Questão agrária desafia sucesso dos diálogos de paz na Colômbia
Por Marcel Gomes. Fonte: Carta Maior.
Governo da Colômbia e Farc negociam a paz no eixo Oslo-Havana, mas uma
série de obstáculos permanece no caminho. Um dos maiores são os
bilionários investimentos agropecuários e extrativo-minerais que
ameaçam áreas tradicionalmente ocupadas por pequenos produtores e
indígenas. Provém desses segmentos sociais a maior parcela dos quadros
insurgentes. O alerta é do economista Héctor-León Moncayo, membro de
uma das mais importantes ONGs de Bogotá, o instituto Ilsa.
São Paulo – Diante dos lentos avanços das negociações entre o governo
da Colômbia e as Farc no eixo Oslo-Havana, o economista Héctor-León
Moncayo, membro de uma das mais importantes ONGs de Bogotá, o Ilsa
(Instituto Latinoamericano para una sociedad y un derecho
alternativos), alerta que a “questão agrária colombiana”, uma das
razões de existir dos insurgentes, é um dos principais obstáculos para
que a paz seja alcançada.
Nos últimos anos, o país vive uma nova onda de investimentos
agropecuários e extrativo-minerais, ameaçando áreas tradicionalmente
ocupadas por pequenos produtores e indígenas. Provém desses segmentos
sociais a maior parte dos quadros que compõem as fileiras armadas das
Farc.
“Poderia dizer que é impossível, e politicamente discutível, levar o
modelo à mesa de negociação, mas também seria estúpido pretender que
ele seja ignorado completamente. O que é certo, e isso se relaciona
com o desafio de longo prazo, é que uma verdadeira solução para o
conflito armado na Colômbia supõe enfrentar com profundidade a questão
agrária ou rural”, diz ele à Carta Maior. Leia a seguir a entrevista
exclusiva.
Carta Maior – Houve outros diálogos de paz entre governo da Colômbia e
Farc no passado. Há possibilidade de sucesso agora?
Héctor-León Moncayo – No início dos anos noventa foram firmados vários
acordos com resultados mais ou menos exitosos, pelo menos do ponto de
vista da desmobilização e do desarme das organizações envolvidas.
Entretanto, desde então, a situação tem sido totalmente diferente.
Tenha-se em conta que estamos falando de uma insurgência, Farc e ELN,
com as mais profundas raízes camponesas. A qualificação de êxito ou
fracasso se tornou mais complexa. Não se pode considerar como
resultado a simples conversão da organização armada em um partido
político que atua por vias legais. Por isso fracassaram as negociações
anteriores dos governos com as Farc e o ELN. A agenda sempre foi muito
ampla e complexa. Além disso, no último caso, o de Caguán, desistiu-se
de se firmar um cessar-fogo prévio. As ações de um e outro chegaram a
um ponto inaceitável. Hoje em dia, os problemas são similares. Mas,
por trás dos discursos, parecem haver atitudes diferentes, uma
disposição mais favorável à negociação. Claro que é muito cedo para
fazer previsões. Tudo depende da evolução do processo, não tanto a
evolução das negociações em si, senão como vão elaborando, cada um dos
atores, os sucessivos momentos políticos do país.
CM – Por que o presidente Santos e as Farc aceitaram o diálogo?
HM – No caso de Santos, o cálculo político é dobrado. Por um lado,
considera que as Farc estão militarmente dizimadas e politicamente
derrotadas, e terão de render-se. Por outro, como sabe que está
promovendo um modelo de desenvolvimento neoliberal e extrativista que
tem gerado numerosas convulsões sociais, e que provavelmente a
economia entrará em crise no curto prazo, o presidente aspira
neutralizar os protestos com a ilusão da paz. Quanto à insurgência, é
bom recordar que, desde meados dos anos oitenta, aceitou a
possibilidade da solução negociada, renunciando, na prática, à meta do
triunfo militar revolucionário, que foi o modelo de Cuba e Nicarágua.
A questão, assim, se reduz sempre às condições da negociação, que
nunca deixou de ser buscada. Inclusive no governo Uribe, coisa que
quase que não se recorda. A decisão de negociar agora tem muito a ver
com a oferta de Santos, que foi respaldada e mediada por algumas
correntes de opinião, como a Colombianas e Colombianos pela Paz, de
Piedad Córdoba.
