MCB) celebra anualmente nesta data o Dia do Direito Universal dos Povos à Rebelião Armada. 
Marulanda foi o mais importante comandante das Forças Armadas Revolucionárias da Colômbia - Exército do Povo (FARC-EP), insurgência que completa este ano 50 anos de incessante luta contra a exploração e opressão das oligarquias colombianas e o imperialismo, com uma perspectiva revolucionária, socialista. 
Neste ano, no Rio de Janeiro, reativou-se o Fórum de Solidariedade aos Povos em Luta, tendo como sua primeira atividade a realização de um ato público, no último dia 26 de março, marcado pela solidariedade internacionalista e pelo respeito a todas as formas de luta a que os povos têm direito na busca de sua emancipação.  
Com esta compreensão, o ato pôs em relevo as lutas dos povos cubano, venezuelano e colombiano, homenageando a três de seus principais heróis: Che Guevara, Hugo Chávez e Manuel Marulanda. 
Diversos oradores usaram da palavra, procurando contextualizar as condições em que cada uma dessas lutas se desenvolve, a conjuntura mundial, latino-americana e em cada um desses três países, ficando consignada a necessidade de estreitarmos os laços de amizade com seus povos e reforçarmos a solidariedade às suas lutas contra o capital e o imperialismo. 
Evidenciou-se que esses  três países merecem atenção redobrada dos internacionalistas. 
A cinquentenária Revolução Cubana, mãe de todas as rebeldias de Nuestra  America, que resiste bravamente, continua sob o cruel bloqueio que lhe impõe o imperialismo, que inclusive tirou a liberdade de nossos Cinco Heróis.
A Colômbia vive um momento de definições e de grandes lutas populares, potencializadas pelas esperanças  nos diálogos por uma solução política para o conflito em seu país – na luta contra o terrorismo de estado e por justiça social, liberdades democráticas e soberania nacional -, e pela pujança do movimento popular, urbano e rural, onde se destaca a Marcha Patriótica. 
Mas houve um consenso de que, neste momento, o melhor de nossas energias deve ser dedicado à solidariedade ao processo de mudanças impulsionado pelo povo venezuelano, a partir da liderança e da iniciativa do saudoso Hugo Chávez, e agora de Nicolas Maduro, e que neste momento está sofrendo uma agressiva tentativa de desestabilização, que tem como objetivo principal criar condições para um golpe ou uma intervenção imperialista.
No rico debate desenvolvido no ato público, ficou a evidência de que o epicentro da ofensiva imperialista na América Latina está hoje na Venezuela Bolivariana e que o desfecho da disputa neste país influenciará o destino não só dos povos homenageados, mas de toda a América Latina, com repercussões mundiais. 


As mortes que não o mataram (a Manuel Marulanda) 
Mataram-no tantas vezes… Porém, depois de cada morte reaparecia sempre, com a carabina nas mãos, disparando entre a fumaça o seu certeiro fogo político. Matavam-no com os fuzis do desejo e o ensurdecedor chicotear dos linotipos, transpassados por um disparo; mortalmente ferido no peito, em combate com tropas regulares; destroçado por uma granada num choque de encontro…, que morreu sangrando, abandonado por seus homens. Porém, nunca mostraram o cadáver.
Ouvi minhas mortes, basicamente, pelo rádio” – dizia Marulanda. “Não podem matar uma pessoa todos os dias com disparos de palavras. Claro que essas mortes de mentira não passam de propaganda. Porém, não se pode enganar o povo por toda a vida. Talvez esse tipo de notícia tenha explicação num sentido psicológico dirigido às tropas e às massas. O problema dessa tática é que agora eles têm que nos ver fazendo declarações ante a imprensa e a televisão, bem vivos, e não mortos como sempre quiseram nos ver”.
No entanto, apesar destas considerações, voltaram a matá-lo nas manchetes da imprensa. Como não conseguiram matá-lo com todos os operativos, nem com os bombardeios da aviação, nem com o fogo mortal dos cercos militares, imaginaram sua morte num ataque surpresa de congas (formigas selvagens) nas selvas do Caquetá. Para um conhecedor destas formigas gigantes, a versão do diário “El Tiempo” de Bogotá não podia ser de todo absurda. Se a picada de apenas uma, além da terrível dor, provoca ondas de febre, paralisia, espasmos e desejo de morte, um ataque em massa, como geralmente é o das congas, seria a agonia e, também, a morte.
Dizia “El Tiempo”, da família Santos, que, depois de vários dias de peregrinação pelas selvas inóspitas do sul, carregado algumas vezes numa rede e outras numa maca, Marulanda tinha morrido sob o manto verde, imerso na visão de sua entrada triunfal em Bogotá à frente de suas tropas guerrilheiras. Porém, essa história despareceu no estrondo dos combates do sul, do oriente e do noroeste… Todos souberam que continuava vivo quando reapareceu falando de paz e da troca de prisioneiros. A guerrilha tinha em seu poder 500 militares e policiais capturados em combate. 
A última vez que viram Marulanda foi naquela tarde de fogo do Caguán, nas sequências dos diálogos de paz, quando ao despedir-se dos jornalistas que o cercavam com suas perguntas, microfones e câmeras, disse, com seu refinado humor de sempre: “vou porque está caindo a noite e, como vocês sabem, por aqui existe muita guerrilha”.
Depois, uma crônica da jornalista Patricia Lara o matou. Afirmava com toda certeza e aguda intuição, que tinha morrido de câncer de próstata. Relatou os angustiosos e inúteis esforços de seus companheiros de ideias e de armas por embarcá-lo num avião ambulância que o levara até Cuba. Morreu tentando, disse Patricia. Morrendo de rir, Manuel Marulanda escutou a notícia.
Permaneceram obsessivos, matando-o até depois de sua morte…
Desfazendo todas as dúvidas, o Presidente Uribe e seu Ministro da Defesa, Santos, ao tomar conhecimento da notícia difundida pelo Secretariado sobre a partida do líder em 26 de março, buscando pescar vitórias em rio revolto, como delirantes doidivanas, saíram a espalhar na mídia que Manuel Marulanda tinha sido abatido, como o disse Uribe, num bombardeio no qual foram lançadas 250 bombas; que o tinha matado de susto, como assegurou num comentário irônico o Ministro da Defesa.
Ninguém conseguiu conceber que o lendário guerrilheiro, que enfrentou durante 60 anos 17 governos e todos os estados maiores das Forças Armadas oficiais, de repente tivesse morrido de susto!
Morreu, mas não como queriam. O Comandante em Chefe morreu de velho, dirigindo pessoalmente seus exércitos guerrilheiros no turbulento coração do Plano Patriota, patrulhando a selva sob as asas da guerra de guerrilhas móveis, sua tática de combate que ainda tem de ser colocada em prática. Como Bolívar em Santa Marta, apenas se recostou para sonhar com o momento em que, a partir do Comando Geral, muito próximo de Bogotá, dirigirá a entrada vitoriosa de seus guerrilheiros à capital, rodeados de povo.

(texto extraído do livro “MANUEL MARULANDA VÉLEZ – o herói insurgente da Colômbia de Bolivar”)

Organização Comunista Arma da Crítica/RJ e CeCAC
Rua Haddock Lobo, 408 / 101 – Tijuca - Rio de Janeiro/RJ




Socialismo é o caminho para realizar aspirações dos povos


Com um chamado pela construção de projetos nacionais alternativos centrados no ser humano desde uma perspectiva progressista, terminou no último sábado (29) na Cidade do México o 18º Seminário Internacional organizado pelo Partido do Trabalho do México.


Alejandro González, fundador do partido, disse no encerramento do evento que os partidos e organizações de esquerda impulsionam a solidariedade e buscam um futuro libertário para seus países.

