"A LUTA DE UM POVO, UM POVO EM LUTA!"

Agência de Notícias Nova Colômbia (em espanhol)

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A violência do Governo Colombiano não soluciona os problemas do Povo, especialmente os problemas dos camponeses.

Pelo contrário, os agrava.


quinta-feira, 17 de abril de 2014

Fluxos de informação e poder


Julian Assange
ALAI AMLATINA, 11/04/2014.- Asilado na Embaixada do Equador em Londres desde junho de 2012, o australiano fundador de WikiLeaks, Julian Assange, figura como objetivo da Agência de Segurança Nacional [NSA] dos Estados Unidos no que chama um cronograma de caçada humana, segundo confirmaram recentes revelações de Edward Snowden. A acusação: ter difundido segredos do Departamento de Estado aos quais WikiLeaks teve acesso, reivindicando uma Internet e um jornalismo livres. Nas linhas que seguem, Assange expressa seus pontos de vista a um questionário formulado por ALAI a respeito de temas como globalização e governança de Internet; vigilância e segurança cidadã; transparência governamental e prestação de contas, e a vigilância cidadã sobre as autoridades.

ALAI: A Internet começou sua fase de expansão rápida num contexto global marcado pela “guerra contra o terror”, pelo aumento das restrições e violações dos direitos humanos, especialmente da privacidade e da intensificação da vigilância estatal. Na sua opinião, quais são as principais consequências deste contexto sobre a evolução da Internet?
Julian Assange: A Internet não só representa uma tendência, mas também várias. Com a Internet, a vigilância massiva penetrou no núcleo da sociedade humana internacional e a aliança de inteligência liderada pelos Estados Unidos, “Cinco olhos”[1], lhe deu poderes de vigilância sobre quase todos os seres humanos e organizações a nível mundial. Porém, o regime mundial de comunicações criado pela Internet também significa que a organização e o comércio são mais baratos, mais rápidos e não estão sujeitos a limites geográficos clássicos. No passado, o desafio para os movimentos pela justiça social era conquistar consensos e organizar-se de maneira eficiente para poder competir com as entidades que acumulam coerência organizativa em razão de seu tamanho e capacidade de coerção –como as grandes corporações e os governos-. Num mundo onde “o código é lei”, o âmbito legislativo não se limita aos governos nem a seus esteios empresariais. Isto está conduzindo, em forma incipiente, a um mercado livre de semi Estados: redes fluidas de associação que têm potestades de tipo estatal, por exemplo, sobre a moeda, a compilação de inteligência, as comunicações e as influências.
ALAI: A informação sempre foi simultaneamente vítima e arma de guerra, porém isto aumentou de maneira exponencial na era da sociedade da informação: manipulação de fatos, campanhas midiáticas alinhadas, jornalistas unidos às tropas, ataques dirigidos a meios de comunicação e jornalistas etc. No entanto, a Internet oferece também oportunidades sem precedentes para contra-arrestar esta manipulação da informação [como o próprio WikiLeaks o demonstrou ao quebrar a censura e revelar imagens da crua realidade das guerras em Afeganistão e Iraque]. Como se poderia manter esta perspectiva e desenvolvê-la mais?
JA: Se poderia desenvolver esta perspectiva vendo o fluxo de informação num contexto de relações de poder.
O fluxo de informação não é um fenômeno neutro. Se relaciona com o movimento do poder através de uma sociedade. Para a autodeterminação –seja como grupo ou como indivíduo- se necessita ter informação veraz. O processo de ser livre e de libertar-se é o processo coletivo e individual de assimilar nova informação sobre o mundo e de atuar sobre ela. Este mesmo processo é um dos fundamentos da civilização. Nas comunidades, significa que temos que ter a possibilidade de comunicar entre nós mesmos, de transmitir nossos conhecimentos e receber os dos demais. A informação é fundamental para nossa posição de poder frente ao mundo que nos rodeia. Um público bem informado é um público empoderado e é um público livre.
Os grupos de poder centralizado tratam de atuar contra isto. Um público mais livre significa uma autoridade central menos potente, e as autoridades centrais sempre buscam manter ou fazer crescer seu poder. O poder tratará de controlar ou influir nos fluxos de informação com o fim de consolidar sua própria posição de poder. Tentará ocultar a informação às maiorias, restringindo seu acesso a uma pequena elite que assim terá capacidade de organizar-se com rapidez e deixar fora de jogo aos demais; e tratará de dar às maiorias informação falsa, de maneira que, quando estas tentem atuar por seu próprio interesse, vacilem.
Os meios de comunicação não são senão fluxos de informação estruturados. Um meio é uma estrutura sobre a qual flui a informação, normalmente respaldada por uma tecnologia que determina suas propriedades. Dependendo das propriedades de um meio, este pode ser mais ou menos democrático em seu acionar.
No passado, tivemos formas de meios de comunicação que favorecem o poder centralizado –como meios de-um-para-muitos, tal é o caso do rádio e da televisão, o que se chama os “mass media” na teoria da comunicação. Devido ao fato de que são centralizados, são fáceis de controlar e, por isso mesmo, facilmente subjugados por outros grupos de poder. Por esta razão, dizemos que estes meios de comunicação são inerentemente propensos a trair seu propósito declarado.
Porém, há outras formas de meios de comunicação suscetíveis de serem mais honestos. A Internet permite um montão de diferentes formas de comunicação de-muitos-para-muitos. É mais difícil de controlar por parte dos grupos de poder, ainda que há sérios esforços em marcha.
Há campanhas de astroturfing[2] na Internet, e todo tipo de informação errônea, desinformação e propaganda suja. Porém, estas coisas sempre existiram. Em comparação com o empoderamento das comunidades que a Internet permite, as vantagens que apresenta para a manipulação da informação são menores. A propaganda está em desvantagem na Internet.