CM – Como propostas na mesa de negociações, as Farc querem participar
da vida política do país e pedem a reforma agrária. Seria possível que
tipo de arranjo? Os grandes proprietários rurais aceitariam?
HM – É claro que há uma oposição de ultradireita ao processo de
negociação, encabeçada pelo ex-presidente Uribe e com não poucas
simpatias entre os colombianos*. Essa oposição se explica, em parte
por sua principal base social, os donos de terra próximos a
narcotraficantes e paramilitares, que temem ser sacrificados na hora
dos acordos. Além disso, o discurso machista e belicista tras muitos
dividendos eleitorais. Mas não são muitas, nem muito profundas as
diferenças com o discurso do governo. Para este, a idéia de reforma
agrária, e ninguém utilizou até agora este conceito, se reduz a
restituição de terras e à outorga de algumas áreas de reserva
camponesa. Só sob pressão o governo aceitaria afetar algum desses
donos de terra. Quanto à participação política, a discussão parece
estar simplesmente em alguns líderes que poderiam ser acusados de
delitos de lesa humanidade. E para ultradireita, em conseqüência,
bastaria negociar, paralelo e secretamente, a respeito de seus
interesses. Faltaria ver se as Farc estão dispostas a aceitar ese
modelo restrito.
CM – Quais os maiores desafios para a paz ser alcançada?
HM – São muitos desafios. Mas, para não supor resultados que ainda
ignoramos, falemos somente deste início. São dois tipos de desafios.
Em primeiro lugar, o clima de negociação. Na realidade, o governo, a
elite empresarial, quase todos os partidos políticos, boa parte da
intelectualidade e os grandes meios de comunicação consideram que,
fundamentalmente, tratam-se de criminosos que devem se submeter
voluntariamente à justiça e pedir perdão em troca da redução de suas
penas. É evidente que esse ponto de partida é inaceitável para as Farc
e o ELN. Em segundo lugar está a agenda e sua relação com as
exigências das organizações e movimentos sociais. É claro que há uma
recusa frontal ao modelo neoliberal e extrativista. Poderia dizer que
é impossível, e politicamente discutível, levar o modelo à mesa de
negociação, mas também seria estúpido pretender que ele seja ignorado
completamente. O que é certo, e isso se relaciona com o desafio de
longo prazo, é que uma verdadeira solução para o conflito armado na
Colômbia supõe enfrentar com profundidade a questão agrária ou rural.
Em profundidade quer dizer que não só se refere à distribuição de
terras, senão que toca em dois aspectos fundamentais: por um lado, o
desmonte dos poderes locais, corruptos e violentos, e por outro um
novo modelo territorial que iria de encontro ao vigente.
CM – Os Estados Unidos apoiam o diálogo? Como anda a cooperação
militar entre norte-americanos e colombianos contra os insurgentes?
HM – Para muitas pessoas, o fato de o governo dos Estados Unidos
anunciar o fim do Plano Colômbia constituía uma esperança para a paz.
E esse fim acabou acontecendo, mais por razões orçamentárias do que
políticas, em anúncio feito pelos norte-americanos, que seguem
apoiando as elites de nosso país. Para o Estado colombiano, a guerra
representa um enorme gasto que dificilmente pode bancar sozinho, o que
amplia sua disposição a negociar. Para a insurgência, isso pode
significar ou que crescem as possibilidades de triunfo militar ou que
é uma oportunidade para negociar em condições favoráveis. Parece que
eles têm a segunda leitura. Apesar disso, os Estados Unidos não
abdicam de sua pretensão ao controle estratégico do continente. Como
se sabe, eles têm consolidado o “arco do pacífico”, no qual Santos foi
chamado a ser um ator político principal. E não abdicam, tampouco,
apesar das contradições internas, à “guerra” contra as drogas. Com
estas condições não se pode descartar que se renovem os investimentos
militares estratégicos em grande escala na Colômbia. Por enquanto,
porém, eles acreditam na rendição das Farc. Observe-se que, à
diferença de 1998, eles não expressaram seu apoio ao processo de
negociação, mas apenas ao governo, como quem diz que está atento aos
seus sinais, e se for necessário retomar as atividades está pronto
para ajudar.
CM – A esquerda da Colômbia se fortalece com a paz?
HM – É difícil aplicar a denominação “esquerda” a um ou outro grupo.