Durante sua intervenção perante 500 delegados de 37 países, González condenou o sistema capitalista e afirmou que o socialismo é o caminho para alcançar essas aspirações.

Na jornada final do encontro, intitulado “Os partidos e uma nova sociedade, os participantes aprovaram uma resolução que expressa a mais firme solidariedade com a batalha que o povo cubano desenvolve pela liberdade de lutadores antiterroristas presos nos Estados Unidos desde 1998.

Renê Gonzalez, Fernando Gonzalez, Antonio Guerrero, Ramon Labañino e Gerardo Hernandez, assinala o texto, são combatentes antiterroristas que trabalharam para frustrar a continuidade dos crimes perpetrados pela máfia anticubana que Washington ampara e apoia, e por isso foram sentenciados a injustas penas.


Ao mesmo tempo, os participantes no encontro manifestaram sua mais firme condenação à nova ofensiva imperialista da qual é alvo a Revolução bolivariana da Venezuela, o povo desse país, suas Forças Armadas e seu presidente constitucional, Nicolás Maduro.

Também declararam apoio á convocação à Conferência Nacional pela Paz deita pelo presidente venezuelano para se contrapor ao plano de desestabilização que se desenvolve na nação sul-americana desde fevereiro passado.

Outras moções de poio foram endereçadas à Colômbia, pois os delegados se pronunciaram a favor de que sejam levados a cabo verdadeiros processos que conduzam à paz definitiva nesse país.

Os participantes no seminário instaram a criação de uma rede de comunicação entre os jovens de esquerda da América Latina e de todo o mundo.

Fonte: Prensa Latina

domingo, 30 de março de 2014

A Venezuela e a autonomia geopolítica sul-americana



Em artigo recente publicado na Folha de S. Paulo, Mathias Spektor mencionou que a questão da Rússia e da Ucrânia seria uma oportunidade para o Brasil exercitar sua aspiração de uma ordem internacional de caráter “multipolar benigna”. Ou seja, representaria um momento para auxiliar na realização de seu desejo de diversos pólos de poder mundial que estabilizariam o sistema pela existência de organizações internacionais.  

Por Raphael Camargo Lima


O articulista argumentou que há oportunidade para a política externa brasileira definir e auxiliar na construção do tipo de centro de poder desejado, dado o novo status do país no mundo.

De acordo com essa perspectiva, diria que emergem também novos desafios no prisma regional que precisam ser observados com cuidado. Analisar a geopolítica das organizações regionais e a interação entre os centros de poder nas Américas incita questionamentos igualmente relevantes sobre a evolução da proposta brasileira de regionalismo para as Américas e sua articulação com aquela dos Estados Unidos. Como colocou recentemente José Luís Fiori em duas análises no jornal Valor Econômico, as posições estadunidenses seriam o maior desafio para as ambições da política externa do Brasil no século 21.

Não se trataria, necessariamente, de uma perspectiva de confrontação militar, haja vista que as capacidades dos Estados Unidos são muito superiores às brasileiras. Há desafios de articulação política pelas diferentes visões dos dois países acerca da gestão das questões regionais. Desde o fim da Guerra Fria, observa-se a consolidação de dois projetos complementares, mas que pesam diferentemente na balança dos objetivos políticos dos dois países.

De um lado, os Estados Unidos buscaram consolidar as relações hemisféricas por meio de uma agenda política, militar e econômica. As agendas da Organização dos Estados Americanos (OEA), da Cúpulas das Américas, da proposta, da Área de Livre-Comércio entre as Américas  (Alca) e das Reuniões de Ministros da Defesa das Américas são exemplos que ilustravam a busca estadunidense de estabelecer bases hemisféricas para as organizações internacionais, participando ativamente dessas decisões. Nos anos 1990, em especial, com o fim da Guerra Fria, e o decréscimo da centralidade da agenda de segurança, a via hemisférica tinha bastante força pela proposta da Alca.

De outro lado, a visão brasileira de integração regional tem outras características. Ao longo dos anos, a diplomacia do Brasil jamais deixou de participar dessas organizações. Mesmo ao discordar de determinadas agendas, como a da Alca, por exemplo, a orientação da política externa brasileira foi de não se ausentar da mesa de negociações. Porém, desde o fim dos anos 1990, o Brasil tem optado por munir a América Latina de recursos próprios para lidar com suas crises, sem a necessidade de intervenção política dos Estados Unidos. O país promoveu a primeira Cúpula de Presidentes Sul-Americanos, em 2000, trabalhou pela construção da Casa, em 2004, por sua consolidação como Unasul, em 2008, e pela Celac (Comunidade de Estados Latino-Americanos e Caribenhos), em 2010.

Se há uma articulação de organizações complementares, há também projetos de integração divergentes. Ao passo que o Brasil influencia a criação de instituições para garantir autonomia de decisão aos países da região, pode, como apontou Fiori, gerar tensões com os Estados Unidos no longo prazo. Por isso, está-se observando um novo tipo de geopolítica na região, a da ocupação dos espaços institucionais e decisórios.

A Unasul já demonstrou capacidade de lidar com crises regionais sem a necessidade de intervenção dos Estados Unidos, como no caso da instalação das sete bases estadunidenses na Colômbia e do massacre de Pando na Bolívia. Porém, a atual crise na Venezuela representa um desafio novo, que adianta essas tensões de longo prazo, haja vista que os Estados Unidos participaram ativamente das reuniões da OEA sobre o caso, rejeitaram publicamente a abordagem sul-americana para tratar a questão e ameaçaram adotar sanções contra o governo de Nicolás Maduro. A Venezuela rejeitou a atuação da OEA e apenas aceita mediação da Unasul.

Por isso, o Brasil tem diante de si o grande desafio de mostrar o papel da instituição que criou e sua capacidade de gestão de crises. Para isso, porém, precisa atuar mais ativamente na mediação e na sustentação da Unasul, com mais ênfase do que tem feito o atual governo. A política externa brasileira tem diante de si um quadro complexo que pode ser o prenúncio das próximas décadas do século 21. Agora, a capacidade de organizações regionais que não incluem os Estados Unidos, como a Unasul e a Celac, de resolver crises sem discordância com a grande potência, dependerá de como as cartas serão jogadas na mesa dessa nova geopolítica das organizações.


sábado, 29 de março de 2014

ELN: Destituição do prefeito de Bogotá ameaça processo de paz



O Exército de Libertação Nacional (ELN) afirmou nesta sexta-feira (28) que a destituição do prefeito de Bogotá, Gustavo Petro, pelo presidente Juan Manuel Santos, põe em perigo o processo de paz na Colômbia.

Petro foi deposto de seu cargo por Santos, que desconsiderou as medidas cautelares outorgadas ao prefeito bogotano pela Comissão Interamericana de Direitos Humanos.

A ação do presidente também põe em perigo a possibilidade de um diálogo com a guerrilha do ELN, assinala um comunicado datado de 20 de março nas montanhas da Colômbia, divulgado nesta sexta-feira (28) em Bogotá.

“A destituição de Petro confirma a postura retrógrada da oligarquia colombiana e sua solidariedade de classe”, diz o texto.

O ELN sublinha em seu comunicado que essa medida à extrema direita do presidente demonstra a intolerância para aceitar, nas instituições, posturas críticas e a serviço dos excluídos alcançadas pelas vias constitucionais.

Para o ELN, “se esse é o destino de um prefeito eleito pelo voto popular, o que pode se esperar sobre o respeito e cumprimento dos eventuais acordos subscritos em uma mesa de diálogo com a insurgência”, afirmaram em alusão às conversas entre o Governo e as Farc-EP instaladas em Havana, Cuba.

