"A LUTA DE UM POVO, UM POVO EM LUTA!"

Agência de Notícias Nova Colômbia (em espanhol)

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A violência do Governo Colombiano não soluciona os problemas do Povo, especialmente os problemas dos camponeses.

Pelo contrário, os agrava.


sexta-feira, 5 de outubro de 2012

Sucesso dos diálogos de paz com Farc depende de reformas políticas e sociais

As negociações entre o governo da Colômbia e as Farc terão início no próximo dia 17, em Oslo, Noruega. A brasileira Ana Carolina Ramos e a colombiana Manuela Ojeda, que atuam no projeto Agenda Colômbia-Brasil, concederam entrevista exclusiva à Carta Maior e afirmaram que diálogos de paz só terão resultado positivo se as questões políticas, econômicas e sociais que alimentam o conflito há mais de 50 anos forem resolvidas. 

Ana Paula Salviatti 
Fonte: Carta Maior 

São Paulo - No próximo dia 17, representantes do governo da Colômbia e das Forças Armadas Revolucionárias da Colômbia (Farc) sentarão à mesa para discutirem um acordo de paz. O primeiro dos encontros ocorrerá em Oslo, na Noruega, e será acompanhado pelo governo local e diplomatas de Venezuela e Chile, países que atuarão formalmente como observadores. Para falar sobre esse e outros assuntos relevantes da história colombiana, Carta Maior entrevistou Ana Carolina Ramos, doutoranda em História Econômica pela USP, e a colombiana Manuela Ojeda, mestranda em Geologia pela mesma universidade. Ambas atuam no projeto Agenda Colômbia-Brasil, iniciativa que busca aproximar ativistas e movimentos sociais dos dois países, e Manuela é ainda representante da Marcha Patriótica em São Paulo, movimento de caráter político e social que busca fortalecer o campo popular na Colômbia. Veja, a seguir, os principais trechos da entrevista. 


Carta Maior – Outra vez a Colômbia tenta abrir o diálogo entre o
Estado e as Farc. Qual sua expectativa e qual a chance de sucesso?

Manuela Ojeda – As iniciativas pela paz na Colômbia têm surgido de
diversos setores, tanto dos governos, as guerrilhas e diversos
movimentos políticos oriundos da sociedade civil. Desafortunadamente,
essas tentativas não tiveram sucesso. Podemos citar o caso do partido
político UP (União Patriótica), criado na década dos 80, com férreas
convicções de alcançar a paz, a reconciliação nacional, e uma proposta
real de mudança pautada na democratização do país. As cifras do horror
referentes a este período falam de cinco mil vítimas, com assassinatos
e desaparecimentos de dirigentes, militantes de base e simpatizantes
da UP. Essa tragédia nacional configura-se como um genocídio político
que até os dias de hoje não tem condenados, mesmo sabendo-se quem
foram perpetradores desse hediondo crime: forças paramilitares e a
direita que estava no governo colombiano. Agora, a uma nova esperança
nasce diante do esgotamento da saída militar e da constante pressão
social. Mas há várias dificuldades, como a exclusão dos diversos
setores da sociedade colombiana e a instalação de mesas em meio à
confrontação militar. Isso precisa ser resolvido no transcurso das
conversações, ou teremos outro intento falido na busca pela paz na
Colômbia. Os pontos de diálogo são: política de desenvolvimento
agrária integral; participação política; fim do conflito; solução para
o problema das drogas ilícitas; e as vítimas do conflito. É preciso
lembrar que não existe solução política ou acordos possíveis sem
modificar as condições estruturais que geram o conflito. Nesse
sentido, a solução política vai além dos diálogos, é um processo
extenso e profundo que exige uma reforma estrutural do governo e da
própria sociedade colombiana. 

Carta Maior – Você é ativista da Marcha Patriótica e a representa em
São Paulo. Quais os objetivos desse movimento?

Manuela Ojeda – A Marcha Patriótica congrega mais de 1.800
organizações de diversos setores sociais e populares. Eles decidiram
tomar em suas mãos o exercício da política para avançar conseguirmos a
definitiva independência. Em termos sintéticos, o movimento se propõe
a lutar pelos seguintes eixos:

- Solução política ao conflito social e armado
- Democratização da sociedade, do Estado e do modelo econômico
- Modo alternativo de vida, produção, e novas formas de poder e economia
- Garantia efetiva e materialização dos direitos humanos integrais
- Dignificação e humanização do trabalho
- Reparação integral para as vítimas da violência estatal e paramilitar
- Organização democrática do território e reformas agrária e urbana integrais
- Cultura para a solidariedade e a transformação da ordem social
- Integração da América Latina, internacionalismo e continuidade das
lutas pela independência

O movimento considera que a solução política do conflito, com a mais
ampla e ativa participação popular, de todos os setores progressistas
da sociedade colombiana e da comunidade internacional, se constitui em
um imperativo ético e político para avançar na construção da paz
justa, democrática e com soberania popular e justiça social. Nós
superamos o entendimento que reduz o conflito exclusivamente a uma
contenda militar e limita, portanto, as possibilidades de sua solução
a uma saída militar ou a um simples acordo entre as partes diretamente
comprometidas na contenda, tal como pretendem setores estatais,
militaristas e de extrema-direita. A continuidade da guerra, além de
produzir o sofrimento da população, beneficia somente àqueles setores
da sociedade que historicamente se beneficiaram dela para manter um
regime antidemocrático, excludente e de privilégios econômicos a seu
favor.
A Marcha Patriótica luta pela superação tanto do intervencionismo
militar estrangeiro, que sustenta interesses imperialistas na Colômbia
e na região, como luta contra a crescente militarização da vida
política, econômica, social e cultural. A Marcha Patriótica ainda
manifesta seu compromisso para dar continuidade a múltiplos esforços
sociais e populares de comunidades camponesas, indígenas,
afrodescendentes e de amplos setores da sociedade para a realização de
constituintes regionais e locais, que derivem em uma assembleia
nacional pela solução política e a paz. 

