Será possível um gelpe de Estado suave no Brasil?
Um ensaio para um golpe suave à Honduras
Pedro Ayres
Os últimos dias de 2009 foram bastante agitados aqui no Brasil em termos de mídia. De uma hora para a outra, sem nenhum tipo de aviso ou sinal, os mais tradicionais veículos de comunicação do país, sob a inequívoca liderança de "O Estado de São Paulo", divulgaram "informações"sobre uma possível crise político-militar envolvendo o ministro da defesa, Nelson Jobim, os comandantes das FF.AA e o Presidente da República. O motivo dessa "crise" tinha por base uma decisão do Programa Nacional de Direitos Humanos, que pretendia estudar diversos e vários casos de assassinatos, torturas e desaparecimentos acontecidos durante a Ditadura Militar que durou de 1964 a 1985. Segundo o trabalho de jornalistas, como Jânio de Freitas, Mario Augusto Jakobskind, Luís Nassif, Luiz Carlos Azenha, de blogs como o do deputado federal Brizola Neto e seus comentaristas, tudo não passou de uma trampa da mídia. Um típico balão-de-ensaio para avaliar as reais possibilidades de apoio militar para um "legal" afastamento do Presidente Lula, na versão brasileira do "golpe suave" que derrubou Manuel Zelaya do Poder em Honduras. Ontem, 31 de dezembro, o jornal "Correio do Brasil ", em longa matéria, divulga o desmentido por parte do governo brasileiro. Não houve e nem há nenhuma crise. Nem aconteceram fatos como os narrados pela grande mídia.
O fato é que a mídia tentou fazer um grande incêndio com muita fumaça. Por que? 2010 é um ano eleitoral de suma importância para os agentes políticos da direita nacional, pois, tudo indica que podem ser varridos da política nacional brasileira, restando-lhes, na melhor das hipóteses, o secundário papel de agentes regionais. Um quadro capaz de estimular qualquer aventura golpista, o que aliás nunca esteve fora de suas preocupações e desejos. Se a isso juntarmos aos claros objetivos da política externa dos Estados Unidos, teremos o alvo, os motivos e os instrumentos para uma tentativa de reviver 1964 no Brasil. Uma situação que parecia estar completamente superada, até que o Golpe de Honduras e o discurso de Obama em Oslo lembrou-nos de que o império tem razões que a própria razão desconhece.
Ainda que a vontade seja a de concordar com a tese de que são mínimos os riscos de um Golpe de Estado, é bom recordar que em 1964, mesmo depois das tentativas udenistas de Aragarças e Jacareacanga contra JK e da luta contra a posse de Jango, havia a crença de que as Forças Armadas jamais dariam um golpe. Uma crença que contrariava a própria história política e militar brasileira, rica em pronunciamentos militares, disfarçados em acordos entre as elites e eventuais reformas. Essa mesma ilusão também era conhecida no Chile de Frei e Allende, a tal ponto que quando do assassinato do general René Schneider e a despeito dos claros indícios de articulação golpista da direita, do grupo "Patria y Libertad"( Tanquetazo) e dos empresários liderados pela família Edwards, era impossível que alguém da UP admitisse que aquilo era provável.
Como a lógica essencial das doutrinas ensinadas nas Academias Militares, Escolas de Aperfeiçoamento de Oficiais, Escolas de Estado Maior, mais a Escola Superior de Guerra, formava e forma civis e militares para um mesmo conceito estratégico - a imutabilidade do sistema econômico capitalista-, ainda é mantida quase sem alterações, é alta a chance de uma aventura desse teor. O mais grave é que todos os nossos serviços militares e de segurança acreditam, por força de Doutrina de Segurança Nacional importada dos Estados Unidos, que é nosso dever lutar para que as estruturas econômicas, sociais e políticas dos Estados Unidos sejam mantidas intactas e sem mudança alguma. Ou seja, a nossa segurança nacional é a segurança nacional dos Estados Unidos.
