Impedir a guerra imperialista na América Latina
Por Ivan Pinheiro
A partir do inverossímil "ataque terrorista" às torres gêmeas nova-iorquinas, atribuído a fundamentalistas islâmicos, o imperialismo norte-americano demonizou Sadam Hussein e os Talibãs, para poder invadir o Iraque e o Afeganistão, dois países estratégicos na disputa por petróleo, gás e água, algumas das principais riquezas naturais que decidirão a hegemonia mundial. Contra Sadam, inventaram a mentira das armas de destruição em massa, cuja existência já foi desmentida até por organismos da ONU. Contra os Talibãs, a farsa de que eram narcotraficantes. Depois de anos de destruição e extermínio, não há perspectiva de os ianques saírem militarmente vitoriosos desses países, pois seus povos, como o vietnamita, resolveram enfrentar os verdadeiros terroristas.
Mas a crise econômica por que passam os EUA e as necessidades cada vez maiores de reprodução do capital - em meio a crises cíclicas, disputas de mercados, escassez de fontes energéticas e recursos naturais, elevação do preço do petróleo e dos alimentos - empurram o imperialismo para novas aventuras militares. Na "divisão de tarefas" do capital internacional, cabe ainda aos Estados Unidos o papel de gendarme principal de seus interesses no mundo, na América Latina em particular.
Cabe destacar que, ao mencionarmos genericamente a palavra imperialismo, não estamos falando apenas de seu pólo hegemônico (os Estados Unidos), mas de todo o sistema capitalista mundial. Até porque, apesar de a América Latina ser considerada há décadas como o "quintal dos EUA", há na região vários monopólios de capitais majoritariamente originários de outros países, sobretudo da Europa.
Isto é necessário ser compreendido pela esquerda, para afastarmos ilusões de alianças com a burguesia européia ou mesmo com a burguesia dependente latino-americana, notadamente a brasileira e a mexicana. As economias desses países fazem parte do sistema capitalista internacional. O que existe são contradições inter-burguesas e inter-imperialistas que podem circunstancialmente nos favorecer no curto prazo, em algumas questões, como é o caso da política externa brasileira, aparentemente contraditória, que "morde e assopra" os EUA. Aceita liderar as tropas da ONU que ocupam o Haiti, a pedido de Washington, ao mesmo tempo em que ajuda a desmontar a possibilidade de a Colômbia de Uribe conseguir uma guerra contra seus vizinhos.
Como tentaremos aqui expor, os Estados Unidos precisam de uma guerra na América Latina, para recuperar pelas armas seu espaço perdido. Pelo contrário, ao Brasil não interessa essa guerra. Com sua eficiente diplomacia, vai ganhando mercados, ao mesmo tempo em que Lula se apresenta como uma alternativa moderada ao "radicalismo" de Chávez e Evo Morales. Cada vez que nosso Presidente chega a uma capital latino-americana, leva consigo, além do aero-lula, dois ou três aviões cheios de empresários brasileiros, para cobrar o preço da solidariedade: o aproveitamento de oportunidades na busca de mercados.
Em 28 de maio passado, Lula visitou o Haiti pela segunda vez. Da primeira, antes da ocupação, chegou com a seleção brasileira de futebol e, em seguida, mandou nossas tropas. Agora, quatro anos depois, foi buscar os frutos. Desembarcou em Porto Príncipe com dezenas de empresários brasileiros, numa delegação em que se destacavam os executivos das empreiteiras Odebrecht, Andrade Gutierrez e Camargo Correa, as mesmas que transformaram a Venezuela num canteiro de obras, em retribuição a alguns gestos brasileiros simpáticos à revolução bolivariana. Recentemente, Lula anunciou que o Brasil pretende ser o principal parceiro comercial de Cuba, apostando numa improvável restauração capitalista na ilha socialista.
No fim de semana (18 a 20 de julho), Lula, acompanhado de dezenas de empresários brasileiros, radicalizou sua eclética agenda, destinada a pairar acima das divergências regionais. Encontrou-se na Bolívia com Evo Morales e Hugo Chávez, e depois na Colômbia, com Álvaro Uribe e Allan Garcia, outro aliado estadunidense. O feito merecia menção no famoso livro dos recordes, na categoria malabarismo político.
