Intervenção de Iván Márquez na instalação da segunda fase do processo de paz Nosso sonho, a paz com justiça social e soberania
“A paz que nós queremos e pela qual temos lutado por muito tempo, foi sempre a de buscar que neste país se acabem as desigualdades que são tão poderosas...” [Manuel Marulanda Vélez]
Senhoras e senhores
Amigas e amigos da paz da Colômbia
Compatriotas
Viemos até este paralelo 60, até esta cidade de Oslo desde o trópico remoto, desde o Macondo da injustiça, o terceiro país mais desigual do mundo, com um sonho coletivo de paz, com um ramo de oliveira em nossas mãos.
Viemos a esta Noruega setentrional a buscar a paz com justiça social para a Colômbia por meio do diálogo, onde o soberano, que é o povo, terá que ser o protagonista principal. Nele repousa a força irresistível da paz. Esta não depende de um acordo entre porta-vozes das partes contendoras. Quem deve traçar a rota da solução política é o povo e a ele mesmo corresponderá estabelecer os mecanismos que haverão de referendar suas aspirações.
As duas delegações em Oslo
Tal empreendimento estratégico não pode ser concebido como um processo contra o relógio. A pretendida paz expressa que alguns promovem, por sua volátil subjetividade e por seus afãs, só conduziria aos precipícios da frustração. Uma paz que não aborde a solução dos problemas econômicos, políticos e sociais geradores do conflito, é uma veleidade e equivaleria a semear de quimeras o solo da Colômbia. Necessitamos edificar a convivência sobre bases pétreas, como os inamovíveis fiordes rochosos destas terras, para que a paz seja estável e duradoura.
Não somos os guerreiristas que têm pretendido pintar alguns meios de comunicação, viemos à mesa com propostas e projetos para alcançar a paz definitiva, uma paz que implique uma profunda desmilitarização do Estado e reformas socioeconômicas radicais que cimentem a democracia, a justiça e a liberdade verdadeiras. Viemos aqui com o acumulado de uma luta histórica pela paz, a buscar, cotovelo a cotovelo com nosso povo, a vitória da solução política sobre a guerra civil que destroça a Colômbia. Não obstante, nossa determinação tem a firmeza para enfrentar os guerreiristas que creem que com o estrondo das bombas e dos canhões podem dobrar a vontade dos que mantêm em alto as bandeiras da mudança e justiça social.
Não se pode encadear este processo a uma política enfocada exclusivamente na obtenção desaforada de lucros para uns poucos capitalistas, aos quais não lhes importa nada a pobreza que abate a 70% da população. Eles só pensam no incremento de seu botim, não na redução da miséria. Mais de 30 milhões de colombianos vivem na pobreza, 12 milhões na indigência, 50% da população economicamente ativa agonizam entre o desemprego e o subemprego, quase 6 milhões de campesinos perambulam pelas ruas, vítimas do deslocamento forçado. De 114 milhões de hectares que o país tem, 38 estão destinados à exploração petroleira, 11 milhões à mineração, dos 750 mil hectares em exploração florestal se projeta passar para 12 milhões. A pecuária extensiva ocupa 39.2 milhões. A área cultivável é de 21.5 milhões de hectares, porém somente 4.7 milhões deles estão dedicados à agricultura, algarismo em decadência porque já o país importa 10 milhões de toneladas de alimentos ao ano. Mais da metade do território colombiano está em função dos interesses de uma economia de encrave.
Em nossa visão, colocar sobre a mesa o assunto do desenvolvimento agrário integral como primeiro ponto do acordo geral remete a assumir a análise de um dos aspectos centrais do conflito. O problema da terra é causa histórica da confrontação de classes em Colômbia. Nas palavras do comandante Alfonso Cano “as FARC nascemos resistindo à violência oligárquica que utiliza sistematicamente o crime político para liquidar a oposição democrática e revolucionária; também como resposta campesina e popular à agressão latifundiária e terra-tenente que inundou de sangue os campos colombianos, usurpando terras de campesinos e colonos”.
