"A LUTA DE UM POVO, UM POVO EM LUTA!"

Agência de Notícias Nova Colômbia (em espanhol)

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A violência do Governo Colombiano não soluciona os problemas do Povo, especialmente os problemas dos camponeses.

Pelo contrário, os agrava.


domingo, 30 de janeiro de 2011

O que comem os chilenos? Nada mais que veneno!


Ruben Maldonado Andino
Fonte: Punto Final


Impulsionado pela ganância, o capitalismo converteu a alimentação numa indústria bilionária. Para maximizar os lucros, cada vez mais utiliza produtos químicos e transgênicos prejudiciais à saúde do ser humano. Literalmente, todos os dias estamos comendo veneno, pela alta toxicidade de alguns componentes dos produtos que se consomem. Em todo o mundo, quatro empresas controlam 80% da biotecnologia, 23% do mercado de pesticidas e 10% da produção transgênica. Seus lucros anuais chegam à astronômica cifra de mais de 24 bilhões de dólares.

A recente denuncia de que empresas, como a Nestlé e Watt’s, produzem no Chile alimentos contaminados com agrotóxicos, colocou em evidência a falta de regulamentação e controle da qualidade destes produtos, com conseqüências nocivas para a saúde da população e efeitos que ainda não estão bem dimensionados para a nossa condição de país exportador de alimentos primários ou industrializados.

Uma análise da organização de consumidores Liga Cidadã mediu resíduos de pesticidas em alimentos processados que contem entre seus ingredientes frutas, verduras, hortaliças e/ou cereais, através de um estudo de laboratório em concentrados para bebês, contaminados com Iprodione, um fungicida tóxico de uso agrícola. A análise também mostrou componentes do mesmo tipo em uma sopa em pó para idosos do programa “Anos Dourados”, do Ministério da Saúde, e em um suco de laranja Watt’s com vestígios de Carbaryl. A veracidade dos antecedentes detectados foi confirmado pela análise realizada pelo Instituto de Saúde Pública (ISP) sobre as mesmas amostras em que a pesquisa da Liga foi feita, e por uma contraprova feita em outros lotes do mesmo produto.

A doutora Cecilia Castillo, encarregada técnica da pesquisa da Liga de Cidadã, afirma que os pesticidas são amplamente utilizados na agricultura, principalmente no período de colheita e que suas conseqüências dependem, em grande parte, das práticas de produção e controle destes processos. "Se encontramos altos níveis de contaminação no produto final, podemos supor que a quantidade de pesticida que entrou no processo inicial de produção era maior", disse ela.

Quanto aos efeitos, a doutora – pediatra e nutricionista – explica que não se trata de algo que comemos e nos afete no dia seguinte. O risco é crônico e se manifesta mais tarde, por acumulação, em distúrbios neuro-cognitivos, câncer e alterações de tipo endócrina e histológicas. E as etapas mais cruciais nesse sentido são a infância e a gravidez; porque, nos primeiros anos de vida, o sistema nervoso está em pleno processo de formação e as crianças têm margens de tolerância a estas substâncias muito menores.
Após receber os diretores da Liga Cidadã, o ministro da Saúde, Jaime Mañalich, comprometeu-se a encomendar analises periódicas dos produtos que contem como ingredientes frutas, verduras ou hortaliças e a estabelecer, a partir de junho deste ano, normas que regulem a presença de pesticidas em alimentos processados. Para que estes controles e regulamentações tenham efeito, é necessário o acompanhamento destes agentes químicos pelo Ministério da Agricultura através do Serviço Agrícola e Pecuarista (SAG).


A denúncia tem precedentes

A contaminação de produtos alimentícios com agrotóxicos não é nova. Em junho de 2010, uma outra análise de resíduos, encomendada pelo Canal 13 da televisão ao Laboratório Andes Control, já havia revelado que os chilenos estão consumindo hortaliças contaminadas com agrotóxicos que podem causar câncer e outras doenças crônicas. Neste caso, verificou-se a utilização de pesticidas que foram proibidos na União Européia ou classificados como tóxicos ou perigosos pela Organização Mundial de Saúde (OMS).