Pelo menos na Colômbia. Durante o governo de direita, totalitário e
personalista de Uribe, até o tradicional partido Liberal esteve na
oposição. Formou-se e tomou força uma frente política como o Polo
Democrático Alternativo, que incluía grupos de linha revolucionária,
ainda que, em termos gerais, tenha sido apenas social-democrata e
nacionalista. Também surgiram novos grupos, que, devido a seu discurso
contra os políticos profissionais (¡Corruptos!), pareceram de
contestação. Por exemplo o mal denominado partido Verde, que no
exterior alguns qualificam equivocadamente como de esquerda*. Com
Santos e suas ofertas de “unidade nacional”, o panorama muda
substancialmente. Junto ao partido Liberal, muitos grupos abandonaram,
já explicitamente, a oposição. O PDA se divide. A última cisão se
relaciona também com a aparição da Marcha Patriótica como movimento
social e político que se define principalmente em torno do respaldo ao
processo de negociação. A direção do PDA considera incompatível
pertencer a esse movimento e a militância no Polo. A verdade é que o
Polo acabou criptografando sua existência política ao tentar evitar
qualquer acusação de relação com as Farc, o que tem sido o argumento
principal da direita contra seus adversários. Seu futuro, porém, é
bastante incerto, não só pelo desmantelamento que sofreu senão porque
a direita nunca está satisfeita e seguirá exigindo provas de
inocência, ao ponto que tende a manter silêncio sobre o tema mais
importante da conjuntura, ou seja, a negociação. A menos que se forme
fila ao lado do governo para atacar e pressionar as Farc. Quanto à
Marcha, o certo é que, a pesar de manifestações em torno de diversos
temas, ela segue centrada na questão da negociação. A caracterização
de como será o futuro canal de expressão legal das Farc tem mais de
macarthismo do que de valoração política real. Tenho que dizer,
finalmente, que é muito difícil fazer um cálculo sobre o panorama
partidário futuro ou até mesmo sobre as negociações em curso. É claro
que entendo o sentido d pregunta, ou seja, se se espera, de um
possível acordo com a insurgência, um processo democratizador de tal
natureza que permita o fortalecimento de uma esquerda que logre
grandes mudanças por via eleitoral como no resto da América Latina.
Mas sem dúvida é muito cedo para sabermos.
Governo da Colômbia e Farc negociam a paz no eixo Oslo-Havana, mas uma
série de obstáculos permanece no caminho. Um dos maiores são os
bilionários investimentos agropecuários e extrativo-minerais que
ameaçam áreas tradicionalmente ocupadas por pequenos produtores e
indígenas. Provém desses segmentos sociais a maior parcela dos quadros
insurgentes. O alerta é do economista Héctor-León Moncayo, membro de
uma das mais importantes ONGs de Bogotá, o instituto Ilsa.
São Paulo – Diante dos lentos avanços das negociações entre o governo
da Colômbia e as Farc no eixo Oslo-Havana, o economista Héctor-León
Moncayo, membro de uma das mais importantes ONGs de Bogotá, o Ilsa
(Instituto Latinoamericano para una sociedad y un derecho
alternativos), alerta que a “questão agrária colombiana”, uma das
razões de existir dos insurgentes, é um dos principais obstáculos para
que a paz seja alcançada.
Nos últimos anos, o país vive uma nova onda de investimentos
agropecuários e extrativo-minerais, ameaçando áreas tradicionalmente
ocupadas por pequenos produtores e indígenas. Provém desses segmentos
sociais a maior parte dos quadros que compõem as fileiras armadas das
Farc.
“Poderia dizer que é impossível, e politicamente discutível, levar o
modelo à mesa de negociação, mas também seria estúpido pretender que
ele seja ignorado completamente. O que é certo, e isso se relaciona
com o desafio de longo prazo, é que uma verdadeira solução para o
conflito armado na Colômbia supõe enfrentar com profundidade a questão
agrária ou rural”, diz ele à Carta Maior. Leia a seguir a entrevista
exclusiva.
Carta Maior – Houve outros diálogos de paz entre governo da Colômbia e
Farc no passado. Há possibilidade de sucesso agora?
Héctor-León Moncayo – No início dos anos noventa foram firmados vários
acordos com resultados mais ou menos exitosos, pelo menos do ponto de
vista da desmobilização e do desarme das organizações envolvidas.
Entretanto, desde então, a situação tem sido totalmente diferente.