Aquilo que foi causa essencial do levantamento armado e de uma heroica resistência campesina, ao longo do tempo se agudizou. A geofagia dos latifundiários acentuou a desequilibrada e injusta estrutura da posse da terra. O coeficiente GINI no campo alcança 0,89. Espantosa desigualdade! Os mesmos dados oficiais dão conta de que as propriedades de mais de 500 hectares correspondem a 0.4% dos proprietários que controlam 61.2% da superfície agrícola. Se trata de uma acumulação por desapossamento, cuja mais recente referência fala de 8 milhões de hectares arrebatados a sangue e fogo através de massacres paramilitares, fossas comuns, desaparições e deslocamento forçado, crimes de lesa-humanidade, acentuados durante os 8 anos de governo de Uribe, todos eles componentes do terrorismo de Estado em Colômbia.
Para as FARC, Exército do Povo, o conceito TERRA está indissoluvelmente ligado ao território; são um todo indivisível que vai mais além do aspecto meramente agrário e que toca interesses estratégicos, vitais, de toda a nação. Por isso, a luta pelo território está no centro das lutas que se travam hoje em Colômbia. Falar de terra significa, para nós, falar do território como uma categoria que, ademais do subsolo e da superfície, entranha relações sócio-históricas de nossas comunidades que levam imerso o sentimento de pátria, que concebe a terra como abrigo, e o sentido do bem viver. A respeito, deveríamos interiorizar a profunda definição do Libertador Simón Bolívar sobre o que é a pátria, nosso solo, nosso território: “Primeiro o solo nativo que nada – nos diz –, ele formou com seus elementos nosso ser; nossa vida não é outra coisa que a essência de nosso próprio país; ali se encontram os testemunhos de nosso nascimento, os criadores de nossa existência e os que nos deram alma pela educação; os sepulcros de nossos pais jazem ali e nos reclamam segurança e repouso; tudo nos recorda um dever, tudo nos excita sentimentos ternos e memórias deliciosas; ali foi o teatro de nossa inocência, de nossos primeiros amores, de nossas primeiras sensações e de quanto nos formou. Que títulos mais sagrados ao amor e à consagração?”
Partimos desta visão para alertar a toda Colômbia: a titulação de terras, tal como a projetou o atual governo, é um embuste; encarna uma sorte de despojo legal através do qual se busca que o campesino, uma vez com o título de propriedade em suas mãos, não tenha outra saída que a de vender ou arrendar às transnacionais e conglomerados financeiros, aos quais só lhes interessa o saqueio exacerbado dos recursos mineiro-energéticos que estão debaixo do solo. Dentro de sua estratégia está a utilização do solo para estender as explorações florestais e as imensas plantações, não para resolver o grave problema alimentar que aflige nosso povo, mas sim para produzir agro-combustíveis que alimentarão automóveis. No melhor dos casos, o povo do campo ficará com uma renda miserável, porém distanciado da terrinha e confinado nos cinturões de miséria das grandes cidades. Ao cabo de 20 ou 30 anos de contrato, ninguém se lembrará do verdadeiro dono da terra. Asseguramos sem vacilação: a bancarização da terra derivada da titulação acabará “tombando” a terra ao campesino. Nos estão empurrando para a estrangeirização da terra e ao desastre ambiental dinamizado brutalmente pela exploração mineiro-energética e florestal. A natureza como fonte de informação genética não pode ser convertida em botim das transnacionais. Nos opomos à invasão das sementes transgênicas e à privatização e destruição de nossa biodiversidade e à pretensão de fazer dos nossos campesinos peça da engrenagem dos agronegócios e suas cadeias agroindustriais. Estão em jogo a soberania e a própria vida.
Nestes termos, a titulação não é mais que a legalidade que pretende lavar o rosto ensanguentado do despojo que durante décadas o terrorismo de Estado vem executando. Para uma transnacional, é mais apresentável dizer “tenho um título mineiro” a que se lhe acuse de haver financiado grupos paramilitares e desterrado a uma população para fazer viável seu projeto extrativo. Dentro desta dinâmica em Colômbia, o regime assassina não só com seus planos de guerra, com seus paramilitares e sicários, mas também com suas políticas econômicas que matam de fome. Hoje, viemos a desmascarar a esse assassino metafísico que é o mercado, a denunciar a criminalidade do capital financeiro, a sentar o neoliberalismo no banco dos acusados, como verdugo de povos e fabricante de morte.