A data da passagem de Lula e Allan Garcia pela Colômbia não foi aleatória. Foram os dois únicos convidados especiais de Uribe no palanque de um desfile militar na cidade de Letícia, na tríplice fronteira entre Brasil, Colômbia e Peru, onde os três assinaram acordos militares (cujo teor ainda não se conhece). O dia escolhido foi a data nacional colombiana (20 de julho), que Uribe aproveitou para convocar amplamente mobilizações em todo o país, exigindo a libertação unilateral dos reféns em poder da guerrilha (esquecendo-se dos presos políticos), de forma a marcar o evento como manifestação contra as FARC. Os jornais brasileiros nos informam que Lula assinou acordos para cooperar com a Colômbia na localização de "grupos armados", inclusive utilizando-se do aparato tecnológico do SIVAM (Sistema de Vigilância da Amazônia). Jornais colombianos nos informam que Lula foi vender mais armas para o governo colombiano, além dos super-tucanos, aviões militares de fabricação brasileira usados no ataque ao acampamento de Raul Reyes, no Equador. Na delegação brasileira, destacavam-se empresários ligados à indústria bélica.
Quando o governo brasileiro ajuda a inviabilizar a ALCA ou lidera a criação da UNASUL (União das Nações Sul-Americanas) e do Conselho Sul-Americano de Defesa Regional devemos saudá-lo, pois isto objetivamente contraria os interesses dos EUA. Mas não esqueçamos o outro lado da questão: o Brasil é um contraponto capitalista ao movimento de integração antiimperialista da região, representado pela ALBA e por outras iniciativas de integração solidária e complementar, lideradas por Hugo Chávez. O capitalismo brasileiro é uma formação social e econômica dependente e associada ao imperialismo, com suas contradições.
Apesar da grande diferença de discursos e práticas políticas, Uribe e Lula são concretamente duas alternativas do capital para a América Latina. No entanto, é óbvio que não os podemos colocar no mesmo saco. Uribe é indiscutivelmente o inimigo principal, do curtíssimo prazo. Se não o derrotarmos, uma onda de retrocesso e repressão pode abater-se sobre nosso continente. Mas a esquerda não pode conciliar e deixar de marcar diferenças com Lula, que governa fundamentalmente para o capital, tanto na política externa como na interna. Sua tarefa principal é "destravar" o capitalismo, custe o que custar, inclusive o meio ambiente, os direitos trabalhistas, a soberania nacional.
Depois de sofrer derrotas na América do Sul, como no caso do fracassado golpe contra Chávez, em 2002, e de ter que concentrar esforços inesperados para enfrentar a surpreendente força da resistência iraquiana, o imperialismo retoma com intensidade a pressão sobre a região, num momento em que vem crescendo o processo de mudanças. E é aí que mora o perigo! Hoje, os olhos, os ouvidos e os canhões norte-americanos voltam-se para a América do Sul, sobretudo para a região andina. Trata-se de tentar, no plano tático, frear o processo de mudanças e, no estratégico, consolidar e expandir o controle sobre as riquezas naturais do continente, que são imensas. Além do petróleo e do gás, a América do Sul tem as maiores reservas de água potável do planeta. Ao norte, a Amazônia; ao sul, um conjunto de grandes rios que se juntam no Aqüífero Guarani.
O imperialismo, por várias razões, já identificou seus inimigos principais na América do Sul: a revolução bolivariana da Venezuela e a revolução democrática e cultural da Bolívia.
O governo venezuelano é inimigo importante, pelo exemplo que inspira processos semelhantes em outros países, aos quais presta efetiva solidariedade política e material; pela defesa de Cuba Socialista e pela parceria com ela; pela contribuição para inviabilizar a ALCA, com a implantação da ALBA; por ter avançado mais em mudanças institucionais e estruturais; por ter resistido a vários golpes (o golpe de Estado, o lockout petroleiro); por ter a economia e as reservas minerais mais importantes da região andina.