A Colômbia está desconhecendo "de maneira flagrante a juridicidade internacional", sublinha, “à qual deve ser submetido um governo que em janeiro passado afirmou acatar e respeitar uma decisão em favor do prefeito de Bogotá", caso se confirmasse.

Na opinião da guerrilha, essas "viradas do presidente [Santos] demonstram falta de seriedade ao seu mandato e põem à prova sua disposição e capacidade para cumprir acordos, tanto no âmbito internacional, como interno".

“Como candidato à reeleição transmite uma mensagem negativa aos possíveis eleitores, e é possível também prever um altíssimo índice de abstenções e voto em branco nas eleições presidenciais em maio”, argumentam.

Com atitudes como essas, considera o ELN, “a oligarquia colombiana evidencia sua falta de respeito à vontade popular expressada nas urnas e invalida as eleições como um exercício democrático”.

Tem razão Petro quando afirma que nestes momentos "o voto não vale" e é necessário mudar as instituições, alegam os guerrilheiros.
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Fonte: Prensa Latina

sexta-feira, 28 de março de 2014

"Planos da CIA avançaram muito na Venezuela", diz ex-agente



Raúl Capote é cubano. Mas não um qualquer. Em sua juventude, foi cooptado pela Agência Central de Inteligência (CIA, por sua sigla em inglês) dos Estados Unidos. Ofereceram a ele uma quantidade infinita de dinheiro para conspirar em Cuba. Mas havia um detalhe inesperado pelos Estados Unidos. Capote, na verdade, trabalhava para a segurança nacional cubana. Desde então, cumpriu funções como agente duplo. Conheça a sua história, por meio dessa entrevista exclusiva concedida à Chávez Vive, em Havana.
Como foi seu processo de cooptação?
Começou como um processo de muitos anos, de vários anos de preparo e de cooptação. Eu era líder de um movimento juvenil em Cuba que, naquele momento, deu origem a uma organização, a Asociación Cultural de Hermanos Saiz [Associação Cultural de Irmãos Saiz, em tradução livre], uma associação de jovens criadores, jovens pintores, escritores, artistas. Eu trabalhava em uma cidade do sul de Cuba, centro-sul de Cuba, Cienfuegos, que tinha caraterísticas que, para o inimigo, se tornaram muito interessantes, porque era uma cidade onde estava sendo construído um polo industrial importante naquele momento. Estava sendo construída uma usina elétrica, a única que seria construída em Cuba, e havia muita gente jovem trabalhando na obra. Portanto, era uma cidade que, além disso, tinha muitos jovens engenheiros graduados na União Soviética. Estamos falando dos últimos anos da década de oitenta, durante todo aquele processo da Perestroika. E muitos engenheiros cubanos que chegavam a Cuba nessa época, graduados lá, eram considerados pessoas que chegavam com essa ideia da Perestroika. Portanto, era um território interessante, onde havia muita gente jovem. E o fato de que eu era um líder juvenil de uma organização cultural, que movimentava um importante setor dos engenheiros que estavam interessados pelas artes, interessou os norte-americanos, que começaram a frequentar as nossas reuniões. Nunca se identificavam como inimigos, nem como oficiais da CIA.
Eram vários, ou sempre uma mesma pessoa?
Vários. Não se apresentavam nunca como oficiais da CIA, nem gente que estivesse querendo causar prejuízo.
Quem se supunham que eram?
Apresentavam-se como pessoas que vinham nos ajudar, em nosso projeto, e que tinham a possibilidade de o financiar. Que tinham a possibilidade de o tornar realidade. A proposta, como tal, parecia interessante porque, enfim, um projeto no mundo da literatura requer que você conheça uma editora, que tenha relacionamentos editoriais. É um mercado muito complexo. E vinham em nome de editoras. O que acontecia é que, durante o processo de contato conosco, ficava bastante evidente o que realmente queriam. Porque, uma vez que faziam o contato, que começavam a frequentar as nossas reuniões, que começavam a prometer o financiamento, vinham, então, as condições para sermos financiados.
Que condições exigiam?
Diziam-nos: “Nós temos a possibilidade de pôr o mercado à disposição de vocês, de fazê-los chegar ao mercado do livro ou das artes plásticas ou do cinema ou do que quer que seja, mas nós precisamos da verdade, porque o que se vende no mercado é a imagem de Cuba. A imagem de Cuba tem que ser uma imagem realista, das dificuldades, do que acontece no país”. Queriam viciar a realidade de Cuba. O que estavam pedindo é que você fizesse uma crítica à revolução, baseada nas linhas de propaganda contra Cuba que eles administravam.
Quão alto pode ser o orçamento desta gente?
Eles vinham com uma quantidade de dinheiro infinita por causa da fonte do dinheiro, [que], claro, nós com o tempo conseguimos saber de onde vinha. Por exemplo, a USAID [Agência dos Estados Unidos para o Desenvolvimento Internacional, por sua sigla em inglês] era a patrocinadora maior, a contratadora maior de todo esse orçamento, que era canalizado por meio das ONGs, que muitas vezes eram inventadas para Cuba. Eram ONGs que não existiam, que foram criadas unicamente para esse tipo de trabalho em Cuba, e estamos falando de milhares e milhares de dólares. Eles não trabalhavam com orçamentos reduzidos. Por exemplo, em um determinado momento me ofereceram dez mil dólares somente para incluir elementos da propaganda contra Cuba no romance que eu estava escrevendo.
De que ano estamos falando?
Estamos falando de 1988, 89...
Quantas pessoas podem ter sido contatadas por esta gente, ou cooptadas?
Realmente não durou muito o sucesso da empreitada, porque em Cuba havia toda uma cultura de confrontar esse tipo de coisa, e as pessoas tinham claro que podia existir algo por trás dessa história de quererem nos ajudar. Não era novo na história do país, e, portanto, era muito difícil chegar aonde nós estávamos. Em um momento determinado, lá por 92, nós fizemos uma reunião, todos os membros da organização, e decidimos expulsá-los. Impedir que assistissem qualquer das nossas reuniões. Essa gente, que já estava chegando com propostas concretas, e condicionando, além disso, a ajuda econômica que nos estavam dando. Mas acontece que no momento que nós os recusamos, os expulsamos da sede da associação, então, começaram  a particularizar. Começaram a me visitar, em particular, e a alguns outros colegas, gente jovem. Com alguns tiveram sucesso, ou seja, conseguiram, inclusive, tirar alguns deles do país.
Que perfil eles buscavam, mais ou menos, se é que pode ser especificado um perfil?
Eles queriam, sobretudo nessa época, apresentar Cuba como um país que estava [mergulhado] no caos. Que o socialismo em Cuba não tinha conseguido satisfazer as necessidades da população, e que Cuba era um país que o socialismo tinha levado à pobreza absoluta e que, como modelo, não servia. Era a chave do que se perseguia, sobretudo naquele momento.
Por quanto tempo você foi agente da CIA?
Estivemos nessa história inicial até 94. Porque em 94 eu vim para Havana, voltei à capital e aqui, na capital, comecei a trabalhar no Sindicato dos Trabalhadores da Cultura, um sindicato que representa os trabalhadores da cultura na capital, e me tornei ainda mais interessante para eles, porque passei de dirigir, de ser líder de uma organização juvenil que tinham 4.000 membros, a diretor de uma organização sindical que tinha 40.000 filiados. Ou seja, uma organização sindical com 40.000 filiados, somente na cidade de Havana. E, então, a coisa ficou bem mais interessante. Continuaram os contatos. Nessa época apareceu uma professora de uma nova universidade que veio com a missão de promover a produção da minha obra literária, de se transformar em minha representante, de organizar eventos.
Pode dar o nome?
Não, porque realmente usavam pseudônimos. Nunca usavam os nomes reais. E esse tipo de trabalho, de me promover como escritor, era no que eles estavam muito interessados, porque queriam me transformar em uma personalidade dentro desse mundo. Assim, me comprometeriam com eles de maneira indireta. E aí, em 2004, chegou a Havana uma pessoa que é bem conhecida na Venezuela, a Kelly Keiderling. Kelly veio a Havana trabalhar como chefe do Escritório de Imprensa e Cultura. Prepararam uma reunião, um coquetel, e nesse coquetel tive um encontro com doze servidores públicos norte-americanos, norte-americanos e europeus. Não somente eram norte-americanos. Eram todos pessoas que tinham experiência, alguns que tinham experiência, inclusive, dentro da própria União Soviética, outros tinham participado de treinamentos na Iugoslávia, na Revolução das Cores, e tinham muito interesse em me conhecer. Kelly se transformou em uma pessoa muito próxima. Começou a me a preparar, a me a instruir. Comecei a receber dela um treinamento muito sólido: a criação de grupos alternativos, a criação de grupos independentes, a organização e formação de líderes juvenis, sobretudo, em projetos de cultura, mas que sempre fossem alternativos, que não participassem do trabalho das instituições culturais. Isso foi em 2004-2005. Kelly saiu praticamente de cena em 2005-2006. E eu comecei a trabalhar, ela me apresentou, me colocou em contato direto, com oficiais da CIA. Supostamente, eu já estava comprometido com eles, estava pronto para a próxima missão, e me puseram em contato com Renee Greenwald, um oficial da CIA que começou a trabalhar comigo de maneira direta, e com um senhor que se chamava Mark Waterhein, que era, nesse momento, o chefe do Projeto Cuba, da Fundação Pan-americana para o Desenvolvimento.