Há muitos aspectos da Internet que não estão suficientemente descentralizados, como sua infraestrutura física, por exemplo. Isso faz com que seja mais vulnerável à vigilância massiva, se bem que não oferece maior vantagem ao Estado no plano das relações públicas, da propaganda ou da desinformação. A mostra disso é o fato de que, ainda que a NSA tenha predomínio no nível da infraestrutura –pode escutar quase todas as comunicações eletrônicas que atravessam a Internet-, no entanto está perdendo a batalha de relações públicas em todo o mundo.
ALAI: Este contexto também inclui uma nova fase do militarismo estadunidense no cenário mundial, onde a guerra cibernética se converteu num elemento estratégico da guerra. Quais são as principais ameaças desta situação para que a Internet continue sendo uma infraestrutura aberta e globalmente interconectada? Que se poderia fazer para defender a Internet como uma zona de paz?
JA: Em lugar de pensar em quão nefasto é para a humanidade mundial militarizar o software, os EUA estão escalando uma carreira mundial de armas eletrônicas. A rede é complexa e interatua com nossas sociedades de maneira complexa. A militarização de um espaço tão complexo é temerária. Os firewalls para as organizações já existem, porém o que virá logo serão firewalls para os Estados, à medida que estes tratem de introduzir mecanismos similares à preservação da integridade territorial.
A defesa da Internet suporá –certamente- a criação de um marco jurídico que seja vinculante para os Estados e que estabeleça a Internet como um campo inviolável. Porém, todos sabemos que os Estados não costumam cumprir com a lei. Assim que também será necessário redesenhar a Internet e implementar reformas técnicas [“o código é a lei”]. Na base deste esforço estará a criptografia. Necessitamos de dados cifrados desde a camada de transporte para cima. No fim das contas, será a matemática que põe limites às superpotências, como também foi a matemática que permitiu a criação destas através dos monopólios de armas termonucleares.
ALAI: Quais consideras que são os aspectos mais relevantes das revelações de Edward Snowden e de suas repercussões? Que implicações têm para o futuro da Internet? Que passos poderiam dar os países em desenvolvimento para proteger suas comunicações da espionagem ?
JA: Os documentos que Edward Snowden divulgou contêm muitos detalhes técnicos que são de grande valor para os desenvolventes de software, ativistas da privacidade e indivíduos cuja vida e segurança dependem da integridade e da segurança de seu software e hardware. Ali radica o valor indubitável para as comunidades de expertos que construirão a próxima geração da tecnologia para garantir privacidade. Em WiliLeaks estamos sistematizando nossa própria experiência com a informação dos documentos revelados para melhorar nossas práticas, e nossos técnicos e desenvolventes de software estão dedicados a melhorar uma série de tecnologias de ponta, melhorias que em seu devido tempo beneficiarão ao usuário comum.
Porém, a coisa mais importante que o Sr. Snowden tem feito é despertar a civilização mundial para a compreensão de que a vigilância massiva é real. Há um ano, os jornalistas não haviam publicado que a NSA estava vigiando a Internet inteira. Vários jornais se negaram –para seu descrédito- a dedicar espaço ao assunto. O Sr. Snowden estava longe de ser o primeiro denunciante da NSA para alertar-nos sobre isto, porém foi ele quem, finalmente, encheu o copo com provas documentais atuais e autenticadas pelas dimensões da caçada que o governo dos EUA lançou.
O hemisfério sul tem que proteger suas populações da vigilância. Na América Latina, quase todas as conexões à Internet mundial passam através de cabos de fibra ótica que atravessam os Estados Unidos. Esta é uma questão de soberania e de competitividade econômica. Os países necessitam formar alianças industriais para criar a infraestrutura física alternativa para a Internet, para que suas comunicações não tenham que atravessar as fronteiras de um vigilante depredador do calibre dos Estados Unidos, do Reino Unido ou seus aliados. Também devem considerar o fortalecimento de sua própria infraestrutura, mediante a regulação do setor dos provedores de Internet, de maneira que seja obrigatório aplicar um forte cifrado de dados nos enlaces de comunicação.
Os países que prezam sua soberania deveriam anular seus contratos com empresas estadunidenses, e rechaçar as doações de infraestrutura e tecnologia subvencionada de superpotências como China e Estados Unidos. Não devem utilizar hardware de criptografia controlada pelos EUA, devido a que esse hardware tem uma longa história de “portas traseiras”. Devem fazer obrigatório o uso de hardware e software livres, cujo-código fonte esteja aberto para que qualquer pessoa possa examiná-lo, e devem apoiar financeiramente aos desenvolventes e comunidades de desenvolvimento com o objetivo de fomentar os bens comuns de software, em escala mundial, em tecnologia segura e fidedigna, que todos os países podem utilizar.
Eles deveriam liderar o caminho, ao adotar leis progressistas de liberdade de expressão e proteção de dados, e abandonar qualquer política de vigilância do estilo da NSA que tenham implementado. Os países onde não se invade a privacidade dos clientes serão lugares atrativos para as empresas de Internet preocupadas pela privacidade que buscam distanciar-se dos Estados Unidos. O Sul global pode atrair empresas e promover o crescimento de seus setores de Internet na medida em que se diferenciem das práticas prejudiciais dos Estados Unidos e seus aliados nas esferas da inteligência.