Um conjunto de 36 amostras de espinafre, alface, tomate e pimentão, adquiridos no Mercado Central de Santiago e nos supermercados Jumbo e Líder, foram analisadas pelo Laboratório Andes Control e o resultado não foi nada animador. No espinafre, pimentão, alface e tomate, 20% das amostras não cumpriu com as normas chilenas de Limites Máximos de Resíduos de Agrotóxicos Permitidos (LMR), embora a norma nacional é menos rigorosa do que nos países desenvolvidos. Segundo a análise, 44% dos produtos analisados não podiam ser consumidos na União Europeia e 61% não estavam de acordo com as normas vigentes nos EUA.

Segundo María Elena Rozas, coordenadora da Rede de Ação de Pesticidas (RAP-Chile), “estamos muito longe dos padrões dos EUA e países europeus em matéria de controle de pesticidas em alimentos e bem com na sua denuncia. Há, entre muitos agricultores, a prática habitual de aplicar superdoses de pesticidas para garantir a produção”. Lembra que em um único tomate foram detectados sete pesticidas: clortalonil, fenehexamida, tebuconazole, acetamipride, boscalide, piraclostrobina, tiametoxame; e, em uma alface oito tipos: carbendazim, acetamipride, imidaclopride, tiametoxam, metomilo, tiofanato-metil, cialotrim-lambda e iprodione.

Segundo a coordenadora do RAP – Chile, a situação também afeta as trabalhadoras e trabalhadores agrícolas. As autoridades decidiram ignorar o impacto sobre os consumidores, já que na última década foi realizado apenas uma pesquisa publica sobre resíduos em frutas e hortaliças em 2006, cujos resultados foram retidos por um longo tempo. As únicas pesquisas anteriores conhecidas foram realizadas pelo Serviço Nacional do Consumidor (Sernac) em 1994 e pelo Instituto de Saúde Pública, em 1999/2000. Ambos mostraram más práticas agrícolas e uso de pesticidas prejudiciais à saúde com efeitos cancerígenos.

O doutor Ricardo Uauy, Presidente do Comitê Científico da Organização Mundial da Saúde (OMS) e especialista em questões alimentares, propõe a criação de um sistema de vigilância de segurança alimentar. Ressalta a necessidade de monitorar regularmente a contaminação com substâncias tóxicas. Uauy alertou sobre a pesquisa da Liga Cidadã e convidou às autoridades sanitárias a exercer um controle periódico. Assinalou que os efeitos dos pesticidas são sentidos depois de um longo tempo e é muito difícil relacionar a causa com seus possíveis efeitos; o que se come hoje pode gerar um câncer no futuro. O doutor Uauy enfatizou que o Chile está às cegas em termos de segurança e que devem se definir normas que permitam conhecer os efeitos sobre a saúde.


Alimentos de origem animal na lista negra

Na indústria produtora de alimentos de origem animal, é comum o uso de antibióticos de forma indiscriminada para prevenir epidemias de origem bacteriana que podem afetar suínos ou aves, em rebanhos onde a infecção é geralmente vertiginosa. Também é frequente o abuso de antivirais para moderar o efeito de doenças como a gripe suína ou a gripe aviária. Ambos os vírus têm dado origem a novas variantes que acabam afetando os seres humanos.

Os mesmos perigos ocorrem na indústria do salmão, onde também é freqüente o uso de antibióticos e existe a possibilidade de epidemias virais que podem acabar afetando as pessoas. Periodicamente surgem surtos da anemia infecciosa do salmão (vírus ISA) no sul do Chile. O ISA é um vírus parecido com o influenza que, até agora, não afetou outros peixes, espécies marinhas ou seres humanos. Embora não haja garantias de que não vai acontecer no futuro. O vírus surgiu pela primeira vez na Noruega em 1984 e no Chile em 2007, em um centro de piscicultura na ilha de Lemuy, no arquipélago de Chiloé. O mais recente surto ocorreu em novembro de 2010 em Puerto Natales, região de Magallanes, extremo sul do Chile.

O diretor do Centro Ecoceanos, Juan Carlos Cárdenas, considera inaceitável que toda vez que há mortandade de salmões por causa do ISA, as empresas comercializem, maciça e clandestinamente, o salmão proveniente de cardumes contaminados. Cárdenas responsabiliza às autoridades do Serviço Nacional de Pesca de minimizar as violações das normas por essas empresas em prejuízo da população.