Este senhor Mark, além de dirigir o Projeto Cuba, tinha um vínculo direto com Cuba, na questão do financiamento do projeto contra a Revolução, além de estar envolvido em tarefas contra a Venezuela. Ou seja, era um homem que [...]; muitos de sua equipe, dos servidores públicos desse famoso projeto, também trabalhavam contra a Venezuela nessa época. Estavam estreitamente vinculados. Às vezes, era muito difícil diferenciar quem trabalhava com Cuba e quem não, porque muitas vezes se intercalavam. Por exemplo, havia venezuelanos que vinham trabalhar comigo, que trabalhavam em Washington, que estavam subordinados à Fundação Pan-americana e à CIA, e vinham a Cuba também para me treinar, e trazer suprimentos. Daí nasce a ideia de criar uma fundação, um projeto que se chamou Gênesis.

O Gênesis é talvez a matriz, como ideia, de muitas das coisas que acontecem no mundo no dia de hoje, nesse momento, porque o Gênesis é um projeto dirigido aos jovens universitários cubanos. Estavam fazendo algo similar na Venezuela. Por que, o que acontece? A ideia era transformar as universidades — universidades que sempre foram revolucionárias, que tinham produzido revolucionários, de onde saíram muitos dos revolucionários de ambos os países —, em universidades que fossem fábricas de reacionários. Então, como você pode fazer isso? Formando líderes. O que começaram a fazer na Venezuela? Enviavam estudantes para a Iugoslávia, financiados pelo Instituto Republicano Internacional (IRI), que era financiado pela USAID e pelo Albert Einstein Institute, e os enviavam, em grupos de dez, com seu professor.
Sabe os nomes dos venezuelanos?
Não, estamos falando que enviaram centenas. Eu falava com o professor, e olhava um grupo e depois outro. Porque estavam trabalhando no longo prazo. Era o mesmo plano contra Cuba. O Gênesis promovia, dentro da universidade, um plano de bolsas de formação de líderes para estudantes cubanos e professores cubanos. O plano era muito parecido. Inclusive, em 2003, eles prepararam aqui, em Havana, um curso na Seção de Interesses dos Estados Unidos que se chamava Derrubando um Líder, derrubando um ditador, que está baseado na experiência de [do movimento] Otpor para tirar Milosevic do poder. E é a ideia, dentro da universidade cubana, estavam trabalhando no longo prazo, porque todos esses projetos têm sempre um prazo longo para que tenham resultado. Por isso, também começaram cedo na Venezuela. Eu acho, inclusive, não tenho provas, mas acho que na Venezuela começaram antes do governo de Chávez, porque o plano de transformar as universidades latino-americanas, que sempre foram fontes dos processos revolucionários, em universidades reacionárias, para reverter a situação e criar uma nova direita, é mais antigo que o processo venezuelano.
A CIA só trabalha em Caracas?
Não, trabalha em toda a Venezuela. Mas, naquele momento, o Gênesis tinha um plano de bolsas para formar líderes em Cuba. Propunham aos estudantes uma bolsa em uma grande universidade norte-americana, ou uma grande universidade europeia, para se formarem como líderes, com tudo pago. Cobriam suas despesas, lhes davam bolsas completas. Estamos falando de 2004-2005. Era muito evidente. Então, esses líderes voltariam à universidade em algum momento. Eram estudantes. Terminariam sua graduação. Esses líderes, quando terminassem suas graduações, ocupariam diferentes cargos, diferentes possibilidades, como engenheiros, como licenciados em diferentes setores da sociedade cubana, mas alguns estariam constantemente preparando líderes dentro da universidade. Uma das missões mais importantes dos líderes das universidades era ocupar a liderança das principais organizações juvenis da universidade. No caso de Cuba, estamos falando da União de Jovens Comunistas e da Federação Estudantil Universitária, ou seja, [a ideia] não era criar grupos paralelos nesse momento, mas liderar as organizações que existiam em Cuba. Ao mesmo tempo, formar um grupo de líderes nas estratégias de golpe suave. Ou seja, treinar gente para que, quando o momento fosse oportuno, no momento ideal, pudessem acontecer as famosas revoluções de cores ou guerras não violentas, que você sabe bem que, de não violentas, não têm nada.
Que perfil buscam em um professor, para ser cooptado?
É muito fácil no caso dos professores. Identificam na universidade professores descontentes com a instituição, gente frustrada, porque consideram que a instituição não lhes banca, ou não reconhece seus méritos. Se são idosos, melhor ainda. Não especificam. Escolhem pessoas idosas para que você as selecione. Se ele recebe uma bolsa, ou e, de repente, recebe um convite para participar de um grande congresso internacional de determinada ciência, ele vai estar eternamente agradecido, porque foi você que descobriu seu talento, que nunca tinha sido reconhecido pela universidade. Então, constroem um currículo desse homem que você manda estudar fora, que é da sua universidade e que participa de um grande evento e tem sua obra publicada. Quando [um professor desse tipo] regressava a Cuba, regressava com um tremendo currículo, porque tinha participado de um evento científico de primeiro nível, passado por cursos em grandes universidades, e seu currículo tinha se tornado muito bom, portanto, a influência que ele poderia ter na universidade era maior, porque poderia ser reconhecido como uma personalidade em sua especialidade, embora na prática o homem fosse um ignorante.
E, quão eficientes eram esse tipo de cooptações, esse tipo de missões que eles vinham cumprir?
No caso de Cuba, não deu muito resultado. Primeiro, por uma razão importantíssima: quem estava dirigindo o projeto era eu, e eu realmente não era um agente da CIA, era um agente da Segurança Cubana, portanto, todo o projeto passava por minhas mãos, e esperava-se que eu o executasse, o plano passava sempre pelo trabalho que eu podia fazer, e o que fazíamos era atrapalhá-lo o máximo possível, ao termos conhecimento, de imediato, do que se estava planejando. Mas atente para o fato de que o fim do plano estava calculado para o momento em que desaparecessem as figuras históricas da Revolução. Eles estavam calculando um prazo de cinco ou dez anos para que Fidel desaparecesse da cena política, e desaparecessem de cena Raúl e os líderes históricos do país. Esse era o momento que estavam esperando, quando isso acontecesse, [um movimento] deveria surgir da universidade, com todo o apoio da imprensa internacional e com todo o apoio das ONGs, da USAID, e de toda esta gente que trabalha ao redor do dinheiro norte-americano da CIA, e surgiria uma organização que se apresentasse publicamente como uma alternativa ao que a Revolução estava fazendo. Isso é o que acontecia com a Fundação Gênesis para a Liberdade.
O que é essa Fundação?
A Fundação Gênesis para a Liberdade deveria ter um discurso aparentemente revolucionário porque a ideia era confundir as pessoas. A ideia é que dissessem que eram revolucionários, que o que queriam era fazer mudanças no governo, mas, na prática, na essência do projeto, quando você se perguntava qual era o projeto, o discurso e o projeto eram exatamente os mesmos da direita tradicional, porque as mudanças que eles promoviam eram as mudanças que a direita, fazia tempo, estava promovendo dentro do país. Na prática, quase tiveram a grande oportunidade, segundo o critério deles, em 2006, quando foi dada a notícia na televisão de que Fidel, por razões de doença, deixava de ocupar as responsabilidades que tinha no governo, e eles sempre disseram que a Revolução Cubana, no dia que Fidel morresse, iria cair. Porque a Revolução era Fidel e a Revolução cairia no dia seguinte ao que Fidel não estivesse ali, se morresse ou saísse do governo, e calcularam que aconteceriam confrontos internos, que haveria descontentamento com isso, com aquilo. Cálculos que não sei de onde tiraram, mas acreditavam neles. E, naquele momento, acharam que era hora de começarem a atuar.
Estamos falando de 2006. E qual era o plano?
Contataram-me automaticamente. Nos reunimos com o chefe da representação da CIA, aqui em Havana, e também apareceram diplomatas, e um me disse: “Vamos organizar uma provocação. Vamos organizar um levantamento popular em um bairro central de Havana, que tenha uma pessoa que esteja disposta a liderar, pela democracia, e vamos executar um grupo de provocações, em diferentes locais, de forma que as forças de segurança cubanas se vejam obrigadas a atuar contra essa gente, e depois vamos armar uma grande campanha de imprensa” — e começa a explicar como todo isso ia funcionar. O interessante disso, o que chamava muito a atenção, era como poderia ser possível que um servidor público da Seção de Interesses dos Estados Unidos tivesse o poder de convocar os principais meios de comunicação, e que essa gente o obedecesse com esse servilismo? Era muito chamativo. A ideia era [um disparate]; inclusive eu lhe disse: “Isso que você está me dizendo é um disparate. Este homem que você menciona, — o rapaz que eles tinham escolhido para ser o cabeça do levantamento se chamava Alci Ferrer, um agente jovem, médico — esse rapaz não vai liderar ninguém. Ninguém vai protestar no centro de Havana.”