Dentre os fatos recentes mais significativos da revolução na Venezuela estão as nacionalizações e estatizações de empresas estratégicas de energia elétrica, comunicações, alimentos, petroleiras, cimenteiras, siderúrgicas. O exemplo mais emblemático foi a reestatização da SIDOR (Siderúrgica de Orinoco), que havia sido privatizada a preço de banana no governo anterior. É como se o Brasil reestatizasse a Vale do Rio Doce!
O diferencial neste caso foi o protagonismo da classe operária. Uma greve havia começado pelo fim da terceirização de mão-de-obra e pela renovação do contrato coletivo de trabalho e acabou, pela força do movimento, acrescentando a palavra de ordem vitoriosa da reestatização da multinacional. Esta vitória deveu-se à luta dos trabalhadores e à direção conseqüente de forças de esquerda, principalmente o PCV (Partido Comunista de Venezuela), na mudança do objetivo principal do movimento e no enfrentamento da traição do então Ministro do Trabalho, que havia inclusive jogado forças policiais para reprimir o movimento. Foi decisivo também o papel de Chávez, que demitiu o Ministro do Trabalho, acabou com a terceirização e decretou, simbolicamente no primeiro de maio, a reestatização da empresa.
Na Bolívia, estamos assistindo a firmeza com que o governo Evo Morales enfrenta, com o respaldo do movimento de massas, o separatismo tentado pela direita, que conta com a ajuda política e material da embaixada norte-americana. Ao invés de curvar-se à pressão da oligarquia local, o governo da Bolívia avança na nacionalização de empresas estratégicas. O próprio Presidente - que declarou recentemente ser o capitalismo o maior inimigo da humanidade – desafia a oposição de direita para disputar um tira-teima político decisivo, no próximo 10 de agosto, ao convocar um referendo revogatório dos mandatos dele próprio e dos nove governadores, dos quais cinco lhe fazem oposição, todos da região conhecida como "Meia Lua". Vencida esta etapa importante, já se anuncia um novo plebiscito, desta vez para legitimar o trabalho da Assembléia Nacional Constituinte, que vem sendo boicotada pela direita.
O VERDADEIRO EIXO DO MAL
Há hoje claros sinais de que o imperialismo norte-americano prepara o terreno para provocar guerras regionais na América Latina, jogando no momento com duas possibilidades: uma guerra civil na Bolívia e, o que parece mais potencialmente explosivo, o agravamento da tensão das relações entre a Colômbia, de um lado, e a Venezuela e o Equador, de outro.
Como em Caracas, em La Paz o embaixador americano é o chefe golpista. A direita está organizando milícias paramilitares, os denominados "Comitês Cívicos" e "Uniões Juvenis". Esses grupos já procuram impedir inclusive a circulação de Evo Morales em cidades da chamada "Meia Lua", como fizeram recentemente em Sucre, onde torturaram seguidores indígenas do Presidente em praça pública. Vão tentar impedir à força a realização do referendo revogatório.
Na região da Grande Colômbia, a escalada belicista teve seu marco na suspensão, em dezembro do ano passado, dos esforços de Hugo Chávez, da Senadora colombiana Piedad Córdoba e das FARC no sentido de retomar a troca humanitária de prisioneiros e reféns na Colômbia, processo que poderia criar um clima de distensão, num conflito que tem mais de 60 anos (antes mesmo do assassinato do líder popular Jorge Eliécer Gaitán, em 1948, ao qual seguiu-se o "Bogotaço", com a morte de mais de 300 mil pessoas), num país em que a violência política é a marca do Estado burguês.
A troca humanitária está suspensa desde 2002, justamente em função do clima que o imperialismo criou no mundo a partir da derrubada das Torres Gêmeas. As negociações de paz entre o governo colombiano e as FARC, até então, já duravam três anos, numa zona desmilitarizada, caminhando para uma solução política negociada. Com o início da "cruzada contra o terrorismo", os EUA incluem as FARC no "eixo do mal", a lista de organizações e Estados "terroristas", fato de que se aproveita a direita colombiana para por fim às negociações e à troca humanitária. A partir daí, chegam mais milhares de "assessores militares" e milhões de dólares norte-americanos, no contexto do famigerado "Plano Colômbia".
