"A LUTA DE UM POVO, UM POVO EM LUTA!"

Agência de Notícias Nova Colômbia (em espanhol)

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A violência do Governo Colombiano não soluciona os problemas do Povo, especialmente os problemas dos camponeses.

Pelo contrário, os agrava.


terça-feira, 27 de março de 2012

NUNCA MAIS

Adolfo Pérez Esquivel
Revista Amauta


A ditadura militar no Brasil, que governou de 1964 até 1985, baseou-se na Doutrina de Segurança Nacional Norteamericana e formou muitos dos seus militares na Escola das Américas, situada no Panamá, e em Academias Militares dos EUA.

A concepção ideológica e metodológica foi estudada e aperfeiçoada na Escola Superior de Guerra do Brasil e serviu como formação e doutrinamento das forças armadas de outros países onde também se aplicou o Plano Condor, com o objetivo de impor o terror, sequestros, torturas, assassinatos, transporte de prisioneiros de um país para outro e operações conjuntas em diversos países por forças-tarefa do Chile, Argentina, Brasil, Paraguai, Uruguai e sua extensão para outros países centroamericanos.

Esta concepção ideológica, enquadrada no confronto Leste-Oeste, foi imposta em todo o continente pela mão da hipótese de conflito do inimigo interno, transformando as forças armadas em tropas de ocupação do seu próprio povo.

Não é objeto deste artigo se estender na análise disto que assinalo, mas gostaria de recomendar os trabalhos de pesquisa do sacerdote belga que viveu grande parte de sua vida no Brasil, Joseph Comblín, sobre a Doutrina de Segurança Nacional, e da pesquisadora e jornalista argentina Stella Calloni, que publicou a obra A hora do lobo.

O ex-presidente do Brasil Luiz Inácio Lula da Silva, deve ter suportado a pressão de setores das forças armadas quando tentou constituir a Comissão da Verdade para investigar os fatos ocorridos durante a última ditadura militar. É preocupante e surpreendente que alguns militares da reserva do Brasil tentem boicotar a formação da Comissão da Verdade, que já é lei, confrontando e condicionando o governo da presidenta Dilma Rousseff para garantir o silêncio e a impunidade dos crimes de lesa-humanidade cometidos contra o povo brasileiro.

Um breve comentário sobre o Plano Condor, por ter sido vitima dessa política em vários países latinoamericanos.

No Brasil fui detido em duas oportunidades, a primeira foi em São Paulo em 1975, no aeroporto, e levado ao DOPS – da Policia Federal -, quando preparávamos um encontro de Bispos latinoamericanos com o Cardeal Arns em São Paulo.

A segunda detenção foi em 1981, quando, no Rio de Janeiro, na OAB, afirmei que a auto-anistia que os militares se deram era uma ofensa ao povo e que atentava contra o direito, porque a impunidade impede a construção da democracia.

As duas vezes, o Cardeal Dom Paulo Evaristo Arns, Arcebispo de São Paulo, Bispos, comunidades religiosas e organizações sociais conseguiram a minha liberdade.

Hoje, o general da reserva Luiz Eduardo Rocha Paiva, juntos com outros oficiais da reserva, pretendem colocar em duvida os acontecimentos sofridos pelo povo brasileiro nos anos da ditadura, para gerar suspeitas e enevoar a verdade histórica. O medo da investigação histórica dessa instituição corporativa está provocando um grave dano às Forças Armadas e às novas gerações que a integram.

Cada povo deve encontrar seu caminho e fortalecer suas instituições democráticas. Insisto que com impunidade é impossível construir uma democracia; os países que ocultam a memória, ou pretendem ignorá-la, perdem sua identidade e valores.

As Forças Armadas devem ter a coragem de analisar o seu papel nos acontecimentos de cada país durante as ditaduras e ajudar à Verdade. Não devem esquecer que são parte integrante do povo e não entidades separadas.

Até a sanção da lei nº. 12.528, constitutiva da Comissão da Verdade, no final de 2011, o Brasil era o único país latinoamericano que não tinha conformado uma comissão investigadora dos crimes de sua própria ditadura.

Não é possível construir um projeto de país livre e soberano se as Forças Armadas estão ausentes, é necessário recuperar a mística dos libertadores da independência dos nossos povos e trabalhar para a integração regional e continental.

Devemos ser solidários e apoiar a presidente Rousseff, que está levando à consciência e vida do seu povo a necessidade de reconstruir a memória e encontrar os caminhos de paz entre os diversos setores do povo brasileiro.

A Argentina tem avançado exemplarmente no direito da verdade e justiça. Tudo isto foi possível graças à incansável luta dos órgãos de direitos humanos, o apoio da sociedade e da vontade política do ex-presidente Nestor Kirchner e da presidenta Cristina para superar a impunidade jurídica. Este é o caminho correto para que nunca mais voltemos a viver o horror, a morte e o desaparecimento de pessoas, de crianças, vitimas do horror de políticas nefastas impostas através da Doutrina de Segurança Nacional para submeter os povos.

O acontecido no Brasil, pela pressão de setores das Forças Armadas, afeta-nós a todos, são remanescentes de um passado recente e devemos ser solidários e estar alertas sobre esses brotos, que tem ocorrido recentemente em alguns países da nossa América.

É importante que as novas gerações das Forças Armadas assumam seu papel específico junto ao povo na defesa da soberania, do direito à democracia e à vida.

Adolfo Pérez Esquivel é Prêmio Nobel da Paz. Presidente do Servicio Paz y Justicia Argentina.

Fonte: http://revista-amauta.org/2012/03/brasil-nunca-mais/