No âmbito internacional, devem tratar de desenvolver um consenso para proibir o uso de armas de vigilância massiva contra a população. Tem-se que adotar um marco internacional que permita levar ante a justiça os Estados que pratiquem a vigilância massiva. Nenhum país pode aspirar a competir com os EUA em matéria de vigilância massiva; devido a sua posição geográfica de “aranha no centro” dos fluxos e telecomunicação, o melhor é matá-la de fome. Eles devem tratar de aproveitar suas posições nos comitês internacionais para influir na adoção de padrões web na direção correta. Aos EUA não se lhes deve permitir que menosprezem os padrões de cifrado e de comunicações para aumentar seu acesso. Todas as normas impulsionadas pelos EUA ou seus aliados devem ser consideradas como suspeitas. Outros países deveriam pressionar diplomaticamente os Estados Unidos e as demais potências em espionagem e tratar de empreender ações legais contra esses países pela violação dos direitos de privacidade de seus próprios cidadãos.
ALAI: Enquanto as tecnologias digitais amplificam enormemente as possibilidades de que os Estados e as corporações pratiquem a vigilância e a compilação de dados, também podem, como WikiLeaks enfatizou, aumentar a possibilidade de vigilância da cidadania sobre as autoridades públicas. Quais seriam tuas recomendações quanto à legislação e as políticas públicas nesta matéria?
JA: Fundei um amplo programa de reforma legislativa na Islândia em 2009 e 2010, orientado precisamente para este propósito. Se lhe chamou o IMMI [sigla em inglês] –a Iniciativa Islandesa de Meios Modernos-, e grande parte dela surgiu das ideias que havíamos tido no curso de nosso trabalho sobre a criação de um abrigo para os serviços de Internet. Foi elaborado para proporcionar a melhor proteção possível para os editores, jornalistas honestos e empresas de Internet e para dar um impulso a um setor de Internet islandês, ao atrair investimentos e inovação. Inclui leis inovadoras de proteção da fonte, da proteção de arquivos, e leis que impedem tentativas de processar injustamente desde outra jurisdição. A proposta completa se encontra disponível on-line (https://immi.is/). Tudo o que necessita é que algum país pequeno implemente algo parecido à IMMI, e a pressão devido à competição atrairá as empresas de Internet a investir na jurisdição. Na atualidade, nenhum país é visto como o “farol da colina” em matéria legislativa no que se refere à instalação dos serviços de Internet, porém, doravante os países que adotem reformas legais do estilo do IMMI serão vistos não só como líderes mundiais, como também como o melhor lugar para instalar uma empresa de Internet de alta tecnologia.
ALAI: A Internet demonstrou que tem um grande potencial para ampliar o acesso à informação e ao conhecimento, e para facilitar a participação democrática, a transparência, o intercâmbio de informação e a expressão pública. Porém, isto está agora sob ameaça, entre outras coisas, devido ao crescente controle corporativo, junto com as tentativas de legislar restritivamente sobre a “pirataria” e a propriedade intelectual [como os projetos de lei SOPA e PIPA nos EUA, ou a negociação de acordos internacionais tais como ACTA ou o TPP[3]. Quais seriam os aspectos mais fundamentais a considerar para evitar este tipo de ameaças e garantir que a Internet continue desenvolvendo-se como um espaço público aberto?
JA: O aspecto mais fundamental a ter presente está no plano conceitual. O conceito de “propriedade intelectual” está enfrentando tempos difíceis nos últimos anos, devido ao fato de que é antagônico à ideia mesma de Internet. Certos setores estabeleceram grandes centros de poder antes da Internet, todos eles baseados no conceito de “propriedade intelectual”. Agora, esse conceito está se tornando cada vez mais difícil de sustentar, da mesma maneira em que uma chama perde lentamente sua coesão. Estes lobbies temerosos impulsionaram uma explosão de legislações para tornar-se com o controle dos condutos de Internet, bloqueando determinados fluxos de informação, tratando de evitar que os monopólios da informação se dissolvam. Estas propostas vêm do mundo empresarial, porém são acolhidas por certos governos que buscam pretextos para estender seu controle sobre a Internet.
Porém, o problema imediato é o TPP e a proposta de globalizar as leis restritivas estadunidenses de “propriedade intelectual” através dos acordos comerciais mútuos. Os países do TPP representam mais de 40% do PIB mundial. Sua intenção geopolítica é um bloco “comercial” dominado pelos EUA para excluir a China. Por exemplo, Equador, como país do Pacífico, ainda não é parte do TPP, porém, se se aprova esse tratado, terá o efeito de fazer com que a interpretação radical dos EUA sobre leis de propriedade intelectual se converta em norma permanente nesse hemisfério. O Equador –como país que ainda está em vias de adotar plenamente a Internet- terá muito que perder se fica cercado por marco legal que oferece vantagens comerciais aos interesses estadunidenses. Se o TPP passa, os mesmos interesses tentarão utilizar esse impulso para impor essas normas na Europa também, através da associação EUA-UE: o TTIP. Os aspectos tradicionais da propriedade intelectual –os entraves à cultura, à medicina e outros elementos que são essenciais para a realização humana- não são as únicas ramificações possíveis deste cenário.
Podemos esperar que à lei de PI cada vez mais se a utilize abusivamente fora desse âmbito para pôr em suspeita a soberania da Internet na América Latina, como também na costa asiática do Pacífico. Em outubro passado divulgamos um esboço recente do capítulo de Propriedade Intelectual do TPP, e isto teve uma influência que galvanizou a oposição ao TPP. Já se retardou sua passagem pela legislatura nos EUA. Ademais do ativismo frente à vigilância da rede e da produção de alternativas de tipo “o código é a lei”, assegurar a derrota desse tratado é a meta mais importante em torno da qual podemos canalizar a energia e o esforço de forma mais eficaz neste momento.
- Julian Assange é editor chefe de WikiLeaks.