A data que tinham escolhido era nada menos que o dia do aniversário de Fidel, e me disseram: “Esse [é o] dia!”, e eu disse: “Olha cara, se esse homem, nesse dia, resolver fazer um discurso, ou quiser incitar qualquer coisa no centro de Havana, o povo vai responder forte, inclusive, é possível que o matem. Porque, se ele se põe em um bairro de trabalhadores humildes a fazer essas coisas, os vizinhos...”. E ele me diz, textualmente: “O melhor que pode acontecer é que matem esse homem; se matam esse homem, seria perfeito”, e me explica o que iria acontecer. “Só falta ele provocar. Que saiam para a rua, e que aconteça um enfrentamento ali. Se acontecer isso, a imprensa vai se encarregar de construir o resto”, e completa: “Vamos armar uma grande campanha midiática para demonstrar que em Cuba há caos; que em Cuba há ingovernabilidade; que em Cuba, Raúl é incapaz de sustentar as rédeas do Governo; que a população civil está sendo assassinada, que os estudantes estão sendo reprimidos na rua, assim como o povo na rua, que a polícia está cometendo crimes”. Qualquer semelhança com a Venezuela não é puro acaso. Assim é.
Então, o que deveria acontecer nessas circunstâncias?
Uma vez que estivessem criadas todas as matrizes de opinião, e que todas as matrizes midiáticas tivessem construído essa imagem, que o mundo inteiro tivesse a visão de que em Cuba estava acontecendo um grande desastre, e que estavam matando pessoas; e que tudo estava acabando, minha organização deveria cumprir a tarefa final.
Qual era a tarefa final?
Bom, convocar a imprensa internacional, em minha condição de professor universitário, em minha condição de escritor, em minha condição de líder dessa organização, solicitar publicamente ao governo dos Estados Unidos a intervenção de Cuba para garantir a vida dos civis e para trazer tranquilidade e paz ao povo cubano. Falar ao país em nome do povo cubano. Imagina só!

Esse plano fracassou. Não deu certo, mas, quando você vê, depois, a maneira como se armou a guerra na Líbia, a maneira como foi construída. Mais de 80% da informação que vimos foi construída, fabricada. O mesmo fizeram na Síria, o mesmo na Ucrânia. Tive a oportunidade de conversar com muitos ucranianos, agora que estiveram nas bases. Pessoas que estão a favor de se unirem à Europa. Eu procurei falar com eles esses dias. Buscando saber como foram esses processos. E eles ficaram assombrados com as imagens que o mundo transmitiu. O que aconteceu em Miami , e eles mesmos o dizem: “Nós estávamos protestando aí, mas essas coisas que aparecem na televisão, isso era um grupo, ou seja, tinha setores, locais onde havia grupos de direita, de uma direita muito extrema, onde houve incidentes desse tipo, e onde botaram fogo, mas, a maior parte das manifestações não teve essas caraterísticas”. Ou seja, esta é, uma vez mais, a repetição do esquema, usando todos os meios de comunicação.
O relacionamento entre o da CIA e as embaixadas, nos respetivos países, é direto, então?
Sim, totalmente. Cada embaixada da América Latina, todas as embaixadas norte-americanas têm oficiais da CIA, trabalhando dentro delas, que utilizam a fachada de servidores públicos diplomáticos.
Até onde você sabe, onde há maior presença da CIA na região?
Bom, em um determinado momento, o Equador foi uma potência forte nisso, tinha uma concentração forte e, com certeza, a Venezuela, porque em 2012, quando eu fui à Feira do Livro em Caracas, toda essa gente que trabalhou comigo contra Cuba, todos os oficiais da CIA, inclusive Kelly Keiderling, estavam em Caracas. E eu participei de um programa de televisão, lá na [emissora] Venezuelana de Televisão, no qual falamos sobre esse tema, sendo muito cuidadosos porque estamos falando de dois países que têm relações. Esse não é o caso de Cuba, ou seja, Cuba não tem relacionamentos com os Estados Unidos, é um inimigo declarado. Mas estávamos falando de servidores públicos que tinham relações diplomáticas e era muito embaraçoso fazer isso, sem ter provas concretas que pudessem ser apresentadas. Assim mesmo, a entrevista e a denúncia do que estava acontecendo foram feitas. Kelly Keiderling é uma perita nesse tipo de guerra. Eu não tenho a menor dúvida. Quando se segue o itinerário dela... Os países onde esteve, e quando esteve nesse tipo de conflito.