É claro que muito se fala no avanço das concepções democráticas no seio de nossas FF.AA, a questão é que isso que conceituam como democracia, é, na melhor da hipóteses, um simples arcabouço formal de uma carta de intenções. O Brasil pode até estar livre de uma imediata tentativa golpista, porque a correlação de forças políticas não ajuda, mesmo com todo o empenho da mídia. Mas, em termos reais, o Brasil só estará livre de aventuras desse tipo quando as nossas FF.AA compreenderem que a sua função é a defesa da Soberania do país, das liberdades democráticas do nosso povo e da intransigente defesa nacional contra as ambições econômicas e políticas de potências estrangeiras. Ou seja, quando as nossas FF.AA sentirem que elas e o povo compõem uma só unidade política e física.
Uma mudança dessa natureza, por sua extrema força e importância, é algo para ser construído por toda a nação. É o mesmo que erguer um prédio de vários andares, primeiro são as fundações e as estruturas, depois é que se constroem as paredes, as salas, as janelas, as portas, etc. O caminho está na convocação de uma Assembléia Nacional Constituinte exclusivamente eleita para isso. Uma Assembléia que seja construída a partir do povo, com o povo e para o povo.
Agora, quando a gente olha o em torno do PSDB e vê que antigos militantes e dirigentes da AP, como o sociólogo Bolívar Lamounier e José Serra, têm íntimas ligações com National Endowement for Democracy (NED), um dos braços políticos e financeiros do império, além de notórias figuras e empresas que apoiaram e vicejaram com o Golpe de 1964, o impossível se torna crível e até factível. Como não é mais possível o apelo para a salvação da "civilização ocidental e cristã" ameaçada pelos ateus comunistas, embora esta pregação ainda seja contínua nas FF.AA e polícias do país, a solução é tentar um processo similar ao que aconteceu em Honduras - forjar uma crise política, com aparência institucional, e apelar para que o "discricionarismo esclarecido" de gente como o sr. Gilmar Mendes e seguidores dê a roupagem "legal" necessária para justificar o rompimento da ordem constitucional vigente.
É claro que o império está com a corda toda em termos de desespero, principalmente porque a solução plutocrática dos centros econômico-financeiros do sistema deu com os burros n'água. Os trilhões de dólares foram e estão sendo em vão, pois, a lógica salvacionista é idêntica a que originou tudo. Assim, prisioneiros da própria ilusão de domínio mundial, são incapazes de encontrar soluções para o gradual, lento e seguro avanço da crise em seus países. Uma crise que não poderá ser resolvida através das especulações e manipulações bursáteis. Logo, só lhes resta restabelecer o caminho da violência e da pilhagem dos séculos anteriores.
Nos idos de 1950 e 1960 o império contava com a UDN, os coróneis do PSD e políticos arrivistas do PSP e PTB, do Instituto Brasileiro de Ação Democrática-IBAD e Instituto de Pesquisas e Estudos Sociais - IPÊS(organismos da CIA), de jornais como O Globo, Estadão, Folha de S. Paulo, Correio da Manhã, Jornal do Brasil e os Diários Associados como tropas de choque. Hoje ostenta gente como FHC, Bolívar Lamounier, José Serra, César Benjamim, Gilmar Mendes, Daniel Dantas, Nelson Jobim, DEM-PFL, PSDB, PPS e quase que a mesma mídia como os seus mais visíveis agentes desestabilizadores. Em termos de qualidade, embora o saudosisno tente criar certa identidade entre esses momentos históricos e personalidades, para que não se fuja da regra, a similaridade fica por conta da farsa e do caradurismo de uns.
Ora, a sociedade brasileira, educada dentro dos padrões capitalistas das "democracias" representativas é, pois, muito receptiva a esse tipo de chantagem política. Um padrão quase rompido nos primeiros anos da década de 60 do século passado, com os embriões do que hoje se conhece como democracia participativa, que foram esmagados pelo golpe. O Golpe de 1964 teve essa finalidade - evitar a ampliação da democracia e da soberania do País. Assim, quando farsantes tentam provocar uma crise institucional, estimulando a rebeldia militar, mais do que o simples repúdio, temos que adotar práticas capazes de obstar o sucesso de aventuras como a de 1964. Temos que lutar para a criação de uma Frente Democrática e Nacionalista que englobe todos os partidos e organizações políticas efetivamente comprometidas com a nossa Autodeterminação como Povo, como País, como Nação e como um Estado cuja base e poder se origina e se funda na vontade popular.