Tradução: Joaquim Lisboa Neto

Notas:

[1] NdE - A chamada Aliança “Cinco Olhos” é um programa conjunto de vigilância de Estados Unidos, Reino Unido, Austrália, Nova Zelândia e Canadá. As últimas revelações dos documentos de Snowden dão conta de propostas explícitas no seio deste grupo para explorar Twitter, Facebook, Youtube e outras redes sociais como plataformas secretas para a propaganda, com o propósito de “usar as técnicas on-line para fazer com que algo suceda no mundo real ou virtual”, incluindo “operações de informação [influência ou perturbação]”. [Fonte: The Intercept]

[2] Astroturfing: [originalmente se referindo a uma marca de gramado artificial] É um neologismo inglês que se refere a uma técnica de relação pública e intriga onde uma organização ou corporação poderosa cria um suposto movimento de base para dar a falsa impressão do apoio popular a sua tese.

[3] SOPA – Projeto de lei de repressão à pirataria on-line; PIPA – Projeto de lei contra ou roubo da propriedade intelectual; ACTA – Acordo Comercial Anti Falsificação; TPP – Acordo Estratégico de Associação Trans-Pacífico.

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* Artigo publicado em América Latina en Movimiento, No. 494 (abril 2014) intitulado “Internet, poder y democracia”. 
http://www.alainet.org/publica/494.phtml