Ela percorreu uma série de países do mundo, onde ocorreram situações muito semelhantes a que ela se empenhou em realizar na Venezuela. E quando você analisa a Venezuela e o que aconteceu nos últimos dias e a maneira como se atuou, eu penso que na Venezuela foram tremendamente agressivos na manipulação da informação. Tremendamente agressivos. Chegarem a tal ponto que é uma torpeza, porque há imagens que evidentemente nem são na Venezuela. Eu estava vendo uma muito famosa, na qual aparece um soldado com um jornalista, com uma câmera, que são coreanos. Essa é uma imagem da Coréia. São asiáticos. Não se parecem em nada com um venezuelano. Inclusive os uniformes que utilizam. Foram muito agressivos com a imagem que se projetou ao mundo do que acontece na Venezuela. Controlam os meios. A maior parte das pessoas do mundo está vendo a imagem do que eles estão querendo dizer.
Eles controlam a mídia, há algum jornalista, conhecido ou não conhecido, que você tenha visto nos processos de treinamento?
Não.
A CNN, por exemplo?
Não. Tinha um cara que estava muito vinculado, em um dado momento, à mim aqui, que serviu de ligação para que eu conhecesse um oficial da CIA, que era o Antony Golden, que era de Reuters, mas, enfim, era um elemento  independente de Reuters. A CNN tem estado sempre muito vinculada a todas essas coisas. A CNN, desde o período de trabalho [da CIA], e sobretudo nessa última etapa de trabalho, e, especialmente a CNN em espanhol, tem sido uma ferramenta indiscutível do trabalho desta gente, mas, o problema é que é necessário entender uma coisa para poder compreender o que está acontecendo: para poder armar uma campanha destas é necessário entender que, hoje em dia, não existe nenhum tipo de canal de televisão que atue por si só. Aí estão os conglomerados das comunicações, e quem os dirige? Por exemplo, a Time Warner e a Aol, e todas essas grandes companhias da televisão a cabo, de televisão em general, de cinema, enfim, quem é o dono? É a Westinghouse, a General Electric. Os mesmos que te fabricam um avião de combate, a mesma indústria armamentista norte-americana, é a mesma gente que hoje em dia é dona das cadeias de televisão, das produtoras de cinema, dos jornais, das editoras de livros. Então, os mesmos caras que produzem um avião de combate, e que [produzem] um biscoitinho doce que você vai comer à noite, que te apresentam um artista, são os mesmos que dirigem os diários do mundo inteiro. A quem responde essa gente?
Quando você vê o que está acontecendo na Venezuela, e compara com o que tinha planejado em Cuba, a que conclusão pode chegar?
É uma estratégia nova, que foram desenvolvendo com a experiência que tiveram no mundo inteiro, mas vejo, estou convencido, de que só deu certo, quando nesses locais o povo não apoia a revolução. Conseguiram com [Slobodan] Milosevic [ex-presidente iugoslavo] porque Milosevic era um líder na Iugoslávia já com uma imagem muito decadente, por causa das coisas que aconteciam na Iugoslávia. Aconteceu o mesmo na Ucrânia, porque [Viktor]Yanukovych [ex-presidente ucraniano] era um homem que tinha muito pouco apoio popular, e deu resultado em outros locais, a partir do pouco apoio que tinham os governantes, por parte do povo. Onde quer tenha havido um governo legítimo, um governo sólido, e gente disposta a defender a revolução, o plano fracassou.
E, para que fase passamos quando esse plano falha?
Vão continuar tentando, eles vão continuar [se] aperfeiçoando. Nós somos o inimigo. Ou seja, Venezuela, Cuba, tudo o que se está fazendo na América Latina como uma alternativa. Nós somos os dissidentes do mundo. Nós vivemos em um mundo onde o capitalismo domina. Onde domina essa nova maneira de ser do capitalismo, que já nem sequer se pode chamar de imperialista, é algo novo, algo que vai bem além do que os estudiosos do marxismo escreveram na história, anos atrás. É algo novo, inovador. É um poder praticamente global das grandes transnacionais, desses megalopólios que criaram. Então, nós somos o inimigo. Nós estamos apresentando um projeto alternativo. A solução que o mundo nos propõe não é essa. Nós sabemos como fazer, e Cuba, Venezuela, os países da Alba [Aliança Bolivariana para as Américas], demonstraram que pode ser feito, que não é nada mais, [que dure] um ou dois dias. A Revolução Cubana tem 55 anos de existência. Está validada por 55 anos de existência, e, com vontade política, conseguiu fazer coisas que o governo norte-americano, nem com todo o dinheiro do mundo, conseguiu. Então isso é um mau exemplo.

Eu dizia a meus estudantes, vocês imaginam se os “indignados ” na Espanha, se os milhares e milhões de operários que na Espanha não têm trabalho, se os gregos, se toda essa gente no mundo inteiro, soubesse o que nós estamos fazendo? Você imagina se as pessoas soubessem quem é Chávez? Ou quem é Fidel? Ou as coisas que estamos fazendo aqui? E as coisas que estamos fazendo com tão poucos recursos, só com a vontade de fazer a revolução, e repartir a riqueza? O que aconteceria com o capitalismo? Quanto duraria o capitalismo, que tem de gastar biliões de dólares, todo os dias, para construir sua imagem e enganar as pessoas? O que aconteceria se as pessoas soubessem quem somos realmente? Que coisa é realmente a Revolução Cubana, e que coisa é, realmente, a Revolução Venezuelana? Porque, se você fala com um espanhol e pergunta a ele sobre Chávez, ele te dá uma opinião péssima de Chávez porque é o que construíram em sua mente; e você encontra um desempregado que te diz que Chávez é um cara terrível porque a mídia o convenceu que é assim, mas, se essa gente soubesse do que se trata realmente [...] Então, eles não podem permitir que inimigos tão formidáveis, como nós, estejamos ali, à porta.
Do ponto de vista da soberania nacional de nossos povos, como pode ser freado o trabalho da CIA? Já falávamos da consciência do povo, que é fundamental neste tipo de ações, mas, concretamente, como se pode prever o trabalho da CIA? O que pode ser feito? Que recomendações faria?
Penso que há uma coisa que Chávez disse, e que Fidel também disse sempre, que é a chave para derrotar o império, que é a unidade. Não é uma palavra de ordem, é uma realidade. É a única forma que você tem de derrotar um projeto como esse. Projeto surgido dos Serviços Especiais, e surgido do capitalismo. Só é possível com a unidade popular.
Estaríamos falando de uma unidade cívico-militar?
Sim, a unidade em todos os sentidos. A unidade baseada na diversidade, nos povos, mas, a unidade como nação, a unidade como projeto. Onde quer que as pessoas se dividam, há outra realidade.
Onde é necessário se concentrar? Em que área é necessário concentrar a força, para se defender deste tipo de ações, deste tipo de ataques?
O exército para derrotar isso é o povo. Eu acho que a experiência cubana o ensinou muito bem. Há experiências no mundo que mostram muito claramente. O que aconteceu no mundo, quando não foi o povo o protagonista da defesa da revolução? E quando o povo foi protagonista, o que aconteceu? E é o caso de Cuba. Nós conseguimos derrotar milhões de vezes a CIA e o Império porque o povo foi o protagonista.
A CIA utiliza o banco de dados das redes sociais, e esse tipo de coisas, para definir seus planos?
São os donos. São os donos disso. Bom, aí estão as denúncias de [Edward] Snowden e tudo o que saiu no Wikileaks, e todas essas coisas que, não é que seja um segredo para ninguém, porque se suspeitava, mas está demonstrado. Está demonstrado que os servidores, a internet, são deles. Todos os servidores do mundo, afinal, morrem nos servidores dos norte-americanos. São a mãe da internet e de todas as redes e os serviços estão controlados por eles. Eles têm acesso a toda informação. E não põem limites na hora de gravar. O Facebook é um banco de dados extraordinário. As pessoas põem tudo no Facebook. Quem são os amigos, que gostos têm, que cinema veem, o que consomem. E essa é uma fonte de informação em primeiríssima mão.
Tem estado em contato com Kelly Keiderling, após o que passou na Venezuela?
Não, não tive contato com ela. Não sei qual foi seu destino final, depois do que aconteceu (ela foi expulsa da Venezuela por se reunir com terroristas e financiá-los).
Com a experiência que ela tem, até que ponto pode ter penetrado na Venezuela, e nas universidades venezuelanas?
Eu tenho certeza de que chegou bastante longe. É uma agente muito inteligente, muito bem preparada, muito capaz, e muito convencida do que está fazendo. A Kelly é uma pessoa convencida do trabalho que está realizando. Convencida da justeza do seu ponto de vista, do que está fazendo. Porque é uma representante incondicional do capitalismo. Porque provém da elite do capitalismo. É orgânica da ação que está realizando. Não há nenhum tipo de contradição. E, baseado na experiência de seu trabalho, de sua capacidade, tenho a segurança de que ela conseguiu chegar bem longe, conseguiu chegar bem longe e deu continuidade a um trabalho que não é de agora, é um trabalho que vem sendo feito há muito tempo, de reverter o processo nas universidades venezuelanas. Mas até onde podem chegar, no longo prazo, é o processo bolivariano que vai mostrar, na medida em que as pessoas tenham consciência do que pode acontecer. Se essa direita fascista se tornar incontrolável, conseguirá chegar ao poder outra vez.
Qualquer pessoa que tenha contatos, que tenha como chegar ao povo, qualquer ativista de um movimento, pode ser cooptado pela CIA?
Vão encontrá-lo, vão tentar fazê-lo. Se for jovem e líder, vão tentar cooptá-lo para seus interesses. Nós temos de formar os nossos líderes. Nós não podemos deixar isso à espontaneidade, nem podemos deixar isso ao inimigo. Então, se deixamos ao inimigo, são espaços que o inimigo ocupa. Um projeto alternativo que nós deixamos sem atender, que não percebemos a necessidade de nos aproximarmos dele, é um projeto do que o inimigo vai tentar, por todos os meios, tomar para si. Usando a enorme quantidade de dinheiro que tem para isso, que não tem limite, quanto a recursos que pode utilizar, porque está em jogo o futuro e, sobretudo, os jovens são a chave.