Não nos enganemos: a política agrária do regime é retardatária e enganosa. A verdade pura e limpa, como diz o Libertador Simón Bolívar, é o melhor modo de persuadir. A mentira só conduz à agudização do conflito. O fim último de tais políticas, em detrimento da soberania e do bem-estar comum, é dar segurança jurídica aos investidores, liberalizar o mercado de terras e lançar o território ao campo da especulação financeira e mercados de futuro. Independentemente de que exista ou não a insurgência armada, esta política multiplicará os conflitos e a violência.
Acumulação por desapossamento e nova espacialidade capitalista, eis aí a fórmula do projeto político-econômico das elites neoliberais fazendo jorrar sangue à pátria da cabeça aos pés.
É a isto que nós resistimos. As FARC não se opõem a uma verdadeira restituição e titulação de terras. Por anos temos lutado, como povo em armas, por uma reforma agrária eficaz e transparente, e é precisamente por isso que não se pode permitir que se implemente o esbulho legal que o governo projeta com sua lei de terras. Por meio da violência do Plano Colômbia e do projeto paramilitar, se preparou o território para o assalto das transnacionais. A lei geral agrária e de desenvolvimento rural é, essencialmente, um projeto de reordenamento territorial concedido para abrir campo à economia extrativa contra a economia campesina, em desmedro da soberania alimentar e do mercado interno, ao superpor o mapa mineiro-energético sobre o espaço agrícola. Nem sequer se tem em conta a promoção de uma agroecología que permita uma interação amigável com a natureza.
Por outro lado, a restituição de terras tem que aludir as terras que lhes arrebataram violentamente aos campesinos, indígenas e afrodescendentes, e não a baldios distantes de seus lugares originais de existência, também cobiçados hoje pelas multinacionais. Porém, resulta que este é um problema que tem que ver com todo o povo colombiano e que, de fato, está salpicando de conflitos todo o território. Há uma profunda inconformidade do país nacional com a bandidagem financeira que está se apropriando da Orinoquía. Agora, apareceram uns tais “novos campinos” que de campinos não têm nada, como os magnatas Sarmiento Angulo e Julio Mario Santodomingo [filho], os terra-tenentes Eder, do Valle del Cauca, o senhor Efromovich, o ex-vice-presidente Francisco Santos [gestor do paramilitar Bloco Capital], os filhos de Uribe Vélez, entre outros embusteiros, que nenhum direito têm sobre essas terras e que só querem cravar suas garras no petróleo, no ouro, no coltán [mistura dos minerais columbita e tantalita], no lítio, explorar grandes projetos agroindustriais e a biodiversidade da altiplanura.
Abordar o assunto agrário é discutir com o país sobre estes problemas. Que falem os verdadeiros camponeses, esses de pele tostada pelo sol dos bancos de savana; esses que por séculos têm convivido em harmonia com os morichales [que crescem em zonas onde as correntes de água são muito tranquilas – n.t.] e o voo das garças e dos alcaravões; esses de pés descalços que, com sua histórica bravura, empunharam as lanças para dar-nos a liberdade.
O povo tem a palavra: Aí está a patriótica resistência dos trabalhadores petroleiros contra a canadense Pacific-Rubiales em Puerto Gaitán, cujo cenário de saqueio foi preparado com sangue pelos paramilitares de Victor Carranza. Diariamente, o vampiro transnacional leva mais de 250 mil barris de petróleo, enquanto suga o sangue de mais de 12 mil e 500 trabalhadores terceirizados que, como escravos, têm que trabalhar 16 horas diárias por 21 dias contínuos por uma semana de descanso. Sua situação laboral é mais atroz que a imposta pelos encraves bananeiros dos anos ’20.
Aí está a resistência dos moradores do Quimbo, onde o governo pretende arrancar a pontapés o povo que vive lá há mais de um século, destruindo assim suas trajetórias culturais, de vida, e seu entorno ambiental. Vamos deixar, por acaso, que se fira de morte o rio da pátria que é o Rio Grande de la Magdalena, só para construir uma represa que gerará energia para exportação e não para resolver a demanda interna de milhões de colombianos que não têm acesso a energia elétrica? Para o governo, estão primeiro os lucros da transnacional EMGESA, e depois a sorte das famílias que ficarão desarraigadas.