Transgênicos na mira

Há uma crescente preocupação pela produção e comercialização de alimentos que contenham entre seus ingredientes produtos geneticamente modificados, pois não se conhecem totalmente os seus efeitos na saúde humana e nos ecossistemas, ainda que já se começa a vislumbrar algumas consequências para a saúde.

Os transgênicos são organismos vivos do mundo animal ou vegetal produzidos artificialmente que possuem na sua composição pelo menos um gene de outra espécie, que foi introduzido por um processo de manipulação genética para implantar nesse novo ser criado pelo homem, certas características que se deseja potencializar, como a resistência a certas doenças ou a sua taxa de crescimento.

Atualmente, o Estado chileno está comprometido em subsidiar projetos voltados para agregar valor à produção agropecuária e para isso está desenvolvendo, com o apoio do BID, um Programa Nacional de Biotecnologia, que inclui o desenvolvimento de organismos transgênicos.

Embora ainda não se vendam no mercado interno, o país permite a multiplicação de sementes transgênicas, produzida principalmente pela multinacional Monsanto. O Chile é o quinto maior produtor de sementes e 70% desta produção é transgênica. O SAG determina onde elas podem ser cultivadas para exportação ao Hemisfério Norte, como sementes de entresafra. Em 2010, autorizou o cultivo de sementes geneticamente modificadas em cerca de 30 mil hectares, e publicou uma lista com a superfície autorizada em cada região, mas não informou sua localização exata.

Organizações camponesas solicitaram essa informação através do Conselho para a Transparência, que em julho do ano passado intimou o SAG a entregar a localização precisa dos cultivos. As organizações também recorreram na justiça e o caso tramita nos tribunais.

A falta de informações sobre onde as sementes transgênicas são produzidos no Chile ameaça a incipiente agricultura orgânica (sem pesticidas ou transgênicos), uma vez que estas sementes geneticamente modificadas podem contaminar estes produtos através da polinização. Além disso, causam danos ao meio ambiente natural, visto que afetam a reprodução natural de outras plantas, insetos ou microorganismos.

Os vegetais transgênicos podem se cruzar com os seus similares na natureza e irreversivelmente empobrecem a variabilidade genética. Disse-se que, por obra dos Transgênicos, aumentaria a produtividade e diminuiria a utilização de pesticidas, mas estes pressupostos não se cumpriram. No Uruguai, Brasil ou Argentina, inicialmente houve aumento da produtividade e redução do consumo de pesticidas, mas com o passar do tempo a produtividade diminuiu e voltou a aumentar o uso de pesticidas.

As empresas dizem que os transgênicos são seguros, que melhoram a produtividade e proporcionam qualidade nutricional, mas se recusam a rotular a sua presença nos alimentos. Flavia Liberona, diretora executiva da Fundação Terram, defende o direito dos consumidores a conhecer e escolher. Por essa razão, exige a rotulagem dos alimentos onde há presença de transgênicos. “Suspeitamos que qualquer produto que contenha milho ou soja tem altas possibilidades de ser transgênicos. Além disso, há rumores de que uma elevada percentagem de trigo que entra no Chile é transgênico e isso leva à suspeita de que o pão que estamos comendo pode ter componentes desta natureza”.


O Chile é uma potencia alimentar?

Terram junto com Cenda e Canelo de Nos desenvolvem o programa Potenciando Cidadania, financiado com recursos da União Européia, que visa abrir o debate sobre o slogan do governo “O Chile, potência agro alimentar e florestal”. Flavia Liberona afirma que, em matéria de alimentos, o país tem de produzir mais qualidade e não maior quantidade, porque a nossa superfície cultivável é muito limitada. Ele acrescenta que não se pode falar de “O Chile, potência na produção de alimentos”, quando são constatados os efeitos ambientais associados a um tipo de produção agrícola, florestal ou aquífera, que estimula a monocultura, o uso maciço de pesticidas e transgênicos e estabelece condições de trabalho abusivas para os seus trabalhadores.


(Publicado em “Punto Final”, edição n º 727, de 21 de janeiro a 3 de março de 2011)

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