Em novembro de 2007, a ordem para acabar com a intermediação do presidente venezuelano e a possibilidade de uma negociação entre a guerrilha e o governo partiu do chefe de Álvaro Uribe, o megaterrorista George Bush, que resolveu fazer com que a Colômbia desempenhe, na América Latina, um papel semelhante ao que Israel representa no Oriente Médio: uma cabeça de ponte do imperialismo. Uribe é agente norte-americano desde quando foi identificado pelo FBI, como um dos operadores políticos do narcotráfico na Colômbia, associado ao lendário Pablo Escobar, na época chefe do cartel de drogas de Medellin.
O segundo lance da escalada agressiva foi muito ousado. Em março deste ano, para dar um golpe mais profundo nas negociações que avançavam para a possibilidade concreta de libertação da franco-colombiana Ingrid Betancourt, a sinistra dupla Bush-Uribe assassina o próprio negociador, o Comandante Raul Reyes, num ataque terrorista ao território do Equador, cujo Presidente não se acovarda e resolve defender a soberania de seu país. A infame ação militar, durante o sono das vítimas, por pouco não provocou o início de uma guerra na região, não fora a firme posição unânime dos demais países da América Latina em condenar a agressão ao Equador.
O terceiro passo belicista do imperialismo foi a ópera bufa do computador pessoal de Raul Reyes. Com o apoio do terrorismo midiático, criam-se as mentiras que poderão justificar nova guerra, como aconteceu no Afeganistão e no Iraque.
Qualquer pessoa um pouco mais atenta deve desconfiar de como pode ficar intacto um frágil computador portátil submetido a um ataque aéreo com mísseis que destruíram todo o acampamento, matando mais de vinte pessoas. Tudo em volta foi estilhaçado, menos o computador. Os mais informados devem desconfiar como um quadro experimentado como Raul Reyes, uma das pessoas mais visadas do mundo, seria tão irresponsável de registrar informações rigorosamente reservadas, se fossem verdadeiras, como supostas contribuições financeiras para a campanha de Rafael Correa ou recebimentos de valores de Hugo Chávez.
A partir da farsa da "autenticidade" do computador, o imperialismo pode inventar as histórias que quiser, ou melhor, de que precisar. Os computadores continuarão a falar muito, mesmo após um manifesto (ignorado pela mídia), assinado por renomados intelectuais e cientistas norte-americanos, que questionam a autenticidade do relatório da Interpol, acusando-o de leviano e inconsistente. Esta é uma fonte inesgotável de provocações, para tentar incriminar alguns e intimidar a outros, sejam de que nacionalidade forem.
A mais recente provocação foi o esperto golpe midiático de Uribe, tentando capitalizar como "resgate" o que viria a ser uma libertação unilateral de Ingrid e de outros retidos por parte das FARC. O governo colombiano roubou a cena, tentando disseminar a imagem de sua eficiência militar, em contraste com a "infiltração" e "enfraquecimento" das FARC. Inescrupulosamente, não hesitou sequer em se utilizar, num estelionato político contra a humanidade, o símbolo até então imaculado da Cruz Vermelha Internacional.
O que preocupa é a pressa com que os fatos estão se precipitando. É claro que essa pressa tem a ver com as perspectivas sombrias para o imperialismo, ao olhar a América Latina. Tudo conspira contra seus interesses:
-A posse de Lugo, no Paraguai, em 15 de agosto, que pode contribuir para engrossar o caudal de mudanças progressistas e reforçar a integração soberana e solidária da América Latina e, quem sabe, representar o fim da base americana de espionagem para o Cone Sul, instalada num aeroporto paralelo ao de Assunção.
-A contagem regressiva para a saída da base militar estadunidense de Manta, no Equador, em novembro deste ano, pois Rafael Correa já comunicou oficialmente que não renovará a concessão, dada por governo anterior.
-A possível vitória de Evo Morales no referendo revogatório de 10 de agosto, que pode consolidar a importante revolução democrática e cultural por que passa o país, abrindo possibilidades mais avançadas.
-A previsível vitória da esquerda nas próximas eleições do México e do Peru (fechando o círculo de isolamento de Uribe), se a direita não conseguir novamente fraudes nesses países.
