La Esmeralda: “Nem tão dama nem tão branca”
(Regata Bicentenária: Velas América do Sul 2010)
Por: Daniel Retamal M(*)
Data da publicação: 11/05/10
Fonte: Aporrea.org
O Navio insígnia da Marinha chilena “Esmeralda” mais conhecido como “Dama Branca” é o segundo maior veleiro do mundo, e no âmbito da comemoração do Bicentenário da Declaração de Independência de alguns países da América, está percorrendo, junto com outros 10 veleiros latinoamericanos (Argentina, Brasil, Colômbia, Equador, Estados Unidos, México, Peru, República Dominicana, Uruguai e Venezuela) e três europeus (Espanha, Holanda e Portugal), os principais portos do nosso continente na chamada “Regata Bicentenário: Velas América do Sul 2010", com previsão para ancorar no porto de La Guaira, no próximo dia 29 de maio.
O golpe de Estado perpetrado pelo imperialismo norteamericano contra o governo constitucional do Presidente Salvador Allende também alterou a rota do tão emblemático representante naval.
A partir do golpe de Estado, o navio-escola “Esmeralda”, centro de formação para os jovens futuros oficiais da Marinha do Chile, foi transformado em um símbolo de impunidade.
Após o golpe de Estado de 11 de setembro de 1973, no porto de Valparaíso, a Marinha utilizou como locais de detenção, interrogatório e tortura os navios “Lebu”, “Maipo” e o navio-escola “Esmeralda”. De acordo com os registros fornecidos à “Comissão contra a Tortura” da Quinta Região (Valparaíso), pelo o navio-escola “Esmeralda” passaram cerca de 500 presos políticos, mil pelo “Maipo” e quatro mil pelo “Lebu”, navio cedido pela Companhia Sul-Americana de Vapores (empresa de propriedade do falecido empresário Ricardo Claro).
O macabro papel desempenhado pelo navio-escola “Esmeralda”, como centro de detenção e tortura no porto de Valparaíso, foi claramente demonstrado pela Comissão Interamericana de Direitos Humanos da OEA (Relatório 24/OCT/74), a Anistia Internacional (Relatório AMR 22/32/80), o Senado dos EUA (Resolução 361-16/JUN/86) e o Relatório da Comissão Nacional da Verdade e Reconciliação do Chile (Terceira Parte, Seção 2 f.2).
Os testemunhos de que o navio-escola “Esmeralda”, foi efetivamente utilizado como uma câmara de tortura flutuante são múltiplos e coincidentes. Entre eles, destacam-se o do advogado chileno Luis Vega, que reside em Israel, o do ex-funcionário do Instituto Nacional do Desenvolvimento Agropecuário, Claudio Correa, que reside na Inglaterra, e o do professor universitário e ex-prefeito de Valparaíso, Sergio Vuscovic, que atualmente vive no Chile.
De acordo com o relatório da Comissão Nacional da Verdade e Reconciliação (Relatório Rettig), no caso do navio-escola “Esmeralda”, as investigações permitiram comprovar que uma unidade especializada da Marinha foi instalada nele, a fim de interrogar os detidos que se encontravam no navio e os que eram trazidos de outros locais de reclusão. Os métodos de “persuasão” utilizados nestes interrogatórios incluíam maus tratos e tortura.
Embora o número de prisioneiros a bordo do navio-escola “Esmeralda” varie de acordo com os testemunhos, como eles eram transferidos de um navio para outro, à medida que iam sendo interrogados, mas, segundo indicado pelo Senado dos EUA em 1986, nas dependências do “navio-escola” chegou a ter 112, entre os quais, segundo evidências disponíveis, em determinado momento houve umas 40 mulheres prisioneiras que foram submetidos a todos os tipos de abuso, tortura, humilhações e estupro.
Entre as centenas de detidos destaca-se o que aconteceu com o jovem sacerdote chileno/britânico, Miguel Woodward, profundamente comprometido com a Igreja dos pobres através da Teologia da Libertação.
Em 16 de setembro de 1973, Woodward foi detido e, segundo testemunhos recolhidos no processo judicial aberto em 2002, foi brutalmente torturado nas instalações deste navio até que seus órgãos internos arrebentaram. Seis dias depois de sua prisão foi visto agonizando no convés.
O caso do padre Woodward está devidamente incluído nas investigações do juiz espanhol Baltasar Garzón da Audiência Nacional da Espanha, Sumário 19/97-J, contra Augusto Pinochet e outros, pelos delitos de genocídio e terrorismo internacional, conspiração para assassinato, seqüestro, tortura e desaparecimentos (datado de 03/Nov/98, Antecedente Décimo).