Aí está a resistência dos habitantes de Marmato [Caldas], gente humilde que sempre viveu da exploração artesanal aurífera e que agora a transnacional MEDORO RESOURCES quer apagar do mapa para converter essa aldeia na maior mina de ouro a céu aberto do continente. Recordemos aqui que até a igreja colombiana tem acompanhado essa justa luta na qual o sacerdote José Idárraga, líder do Comitê Cívico Pró-defesa de Marmato, foi metralhado pelos esbirros das transnacionais.
Aí está a formidável resistência indígena e campesina no Cauca em defesa de seu território e de suas culturas ancestrais, e a de seus irmãos afrocolombianos, guardiães patrióticos da soberania do povo sobre o Pacífico e nossas selvas.
Insistem as castas dominantes em destroçar o páramo de Santurbán, riqueza de biodiversidade e de águas que saciam a sede de cidades importantes como Bucaramanga e Cúcuta. Pela cobiça do ouro, pretendem destruir a alta montanha e a pureza das águas do rio Suratá. A dignidade dos filhos de José Antonio Galán, o comuneiro, mobilizou a resistência, unificando inclusive o povo do plano com o empresariado local, que começou a entender que esta é uma luta de toda Colômbia.
Como vamos permitir que para contentar a voracidade pelo ouro da ANGLO GOLD ASHANTI, se entregue a esta multinacional 5% do nosso território? O projeto extrativo dessa empresa em La Colosa [Cajamarca] deixará uma grande devastação ecológica e privará de água a 4 milhões de colombianos que dependem de suas fontes hídricas.
A locomotiva mineira é como um demônio de destruição socioambiental que, se o povo não a detém, em menos de uma década converterá a Colômbia num país inviável. Freemos já as locomotivas físicas do Cerrejón e da Drummond que, durante as 24 horas do dia, saqueiam nosso carvão, borrifam poluição na passagem de seus intermináveis vagões, deixando-nos, como diz o cantautor vallenato Hernando Marín, apenas socavão e miséria. Freemos a BHP BILLITON, a XSTRATA e a ANGLO AMERICAN, que, para extrair 600 milhões de toneladas de carvão que jazem sob o leito do rio Ranchería, pretendem desviar seu curso, o que diminuirá o caudal de suas águas em 40%, gerando devastação ambiental e destruição irreparável ao tecido social dos povos Wayúu.
Que assustadiço se vê o governo para defender a soberania frente à transnacional BHP BILLITON, que saqueia em descarada atitude de lesa-pátria o ferro níquel de Cerro Matoso [Córdoba], e a que segue enchendo de impostos em detrimento da soberania, do bem-estar social e do meio ambiente.
Há que pôr fim a essa monstruosidade que são os contratos a 20 e 30 anos que privilegiam os direitos do capital em prejuízo do interesse comum.
E, claro, se escutam aos porta-vozes do governo e da oligarquia proclamando o crescimento da economia nacional e suas exportações. Porém, não, em Colômbia não há economia nacional. As que exportam o petróleo, o carvão, o ferro níquel, o ouro e se beneficiam com isso são as multinacionais. A prosperidade, então, é destas e dos governantes vendidos, não do país.
Este não é um espaço para resolver os problemas particulares dos guerrilheiros, mas sim os problemas do conjunto da sociedade; e, dado que um dos fatores que mais impacta negativamente a população é a assinatura dos Tratados de Livre Comércio, este é um tema que terá que ser abordado incontestavelmente. Pobre Colômbia, obrigada a competir com as transnacionais com uma infraestrutura arruinada pela corrupção e desídia.
Então a paz... sim. Sinceramente, queremos a paz e nos identificamos com o clamor majoritário da nação por encontrar uma saída dialogada ao conflito abrindo espaços para a plena participação cidadã nos debates e decisões.