Tenha-se em conta que estamos falando de uma insurgência, Farc e ELN,
com as mais profundas raízes camponesas. A qualificação de êxito ou
fracasso se tornou mais complexa. Não se pode considerar como
resultado a simples conversão da organização armada em um partido
político que atua por vias legais. Por isso fracassaram as negociações
anteriores dos governos com as Farc e o ELN. A agenda sempre foi muito
ampla e complexa. Além disso, no último caso, o de Caguán, desistiu-se
de se firmar um cessar-fogo prévio. As ações de um e outro chegaram a
um ponto inaceitável. Hoje em dia, os problemas são similares. Mas,
por trás dos discursos, parecem haver atitudes diferentes, uma
disposição mais favorável à negociação. Claro que é muito cedo para
fazer previsões. Tudo depende da evolução do processo, não tanto a
evolução das negociações em si, senão como vão elaborando, cada um dos
atores, os sucessivos momentos políticos do país.
CM – Por que o presidente Santos e as Farc aceitaram o diálogo?
HM – No caso de Santos, o cálculo político é dobrado. Por um lado,
considera que as Farc estão militarmente dizimadas e politicamente
derrotadas, e terão de render-se. Por outro, como sabe que está
promovendo um modelo de desenvolvimento neoliberal e extrativista que
tem gerado numerosas convulsões sociais, e que provavelmente a
economia entrará em crise no curto prazo, o presidente aspira
neutralizar os protestos com a ilusão da paz. Quanto à insurgência, é
bom recordar que, desde meados dos anos oitenta, aceitou a
possibilidade da solução negociada, renunciando, na prática, à meta do
triunfo militar revolucionário, que foi o modelo de Cuba e Nicarágua.
A questão, assim, se reduz sempre às condições da negociação, que
nunca deixou de ser buscada. Inclusive no governo Uribe, coisa que
quase que não se recorda. A decisão de negociar agora tem muito a ver
com a oferta de Santos, que foi respaldada e mediada por algumas
correntes de opinião, como a Colombianas e Colombianos pela Paz, de
Piedad Córdoba.
CM – Como propostas na mesa de negociações, as Farc querem participar
da vida política do país e pedem a reforma agrária. Seria possível que
tipo de arranjo? Os grandes proprietários rurais aceitariam?
HM – É claro que há uma oposição de ultradireita ao processo de
negociação, encabeçada pelo ex-presidente Uribe e com não poucas
simpatias entre os colombianos*. Essa oposição se explica, em parte
por sua principal base social, os donos de terra próximos a
narcotraficantes e paramilitares, que temem ser sacrificados na hora
dos acordos. Além disso, o discurso machista e belicista tras muitos
dividendos eleitorais. Mas não são muitas, nem muito profundas as
diferenças com o discurso do governo. Para este, a idéia de reforma
agrária, e ninguém utilizou até agora este conceito, se reduz a
restituição de terras e à outorga de algumas áreas de reserva
camponesa. Só sob pressão o governo aceitaria afetar algum desses
donos de terra. Quanto à participação política, a discussão parece
estar simplesmente em alguns líderes que poderiam ser acusados de
delitos de lesa humanidade. E para ultradireita, em conseqüência,
bastaria negociar, paralelo e secretamente, a respeito de seus
interesses. Faltaria ver se as Farc estão dispostas a aceitar ese
modelo restrito.
CM – Quais os maiores desafios para a paz ser alcançada?
HM – São muitos desafios. Mas, para não supor resultados que ainda
ignoramos, falemos somente deste início. São dois tipos de desafios.
Em primeiro lugar, o clima de negociação. Na realidade, o governo, a
elite empresarial, quase todos os partidos políticos, boa parte da
intelectualidade e os grandes meios de comunicação consideram que,
fundamentalmente, tratam-se de criminosos que devem se submeter
voluntariamente à justiça e pedir perdão em troca da redução de suas
penas. É evidente que esse ponto de partida é inaceitável para as Farc
e o ELN. Em segundo lugar está a agenda e sua relação com as
exigências das organizações e movimentos sociais. É claro que há uma
recusa frontal ao modelo neoliberal e extrativista. Poderia dizer que
é impossível, e politicamente discutível, levar o modelo à mesa de
negociação, mas também seria estúpido pretender que ele seja ignorado
completamente. O que é certo, e isso se relaciona com o desafio de
longo prazo, é que uma verdadeira solução para o conflito armado na
Colômbia supõe enfrentar com profundidade a questão agrária ou rural.