Para completar, a esperada vitória da esquerda nas eleições de novembro, na Venezuela, tendo em vista que todas as pesquisas recentes mostram a recuperação do prestígio de Chávez, voltando ao patamar histórico de dois terços de aprovação e intenção de voto.
Mas o cenário mais dramático se dará se os cálculos de Baby Bush tiverem a ver com a tentativa de reverter a possível derrota dos republicanos nas eleições norte-americanas deste ano. Por incrível que possa parecer, ao olhar de pessoas civilizadas, pode estar nos cálculos dos republicanos reverter a tendência eleitoral desfavorável com algum tipo de agressão militar à Venezuela. Um gesto como este poderia contar inclusive com o apoio dos democratas, pois, em termos de política externa, os dois partidos são como irmãos siameses. Barak Obama declarou recentemente: "apoiaremos o direito da Colômbia de atacar terroristas que buscam abrigo cruzando fronteiras".
Por que duvidarmos da insanidade do imperialismo norte-americano? Se Chávez está tão satanizado na opinião pública brasileira (com a manipulação da Rede Globo e dos demais meios burgueses) imaginem na norte-americana? Sentado em cima de uma das maiores reservas de petróleo do mundo, no velho quintal onde sempre brincou o Tio Sam, Chávez, além de ser apresentado ao público como um ditador encrenqueiro, "aliado do narcoterrorismo", ainda por cima bota em risco a gasolina que enche os gulosos tanques dos poderosos carros dos norte-americanos.
É claro que ao imperialismo não basta apenas querer iniciar uma guerra. É preciso que a relação "custo/benefício" lhe seja favorável. Talvez não ouse agredir a Venezuela ou o Irã, nesta quadra, em função de uma inevitável elevação do preço do petróleo, que pode ir às alturas, além de outros fatores políticos. Mas não podemos subestimar essas hipóteses que, aliás, não são as únicas. Os EUA precisam de guerras. Por isso, na América Latina, "continentalizam" e diversificam suas provocações. Para eles, onde o fogo começar, está bom! Não é à toa que a Quarta Frota da Marinha de Guerra dos EUA voltou a operar no nosso continente, após mais de 60 anos de inatividade. Não são casuais as recentes incursões de tropas colombianas na Venezuela, nem a violação do espaço aéreo deste país por aviões de guerra norte-americanos. Recentemente, foram presos no Equador paramilitares colombianos que planejavam o assassinato do Presidente Rafael Correa.
Não é coincidência o anúncio de Uribe de que a base de Manta (hoje no Equador) irá transferir-se para território colombiano, exatamente na fronteira com a Venezuela. Aliás, já se iniciou ali a construção de pistas de pouso e instalações que acolherão um esquadrão de helicópteros e aviões espiões dos EUA, para reforçar o cerco a Chávez, que já inclui uma base aeronaval em Curaçao, ao lado da costa venezuelana, a 30 minutos de vôo de Caracas!
No Peru, instalou-se uma base ianque em Ayacucho (onde há remanescentes da guerrilha do Sendero Luminoso), a pretexto de prestar "ajuda humanitária". Há indícios, entretanto, de se tratar de um campo de treinamento de paramilitares, dirigido pelo serviço secreto israelense Mossad, destinado à formação de comandos especiais de mercenários venezuelanos e colombianos, para um possível assalto a Miraflores, o palácio presidencial hoje ocupado por Chávez.
O imperialismo tem três planos, que podem se combinar, para tentar derrubar o governo venezuelano, pela ordem: I – vitória eleitoral nas eleições de 23 de novembro, seguida de agitação e campanha pelo referendo revogatório do mandato presidencial; II – magnicídio, ou seja, o assassinato do Presidente; III – ação de comandos que remova fisicamente Chávez, através de seqüestro, repetindo o golpe de 2002. Para qualquer dessas hipóteses, as táticas são as mesmas:
- campanha midiática satanizando Chávez e vinculando-o ao narcotráfico e ao terrorismo;
- boicote de fora do governo (desabastecimento, guerra midiática, agentes provocadores, violência urbana, especulação) e de dentro do governo, através da quinta coluna contra-revolucionária ali ainda encastelada (corrupção, traição, ineficiência, impunidade).