Porém, a paz não significa o silêncio dos fuzis, senão que abarca a transformação da estrutura do Estado e a mudança das formas políticas, econômicas e militares. Sim, a paz não é a simples desmobilização. Dizia o comandante Alfonso Cano: “Desmobilizar-se é sinônimo de inércia, é entrega covarde, é rendição e traição à causa popular e ao ideário revolucionário que cultivamos e lutamos pelas transformações sociais, é uma indignidade que leva implícita uma mensagem de desesperança ao povo que confia em nosso compromisso e proposta bolivariana”. Necessariamente, teremos que entender as causas geradoras do conflito e desinfetar primeiro o cancro da institucionalidade. Claro, desde o ponto de vista estritamente econômico, para uma transnacional é mais fácil saquear os recursos naturais do país sem a resistência popular e guerrilheira. Apoiados em exercícios simples de matemática, podemos afirmar que a guerra é insustentável para o Estado, pelas seguintes considerações:
O gasto militar em Colômbia é dos mais altos do mundo em proporção ao seu Produto Interno Bruto. Este alcança 6.4%, quando há 20 anos estava pela ordem de 2.4%; quer dizer, triplicou, e isso é relevante. O gasto militar atualmente oscila entre 23 e 27 bilhões de pesos ao ano, descontando que a Colômbia é o terceiro receptor de “ajuda” militar estadunidense no mundo e que, por conta do Plano Colômbia, recebe um financiamento equivalente a 700 milhões de dólares ao ano.
Em Colômbia, há um regime jurídico que se acompanha com a proteção militar dos investimentos. De uns 330.000 efetivos das Forças Militares, 90 mil soldados são utilizados para cuidar da infraestrutura e dos lucros das multinacionais. O enorme gasto que isto representa, somado ao custo da tecnologia empregada, põe em evidência os limites da sustentabilidade da guerra.
Nós fazemos um chamado sincero aos soldados da Colômbia, aos oficiais e suboficiais, aos altos mandos que ainda sintam em seu peito o pulsar da pátria, a recobrar o decoro e a herança do ideário bolivariano, que reclama aos militares empregar sua espada em defesa da soberania e das garantias sociais. Que bom seria protagonizar o surgimento de umas novas Forças Armadas. Não mais submissão a Washington, não mais subordinação ao Comando Sul e não mais complacência com a expansão de bases militares estrangeiras em nosso território.
Essa é a fogueira que arde em nosso coração; por isso, não podem ser mais que um agravo os chamados instrumentos jurídicos de justiça transicional que apontam a converter as vítimas em vitimários. Que se tenha presente que o alçamento armado contra a opressão é um direito universal que assiste a todos os povos do mundo, que tem sido consagrado no preâmbulo da Declaração dos Direitos Humanos aprovada pela ONU em 1948 e que, ademais, é um direito consignado em muitas constituições das nações do mundo. Não somos causa, mas sim resposta à violência do Estado, que é quem deve submeter-se a um marco jurídico para que responda por suas atrocidades e crimes de lesa-humanidade como os 300 mil mortos da denominada época da violência nos anos ’50, que responda pelos 5 mil militantes e dirigentes da União Patriótica assassinados, pelo paramilitarismo como estratégia contra insurgente do Estado, pelo deslocamento de cerca de 6 milhões de campesinos, pelos mais de 50 mil casos de desaparição forçada, pelos massacres e os falsos positivos, pelas torturas, pelos abusos de poder que significam as detenções massivas, pela dramática crise social e humanitária; em síntese, que responda pelo terrorismo de Estado. Quem deve confessar a verdade e reparar as vítimas são seus vitimários, entrincheirados na espúria institucionalidade.
Somos uma força beligerante, uma organização política revolucionária com um projeto de país esboçado na Plataforma Bolivariana pela Nova Colômbia, e nos estimula a convicção de que nosso porto é a paz, porém não a paz dos vencidos, mas sim a paz com justiça social.
A insurgência armada motivada numa luta justa não poderá ser derrotada com bombardeiros, nem tecnologias, nem planos, por muito sonoras e variadas que sejam suas denominações. A guerra de guerrilhas móveis é uma tática invencível. Se equivocam aqueles que, embriagados de triunfalismo, falam do fim da guerrilha, de pontos de inflexão e de derrotas estratégicas, e confundem nossa disposição ao diálogo pela paz com uma inexistente manifestação de fraqueza. [Eles] nos têm golpeado e [nós] temos golpeado, sim. Porém, com o romanceiro espanhol, podemos dizer: “por fortuna vos vanglorieis porque vossas armas estão brunidas; em troca, olhai as minhas, que sem dentes estão, porque ferem e foram feridas”. Assim são os avatares da guerra. O Plano Patriota do Comando Sul dos Estados Unidos foi derrotado e a confrontação bélica se estende hoje com intensidade por todo o território nacional. Não obstante, em nós palpita um sentimento de paz fundado no convencimento de que a vitória sempre estará em mãos da vontade e da mobilização de nosso povo. “Esta é uma mensagem de decisão, dizia há pouco Alfonso Cano: aqui nas FARC ninguém está intimidado, estamos absolutamente repletos de moral, de moral de combate!”.