O bom é que os jovens são o presente da América Latina. A revolução latino-americana que está aqui, que está em todos os lados, é dos jovens. Se não fosse, bem, nunca teria resultado, e se você conseguisse que esses jovens pensassem diferente, se você conseguisse que esses jovens achassem que este capitalismo selvagem é a solução a todos seus problemas, então, não há revolução para a América latina. Simplesmente.

quarta-feira, 26 de março de 2014

Inédito: CIDH discute falência da guerra às drogas na AL


A Comissão Interamericana de Direitos Humanos (CIDH) se prepara para receber, nesta terça-feira (25), a primeira audiência temática de sua história sobre as políticas de drogas na América Latina. A reunião foi convocada por 17 organizações de direitos humanos do continente, entre elas a Conectas, e tem como pano de fundo um expressivo avanço no debate internacional sobre o tema.


Na semana passada, o UNODC (Escritório das Nações Unidas contra a Droga e o Crime) admitiu, em relatório, que a “descriminalização pode ser uma forma eficaz de ‘descongestionar’ as prisões, redistribuir recursos para atribuí-los ao tratamento e facilitar a reabilitação”.A OEA, na mesma direção, promoveu no ano passado a assinatura da Declaração de Antígua, comprometendo-se com uma política integral de enfrentamento do problema, com foco na redução da violência e na garantia dos direitos humanos.



“O contexto é dos mais favoráveis para discutir o fracasso e o anacronismo das políticas proibicionistas e bloquear tentativas de retrocesso, como a que vemos no Brasil, com o PLC 37”, afirmou Rafael Custódio, coordenador de Justiça da Conectas, fazendo menção ao projeto de lei de autoria do deputado Osmar Terra (PMDB/RS) que propõe aumento das penas relacionadas ao consumo de drogas.


“Por não estabelecer uma clara diferenciação entre quem é traficante e quem é usuário, esse tipo de abordagem só amplia as desigualdades que estão na raiz do problema das drogas, vitimando a população pobre e negra das periferias”, completou.


Fracasso


Segundo documento entregue pelas entidades à CIDH, o número de pessoas presas por tráfico de drogas no Brasil aumentou 62% nos anos posteriores à aprovação da Lei de Drogas em 2006. Entre as mulheres, o aumento foi de 600% entre 2005 e 2010.


Problemas similares foram identificados em outros países da região. No México, por exemplo, a chamada “guerra às drogas” custou a vida de 100 mil pessoas e o desaparecimento de outras 25 mil. Os casos de tortura no país, segundo organizações locais, aumentaram 500%.


“Estamos repetindo mimeticamente políticas que provaram sua ineficácia, e isso se faz sem que se conheça a dimensão real do fenômeno nem os elementos que promoveram sua evolução durante os últimos 20 anos”, diz a petição.


“Cada vez se mostra mais insustentável o desequilíbrio implícito na estratégia antidrogas vigente. Mais recursos para combater a oferta; maiores orçamentos para as agências federais e subnacionais encarregadas do componente punitivo; pouca integralidade nas políticas lançadas; escassa coordenação interinstitucional; e baixa cooperação interestatal apenas provocarão mais frustração ante o fenômeno das drogas.”