Vários planos em que atua o governo estadunidense no continente são financiados pela USAID, que atende pelo singelo nome de Agência dos Estados Unidos para o Desenvolvimento Internacional. Desde a famigerada Aliança para o Progresso, os EUA não jogam tantos dólares na América Latina. Agora, em 14 de maio, a USAID reuniu em Washington várias ONGs mercenárias para distribuir-lhes 45 milhões de dólares, destinados a tentar a ruptura do processo revolucionário cubano. Em toda a América Latina, jorram dólares para ONGs e organizações políticas e sociais, inclusive no Brasil, principalmente na Amazônia.
Além do financiamento da direita continental, uma das importantes linhas de ação da USAID é destinada a financiar organizações políticas e sociais com discurso de esquerda, seja para se oporem aos governos antiimperialistas - de forma a confundir as massas e tentar espremer esses governos entre duas oposições, uma de direita e outra supostamente de "esquerda", para simular seu isolamento político - seja, em alguns casos, para criar alternativas não revolucionárias à emergência dos partidos comunistas.
Mas o financiamento mais importante da USAID hoje é para o separatismo, a tentativa de "balcanização" da América do Sul. Apesar de praticamente todos os países terem problemas históricos de separatismo - em função das guerras coloniais e imperialistas, do extermínio de povos e nações, da anexação de territórios, dos bairrismos, dos preconceitos – a ação do império em nosso continente se restringe aos três países em que mais avança a luta de classe: Bolívia (separatismo a partir de Santa Cruz e da "Meia Lua"), Equador (a partir de Quaiaquil) e Venezuela (a partir de Zúlia).
As embaixadas norte-americanas nesses países dirigem politicamente as oligarquias locais, organizam e financiam suas campanhas, dando ênfase ao separatismo. Especialistas foram destacados para as missões "diplomáticas" nesses países. O embaixador americano na Bolívia foi o operador principal da divisão nos Bálcãs e criador do Estado fantoche do Kosovo. Em Zúlia, o governador é a maior expressão da direita venezuelana, ex-candidato a Presidente derrotado por Chávez, e já lançou uma campanha separatista, sob o sugestivo lema "Rumo Próprio – Zúlia para Nós". O legislativo estadual, dominado pela direita, já começou a redigir o "estatuto autonomista", seguindo o modelo da direita boliviana. O mais grave: milhares de paramilitares estão sendo treinados ou importados da Colômbia, para garantir pelas armas o separatismo, além de possivelmente tentar atacar as FARC, a partir do próprio território venezuelano, já que parte de Zúlia faz fronteira com parte do território insurgente.
DERROTAR URIBE, PARA PODER SEGUIR EM FRENTE
Diante deste quadro, a luta para denunciar e derrotar o governo títere de Uribe está colocada na ordem do dia dos internacionalistas, humanistas, democratas e pacifistas de todo o mundo. As manifestações simultâneas ocorrridas no dia 6 de março deste ano em vários países têm que se repetir e ampliar. A nossa ação tem que exercer uma enorme pressão internacional que obrigue Uribe a retomar a troca humanitária, pré-requisito para abrir qualquer possibilidade de diálogo político. A libertação unilateral de reféns, que vem sendo praticada pelas FARC, cria condições para exigirmos a libertação também das centenas de revolucionários colombianos presos.
A esquerda precisa entender que não há solução política na Colômbia sem o protagonismo das FARC, que é enraizada entre os trabalhadores, sobretudo o campesinato. Caso contrário, não estaria sobrevivendo há décadas nesta forma de luta, ocupando solidamente mais de um terço do território nacional, onde funciona como um Estado, com leis e tributos próprios. Não se trata de fazer daquela forma de luta um modelo para exportação, pois corresponde à realidade daquele país específico. Mas de respeitá-la.