Presidente Santos, fundemos a paz tomando como base os anseios da nação.
Convocamos a todos os setores sociais do país, ao Exército de Libertação Nacional [ELN], aos Diretórios dos partidos políticos, a Colombianas e Colombianos pela Paz, organização que, liderada por Piedad Córdoba, trabalhou corajosamente por abrir esta vereda, à Conferência Episcopal e as igrejas, a Mesa Ampla Nacional Estudantil [MANE], a Coordenadora de Movimentos Sociais de Colômbia [COMOSOCOL], aos promotores do Encontro pela Paz de Barranca, aos indígenas, aos afrodescendentes, aos campesinos, as organizações de deslocados, a AVC, a Associação Nacional de Zonas de Reserva Campesina [ANZORC], as centrais operárias, as mulheres, ao movimento juvenil colombiano, a população LGTBI, aos acadêmicos, aos artistas e cultores, aos comunicadores alternativos, ao povo em geral, aos migrados e exilados, a Marcha Patriótica, ao Polo Democrático, ao Congresso dos Povos, ao Partido Comunista, ao MOIR, a Minga Indígena, aos amantes da paz no mundo, para que inundem de esperança esta tentativa de solução diplomática do conflito.
Simón Trinidad já manifestou, desde o cárcere imperial de Florence [Colorado], onde está condenado injustamente a 60 anos de presídio, sua total disposição para participar nos diálogos pela paz da Colômbia. Num ato de sensatez, a Promotoria colombiana disse que ele tem todo o direito a fazer parte da delegação das FARC na mesa de conversações e o Conselho Superior da Judicatura ofereceu a tecnologia e a logística para que isso seja possível. O governo dos Estados Unidos daria uma grande contribuição à reconciliação da família colombiana, facilitando a participação de Simón, de corpo presente nesta mesa.
Finalmente, queremos expressar nossa eterna gratidão aos governos e povos de Noruega, Cuba, Venezuela e Chile, que brindaram seus esforços combinados desde Escandinávia, desde o Caribe, desde o berço de Simón Bolívar e desde o indômito Arauco de Neruda e Allende, para que o mundo possa contemplar o prodígio da nova aurora boreal da paz. Também, ressaltamos a contribuição do CICV [Comitê Internacional da Cruz Vermelha] como garantidor do translado de porta-vozes das FARC desde agrestes regiões colombianas sob o fogo.
Rendemos homenagem aos nossos caídos, aos nossos prisioneiros de guerra, aos nossos mutilados, a abnegação das Milícias Bolivarianas, ao Partido Comunista Clandestino e ao Movimento Bolivariano pela Nova Colômbia, e junto a eles ao povo fiel que nutre e acompanha nossa luta.
Sem ainda começar a discussão, não coloquemos como espada de Dâmocles, a pender ameaças sobre a existência desta mesa. Submetamos as razões de cada uma das partes contendoras ao veredito da nação, à vedoria cidadã. Não permitamos que os manipuladores de opinião desviem o rumo desta causa necessária que é a reconciliação e a paz dos colombianos em condições de justiça e dignidade. A grande imprensa não pode seguir atuando como juiz iníquo frente ao conflito, porque, como dizia Cícero, “um juiz iníquo é pior que um verdugo”. Dos esforços de todos e da solidariedade do mundo depende o destino da Colômbia. Que a oração pela paz de Jorge Eliécer Gaitán ilumine nosso caminho: “Bem-aventurados os que entendem que as palavras de concórdia e de paz não devem servir para ocultar sentimentos de rancor e extermínio. Mal-aventurados os que, no governo, ocultam por trás da bondade das palavras a impiedade para [com] os homens do povo, porque eles serão assinalados com o dedo da ignomínia nas páginas da história!”.
Damos as boas-vindas a este novo empreendimento pela paz com justiça social. Todos, pela solução incruenta do conflito colombiano.
Viva Colômbia/ Viva Manuel Marulanda Vélez/ Viva a paz!
Secretariado do Estado-Maior Central das FARC-EP
Oslo, Outubro de 2012