Fonte: Sul21

terça-feira, 25 de março de 2014

Venezuela: Resistência popular à intentona golpista


Por: Carlos Casanueva Troncoso
A Venezuela bolivariana e o governo de Nicolás Maduro enfrentam o mais forte ataque imperialista desde o falecimento do comandante Chávez, uma tentativa insurrecional de tomada do poder político, ordenado por Washington e executado pelo setor mais radical da oligarquia venezuelana apoiado por uma campanha midiática internacional sem precedentes na revolução.
A decisão política de passar à ofensiva na Venezuela é parte de um plano do império que não começou em 12 de fevereiro, mas há vários anos, com a tentativa de isolar a revolução do contexto latino-americano e recuperar o controle de seu “pátio traseiro” com avanços eleitorais e golpes vitoriosos ou frustrados como os casos de Honduras e Paraguai, México, Panamá, Chile, Colômbia (Criando a Aliança do Pacífico). Paralelamente, intensificou a campanha midiática e desestabilizadora na Venezuela, apoiando o setor “eleitoral” da direita, investindo grandes somas nas últimas 4 eleições com Capriles encabeçando e uma aliança instrumental de todos os setores da direita (MUD). Neste sentido, o império deu luz verde ao setor que, pela via constitucional democrática, sugeria que era possível acabar com o governo, ainda que paralelamente estivesse formando, financiando e coordenando um destacamento juvenil e radical (Javu) e o Partido Voluntad Popular, de Leopoldo López e seus aliados (María Machado, Antonio Ledesma, Julio Borges, entre outros).
A morte do Presidente Chávez os levou à conclusão que o momento de passar à ofensiva total tinha chegado. Apostaram nas eleições de 14 de abril, obtendo uma alta votação e gerando um clima de desestabilização (ensaio insurrecional) de três dias, que gerou vários mortos e deu início à ação de suas forças mais reacionárias com um saldo de vários mortos, feridos e danos ao patrimônio público. Sua capacidade de manobra foi nacional e muito consistente, porém não conseguiu o apoio das classes populares ou de setores do chavismo que tivessem restado ou se somado à votação da direita de 14 de abril. Assim, decidiram pela retirada tática de suas forças para preparar as condições objetivas necessárias para passar à ofensiva mais adiante e não perder capital eleitoral obtido até então.
O império compreendeu que atacar o chavismo e a imagem do comandante Chávez era contraproducente e apenas geraria mais coesão interna em torno de Nicolás Maduro e o governo bolivariano (os filhos de Chávez e continuadores de sua obra). Portanto, a guerra econômica devia intensificar-se para gerar maior descontentamento na população dos setores médios e baixos, base de sustento do chavismo, aproveitando as deficiências e contradições internas da revolução bolivariana.
A ordem ao empresariado foi taxativa e radical: afogar a economia venezuelana a partir do mês de setembro de 2013, para que esse descontentamento se expressasse eleitoralmente em 14 de dezembro, que foi definido pela oposição como um plebiscito. Nos planos da direita, a perda de sua votação histórica por parte do chavismo sentaria as bases para convocar uma saída insurrecional.
No entanto, os resultados eleitorais não foram os esperados pela direita e o chavismo voltou a triunfar. Assim, a votação da direita deu uma virada para o setor mais radical representado pelo Voluntad Popular. Isto provocou um distanciamento dos setores mais moderados da via eleitoral encabeçados por Capriles, Adecos e Copeyanos, se impondo a via insurrecional de Leopoldo López, María Machado, Antonio Ledezma e outros, que atribuíram um papel protagonista aos setores ultradireitistas de estudantes universitários. Dessa forma, ativaram uma série de intentonas a partir das marchas autoconvocadas sem maior êxito até ocorrerem os primeiros eventos em Mérida e  Táchira, que deram base para a palavra de ordem “la salida, vete ya”, invocada por López e Machado em 23 de janeiro.
Finalmente, acredito ser necessário pontuar alguns elementos que fazem acelerar este chamado e a agenda de protestos por parte dos EUA e seus fantoches na Venezuela:
1° – Eles percebem um enfraquecimento do governo bolivariano e a capacidade de condução de Nicolás Maduro, junto a debates internos que evidenciam contradições no seio das bases e do governo quanto a como enfrentar a oligarquia e a qual modelo deve ser construído nesta fase do processo. Um debate aberto nas bases e nas redes sociais, onde aparecem tendências do chavismo desde os mais pragmáticos, desde os que planejam uma ofensiva para o aprofundamento do socialismo e os que planejam um capitalismo de estado e negociação com parte da direita política-econômica (como fim em si mesmo ou tática para ganhar tempo e consolidar-se politicamente até as próximas eleições em fins de 2015).
2° – Se fosse dado tempo ao chavismo, este poderia consolidar-se e passar rapidamente a uma ofensiva gradual de aprofundamento e as correlações de forças mais radicais poderiam ganhar peso no próximo congresso do PSUV, marcado para entre os meses de março e julho do presente.
3° – Na esfera econômica, as aproximações do governo com o setor empresarial poderiam estabilizar por um tempo a economia; entretanto, são injetados novos recursos para diversificar a produção-importação e estabilizar o abastecimento (convênios com fundos chineses, russos e outros).
4° – O empresariado (FEDECAMARAS e outros) enfrenta o dilema de manter sua ofensiva (guerra econômica derrotada em 2014) com os custos econômicos e a possibilidade de ser expropriado, conduzindo à radicalização do modelo econômico venezuelano, ou dialogar com o governo para obter uma maior estabilidade econômica, aumentando seus lucros (a experiência do golpe de 2002 e a greve patronal deixaram este setor com enormes prejuízos e altos custos que tiveram que assumir sozinhos), considerando que nas últimas derrotas eleitorais da direita esta estratégia foi derrotada (14 de dezembro). São empurrados ao pragmatismo e a não envolverem-se em intentonas insurrecionais como a planejada, incorporando-se ao chamado do governo a um diálogo e às mesas de Paz.
5° – Na esfera internacional, a última reunião da CELAC, em Cuba, a influência da Venezuela na Unasul, Mercosul, Petro-Caribe, ALBA, significaram um revés e um isolamento da política norte-americana na região (exemplo disto é a recente reunião da OEA, onde tentaram, através do Panamá, condenar a Venezuela e invocar a carta democrática para endossar uma intervenção, recebendo uma derrota histórica de 29 a 3 – EUA, Canadá e Panamá). A Venezuela recebeu um grande apoio na reunião da Unasul, em 12 de março, em Santiago do Chile, onde se acordou uma missão de acompanhamento aos diálogos de PAZ promovidos pelo governo bolivariano.
6° – A crise econômica do império se agrava e sua ofensiva para a Líbia, Síria, Irã, Ucrânia demonstra seu desespero para anexar recursos geoestratégicos, considerando o papel da Venezuela nos recursos energéticos, colocada como prioridade nesta ordem. 
O processo insurrecional de golpe brando que se intensificou a partir de 12 de fevereiro, denotou uma subvalorização deste setor, pois se considerou que a agenda e os diálogos a partir de 14 de dezembro com setores da direita teriam feito abortar a saída violenta ou, ao menos, afastado o grupo mais fascistóide e radical da MUD. Caracas se descuidou e, em 12 de fevereiro, permitiu-se o início de um plano violento deste setor com mortos e muita violência. Assim, foi ativada uma fase nacional de “guarimbas” (barricadas) já planejadas e coordenadas em várias capitais de estados que, segundo o planejamento da direita, culminariam em 18 de fevereiro, com um golpe, conforme denunciou o jornalista José Vicente Rangel. Até o dia de hoje, com distintos níveis de intensidade e graus de violência, tais “guarimbas” mantiveram-se, inicialmente, em 18 municípios do país, reduzindo-se a 6 ou 8 atualmente.
A partir desse momento e até agora, a agenda da direita e a liderança da mesma estão marcadas pelo setor neofascista insurrecional, – com o apoio incondicional do Departamento de Estado norte-americano –, que repudiou participar das mesas de paz, arrastando o resto da direita com eles através da pressão e da coação, ameaçando os dirigentes, parlamentares e prefeitos de seu setor, para que não participem de nenhuma aproximação com o governo. O mesmo se passa no setor estudantil de direita, até o momento, com um saldo de mais de 30 mortos e 200 feridos, a maioria vítimas da violência, produto das ações violentas do fascismo. Por outro lado, a direita econômica, representada pela FEDECAMARAS, FEDEINDUSTRIA e outros, se mantém nas Mesas de Paz econômicas.
A Força Armada Nacional Bolivariana se mostrou coesa, constitucional e em repúdio a qualquer aventura golpista, apesar das provocações e pressões que recebe por parte de atores da direita, ratificando sua lealdade ao governo bolivariano e ao presidente Nicolás Maduro.
Quanto aos setores populares organizados e às bases chavistas, mantêm-se em mobilização pacífica na rua, em apoio ao processo e ao governo bolivariano, cerrando fileiras ante o inimigo de classe. Os setores populares percebem o “protesto” como uma ação da oligarquia com fins políticos que não os representam e repudiam a violência. Os coletivos revolucionários se mantêm com uma forte disciplina e não caíram na provocação do enfrentamento e guerra  civil, mantendo-se mobilizados em seus territórios e alertas a qualquer mudança de situação.
A unidade e coesão interna nas fileiras do chavismo, PSUV, aliados do GPP (Grande Polo Patriótico), coletivos revolucionários e bases do povo chavista é determinante para enfrentar o inimigo contrarrevolucionário neofascista.
É por isso que se faz necessário passar à ofensiva, em todas as frentes de luta, com disciplina, unidade de ação e comando único. 
O fascismo se derrota com o povo nas ruas! A Revolução Bolivariana se defende com unidade e luta!

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Com apoio do PCB