Um fato alvissareiro para a Colômbia e a América Latina
Por José Reinaldo Carvalho, editor do Vermelho
As Forças Armadas Revolucionárias da Colômbia (Farc) e o governo do presidente Juan Manuel Santos anunciaram nesta segunda-feira, 27 de agosto, que assinaram um acordo para iniciar um diálogo visando a encerrar o conflito armado interno que já dura quase 50 anos. Segundo a Rede de TV Telesur, o acordo foi assinado em Havana e seus pormenores serão revelados dentro de alguns dias pelo mandatário colombiano.O que foi divulgado até agora é que as duas partes concordaram com a elaboração, no prazo de um ano e meio, de um novo projeto de sociedade que inclua algumas postulações programáticas das Farc.
Informou-se ainda que a realização formal das negociações está prevista para o mês de outubro em Oslo, capital da Noruega, após o que, de novo em Havana, as partes proclamariam um acordo de paz, pondo fim ao conflito.
Trata-se de um fato alvissareiro. A paz na Colômbia é uma das principais reivindicações dos movimentos populares, democráticos, patrióticos e anti-imperialistas da América Latina, entre eles as próprias Farc. Se concretizada, será uma vitória destas forças e uma derrota dos militaristas, fascistas, paramilitares, narcotraficantes e demais agentes do imperialismo na Colômbia e na América Latina. Uma derrota também dos círculos que desde os Estados Unidos apostaram durante décadas em soluções militaristas, intervencionistas e no aniquilamento das forças insurgentes.
É uma oportunidade que não deve ser desperdiçada, como foram as demais iniciativas de diálogo e paz tomadas pela guerrilha, que fracassaram devido à violência de setores do Estado colombiano. Em 1985, as Farc e o Partido Comunista Colombiano estimularam o surgimento da União Patriótica, que se converteu em força política eleitoral de grande peso na vida nacional. Em 1986, a coalizão alcançou cerca de 5% dos votos nas eleições presidenciais, elegeu sete senadores, 14 deputados, 23 prefeitos e 351 vereadores.
Os êxitos políticos e eleitorais da União Patriótica, pressuposto para a obtenção de conquistas democráticas e o início de um diálogo objetivo que conduzisse a um processo de paz, tiveram desafortunadamente um efeito inverso. Cerca de cinco mil militantes, quadros políticos, dirigentes e parlamentares da União Patriótica foram assassinados. Um massacre que mostrou de onde emanava a violência e não deixou aos insurgentes outra alternativa senão a continuidade e a intensificação da luta armada.
Em 1998, durante o governo do ex-presidente Andrés Pastrana, surgiu nova oportunidade para a paz. As partes chegaram a negociar na presença de representantes de governos estrangeiros em San Vicente de Caguán, uma zona desmilitarizada no interior do território da Colômbia. De novo os setores mais recalcitrantes das classes dominantes aliados ao imperialismo norte-americano inviabilizaram as conversações de paz e o conflito recrudesceu.
A acentuação dos traços belicistas e militaristas do imperialismo estadunidense durante os dois governos de George W. Bush [2001-2008] e a vigência do governo reacionário e direitista de Álvaro Uribe [2002-2010] na Colômbia fecharam todos os caminhos á paz.
Ao longo da primeira década deste século e até agora, não só teve curso uma política de cerco e aniquilamento à guerrilha no plano da guerra interna, como externamente seus dirigentes e representantes em fóruns políticos e sociais internacionais passaram a ser perseguidos como terroristas.
Recentemente, em agosto de 2011, o então máximo chefe das Farc, Alfonso Cano, anunciou o desejo da guerrilha de empreender diálogos de paz que colocassem fim à guerra que a Colômbia vive há quase meio século.
Em vídeo publicado à época pela Agência de Notícias Nova Colômbia (Anncol) e enviado a todos os meios de comunicação, Cano lembrou ao presidente Santos que em seu discurso de posse, prometeu deixar para trás “o ódio que havia caracterizado os oito anos do governo anterior”.
Em carta publicada em abril deste ano, a guerrilha ressaltou sua disposição ao diálogo, com a ressalva de que “sentar-se a conversar não significa nenhum tipo de rendição e entrega. A reincorporação à vida civil implica e exige uma Colômbia diferente”. A missiva destacava ainda confiar em que esta “é a vontade oficial”.
As Farc existem na Colômbia desde 1964. Ao longo destes quase 50 anos, têm sido uma organização política insurgente que não pode ser ignorada pelos demais atores políticos nacionais e em nível regional. Apesar dos anátemas com que a organização é tratada, pela direita e por setores equivocados da esquerda, é um partido político e um movimento social insurgente e armado, um exército guerrilheiro com ideologia e programa político, implantado entre populações camponesas e indígenas, em setores urbanos, no seio da intelectualidade e dos tabalhadores.
As Farc sofreram muitos golpes nos anos recentes, com a perda de importantes líderes, mas é falso que tenham perdido o rumo e a capacidade de resistir e lutar.
O ambiente político e social na Colômbia tornou-se mais propício à evolução dos diálogos e tratativas encaminhadas no sentido da paz. É positiva a predisposição do governo do presidente Santos ao diálogo, assim como é um fenômeno a ser saudado, pois faz parte desse novo ambiente, a emergência de novos movimentos políticos de massas, como a Marcha Patriótica, lançada em abril.
A Marcha Patriótica é um movimento composto por organizações sociais, políticas, movimentos populares, além de personalidades democráticas que lutam contra o regime oligárquico e o imperialismo. Tem por objetivo a união e a mobilização do povo em torno de metas democráticas e patrióticas.
O anúncio do diálogo e das negociações de paz entre o governo colombiano e a organização política e insurgente Farc, assim como a emergência da marcha Patriótica, são fatos novos da maior significação política, em linha com as profundas mudanças em curso na América Latina.