Carta Maior – Como é a convivência entre a Marcha Patriótica e o
governo da Colômbia?

Manuela Ojeda – A resposta dos grupos dominantes frente ao novo
movimento não se fez esperar. Somos vítimas de estigmatização por
parte da mídia e de setores de direita que envolve até o presidente
Juan Manuel Santos. Ele mesmo questionou a legalidade da Marcha
Patriótica como setor de oposição política dentro do jogo legal e
democrático do país. Mas as reações não ficaram apenas no plano da
retórica. Dias depois do lançamento oficial do movimento, um dirigente
desapareceu: Hernán Henry Diaz. Em seguida, foi assassinado o
guarda-costas Mao Enrique Rodríguez, que era militante do Partido
Comunista Colombiano e militou na exterminada União Patriótica. Mais
recentemente, foram presos cinco líderes da Marcha Patriótica sem
quaisquer explicações. 

Carta Maior – A Colômbia recebe influência direta dos Estados Unidos
desde os anos 60, com o chamado Plano Laso (Latin American Security
Operation). Qual a intensidade dessa influência hoje e quão relevante
ela é na condução política do país?

Ana Carolina Ramos – Na verdade, a presença norte-americana em solos
colombianos é anterior ao Plano Laso. Seu início nos remete a 1903,
quando os EUA apoiaram o exército do Panamá, antigo território
colombiano, a proclamar sua independência. Dessa forma, os EUA
obtiveram permissão, por parte do país independente Panamá, para
construir o canal que liga o Atlântico ao Pacífico. Nota-se que a
Colômbia é o único país da América do Sul a ter saída para os dois
oceanos (Atlântico e Pacífico), portanto, geograficamente, é um
território de interesse estratégico do ponto de vista econômico,
político e militar. Desde então, a presença norte-americana em solos
colombianos tem sido frequente, passando pela criação da Organização
dos Estados Americanos (OEA) em Bogotá, em 1948, até os dias atuais,
com o Plano Colômbia. 

CM – Qual sua avaliação do Plano Colômbia?
Ana Carolina Ramos – Este plano, iniciado em 2000, tinha como pretexto
acabar com o narcotráfico na Colômbia, mas na verdade se dirigia às
comunidades camponesas sob a influência da Farc. Em seguida, os EUA
passaram a apoiar o Plano Patriota, segunda fase do Plano Colômbia,
fornecendo um amplo aparato tecnológico militar, com o objetivo de
exterminar a guerrilha. Atualmente está em curso o Plano Espada de
Honra, posto em prática pelo atual presidente Juan Manuel Santos, que
além de ter como objetivo exterminar a guerrilha e, principalmente,
seu secretariado, pretende inserir a sociedade civil na guerra
incentivando a população a delatar possíveis guerrilheiros ou pessoas
de movimentos sociais que supostamente teriam vínculos com a
guerrilha. Isso é um problema, tendo em vista que as pessoas acusadas
muitas vezes não possuem vínculos com a guerrilha, sendo apenas
militantes de diversos segmentos, sejam eles sindicais, estudantis ou
camponeses. Tal prática só ajuda a aumentar o número de presos
políticos existentes hoje na Colômbia, que atualmente chega a oito
mil. Além disso, os EUA coroam sua hegemonia sobre a Colômbia por meio
do TLC (Tratado de Livre Comércio), que entrou em vigência em maio
deste ano, e dos acordos feitos em 2009 entre o ex-presidente
colombiano Álvaro Uribe e o atual presidente dos EUA, Barack Obama,
para a instalação de sete bases militares norte-americanas em
território colombiano. 

Carta Maior – A formação das Farc nos remete aos anos de governo da
Frente Nacional, há cinquenta anos, que legaram ao país um
bipartidarismo autoritário e violento. Como isso se deu?

Ana Carolina Ramos – O desenho político colombiano de hoje, em grande
medida, se configurou no período da Frente Nacional, um governo de
coalizão entre os partidos Liberal e Conservador que durou 16 anos
(1958-1974). Nesse período foi instituída a paridade partidária em
toda e qualquer esfera administrativa, além do critério de alternância
presidencial entre os dois partidos. O problema do ponto de vista da
consolidação de instituições liberais-democráticas é que a nova
fórmula excluiu a participação de atores políticos que não estivessem
ligados aos partidos Liberal e Conservador, deixando à margem do
sistema político as organizações que gravitavam fora da órbita do
sistema bipartidário. Além disso, um dado que considero decisivo para
a análise da relação do Estado e sociedade civil na Colômbia é que dos
196 meses de duração da Frente Nacional, 126 foram sob
estado-de-sítio, ou seja, 65% do período de sua vigência. Conforme os
decretos que instituíram o estado-de-sítio, ficaram comprometidos
direitos básicos de cidadania, como: difusão de notícias a respeito
das questões políticas do Estado, liberdade de ir e vir, liberdade de
imprensa e, fundamentalmente, a possibilidade de organização e
contestação pública, requisito básico para a formação dos interesses
no âmbito da sociedade civil a serem levados em consideração pelo
poder público. É nesse contexto de impossibilidade de contestação e
oposição política no interior do regime que foram fundadas as Farc, em
1966.