Os restos mortais de Woodward nunca foram entregues e, em 25 de setembro, foi sepultado pela própria Marinha em uma vala comum sobre a qual, posteriormente, foi construída uma estrada, e à sua família entregou-se um Atestado de Óbito, no qual consta como causa da morte “parada cardíaca”.
Após esses dias, o Padre Woodward, passou a engrossar a longa lista de Prisioneiros Desaparecidos do Chile.
A situação da Marinha chilena, em matéria de Direitos Humanos é mais grave do que nas outras instituições militares, é a única que se recusou a fazer um reconhecimento oficial dos crimes de lesa-humanidade cometidos, citando como argumento as responsabilidades individuais, omitindo a estrita hierarquia de comando, o que torna impossível a aplicação em massa da tortura e do assassinato de prisioneiros sem conhecimento dos superiores. Não esqueçamos que a Marinha do Chile encabeçou a insurreição fascista de 1973.
E, no ano do Bicentenário, é particularmente relevante a denúncia sobre a presença no Comitê Organizador da “Regata Internacional Bicentenária: Velas América do Sul 2010”, do ex-tenente da Marinha, engenheiro eletrônico e empresário, Santiago Lorca González, reconhecido torturador, como assessor do presidente (para o Chile), de tal Comitê, Contra-almirante José Miguel Romero.
Consultado pela Efe no início de janeiro, Lorca González disse: “Eu sou o presidente internacional do comitê organizador da toda a Regata e um almirante chileno na ativa (José Miguel Romero) preside o Comitê da Regata especificamente para o Chile”.
No dia 02 de dezembro de 2009, a Marinha do Chile suspendeu a cerimônia de apresentação da “Regata Internacional Bicentenária: Velas América do Sul 2010”, após a detenção de vários oficiais na reserva que foram processados por torturas cometidos em 1973.
A cerimônia, conduzida pelo ministro da Defesa, e para a qual foram convidados os embaixadores dos países participantes da regata, seria celebrada no navio-escola “Esmeralda”, onde se praticaram as torturas cometidas pelos oficiais da reserva detidos.
Poucas horas antes da cerimônia, que se realizaria no porto de Valparaíso, a juíza Eliana Quezada notificou a sentença aos imputados, que foram presos.
Entre eles figuram dois vice-almirantes da reserva, um capitão-de-fragata e sete suboficiais da Marinha, além de um coronel e um suboficial dos Carabineiros, ambos aposentados.
O ex-tenente Lorca Gonzalez enfrenta uma acusação de tortura apresentada por ex-marinheiros que se opuseram ao golpe de Estado em 1973, e que foram acusados de tentar se apoderar de navios para tentar resistir ao golpe de Estado em um plano elaborado, de acordo com a Marinha, pelos secretários-gerais do MIR, Miguel Enríquez; do PS, Carlos Altamirano; e do MAPU, Oscar Guillermo Garretón, e que finalmente se provou ser falsa.
O navio-escola “Esmeralda”, além de ser um navio da morte e da tortura é um símbolo de crimes sinistros cometidos contra seres humanos pelo simples “delito” de pensar diferente e em suas visitas a diferentes portos do mundo nunca será bem-vindo enquanto a Marinha do Chile não reconheça o uso criminoso que foi feito da embarcação.
Para o defensor dos Direitos Humanos e Prêmio Nobel Alternativo da Paz, o Acadêmico paraguaio Martín Almada, que descobriu os arquivos da “Operação Condor” coordenada pelas ditaduras da América do Sul e pela CIA entre 1970 e 1980, esta navio que foi usado como centro de torturas durante a ditadura de Augusto Pinochet, deve ser transformado em uma “Universidade Flutuante dos Direitos Humanos”.
E como diz Patrícia Woodward, irmã do religioso assassinado, “não pode ser que este navio continue a representar o Chile internacionalmente”.
Neste ano de comemoração Bicentenária, dizemos aos nossos irmãos da América Latina e Caribe que quando visitem o navio chileno e pisem naquele convés, relembrem o que disse o nosso Pablo Neruda:
“Ainda que os passos toquem mil anos este lugar,
não apagarão o sangue dos mil que aqui caíram”.
VERDADE E JUSTIÇA: NADA MAIS, MAS NADA MENOS!!
Caracas, maio de 2010.
(*) Chilenos antifascistas na Venezuela
chilenosantifascistasvzla@gmail.com