As FARC foram criadas como organização de autodefesa, frente ao terrorismo estatal que marca a história da ditadura de classe da burguesia colombiana. Antes do "Bogotaço", já existiam bandos militares a serviço das oliqarquias. As FARC não podem sequer pensar em se desmilitarizar, pois já passaram dramaticamente por uma experiência como essa. E isso ocorreu sob um governo socialdemocrata e não fascista, como hoje é o caso de Uribe. Nos anos 80, a guerrilha se desmilitarizou parcialmente por conta de acordos e, juntamente com o Partido Comunista Colombiano e outras forças antiimperialistas, criou a União Patriótica, para participar do jogo institucional. O resultado é que dois candidatos a Presidente da República, dezenas de parlamentares e prefeitos e cerca de 5 mil militantes da UP foram covardemente assassinados por paramilitares e pela repressão estatal.
Sob o governo Uribe, esta violência estatal, conhecida no país como parapolítica, só tem aumentado. Desde 2002, já foram assassinados 15 mil militantes políticos e sociais; mais de 500 presos políticos são maltratados nos cárceres; centenas de milhares de camponeses vêm sendo expulsos de suas terras, que são expropriadas pelos paramilitares. A política de expulsão e extermínio de camponeses se dá nas regiões limítrofes ao território dominado pela guerrilha, para afastá-la do povo. Ali as terras são pulverizadas intensamente com produtos herbicidas tóxicos, para retirar da guerrilha também suas fontes de alimentação.
Mais de quinhentos mil colombianos vivem no exílio, principalmente na Venezuela e Equador. Relatório da ONU, divulgado agora em 18 de junho, revela que a Colômbia figura em primeiro lugar em matéria de refugiados internos, com mais de 3 milhões de pessoas nessa condição. Recentemente, assassinaram seis membros da comissão organizadora de uma manifestação pela troca humanitária, pela negociação e pela paz, que levou 200 mil pessoas às ruas de Bogotá, para protestar contra o governo. A Colômbia, depois de Israel, é o principal país receptor de ajuda militar norte-americana. Suas Forças Armadas têm 380 mil efetivos, muito bem treinados, ao passo que a Venezuela tem 70 mil e o Equador 50 mil, sem experiência.
E este é o melhor momento para acossar Uribe, cujo governo vive o inferno astral da parapolítica. Um terço dos parlamentares está sendo processado pela justiça, por corrupção e ligações com o narcotráfico. Cerca de sessenta deles já estão presos, inclusive um primo de Uribe. Toma corpo um movimento pela antecipação das eleições gerais, pela renúncia imediata de Uribe e pela convocação de uma Assembléia Nacional Constituinte. Uribe joga todas suas fichas para abafar o escândalo, chegando ao ponto de, passando por cima do judiciário, "extraditar" por decreto, sem autorização judicial, no meio da madrugada, quatorze chefes paramilitares para os Estados Unidos, como queima de arquivo, pois os seus depoimentos, que já estavam marcados na justiça colombiana, poderiam revelar a podridão dos porões da narcoparapolítica colombiana.
Devemos todos nos somar à campanha mundial contra o governo fascista e o estado terrorista da Colômbia, levantando bem alto as principais propostas apresentadas por todas as forças progressistas colombianas, como condições mínimas para o início de um processo de negociações políticas, sob supervisão de países da América do Sul:
-reconhecimento das FARC como força política beligerante;
-retomada do processo de troca humanitária;
-libertação dos presos políticos.
Aqui no Brasil, precisamos criar um amplo e representativo movimento de solidariedade à luta do povo colombiano , que denuncie o terrorismo de Estado naquele país, seja um contraponto à manipulação midiática e ajude na pressão internacional para a retomada das negociações políticas, inclusive exigindo do governo brasileiro que jogue um papel importante para viabilizá-las.
Não tenhamos ilusões. O imperialismo sabe melhor do que muitos de nós: não há solução na Colômbia e, quem sabe, na América Latina, que não passe pelo reconhecimento do caráter beligerante e político das FARC. A solução não poderá ser estritamente militar, pois o conflito colombiano é antes de tudo político, econômico e social. Por isso, a negociação não pode resumir-se à desmilitarização, mas levar em conta as razões que originaram o conflito (e que ainda lhe conferem atualidade), radicadas nas injustiças sociais, no terrorismo estatal contra os oprimidos, na falta de liberdade de organização e de uma verdadeira democracia.
