"A LUTA DE UM POVO, UM POVO EM LUTA!"

Agência de Notícias Nova Colômbia (em espanhol)

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A violência do Governo Colombiano não soluciona os problemas do Povo, especialmente os problemas dos camponeses.

Pelo contrário, os agrava.


sexta-feira, 20 de abril de 2012

Sem mais ases sob a manga, Santos

É sabido que o talante conservador de Aristófanes, o grande dramaturgo ateniense, o levou a satirizar Sócrates, cujas reservas sobre os valores gregos tradicionais lhe pareceram perigosas para o Estado. Apesar disso, grande parte de sua obra é uma condenação à guerra, em particular às chamadas guerras do Peloponeso travadas longamente entre sua cidade natal e Esparta. Acontecimentos recentes trazem à lembrança sua comédia La Paz [A Paz] e põem no presente sua vigência.

Trigeo, nativo de Atmón, vinhateiro honrado, inimigo de pleitos e delações, como se apresenta ante Hermes nas portas do Olimpo, decide, na ausência de Zeus e aproveitando que o artífice das guerras dorme, executar a audaz façanha de desenterrar La Paz, a deusa perseguida que foi confinada na profundidade de uma caverna sob os maiores penhascos, onde a custodia, ademais, Cerbero, o feroz e monstruoso cão de três cabeças.

Para consegui-lo, se vê obrigado a aplacar a fúria de Hermes, disposto a cumprir a ordem de Zeus de assassinar a quem ousar tentar. Para isso se apoia no Coro, conjunto virtual de vozes que representam o sentimento de grande parte dos habitantes da Grécia. O resgate de La Paz resulta numa experiência reveladora acerca das verdadeiras origens da guerra, os pretextos que se buscam para fazê-la e as ambivalentes posições de muitos que afirmam desejar a concórdia quando, na realidade, a odeiam.

Convém revelar que grandes negócios têm logrado ocultar-se detrás da guerra em Colômbia. Para referenciar um só deles, convém ler a recente crônica de Alfredo Molano intitulada Paramilitarismo e palma no Catabumbo. Uma certeza parece dançar no seu pano de fundo. Quando o empresário palmero Carlos Murgas atuou como ministro da Agricultura de Andrés Pastrana, esse governo decidiu implementar um projeto nacional de expansão da agroindústria da palma.

Para isso, criou o Banco Agrario e inventou as alianças produtivas. Na mesma Administração se cumpriu a incursão de Salvatore Mancuso e suas hordas assassinas ao Catatumbo. Após assassinar, ameaçar e desterrar a milhares de campesinos e famílias, com evidente cumplicidade policial e militar, esses bandos criminosos passaram a controlar a propriedade da terra em amplas zonas do Norte de Santander. Sobreveio, então, o leilão por atacado de pequenos e médios prédios. Isto ocorria em tempos do despeje.
Disposta por Uribe a desmobilização paramilitar, as empresas palmeiras do senhor Murgas se convertem em principais adquirentes dessas terras. Também nos montes de María, onde havia ocorrido o mesmo. Aceleram intensamente seus projetos agropecuários, fortalecidos por decretos que impõem que vinte por cento do combustível usado no país deve conter biocombustível derivado da palma, assegurando assim o mercado e o benefício aos pacíficos e ecologistas empresários.

Agora que Santos fala de restituir terras às vítimas, está claro que os terceiros adquirentes de boa-fé que adiantam projetos agroindustriais não serão afetados de nenhuma maneira. Todos felizes com o negócio redondo. As FARC, que combatem com energia e coragem a avalanche militar e paramilitar, foram elevadas à oprobiosa categoria de [organização] de terroristas e narcotraficantes, e transformadas no inimigo número um do país e do progresso. Satã tinha seu ninho no Caguán.

Recordo agora a respeitável cacique Consuelo Araujo Noguera, cuja vida se perdeu no demencial intento militar por resgatá-la das mãos de uma frente das FARC. Quanto se disse e sentenciou contra nós. Muitíssimo, porém muitíssimo mais que o que se disse quando o país se inteirou que seu filho Hernandito, governador do Cesar, era um reconhecido chefe paramilitar. Ou quando se publicou que seu irmão, seus sobrinhos e seu cunhado estavam metidos até o pescoço com Jorge 40.

Eram os tempos em que o presidente Uribe não perdia oportunidade de viajar a Valledupar. Muito bem assistido por seu diretor do DAS, horroroso capítulo sobre o qual os poderes estabelecidos consideram haver conseguido jogar terra suficiente. Se equivocam. Um processo de paz com as FARC não pode ser secreto nem à revelia do país, há de ser o cenário no qual o povo colombiano possa voltar a denunciar e conseguir, por fim, justiça por tanta barbaridade sofrida.

A coisas assim as chamam com desprezo na grande imprensa, shows midiáticos, seguramente com a correspondente indicação das alturas. Cada vez que os de baixo pronunciamos as palavras democracia, justiça ou equidade social, se irritam furibundos os poderosos mercadores que assimilam o crescimento de suas fortunas à sorte geral dos demais nacionais. Se já tudo está logrado, repetem, gordos e zombadores. Isso, precisamente, é o que discutimos.

O enriquecimento desaforado e selvagem de uns quantos tem significado o aviltamento das condições de vida da maioria. E o aparelho estatal de governo, legislação, justiça e força desempenham o exclusivo papel de esmagar o inconformismo a qualquer preço. Por cima de tanta infâmia midiática, nenhuma outra causa produz a guerra que se trava em Colômbia. São essas as realidades que devem ser abordadas e situadas em vias de solução numa mesa de diálogos.

Com essa convicção, estamos dispostos a conversar sobre a paz com o atual governo. Para que não se diga depois que as FARC mentem ao país. Não tememos, em absoluto, debater e demonstrar que têm sido os grandes empresários do capital e da terra os que renovam uma e outra vez sua carniceira brutalidade, a fim de firmar grandes negócios sobre o sangue dos despossuídos. Se um importante setor de investidores mostra interesse em dar passagem para a paz, o acompanhamos. Isso sim, [mas] muito alertas.
No dia de sua posse, Santos tartamudeou acerca de sua intenção de diálogo com as FARC. Uns dias depois, esmagava a bombas o acampamento do Comandante Jorge Briceño. Durante mais de um ano abusou com sua ficção da chave, o que não excluiu o ataque mortal ao Camarada Alfonso Cano, o homem que levava mais a sério o assunto e movia o resto do Secretariado a possibilitar contatos. Santos sabia muito bem isso, o que não lhe impediu chorar emocionado. A dupla moral sempre foi imputada a nós.
De nossa parte, sentar-se a conversar não significa nenhum tipo de rendição e entrega. A reincorporação à vida civil implica e exige uma Colômbia diferente. O grande capital inversionista terá que assumir que a realidade posta no presente pela crise requer uma mudança profunda em seu modo de atuar, uma nova maneira de relacionar-se com os povos. Confiamos em que seja essa a vontade oficial. Assim, sem dúvida, poderemos entre todos desenterrar La Paz. Sem mais ases sob a manga, Santos.

Timoleón Jiménez
Comandante do Estado-Maior Central das FARC-EP
Montanhas de Colômbia, 14 de abril de 2012