Em profundidade quer dizer que não só se refere à distribuição de
terras, senão que toca em dois aspectos fundamentais: por um lado, o
desmonte dos poderes locais, corruptos e violentos, e por outro um
novo modelo territorial que iria de encontro ao vigente.
CM – Os Estados Unidos apoiam o diálogo? Como anda a cooperação
militar entre norte-americanos e colombianos contra os insurgentes?
HM – Para muitas pessoas, o fato de o governo dos Estados Unidos
anunciar o fim do Plano Colômbia constituía uma esperança para a paz.
E esse fim acabou acontecendo, mais por razões orçamentárias do que
políticas, em anúncio feito pelos norte-americanos, que seguem
apoiando as elites de nosso país. Para o Estado colombiano, a guerra
representa um enorme gasto que dificilmente pode bancar sozinho, o que
amplia sua disposição a negociar. Para a insurgência, isso pode
significar ou que crescem as possibilidades de triunfo militar ou que
é uma oportunidade para negociar em condições favoráveis. Parece que
eles têm a segunda leitura. Apesar disso, os Estados Unidos não
abdicam de sua pretensão ao controle estratégico do continente. Como
se sabe, eles têm consolidado o “arco do pacífico”, no qual Santos foi
chamado a ser um ator político principal. E não abdicam, tampouco,
apesar das contradições internas, à “guerra” contra as drogas. Com
estas condições não se pode descartar que se renovem os investimentos
militares estratégicos em grande escala na Colômbia. Por enquanto,
porém, eles acreditam na rendição das Farc. Observe-se que, à
diferença de 1998, eles não expressaram seu apoio ao processo de
negociação, mas apenas ao governo, como quem diz que está atento aos
seus sinais, e se for necessário retomar as atividades está pronto
para ajudar.
CM – A esquerda da Colômbia se fortalece com a paz?
HM – É difícil aplicar a denominação “esquerda” a um ou outro grupo.
Pelo menos na Colômbia. Durante o governo de direita, totalitário e
personalista de Uribe, até o tradicional partido Liberal esteve na
oposição. Formou-se e tomou força uma frente política como o Polo
Democrático Alternativo, que incluía grupos de linha revolucionária,
ainda que, em termos gerais, tenha sido apenas social-democrata e
nacionalista. Também surgiram novos grupos, que, devido a seu discurso
contra os políticos profissionais (¡Corruptos!), pareceram de
contestação. Por exemplo o mal denominado partido Verde, que no
exterior alguns qualificam equivocadamente como de esquerda*. Com
Santos e suas ofertas de “unidade nacional”, o panorama muda
substancialmente. Junto ao partido Liberal, muitos grupos abandonaram,
já explicitamente, a oposição. O PDA se divide. A última cisão se
relaciona também com a aparição da Marcha Patriótica como movimento
social e político que se define principalmente em torno do respaldo ao
processo de negociação. A direção do PDA considera incompatível
pertencer a esse movimento e a militância no Polo. A verdade é que o
Polo acabou criptografando sua existência política ao tentar evitar
qualquer acusação de relação com as Farc, o que tem sido o argumento
principal da direita contra seus adversários. Seu futuro, porém, é
bastante incerto, não só pelo desmantelamento que sofreu senão porque
a direita nunca está satisfeita e seguirá exigindo provas de
inocência, ao ponto que tende a manter silêncio sobre o tema mais
importante da conjuntura, ou seja, a negociação. A menos que se forme
fila ao lado do governo para atacar e pressionar as Farc. Quanto à
Marcha, o certo é que, a pesar de manifestações em torno de diversos
temas, ela segue centrada na questão da negociação. A caracterização
de como será o futuro canal de expressão legal das Farc tem mais de
macarthismo do que de valoração política real. Tenho que dizer,
finalmente, que é muito difícil fazer um cálculo sobre o panorama
partidário futuro ou até mesmo sobre as negociações em curso. É claro
que entendo o sentido d pregunta, ou seja, se se espera, de um
possível acordo com a insurgência, um processo democratizador de tal
natureza que permita o fortalecimento de uma esquerda que logre
grandes mudanças por via eleitoral como no resto da América Latina.
Mas sem dúvida é muito cedo para sabermos.