Não se pode exigir de um exército popular que abandone nas montanhas, além de suas armas, todas as bandeiras políticas que desfraldam há décadas. Não é justo exigir-lhes que aceitem a paz dos cemitérios.
Assim sendo, apesar de respeitarmos as opiniões de alguns setores e lideranças expressivas da esquerda latino-americana que, por ilusão ou razões de Estado, pressionam as FARC a se desmilitarizarem unilateralmente, condenamos resolutamente essas pressões. Não apenas por espírito humanitário, em razão do inexorável assassinato em massa desses militantes revolucionários, se baixarem as armas e descerem as montanhas.
É uma ilusão achar que a guerrilha é o "pretexto" para a agressividade do imperialismo na América Latina. Em geral, ele não precisa de pretexto; quando precisa, cria um! Essa rendição (e não existe outra palavra para definir esta proposta) não satisfará o imperialismo, que cobrará mais concessões. Só o "acalmaremos" se abrirmos mão de lutar contra o capital. Imaginem se essa "teoria do pretexto" viceja. Daqui a pouco, estaremos exigindo que os palestinos troquem suas rudimentares armas por flores, para não darem pretexto à agressividade do Estado de Israel no Oriente Médio, onde funciona como a maior base militar norte-americana fora dos Estados Unidos.
Além do mais, se não quisermos conciliar nem retroceder na luta por mudanças revolucionárias e na defesa do patrimônio natural do continente, a insurgência popular pode vir a ser uma necessidade em vários países da região e não apenas na Colômbia. Basta lembrar que tanto no Iraque como no Afeganistão a resistência à agressão militar imperialista é exercida exclusivamente por forças insurgentes populares e não pelas antigas forças armadas convencionais nacionais, sempre inferiorizadas em confronto com a máquina de guerra do império do capital. Não custa lembrar o exemplo heróico dos vietcongs, que, através da guerrilha e da guerra popular, derrotaram o maior contingente militar de que se tem notícia em toda a história da humanidade.
As FARC são um fator de resistência à ocupação imperialista da Colômbia e, porque não dizer, da Amazônia. O extermínio das FARC seria hoje uma grande vitória do imperialismo: não é à toa que se transformou em sua prioridade.
E mais: para dar solidariedade aos povos venezuelano, boliviano, equatoriano; para lutar para que possam avançar as mudanças e a luta de classe na América Latina, mesmo em processos mais mediados e contraditórios como Argentina, Brasil, Chile, Uruguai e, possivelmente, Paraguai; para evitar que haja guerra e retrocesso em nosso continente; para tudo isso, há um pré-requisito: derrotar o verdadeiro eixo do mal, os braços terroristas do imperialismo norte-americano em nosso continente: o governo fascista e o estado terrorista da Colômbia!
Finalmente, fica uma proposta para todas as forças antiimperialistas brasileiras e latino-americanas. Agora neste mês de julho, 60 anos depois de desativada, a famigerada Quarta Frota norte-americana voltou ameaçadoramente a costear nossos mares, manchando-os com sua tenebrosa história. Desta vez com mais poder destrutivo, com mais tecnologia, inclusive nuclear. É a maior provocação de que a América Latina foi vítima. É o verdadeiro terrorismo.
É preciso articular todas as organizações e forças políticas e sociais antiimperialistas da América Latina na criação de um forte e unitário movimento pela expulsão desses piratas terroristas dos nossos mares, de onde, apontando-nos seus instrumentos de espionagem e suas armas de destruição em massa, cobiçam nossas riquezas naturais e esperam a melhor hora para matar nossos sonhos de liberdade e justiça.
Está na hora de escolhermos uma data, ainda este ano (quem sabe o 8 de outubro, em homenagem ao comandante Che Guevara), para promovermos simultaneamente manifestações nas portas de todas as missões diplomáticas e de todos os símbolos dos EUA em toda a América Latina, gritando, como um só povo:
FORA A QUARTA FROTA TERRORISTA!
Rio de Janeiro, 18 de julho de 2008
[*] Secretário Geral do Partido Comunista Brasileiro.
O original encontra-se em http://www.pcb.org.br/gerra.htm